segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O mensalão PSDB-MG é lindo

Pois é... pois é... 2015! Quem diria!!!


O mensalão PSDB-MG é lindo

dom, 29/09/2013 - 15:57
Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?
O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu. 
A primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso, nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a criminalidade.
Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos infringentes.
Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais tarde.
Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece muitos  detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula? 
A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.
Como é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do Brasil.  Ele foi  condenado como responsável pelos pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.
Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.
O problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,  remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o escândalo estourou.
Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis. 
Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para  quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.
Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros  – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.
Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o “maior escândalo de corrupção da história”,  nossos ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os tucanos.
Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?
Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente  sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.
Mas vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.
Quem conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado,  butim da campanha de 1998, sabe que não se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação penal 470.
No julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o STF atrás de si. 
Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais e revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo mundo de fazer  pizza. O STF veio atrás, como o presidente   Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente. Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os embargos possam beneficiar os réus.  
Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.
Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.
Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores.
Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político não existir?
É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.
Paulo Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

Geopolítica e Ética internacional

Seria mesmo a guerra "inevitável" num mundo de nações competitivas?

Geopolítica e Ética internacional

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/geopolitica-e-etica-internacional/)

Usar direitos humanos como pretexto para intervenções militares pressupõe hierarquia entre povos cuja ilegitimidade foi identificada já no século XVII
Por José Luís Fiori
“Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra
que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras.”
Hugo Grotius, O Direito da Guerra e da Paz, 1625
Por José Luis Fiori

Por definição, todo poder territorial é limitado e expansivo. Envolve a existência de fronteiras, e de algum tipo de “inimigo externo” ou “bárbaro”, de quem se defender e a quem “conquistar” e “civilizar”. Por isto, os projetos expansivos de poder sempre se revestem de algum sentido de missão, e adotam algum sentido moral e messiânico. E toda conquista vitoriosa produz e impõe algum tipo de discurso e de ordem ética “supranacional”. Em muitos casos, estes poderes expansivos se associaram com religiões que se propunham ajudar na conquista messiânica e na “conversão” dos povos bárbaros. E o mesmo aconteceu com o colonialismo europeu, até o momento em que adotou a retórica laica e universalista do “direito natural”, e mais recentemente, dos “direitos humanos” e das “intervenções humanitárias”.

Na hora do nascimento dos atuais estados europeus, e do início de sua expansão conquistadora ao redor do mundo, o jurista holandês, Hugo Grotius (1583-1645) — que foi um dos pais do direito internacional moderno – identificou a contradição fundamental do “universalismo ético” dos europeus. Grotius acreditava na existência do “direito natural, comum a todos os povos, tão imutável que não poderia ser mudado nem pelo próprio Deus” (1). Mas ao mesmo tempo, reconhecia que num sistema internacional formado por muitos estados, com identidades, culturas e interesses diferentes, sempre existiriam muitas “inocências subjetivas”, frente a uma mesma “justiça objetiva”. E nestas circunstancias, não haveria como arbitrar “objetivamente” quem teria a razão, nem como decidir sobre a legitimidade de uma guerra declarada entre dois povos que reivindicassem uma interpretação diferente dos mesmos fatos e direitos. Por isto, apesar de Grotius considerar que a “segurança” e a “paz” eram direitos inalienáveis de todos os homens e de todos os povos, também considerava que a guerra era um recurso inevitável, num sistema politico com muitos estados competitivos entre si.

Mesmo assim, Grotius nunca imaginou a possibilidade de uma guerra que tivesse como objetivo promover ou universalizar o próprio “direito natural dos homens”. Para ele, os direitos humanos e a fé religiosa eram uma conquista de cada homem e da cada povo em particular, e uma guerra feita em nome dos “direitos naturais”, seria uma contradição em si mesma, ou seria uma “guerra de conversão”, como as Cruzadas que ele abominava, apesar de ser um cristão fervoroso. Quase dois séculos depois, o filosofo iluminista alemão, Immanuel Kant (1724-1804), reconheceu a existência desta mesma contradição, no caminho do seu projeto de uma “paz perpétua” universal. Mas Kant acreditava na superioridade dos europeus, e defendia sua “missão civilizatória” no mundo. Por isso, propunha seu projeto de paz, mas considerava que primeiro os europeus teriam que converter o resto do “gênero humano” à mesma “ética internacional civilizada” que eles haviam criado. Para Kant, portanto, “no grau de cultura em que ainda se encontrava o gênero humano, a guerra era um meio inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tivesse se desenvolvido (Deus sabe quando), seria saudável e possível uma paz perpétua” (2).

Neste início do Século XXI, a contradição identificada por Grotius e Kant adquiriu muito mais força e extensão, com a multiplicação do numero de estados do sistema mundial, e com o fim da bipolaridade ideológica da Guerra Fria. Depois de 1991, muitos acreditaram na vitória do “cosmopolitismo europeu”, mas já no início do século XXI, todos perceberam que o sistema mundial segue sendo o mesmo, só que ficou ainda mais complexo e heterogêneo, do ponto de vista ético, cultural e religioso. E tudo indica que neste novo universo ampliado e sem ameaça comunista, as grandes potências ocidentais decidiram transformar a questão do “respeito aos direitos humanos”, no novo grande princípio ético legitimador das suas velhas “guerras civilizatórias”. Chama atenção, neste sentido, que todas estas guerras, das duas últimas décadas, tenham sido lideradas pelos mesmos países que compõem – simultaneamente — o “diretório militar” do mundo ocidental, e seu pequeno “círculo de criadores da moral internacional” (3) : Estados Unidos, Inglaterra e França. Ou seja, contra toda boa norma jurídica, neste momento da história internacional, os mesmos três países que formulam a ética, os direitos e as regras são os que julgam, condenam e punem quem eles consideram culpado, o que em geral já está definido de antemão. Com ou sem o consentimento do resto do “gênero humano”, que ainda não foi “civilizado”, e que não tem poder para dizer: basta!
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1. Hugo Grotius, 2005, O direito da guerra e da paz, Vol I, Editora Unijui, Ijui
2. Immanuel Kant, 2008, “ A paz perpétua, um projeto filosófico”, Lusofia;Press, Covilhã,
3. Edward H.Carr, 2001, “The twenty years crisis, 1919-1939”, Harper Collins, London,

A devastadora “modernidade” do novo Iphone5

Consumir, consumir, consumir... o último modelo já está à disposição! Joguem os antigos no lixo para comprar o mais novo sonho de consumo da modernidade!!!
Vejam o que está por trás de tudo isso!
Se quiser ver as fotos - deprimentes - do trabalho nas minas de estanho, veja aqui:

http://outraspalavras.net/blog/2013/09/26/a-devastadora-modernidade-do-novo-iphone5/



A devastadora “modernidade” do novo Iphone5

Suspeita de comprar estanho que é extraído por crianças e arrasa um paraíso ambiental, Apple reage tratando usuários como otários
Por Vinicius Gomes

Toda vez que um novo iPhone está para ser lançado, produz-se um frisson mundial. No caso do novo Iphone 5S, não foi diferente. Pessoas acamparam por semanas em frente à loja da Apple em Nova York, esperando que suas portas se abrissem. Quando isso finalmente ocorreu, foram saudadas pelos funcionários como se tivessem acabado de conquistar uma medalha de ouro nas Olimpíadas. Mas por trás de toda a fanfarra de marketing, existe uma realidade que quase nunca é acompanhada pela mídia com tanta empolgação como as filas em frente das lojas.

