terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Discurso subversivo

Do blog da Kika Castro


Texto escrito por José de Souza Castro:
Já que Abraham Lincoln voltou a ficar popular entre nós, pela magia de Steven Spielberg, seria conveniente pregar mais uma vez o fim da escravidão no Brasil. Assim:

O período atual não é de conservação, é de reforma. Tão extensa, tão larga e tão profunda que possa chamar Revolução; de uma reforma que tire esse povo do subterrâneo escuro da escravidão onde ele viveu sempre, e lhe faça ver a luz.

Que reforma é essa? É preciso dizê-lo com a maior franqueza: é uma lei de abolição que seja também uma lei agrária.
Levantando pela primeira vez a bandeira de uma lei agrária, a bandeira da constituição da democracia rural.
Não há outra solução para o mal crônico e profundo do povo senão uma lei agrária que estabeleça a pequena propriedade.
Que abra um futuro pela posse e pelo cultivo da terra.
Esta congestão de famílias pobres, esta extensão de miséria, porque o povo não vive na pobreza, vive na miséria, estes abismos de sofrimento não têm outro remédio senão a organização da propriedade da pequena lavoura. É preciso que os brasileiros possam ser proprietários de terra, e que o Estado os ajude a sê-lo. Não há empregos públicos que bastem às necessidades de uma população inteira. É desmoralizar o operário acenar-lhe com uma existência de empregado público, porque é prometer-lhe o que não se lhe pode dar e desabituá-lo do trabalho que é a lei da vida.
O que pode salvar a nossa pobreza não é o emprego público, é o cultivo da terra, é a posse da terra que o Estado deve facilitar aos que quiserem adquiri-la, por meio de um imposto, o imposto territorial. É desse imposto que nós precisamos principalmente, e não de impostos de consumo que nos condenam à fome, que recaem sobre as necessidades da vida e sobre o lar doméstico da pobreza.
Ninguém neste país contribui para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres. O pobre carregado de filhos paga mais imposto ao Estado do que o rico sem família. É tempo de cessar esse duplo escândalo de um país nas mãos de alguns proprietários que nem cultivam suas terras, nem consentem que os outros cultivem, que esterilizam e inutilizam a extensão e a fertilidade de nosso território; e de uma população inteira reduzida à falta de independência que vemos.
A propriedade não tem somente direitos, tem também deveres, e o estado da pobreza entre nós, a indiferença com que todos olham para a condição do povo, não faz honra à propriedade, como não faz honra aos poderes do Estado.
Bem, eu não poderia escrever isso há 40 anos. Poderia, talvez, mas não teria onde divulgar o escrito. E nem o escrevi neste momento. Se escrevesse, estaria plagiando Joaquim Nabuco. Isso aí, com cortes entre uma ou outra frase, foi falado por ele, em discurso feito no século 19, antes da libertação dos escravos brasileiros.
Mas está extremamente atual, para pesar nosso.

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