quarta-feira, 31 de julho de 2013

Francisco em Aparecida - a vida que nada vale

Pois é... as televisões e os jornalões não dizem nada...

A vida que nada vale

Por Carlos Brickmann (do Observatorio da Imprensa)

Os meios de comunicação cobriram amplamente a visita do papa ao Brasil. Deram destaque a uma série de eventos escandalosamente negativos: o erro de trajeto que colocou Francisco no meio de um congestionamento de trânsito, a falha do metrô que deixou centenas de peregrinos, com os bilhetes pagos, sem acesso aos trens, a falta de ônibus que obrigou os participantes da Jornada Mundial da Juventude a andar quilômetros a pé, ou a depender da boa-vontade de fiéis que se empenharam em conseguir-lhes alguma carona. Matérias completas.

Mas houve silêncio em torno do sofrimento inútil imposto aos fiéis pela absoluta falta de competência das autoridades que coordenaram a visita do papa. Em Aparecida (SP), milhares e milhares de peregrinos esperaram ao desabrigo a chegada de Francisco, sob chuva e frio – frio forte, recorde dos últimos 50 anos, mais gelado ainda se considerarmos que todos estavam molhados. Mais de cem fiéis foram hospitalizados, com frio e com fome.
De acordo com as autoridades, em Aparecida havia pouco mais de quatro mil militares cuidando da visita do papa. Ninguém para oferecer aos peregrinos um chá quente, que fosse? Uma sopa? Capas de chuva? Alguém para coordenar uma oferta de emergência de lugares para que esperassem, minimamente protegidos da chuva e do frio? Não, não poderiam todos abrigar-se na Basílica, que é grande mas não comporta tanta gente. Nem seria essencial abrigá-los com conforto, mas pelo menos tirá-los da condição temporária de sem-teto e com-chuva.

Enfim, não foi o único momento em que as autoridades demonstraram não ter planejamento, organização nem compaixão. O que intriga é o comportamento dos meios de comunicação: havia repórteres por ali, muitos repórteres. Mas o drama dos que não tinham onde esperar, nem o que comer, nem onde comprar alguma coisa, este passou longe dos jornais, da Internet, da TV, do rádio. Faltou alguém que, em vez de ouvir declarações de autoridades civis, militares e eclesiásticas, pensasse no lado humano e fizesse ao menos uma side-story. O que não faltava, aliás, era material para side-stories: de onde vieram os peregrinos, onde pensavam hospedar-se, se traziam ou não dinheiro suficiente para alimentar-se, se vieram sozinhos ou com parentes e amigos. Tudo, enfim, que retira dos meios de comunicação a cara de Diário Oficial e os transforma em protagonistas dos acontecimentos que testemunham. Reportagem sem gente é sempre incompleta.

Quanto às autoridades, não custa lembrar que o governador paulista Geraldo Alckmin nasceu e iniciou-se na política em Pindamonhangaba, ali pertinho de Aparecida. Não custa lembrar que Aparecida tem prefeito, Márcio Siqueira, tucano como o governador Alckmin; e que a primeira-dama da cidade é também secretária da Promoção Social. Talvez não fosse possível prever a chuva. Mas, no inverno, eles sabem que ali faz muito frio. E que os milhares de peregrinos ficariam sem abrigo, sem comida, sem apoio. As autoridades, como os meios de comunicação, parecem só ter pensado nas cerimônias, no evento, nas autoridades, nas declarações. O povo era apenas um detalhe.

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