O jornalista britânico George Monbiot começou a revelá-la esta semana, em seu blog. A Apple, demonstrou ele, participa de um dos crimes ambientais que melhor expõem a desigualdade das relações Norte-Sul e a irracionalidade contemporânea. Ela provavelmente compra estanho produzido, na Indonésia, em relações sociais e de desprezo pela natureza que lembram as do século 19. Pior: convidada por ativistas a corrigir esta prática, a empresa esquiva-se – destoando inclusive de suas concorrentes. E, ao fazê-lo, usa argumentos que sugerem: trata o público e seus consumidores como se fossem incapazes de outra atitude mental além do ímpeto de consumo.

Monbiot refere-se ao uso, pelos fabricantes de celulares, do estanho extraído da ilha de Bangka, na Indonésia. O metal é indispensável para a soldagem interna dos smartphones. Cerca de 30% da produção global concentra-se na Indonésia – mais precisamente, em Bangka. O problema são as condições de extração.

O jornalista as descreve: “Uma orgia de mineração sem regras está reduzindo um sistema complexo de florestas tropicais e campos a uma paisagem pós-holocausto de areia e subsolo ácido. Dragas de estanho, nas águas costeiras, também estão varrendo os corais, os manguezais, os mariscos gigantes, a pesca e as praias usadas como ninhos pelas tartarugas”.

A cobiça pelo estanho barato não poupa nem a natureza, nem o ser humano. Monbiot prossegue: “Crianças são empregadas, em condições chocantes. Em média, um mineiro morre, em acidente de trabalho, a cada semana. A água limpa está desaparacendo. A malária espalha-se e os mosquitos proliferam nas minas abandonadas. Pequenos agricultores são removidos de suas terras”

Estas condições desesperadoras desencadearam reação de ativistas. A organização internacional Amigos da Terra articulou o movimento. Não se trata de algo conduzido por rebeldes sem causa. A campanha reconhece que eliminar a mineração seria uma proposta inviável, por desempregar milhares de pessoas. Propõe, ao contrário, um pacto. Todo o estanho produzido em Bangka é adquirido pelas corporações que fabricam celulares. Se elas concordarem em respeitar condições sociais e ambientais decentes, a exploração de gente e da natureza não poderá prosseguir.

Sete fabricantes transnacionais abriram diálogo com a campanha: Samsung, Philips, Nokia, Sony, Blackberry, Motorola e LG. A única das grandes fabricantes a se recusar foi a Apple – também conhecida por encomendar a fabricação de seus aparelhos às indústrias de ultra-exploração do trabalho humano da Foxconn.

O mais bizarro, conta Monbiot, são os estratagemas primitivos usados pela Apple para evitar um compromisso de respeito aos direitos e à natureza. O jornalista procurou por duas vezes, nos últimos dias, o diretor de Relações Públicas da empresa. Propôs, em nome da transparência, um diálogo gravado. Sugestão negada. Na conversa reservada, relata, não obteve informação alguma, exceto uma sugestão: dirija-se a nosso site.

Mas é lá, diverte-se Monbiot, que a Apple mais zomba da inteligência dos consumidores. A corporação informa, placidamente, que “a Ilha de Bangka, na Indonésia, é uma das principais regiões produtoras de estanho no mundo. Preocupações recentes sobre a mineração ilegal de estanho na região levaram a Apple a uma visitas de inspeção, para saber mais”. Mas a Apple não reconhece que compra o metal produzido em Bangka – provavelmente para não se comprometer com a campanha contra a exploração devastadora. O jornalista, então, pergunta: “Por que dar-se ao trabalho de uma visita de inspeção, se você não usa o estanho da ilha? E se você usa, por que não admiti-lo?”

Tudo isso sugeriria renunciar a um celular? Claro que não, diz Monbiot. Trata-se de exigir das empresas respeito a normas sociais e ambientais. Pressionadas, sete corporações transnacionais ao menos admitiram debater o tema. A Apple destoou. Quem tem respeito pelos direitos sociais e pela natureza deveria evitar os aparelhos da empresa, recomenda o jornalista.

Quem quer ir além pode, por exemplo, optar pelo Fairphone, celular produzido por empreendedores expressamente interessados em proteger direitos e ambiente. Estará disponível a partir de dezembro. Porém, mais de 15 mil unidades já foram vendidas, nos últimos meses a consumidores conscientes.



 

Humanidade ocupou o templo com o deus mercado

O presidente do Uruguai, que mora numa casa simples, anda em seu próprio carro e faz coisas que pouca gente acredita, em seu discurso na ONU surpreendeu novamente o mundo. Abaixo, um artigo que comenta o discurso proferido por ele. Quem quiser ver o vídeo com o discurso completo, pode ver aqui:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22775 


Mujica: "humanidade ocupou o templo com o deus mercado"

Destoando dos discursos feitos pelos seus pares durante a 68ª Assembleia Geral da ONU, o presidente uruguaio José Mujica criticou veementemente o consumismo e defendeu que “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história. "É através da ciência e não dos bancos que o planeta deve ser governado. “Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico é acima de todas as coisas, impulsionar e multiplicar a vida. Deveríamos ter um governo para a humanidade que supere o individualismo e crie cabeças políticas”.



O presidente uruguaio Pepe Mujica voltou a surpreender o mundo com o seu discurso desassombrado na última terça-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas. Aos jornais uruguaios, Mujica prometera um “discurso exótico” e de fato fugiu do protocolo ao dizer que “tem angústia pelo futuro” e que a nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”.

“Sou do Sul e carrego inequivocamente milhões de pessoas pobres na América Latina, carrego as culturas originárias esmagadas, o resto do colonialismo nas Malvinas, os bloqueios inúteis a Cuba, carrego a consequência da vigilância eletrônica, que gera desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios, de lutar por pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, com o dever de lutar pela tolerância.”

A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, sublinhou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas. A nossa civilização montou um desafio mentiroso”.

Para o chefe de Estado, que já havia surpreendido o mundo com o seu discurso durante a cúpula Rio+20, criamos uma “civilização que é contra os ciclos naturais, uma civilização que é contra a liberdade, que supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não se paga, que não se compra e que é o que nos permite ter tempo para viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e família transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.

Mujica defendeu a utilidade da produção de recursos no mundo: temos que “mobilizar as grandes economias não para produzir descartáveis com obsolescência programada, mas para criar coisas úteis para a população mundial. Muito melhor do que fazer guerras. Talvez nosso mundo necessite de menos organismos mundiais, destes que organizam fóruns e conferências. E que no melhor dos casos ninguém obedece”. “O que uns chamam de crise ecológica é consequência da ambição humana, este é nosso triunfo e nossa derrota”.

E defendeu que é através da ciência e não dos bancos que o planeta deve ser governado.

Paz e guerra

“A cada 2 minutos gastam-se 2 milhões de dólares em orçamentos militares. As investigações médicas correspondem à quinta parte dos investimentos militares”, criticou o presidente ao sustentar que ainda estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”, defendeu o mandatário ao criticar a política da guerra.

Assim, criamos “este processo do qual não podemos sair e causa ódio, fanatismo, desconfiança, novas guerras; eu sei que é fácil poeticamente autocriticarmos. Mas seria possível se firmássemos acordos de política planetária que nos garanta a paz”. Ao invés disso, “bloqueiam os espaços da ONU, que foi criada com um sonho de paz para a humanidade”.

O uruguaio também abordou a debilidade da ONU, que “se burocratiza por falta de poder e autonomia, de reconhecimento e de uma democracia e de um mundo que corresponda à maioria do planeta”.

“Nosso pequeno país tem a maior quantidade de soldados em missões de paz e estamos onde queiram que estejamos, e somos pequenos”. Dizemos com conhecimento de causa, garantiu o mandatário, que “estes sonhos, estes desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos mundiais para governar nossa história e superar as ameaças à vida”. Para isso é “preciso entender que os indigentes do mundo não são da África, ou da América Latina e sim de toda humanidade que, globalizada, deve se empenhar no desenvolvimento para a vida”.

“Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico é acima de todas as coisas, impulsionar e multiplicar a vida e entendermos que a espécie somos nós” e concluiu: “a espécie deveria ter um governo para a humanidade que supere o individualismo e crie cabeças políticas”.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Não é de hoje que alguns críticos denunciam a falência da "democracia" estadunidense, substituída pelo temível poder do "complexo industrial-militar" que transforma os presidentes em meras marionetes.


O silencioso golpe militar que se apoderou de Washington


Um ataque contra a Síria ou Irã ou contra qualquer outro demônio estadunidense se baseará em uma variante de moda, a "Responsabilidade de Proteger", ou R2P, cujo fanático pregoeiro é o ex-ministro de Relações Exteriores australiano Gareth Evans, co-presidente de um "centro mundial" com base em Nova Iorque. Por John Pilger, do The Guardian



Na parede tenho exposta a primeira página do Daily Express de 5 de setembro de 1945 com as seguintes palavras: "Escrevo isto como uma advertência ao mundo". Assim começava o relatório de Wilfred Burchett sobre Hiroshima. Foi a notícia bomba do século.

Com motivo da solitária e perigosa viagem com a qual desafiou as autoridades de ocupação estadunidenses, Burchett foi colocado na picota, sobretudo por parte de seus colegas. Avisou que um ato premeditado de assassinato em massa a uma escala épica acabava de dar o disparo de partida para uma nova era de terror.

Na atualidade, [a advertência de] Wilfred Buirchett está sendo reivindicada pelos fatos quase todos os dias. A criminalidade intrínseca da bomba atômica foi corroborada pelos Arquivos Nacionais dos EUA e pelas ulteriores décadas de militarismo camuflado como democracia. O psicodrama sírio é um exemplo disso. Uma vez mais somos reféns da perspectiva de um terrorismo cuja natureza e história continuam sendo negadas inclusive pelos críticos mais liberais. A grande verdade inominável é que o inimigo mais perigoso da humanidade está do outro lado do Atlântico.

A farsa de John Kerry e as piruetas de Barack Obama são temporais. O acordo de paz russo sobre armas químicas será tratado ao cabo do tempo com o desprezo que todos os militaristas reservam para a diplomacia. Com a al-Qaeda figurando agora entre seus aliados e com os golpistas armados pelos EUA solidamente instalados no Cairo, os EUA pretendem esmagar os últimos Estados independentes do Oriente Próximo: primeiro a Síria, depois o Irã. "Esta operação [na Síria]", disse o ex-ministro de exterior francês Roland Dumas em junho, "vem de muito antes. Foi preparada, pré-concebida e planejada".

Quando o público está "psicologicamente marcado", como descreveu o repórter do Canal 4, Jonathan Rugman, a esmagadora oposição do povo britânico a um ataque contra a Síria, a supressão da verdade se converte em tarefa urgente. Seja ou não verdade que Bashar al-Assad ou os "rebeldes" utilizaram gás nos subúrbios de Damasco, são os EUA, não a Síria, o país do mundo que utiliza essas terríveis armas de forma mais prolífica.

Em 1970 o Senado informou: "Os EUA derramaram no Vietnã uma quantidade de substâncias químicas tóxicas (dioxinas) equivalente a 2,7 quilos por cabeça". Aquela foi a denominada Operação Hades, mais tarde rebatizada mais amavelmente como Operação Ranch Hand, origem do que os médicos vietnamitas denominam "ciclo de catástrofe fetal". Vi gerações inteiras de crianças afetadas por deformações familiares e monstruosas. John Kerry, cujo expediente militar escorre sangue, seguramente que os lembra. Também os vi no Iraque, onde os EUA utilizaram urânio empobrecido e fósforo branco, como o que fizeram os israelenses em Gaza. Para eles não houve as "linhas vermelhas" de Obama, nem o psicodrama de enfrentamento.

O repetitivo e estéril debate sobre se "nós" devemos "tomar medidas" contra ditadores selecionados (ou seja, se devemos aplaudir os EUA e seus acólitos em outra nova matança aérea) forma parte de nosso lavado de cérebro. Richard Falk, professor emérito de Direito Internacional e relator especial da ONU sobre a Palestina, o descreve como "uma máscara legal/moral unidirecional com anseios de superioridade moral e cheia de imagens positivas sobre os valores ocidentais e imagens de inocência ameaçada cujo fim é legitimar uma campanha de violência política sem restrições". Isso "está tão amplamente aceito que é praticamente impossível de questionar".

Se trata da maior mentira, parida por "realistas liberais" da política anglo-estadunidense e por acadêmicos e meios de comunicação auto proclamados gestores da crise mundial mais que como causantes dela. Eliminando o fator humanidade do estudo dos países e congelando seu discurso com uma linguagem a serviço dos desígnios das potências ocidentais, endossam a etiqueta de "falido", "delinquente" ou malvado aos Estados aos que depois infligirão sua "intervenção humanitária".

Um ataque contra a Síria ou Irã ou contra qualquer outro demônio estadunidense se baseará em uma variante de moda, a "Responsabilidade de Proteger", ou R2P, cujo fanático pregoeiro é o ex-ministro de Relações Exteriores australiano Gareth Evans, co-presidente de um "centro mundial" com base em Nova Iorque. Evans e seus grupos de pressão generosamente financiados jogam um papel propagandístico vital instando a "comunidade internacional" a atacar os países sobre os quais "o Conselho de Segurança resiste aprovar alguma proposta ou que recusa abordá-la em um prazo razoável".

O de Evans vem de longe. O personagem já apareceu em meu filme de 1994, Death of a Nation, que revelou a magnitude do genocídio no Timor Leste. O risonho homem de Canberra alça sua taça de champanhe para brindar por seu homólogo indonésio enquanto sobrevoam o Timor Leste em um avião australiano depois de haver firmado um tratado para piratear o petróleo e gás do devastado país em que o tirano Suharto assassinou ou matou de fome um terço da população.

Durante o mandato do "débil" Obama o militarismo cresceu talvez como nunca antes. Ainda que não haja nenhum tanque no gramado da Casa Branca, em Washington se produziu um golpe de Estado militar. Em 2008, enquanto seus devotos liberais enxugavam as lágrimas, Obama aceitou em sua totalidade o Pentágono que lhe legava seu predecessor George Bush, completo com todas suas guerras e crimes de guerra. Enquanto a Constituição vai sendo substituída por um incipiente Estado policial, os mesmos que destruíram o Iraque a base de comoção e pavor, que converteram o Afeganistão em uma pilha de escombros e que reduziram a Líbia a um pesadelo hobbesiano, esses mesmos são os que estão ascendendo na administração estadunidense. Por trás de sua amedalhada fachada, são mais os antigos soldados estadunidenses que estão se suicidando que os que morrem nos campos de batalha. No ano passado 6.500 veteranos tiraram suas vidas. A colocar mais bandeiras.

O historiador Norman Pollack chama isso de "liberal-fascismo": "Em lugar de soldados marchando temos a aparentemente mais inofensiva militarização total da cultura. E em lugar do líder grandiloquente temos um reformista falido que trabalha alegremente no planejamento e execução de assassinatos sem deixar de sorrir um instante". Todas as terças-feiras, o "humanitário" Obama supervisiona pessoalmente uma rede terrorista mundial de aviões não tripulados que reduz a mingau as pessoas, seus resgatadores e seus doentes. Nas zonas de conforto do Ocidente, o primeiro líder negro no país da escravidão ainda se sente bem, como se sua mera existência supusesse um avanço social, independentemente do rasto de sangue que vai deixando. Essa obediência a um símbolo destruiu praticamente o movimento estadunidense contra a guerra. Essa é a particular façanha de Obama.

Na Grã Bretanha as distrações derivadas da falsificação da imagem e da identidade políticas não triunfaram completamente. A agitação já começou, mas as pessoas de consciência deveriam apressar-se. Os juízes de Nuremberg foram sucintos: "Os cidadãos particulares têm a obrigação de violar as leis nacionais para impedir que se perpetrem crimes contra a paz e a humanidade". As pessoas normais da Síria, e muito mais gente, como nossa própria autoestima, não se merecem menos nestes momentos.


(*) Jornalista do The Guardian. Grã Bretanha. Em “Bitácora” do Uruguai.

Tradução: Liborio Júnior

Secretismo e contradições a serviço do Brasil

O texto é do Alberto Dines, nome mais do que conhecido. Os grifos são meus, reforçando o que eu já tinha dito em matéria publicada anteriormente. O artigo é do Observatório da Imprensa.

A entrevista-voto do jurista Ives Gandra Martins na Folha de S.Paulo de domingo (22/9, pág. A-10) é extremamente didática, corajosa e deve ter funcionando como um bálsamo animador para o ex-ministro José Dirceu e outros réus da Ação Penal 470. Ao afirmar que o ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil foi condenado sem provas, o causídico admite que isso servirá de advertência aos políticos corruptos porém ao mesmo tempo criará “monumental insegurança jurídica’.

Nos últimos 13 meses não foi a primeira condenação veiculada pela imprensa da doutrina do domínio do fato. Mas pode ser considerada como a mais contundente. Ou destacada. Não apenas por que a grande imprensa endossou sem restrições o domínio do fato em detrimento do até então inabalável preceito in dubio pro reo, mas porque em função dessa opção raras foram as ocasiões em que algum jornalão a destacou de forma tão natural e, digamos, pluralista.

Logo no início da entrevista a repórter-colunista revela que o parecer não foi emitido “por um fiel petista”, mas por alguém que se situa no polo oposto do espectro político. E, para validar a importância do entrevistado, cita o número de obras publicadas – algumas em parceria com ministros do STF – e seus títulos (professor emérito da Universidade Mackenzie e instrutor das mais altas instituições militares de ensino).

Não incluiu no currículo o fato de que Ives Gandra Martins é a mais alta autoridade secular do Opus Dei no Brasil. Certamente foi impedida. Figura querida da Folha, frequentador assíduo da página 3 (seção “Tendências/Debates”), o jurista sempre é apresentado de forma insuficiente, sem um atributo que sob o ponto de vista jornalístico é essencial.

Mais luz

O Opus Dei não é uma prelazia como as demais, é uma formidável organização política baseada em Navarra, Espanha, com poderosas ramificações em Portugal, Brasil e demais países das Américas. Sua penetração não ocorre apenas nas altas finanças, mas principalmente na imprensa.

Uma consultoria ligada à prelazia durante anos esteve ligada à Associação Nacional de Jornais (ANJ), foi responsável por uma série de mudanças no Estado de S.Paulo e o seu jornalista mais conhecido, Carlos Alberto Di Franco, é colaborador fixo do mesmo Estadão e do Globo. Na homepage do Opus Dei não constam seus responsáveis seculares. Nem suas conexões com a Universidade de Navarra, seu celeiro de recursos e talentos.

Qual a razão do secretismo?

O Vaticano, sob a inspiração do papa Francisco, ganha transparência e vitalidade. A CNBB é uma entidade tradicional, respeitável e respeitada (sobretudo no tocante ao passado de lutas pelos direitos humanos). A maçonaria era uma confraria secreta para defender-se da perseguição movida pela Santa Inquisição e mais modernamente pelos governos fascistas. Saída da clandestinidade a partir do século 19, é hoje uma referência histórica.

A Obra, Opus Dei, esconde-se de que e de quem? Se a sua figura máxima no Brasil envolve-se nas sombras do anonimato não caberia à imprensa jogar alguma luz sobre suas beneméritas atividades? Ao menos para que o ex-ministro José Dirceu possa agradecer formalmente a bravura do seu chefe.

Festival Mozart




quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Uma revolução das mulheres no Piauí

Renata Ferrer, jornalista e quase historiadora, encaminhou o link para uma matéria das mais interessantes.
Vale a pena ler. Está aí, uma constatação de uma verdadeira revolução no comportamento e nas atitudes das mulheres de uma cidade do Piauí. E qual o motivo dessa revolução? Leiam para saber!


"Cada um tem que saber o seu lugar: a mulher tem qualidade inferior, o homem tem qualidade superior." É bem assim que fala, sem rodeios, um dos homens mais respeitados do município de Guaribas, no sertão do Piauí, pai de sete filhos (seis mulheres e um homem). "O homem é o gigante da mulher", completa "Chefe", como é conhecido Horacio Alves da Rocha na comunidade.

Para chegar a Guaribas são dez horas desde a capital, Teresina, até a cidadezinha de Caracol. Dali, 40 minutos de estrada de terra cercada de caatinga até o jovem município, fundado em 1997. Em 2003, Guaribas foi escolhida como piloto do programa Fome Zero. Tinha então o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, 0,214 - para efeito de comparação, o País com pior IDH do mundo é Burundi, na África com índice 0,355. Hoje, Guaribas tem 4.401 habitantes, 87% deles recebendo o Bolsa Família. São 933 famílias beneficiadas, com renda média mensal de R$ 182. O IDH saltou para 0,508.

Em todo o Brasil, o Bolsa Família atende a 13,7 milhões de famílias - sendo que 93,2% dos cartões estão em nome de mulheres. São elas que recebem e distribuem a renda familiar.
"Eu vivi a escravidão", diz Luzia Alves Rocha, 31 anos, uma das seis filhas de Chefe. Aos três meses, muito doente, ela foi dada pelo pai para os avós criarem. Quando eles morreram, uma tia assumiu a menina. "Achei que ela não ia aguentar aquela vida de roça: era vida aquilo?", pergunta a tia Delci. Luzia trabalhou na roça, passou fome, perdeu madrugadas subindo a serra para talvez voltar com água na cabaça. "Quando tinha comida a gente comia, se não, dormia igual passarinho", diz. Trabalhava sem salário, sem nenhum direito trabalhista, sem saber como seria a vida se a seca não passasse e a chuva não regasse o feijão e a mandioca. Era "a escravidão".

Quando a seca piorou, Luzia pensou em migrar para São Paulo. Foi então que chegou o programa social do governo: "com esta ajudinha já consigo levar", diz. Luzia decidiu ficar em Guaribas. Os filhos estudam. O marido e ela cuidam da roça.

"A libertação da 'ditadura da miséria' e do controle masculino familiar amplo sobre seus destinos permite às mulheres um mínimo de programação da própria vida e, nesta medida, possibilita-lhes o começo da autonomização de sua vida moral.
O último elemento é fundante da cidadania", analisam os pesquisadores Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani, da Universidade de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no livro Vozes do Bolsa Família: Autonomia, dinheiro e cidadania. Durante a pesquisa, eles ouviram beneficiários do programa observando as transformações decorrentes do Bolsa-Família - em especial na vida das mulheres. Chegaram à conclusão que a mudança é grande: "Quando você tem um patamar de igualdade mínimo, você muda a sociedade. Claro que as coisas não são automáticas. Isto não pode ser posto como salvação da nação, mas é um começo."

Luzia conseguiu realizar o sonho de diversas das mulheres ouvidas pela socióloga Walquiria Leão. Ela juntou R$ 50 e seguiu para o hospital da cidade vizinha, São Raimundo Nonato, para fazer laqueadura das trompas: "se tivesse mais filho, a vida ia ser mais pior". Segundo Walquíria, o desejo de controlar a natalidade foi manifestado por diversas das mulheres que ela entrevistou entre 2006 e 2011 em Alagoas, Vale do Jequitinhonha, Piauí, Maranhão e Pernambuco.
Serena, uma das filhas de Luzia, tem 8 anos e está na terceira série. Ela ajuda a arrumar a casa, já sabe cozinhar, ajuda na roça. Mas não perde suas aulas. Logo depois de cantar o alfabeto e os números, diz que quer ser "advogada e médica". Quando perguntada sobre casamento, a pequena afirma, com a mão na cintura: "eu não vou casar, vou ser sol-tei-ra…", diz, demorando nas sílabas.

Em maio, o valor do Bolsa Família de Luzia saltou de R$ 70 reais para R$ 212. A mãe comemora. "Agora já posso comprar as coisas para minha filha: a sandália dela arrebentou e pude comprar outra." No pé da menina, o calçado que custou R$ 7,50. "Primeiro comprei para a menina, num outro mês compro pra mim", explica Luzia, com os pés descalços.

"Minha sina"
Do outro lado do vale que liga o centro de Guaribas ao bairro Fazenda, Norma Alves Duarte, 44 anos, vive numa casa de dois quartos. Na sala, paredes mal rebocadas mostram as marcas da massa corrida. No canto, um pequeno móvel com uma TV. A vida toda ela ajudou a mãe doente, quase não estudou - cursou até a segunda série. Como todas as mulheres dali, as atividades de criança incluíam colher feijão, pegar lenha e buscar água no olho d'água, que fica a 2 quilômetros.

Norma tem 12 irmãos, 2 filhos e vive com o segundo marido - o primeiro a abandonou depois de 20 dias. "Era pau e cachaça. Aí depois arrumei o pai destes meninos. É bom, mas é doido, vaidoso o velho, bebedor… Ele é bruto demais, ignorante que só. Fazer o que né? Destino é destino: quem traz uma sina tem que cumprir."

"Esta palavra, sina, faz parte do que nós chamamos de cultura da resignação, e acho que ela foi de fato rompida com o Bolsa Família", diz a socióloga Walquiria Leão.

No início do programa, Norma ganhava R$ 42 com seu cartão. Agora "tira" R$ 200. "Mudou, porque eu pego meu dinheirinho, compro minhas coisas, assim mesmo ele (o marido) xingando. Eu não dou a ele, ele tem o dele. Ele não me dá nenhum real, bota para comer dentro de casa, mas não me dá nem um real, nem dez centavos." Para Walquíria Leão, "a renda liberta a pessoa de relações privadas opressoras e de controles pessoais sobre sua intimidade, pois a conforma em uma função social determinada, permitindo-lhe mais movimentação e, portanto, novas experiências".

Mais divórcios
Ao saírem da miséria, "da espera resignada pela morte por fome e doenças ligadas à pobreza", nas palavras de Walquiria, estas mulheres começam a protagonizar suas vidas.

No vilarejo de Cajueiro, a uma hora do centro de Guaribas por uma estrada de terra esburacada, a água ainda não chegou às casas. Elenilde Ribeiro, 39 anos, caminha com a sobrinha por um areal com a lata na cabeça, outra na mão. É ela quem cria a menina. "Não quero que ela sofra como eu sofri", diz. Chegando na casa, o capricho se mostra nos paninhos embaixo de copos metálicos, na estante com fotos de família, o brasão do Palmeiras, e um gato de louça ao lado da imagem de Jesus. Do lado de fora, o banheiro - onde se usa caneca e penico -, um pátio bem varrido, uma horta suspensa, e uma pilha de lenha que Elenilde mesma coleta e quebra, apontando: "está aqui meu botijão de gás".

Os olhos de Elenilde marejam quando conta ter sido abandonada pelo marido há 13 anos, mas seu tom de voz muda ao falar do papel da renda em sua vida. "Tiro R$ 134 no meu cartão Bolsa Família, mas para mim está sendo R$ 1 mil. Porque com este dinheirinho eu tenho o dinheiro certo para comprar (na venda) e o dono me confia. E eu sei que, com isso, com ele me confiar, eu já estou comendo a mais", explica. Elenilde também se livrou de trabalhar na roça dos outros em troca de uma diária de R$ 5. "Eu, quando pego o meu dinheiro (do cartão), vou na venda, pago a conta mais velha e espero pela vontade do vindião, aí ele vai e me franqueia… E eu vou e compro de novo." Segundo Walquíria Leão, isso tem ajudado a mulher a conquistar um novo papel na comunidade. "A experiência anterior de vida era sempre de ser desrespeitada, desconsiderada porque ela não tinha dinheiro."

No final da mesma rua, Domingas Pereira da Lima, 28 anos, não se arrepende de ter abandonado o marido. "Ele ficava namorando com uma e com outra e eu não resisti, vim embora." Prendendo o choro, ela continua. "Deixava eu com as crianças e se tacava no meio do mundo. A vida não é fácil, mas vou levando a vida devagarzinho aqui." Desde então, Domingas cuida dos quatro filhos com o apoio das irmãs e da mãe.

Em 2003, quando chegou o Fome Zero, foram solicitados 993 divórcios no Piauí. Em 2011 o número saltou para 1.689 casos. Dos casos não consensuais, 134 foram requeridos por mulheres em 2003; em 2011 esse número saltou para 413 – um aumento de 308%.

Ainda assim, na pequena Guaribas, a mulher ficar presa em casa em dias de festa, o alcoolismo e a infidelidade masculina são histórias contadas com naturalidade. "Vixi, aqui se conta nos dedos as mulheres que não apanham do marido", é comum as mulheres dizerem.

Na delegacia da cidadezinha, o delegado explica que por ali o clima é sempre "muito tranquilo, sem nenhuma ocorrência. Só umas brigas de casal, coisa que a gente aconselha e eles voltam", diz.

Mirele Aline Alves da Rocha é uma das que se conta nos dedos. Aos 18 anos, a bonita jovem explica: "apesar da minha idade já ser avançada para os daqui, eu não estou nem aí para o que eles falam. Eu quero é estudar". A maioria das amigas se casou aos 13 anos. Já Mirele, solteira, cursa o terceiro ano do Ensino Médio na escola estadual de Guaribas, onde vive com a tia - os pais moram no município de Cajueiro. O cartão do Bolsa Família está no nome da mãe, que recebe R$ 102 por Mirele e pelo caçula de 9 anos. Ambos estudam. "Eu vejo a realidade da minha mãe e não quero seguir pelo mesmo caminho. Eu quero estudar para ter um futuro, para ser independente, para não ficar dependendo de um homem", decreta a jovem.

No primeiro bimestre de 2013, em Guaribas, a frequência escolar atingiu o percentual de 96,23%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos - o equivalente a 869 alunos - e 82,29% para os jovens entre 16 e 17 anos, de um total de 175.

Mirele vai fazer o Enem e "ver o que dá". Para cursar faculdade ela terá que sair de Guaribas, mas planeja se graduar e voltar: "gosto mesmo é daqui".

"Nunca é demais lembrar que nossa pobreza não é um fato contingente, mas deita raízes profundas na nossa história e na forma de conduzir politicamente as decisões estatais", avalia Walquiria. "O Bolsa Família deveria se transformar em política pública, não mais política de um governo", afirma. "É um processo, um avanço que mal começou. E ainda é muito insuficiente. Mas quem narra uma história tem que ser capaz de narrar todos os passos desta história", finaliza.

Especial para Terra



Repercussões da fala da presidenta na ONU

Interessantes, as duas reportagens abaixo. A primeira mostra como a fala da presidenta Dilma repercutiu na mídia internacional, a segunda mostra os famosos "comentários" que aparecem nos sites noticiosos, em que as pessoas podem dar suas opiniões a respeito. As duas matérias eu busquei no Blog do Nassif.


Do Estadão
 
Para o 'The Guardian', discurso mostra que relação entre Brasília e Washington pode ser, até agora, o maior problema gerado pelo vazamento de documentos por Edward Snowden
 
Fernando Nakagawa e Mariana Guimarães
 
O discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu destaque na imprensa internacional. Os veículos de comunicação chamam atenção para a afirmação feita por Dilma de que a espionagem viola o direito internacional e a ação sofrida pelo Brasil teria objetivos econômicos. Para o britânico "The Guardian", o discurso de Dilma foi "furioso" e mostra que a relação entre Brasília e Washington pode ser, até agora, o maior problema gerado pelo vazamento de documentos por Edward Snowden.
 
A versão eletrônica do "Guardian" na internet dá chamada na primeira página para o discurso de Dilma. Logo abaixo de uma foto do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o título diz "Rousseff condena a vigilância da NSA". O "Guardian" foi o jornal que revelou a maior parte das denúncias de espionagem do governo norte-americano ao longo dos últimos meses.
 
Para o jornal, a presidente brasileira fez "um duro ataque" contra a espionagem dos EUA e acusou o governo norte-americano de violar a lei internacional ao realizar a "coleta indiscriminada" de informações de cidadãos brasileiros. Além disso, a reportagem diz que o discurso sinalizou que a espionagem teria como alvo "setores estratégicos" da economia brasileira. O Guardian classificou o tom do discurso de Dilma como "furioso" e um "desafio direto a Obama que aguardava ao lado para discursar em seguida".
 
A página na internet da emissora de televisão britânica BBC também produziu uma reportagem sobre o discurso de Dilma. Com o título "Presidente Dilma Rousseff ataca os EUA por acusação de espionagem", o texto chama atenção que o discurso classificou como "insustentável" o argumento dado por Washington de que a espionagem feita no Brasil tinha objetivos de proteger contra a ação de terroristas.
 
A BBC destaca ainda a afirmação de Dilma de que a espionagem pode ter objetivos econômicos. A reportagem afirma que "a informação corporativa, muitas vezes de elevado valor e até mesmo estratégica, teria sido o centro das atividades de espionagem no Brasil". O texto lembra ainda que a presidente brasileira cancelou uma visita de Estado ao colega Obama planejada para as próximas semanas.
 
O mais importante jornal espanhol, o "El País", traz como segunda principal matéria em sua página na internet "Rousseff denuncia as práticas de espionagem diante das Nações Unidas". O texto destaca a proposta brasileira de uma regulação para a internet para evitar atividades de vigilância que representariam "a violação da soberania e dos direitos humanos".
 
Argentina. Nos jornais argentinos, a presidente brasileira também ganhou repercussão.O Clarín ressaltou a afirmação da presidente de que o ciberespaço não pode ser usado como arma de guerra e a denúncia de que a espionagem dos EUA foi uma afronta contra o Brasil e uma falta de respeito que não pode ser justificada pelo combate ao terrorismo.
 
Já o La Nación chamou a atenção para a acusação de que os EUA quebraram o direito internacional, violaram os direitos humanos e a liberdade civil. Os jornais econômicos El Cronista e Ámbito Financiero também deram destaque ao discurso da presidente. "Dilma denunciou que espionagem dos EUA violou a soberania do pais", titulou o Ámbito. Enquanto o El Cronista observou a crítica de Dilma sobre a espionagem americana em países aliados.
 
Transmissão. O sinal europeu da emissora norte-americana CNN transmitiu ao vivo mais de dez minutos do início do discurso de Dilma Rousseff. Foi exatamente nesse trecho que a presidente brasileira fez as críticas contra a espionagem. Demais emissoras europeias, como as britânicas BBC e a Sky News, estavam exibindo no mesmo momento discursos da convenção anual do Partido Trabalhista inglês. Outras emissoras de notícias, como a Euronews e o sinal da Al Jazeera para a Europa, exibiam reportagens e transmissões ao vivo sobre o ataque ao shopping center no Quênia.

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A reação do público norte-americano ao discurso de Dilma

Por Rogério Maestri

Muitas vezes saem determinadas notícias sobre repercussões de fatos ocorridos no Brasil no exterior, a imprensa tradicional cita um ou outro texto em um jornal on-line de alguns países, nada de relevante.
 
Agora o discurso da Presidente Dilma teve uma forte repercussão principalmente no público norte-americano. Se olharmos os comentários dos sites de grandes órgãos de imprensa norte-americano vemos neles muito mais apoio a posição da Presidente Dilma do que repúdio (a não ser de brasileiros que tentam puxar o assunto para problemas internos e desqualificar o protesto).
 
O que mais se vê nas respostas dos leitores é a concordância de que a violação da internet é uma violação das liberdades individuais.
 
Grandes comentaristas dão ênfase que é a primeira vez que um governo norte-americano é atacado com força por um governo amigo e bom parceiro comercial.
 
Não vi nenhuma recriminação em mais de 100 entradas que verifiquei na imprensa norte-americana a atitude da nossa presidente, ou seja a repercussão está sendo mais forte no interior do próprio Estados Unidos, que já estão cheios das bisbilhotices do NSA, do que no exterior.
 
A linguagem dura de Dilma, tocou forte e favoravelmente no povo norte-americano, que identifica o Brasil como uma nação amiga e não como alguém a ser espionado.
 
Logo falar que não houve repercussão do discurso da Dilma é não saber ler a internet.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Duas - imparciais - visões sobre o "mensalão"

Realmente, o tal do "mensalão" - que, a meu ver, nunca existiu, foi uma invenção de um bandido, ladrão confesso, o Bob Jefferson, e o termo foi encampado pela Veja, pela Folha etc etc etc - mas o tal do "mensalão", eu dizia, motivou uma verdadeira enxurrada de opiniões, a maioria totalmente desprovida de sentido, eis que seus propagadores apenas demonstravam o mais completo desconhecimento das funções do STF, a total ignorância da Constituição e um neurótico ranger de dentes contra o PT, Lula, Zé Dirceu e outros.
Pois bem, o que dizer de Claudio Lembo e de Ives Gandra? De petistas não tem nada, pelo contrário, o Ives Gandra é antipetista até a medula. E o Lembo é antigo homem da ARENA e muito ligado ao PSDB e DEM.
Pois leiam o que os dois escreveram e tirem suas próprias conclusões!
E como pergunta a blogueira Maria Fro, por que de repente a direita começou a ficar contra o julgamento do tal "mensalão"?



Mensalão e democracia
por Cláudio Lembo, no seu blog em Terra Magazine
Os valores culturais formam as nacionalidades. Indicam seus modos de encarar o mundo e reconhecer seus iguais. Em cada sociedade eles se apresentam de maneira singular.
Algumas nacionalidades tendem ao espírito guerreiro. Outras às artes. Muitas atuam em duelos tribais. Umas poucas se dedicam à contemplação do universo.
Os brasileiros recolhem muitos destes atributos e acrescentam um traço característico. Todo brasileiro é técnico de futebol. É o que se dizia até passado recente.
Agora, o Brasil profundo, aquele que foi forjado pelo bacharelismo, veio à tona. Com o julgamento do mensalão, todos se voltaram a ser rábulas, práticos da advocacia.
A audiência da televisão pública, destinada aos assuntos da Justiça, superou a de todos os demais canais. As sessões do Supremo Tribunal Federal foram assistidas, em silêncio, por multidões.
São os adeptos do novo espetáculo. O conflito de posições entre personalidades relevantes do cenário público: os ministros da mais alta Corte do Judiciário.
Há, neste fenônemo, aspectos a serem considerados e merecem reflexão. Certamente, o acontecimento demonstra que a cidadania deseja saber como atua seu Judiciário. Moroso e repleto de jogos de palavras.
Outro aspecto se concentra no próprio objeto da causa e em seus personagens, os réus da ação. Quantos temas novos surgiram e como os réus foram expostos sem qualquer reserva.
Alteraram-se visões jurisprudênciais remansosas e de longa maturação. Não houve preservação da imagem de nenhum denunciado. Como nos antigos juízos medievais, foram expostos à execração pública.
O silêncio a respeito foi unânime. O princípio da publicidade foi levado ao extremo. Esta transparência permitiu, inclusive, a captação de conflitos verbais entre magistrados.
A democracia se aperfeiçoa mediante o seu exercício continuo. O julgamento do mensalão foi o mais exposto da História política nacional. Foi bom e ao mesmo tempo preocupante.
Aprendeu-se a importância do bem viver e os danos pessoais – além das penas privativas da liberdade – à imagem dos integrantes do rol de réus. A lição foi amarga.
Toda a cidadania se manifestou a respeito do julgamento. Os meios de comunicação nem sempre foram imparciais no acompanhamento do importante episódio.
Alguns veículos aproveitaram a oportunidade para expor as suas idiossincrasias com agressividade. Aqui, mais uma lição deste julgamento. Seria oportuno um maior equilíbrio na informação.
Isto faria bem à democracia e aos autores do noticiário. Equilíbrio e imparcialidade são essenciais para o desenvolvimento de uma boa prática política.
Um ponto ainda a ser considerado. O comportamento dos próprios ministros. Alguns se mostraram agressivamente contrários a determinadas figuras em julgamento. A televisão capta o pensamento íntimo das pessoas.
Houve também ministros que bravamente aplicaram a lei de forma impessoal. Foram chamados de legalistas. Bom que assim seja. As concepções contemporâneas do Direito, por vezes, fragilizam a segurança jurídica.
Portou-se com destemor o Ministro Enrique Ricardo Lewandowski. Soube suportar posições de confronto com altivez e respeito ao Direito. Terminada sua missão de revisor, surgem as primeiras manifestações favoráveis à sua atuação.
São muitas, pois, a lições recolhidas do julgamento do mensalão, em sua primeira etapa. Os brasileiros, rábulas por ativismo, aguardam ansiosos os novos capítulos.
Não haverá a mesma emoção no futuro. A democracia é exercício. Aprendeu-se muito com as sessões do Supremo Tribunal Federal nestes últimos seis meses, inclusive controlar as animosidades.

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Ives Gandra: José Dirceu foi condenado sem provas



Ives Gandra: "Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do na dúvida pró-réu"

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas. A teoria do domínio do fato foi adotada de forma inédita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para condená-lo.
Sua adoção traz uma insegurança jurídica “monumental”: a partir de agora, mesmo um inocente pode ser condenado com base apenas em presunções e indícios.
Quem diz isso não é um petista fiel ao principal réu do mensalão. E sim o jurista Ives Gandra Martins, 78, que se situa no polo oposto do espectro político e divergiu “sempre e muito” de Dirceu.
Com 56 anos de advocacia e dezenas de livros publicados, inclusive em parceria com alguns ministros do STF, Gandra, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, diz que o julgamento do escândalo do mensalão tem dois lados.
Um deles é positivo: abre a expectativa de “um novo país” em que políticos corruptos seriam punidos.
O outro é ruim e perigoso pois a corte teria abandonado o princípio fundamental de que a dúvida deve sempre favorecer o réu.
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Folha – O senhor já falou que o julgamento teve um lado bom e um lado ruim. Vamos começar pelo primeiro.
Ives Gandra Martins - O povo tem um desconforto enorme. Acha que todos os políticos são corruptos e que a impunidade reina em todas as esferas de governo. O mensalão como que abriu uma janela em um ambiente fechado para entrar o ar novo, em um novo país em que haveria a punição dos que praticam crimes. Esse é o lado indiscutivelmente positivo. Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.
Por quê?
Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela -e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do “in dubio pro reo” [a dúvida favorece o réu].
Houve uma mudança nesse julgamento?
O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.
O domínio do fato e o “in dubio pro reo” são excludentes?
Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar].
E no caso do mensalão?
Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira Netto na TV [na década de 1980]. Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha.
O “in dubio pro reo” não serviu historicamente para justificar a impunidade?
Facilita a impunidade se você não conseguir provar, indiscutivelmente. O Ministério Público e a polícia têm que ter solidez na acusação. É mais difícil. Mas eles têm instrumentos para isso. Agora, num regime democrático, evita muitas injustiças diante do poder. A Constituição assegura a ampla defesa -ampla é adjetivo de uma densidade impressionante. Todos pensam que o processo penal é a defesa da sociedade. Não. Ele objetiva fundamentalmente a defesa do acusado.
E a sociedade?
A sociedade já está se defendendo tendo todo o seu aparelho para condenar. O que nós temos que ter no processo democrático é o direito do acusado de se defender. Ou a sociedade faria justiça pelas próprias mãos.
Discutiu-se muito nos últimos dias sobre o clamor popular e a pressão da mídia sobre o STF. O que pensa disso?
O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou como quis.
Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.
Algum ministro pode ter votado pressionado?
Normalmente, eles não deveriam. Eu não saberia dizer. Teria que perguntar a cada um. É possível. Eu diria que indiscutivelmente, graças à televisão, o Supremo foi colocado numa posição de muitas vezes representar tudo o que a sociedade quer ou o que ela não quer. Eles estão na verdade é na berlinda. A televisão põe o Supremo na berlinda. Mas eu creio que cada um deles decidiu de acordo com as suas convicções pessoais, em que pode ter entrado inclusive convicções também de natureza política.
Foi um julgamento político?
Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.
Isso conta na hora em que eles vão julgar?
Conta. Como nos EUA conta. Mas, na prática, os ministros estão sempre acobertados pelo direito. São todos grandes juristas.
Como o senhor vê a atuação do ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso?
Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.
E Joaquim Barbosa?
É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.
Em que sentido?
Sempre houve, em outros governos, um intervalo de três a quatro anos entre a nomeação dos ministros. Os novos se adaptavam à tradição do Supremo. Na era Lula, nove se aposentaram e foram substituídos. A mudança foi rápida. O Supremo tinha uma tradição que era seguida. Agora, são 11 unidades decidindo individualmente.
E que tradição foi quebrada?
A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do “in dubio pro reo”. Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do “in dubio pro reo”
Por que o senhor acha isso?
Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.

domingo, 22 de setembro de 2013

Simplesmente sensacional os 50 tons de luto

Comecei  o domingo dando gargalhadas com esta matéria do blog do Rovai. Não deixem de clicar nos links do artigo do Miro e dos tumblr 50 tons de luto. São oito páginas que desopilam o fígado de qualquer um!

Simplesmente sensacional os 50 tons de luto


Esse é um dos motivos porque eu gosto tanto da Internet. Nela tudo pode ser resignificado e os que se sentem donos da verdade sofrem.
A atriz Bárbara Paz postou no seu perfil do Facebook uma foto com outras colegas de trabalho global de preto e de luto por conta do voto correto do ministro Celso de Mello na ação da AP 470. E achou que ia abalar. Que ia fazer um sucesso imenso. Que ia dar ao debate sobre o julgamento  um novo toque de midas para a mídia na qual trabalha. E o resultado num primeiro momento foi até favorável à sua campanha, mas duas horas depois da postagem, tudo começou a mudar. Aqueles que não se deixam levar pelo bico dos globais, transformaram a foto numa sequência de memes.
E eis que agora sou apresentado pela minha timeline do Face ao tumblr 50 tons de luto. (http://50tonsdeluto.tumblr.com/?og=1) É de morrer de rir. Há uma sequência de boas sacanagens com a foto global.
E mesmo sem ser meme, o texto do Miro (http://revistaforum.com.br/blog/2013/09/luto-das-atrizes-globais-medo-do-fisco/) pedindo engachamento às moçoilas (nem tão moçoilas) na campanha para que a Globo pague o boleto do fisco de mais de 1 bilhão e não abuse de embargos interpostos, também merece registro.
É impressionante a indignação seletiva dessa gente. É parecida com a de um certo grupo de médicos, que nunca saiu às ruas para reclamar das condições de trabalho, mas que no momento em que o governo decidiu abrir a porta para profissionais de fora, passou a enxergar problemas em tudo quanto é canto no serviço público.
Coerência, minha gente, coerência..

IMPERDÍVEL!!!! IMPERDÍVEL!!!!

Pessoal, parece inacreditável, mas o Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque, disponibilizou - GRATUITAMENTE - 375 livros de arte, para quem quiser ler online ou, melhor ainda, baixar para seu computador. De graça mesmo! Já fui lá, verifiquei e já escolhi alguns para baixar. 
São 375 livros de arte publicados entre 1964 e 2012, que abordam toda a história da arte. Além de estudos críticos, o acervo disponibilizado pelo museu conta com biografias de grandes nomes da arte mundial como Salvador Dalí, Leonardo da Vinci, Van Gogh, Pablo Picasso, Michelangelo, Rembrandt, Rosa Bonhur, Gerogia O’Keeffe, John Singer Sargen, Utagawa Hiroshife e Claude Monet.
Como eu não sei se esta gracinha deles é temporária, aconselho a quem se interessar para ir rapidinho lá e ver o que interessa.
O link é este aqui:

http://www.metmuseum.org/research/metpublications/titles-with-full-text-online?searchtype=F

Dois exemplos de livros que estão disponíveis:

sábado, 21 de setembro de 2013

Flores para alegrar o domingo

Domingo passado estive na casa de um amigo, num condomínio aqui perto. Fotografei um sem-número de flores. Ficam aqui, para deleite de todos. Ah! Sem agrotóxicos!








Amanhã tem mais!

Agrotóxicos: o perigo eterno

É realmente absurda essa situação. E eu me pergunto porque as distintas atrizes da Globo não vestem luto pelos milhões de mortes que os agrotóxicos provocam no país.

Agrotóxicos: o perigo eterno

Não é uma metáfora, apenas o prazo de validade que estes produtos químicos usados intensivamente na produção de alimentos usufruem no Brasil, o maior consumidor mundial – um milhão de toneladas ou um bilhão de litros. Nos Estados Unidos o prazo é de 15 anos, na União Europeia 10 anos e no Uruguai quatro anos. Entre 2006 e 2011, época da implantação dos transgênicos o volume consumido aumentou 72% de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas. A área de lavouras aumentou 19% de 68,8 milhões de hectares para 81,7 milhões. E o consumo médio por hectare passou de 7 kg em 2005 para 10,1kg em 2011. Neste mês de setembro o assunto voltou à tona. Em uma matéria na revista Galileu, a ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal), por intermédio do presidente, Eduardo Dahler, desqualificou o dossiê dos agrotóxicos lançado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Em uma nota, assinada em conjunto com o Instituto Nacional do Câncer e a Fundação Oswaldo Cruz, desqualificaram as declarações do representante das corporações que dominam o setor:

“Não aceitaremos pressões de setores interessados na venda de agrotóxicos e convocamos a sociedade brasileira a tomar conhecimento e se mobilizar frente a grave situação em que o país se encontra, de vulnerabilidade relacionada ao uso massivo de agrotóxicos. O compromisso dos que criticam as pesquisas é apenas o lucro na venda de venenos”.

Maior exportador e zero
O dossiê da Abrasco têm 472 páginas, dividida em três partes. A segunda foi lançada durante a Rio+20, e a última no final do ano passado. É um levantamento nacional baseado em várias pesquisas de profissionais das universidades federais do Ceará, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Goiás e de Pelotas, além dos pesquisadores da Fiocruz, do INCA e de outras entidades. Traz dezenas de relatos, inclusive uma série de cartas depoimentos de representantes de comunidades atingidas pelo impacto dos agrotóxicos, ou que estão cercadas por projetos de irrigação – caso do nordeste-, ou do Centro-oeste, caso do Mato Grosso. Faz uma análise detalhada dos efeitos de vários dos produtos usados pelo agronegócio no país.

A questão é a seguinte: o Brasil é o maior exportador de soja, de carnes, de açúcar, de suco de laranja e de café. Somos o número um no mundo. E temos uma estrutura de vigilância, de fiscalização e de estruturação de apoio aos setores de saúde quase zero. Exemplo: 46 técnicos para avaliar agrotóxicos contando ANVISA, Ministério da Agricultura e IBAMA. A Divisão de Agrotóxicos da EPA, Agência Ambiental dos EUA tem de 90 a 100 apenas no registro, na reavaliação de 180 a 240 e no impacto ambiental de 80 a 90 técnicos especializados. Neste quesito não podemos dizer que não há comparativo, porque há e muitos. Os profissionais da saúde não tem capacidade de diagnosticar as pessoas intoxicadas com agrotóxicos. Os registros, que são espontâneos no SINITOX – Sistema Nacional de Informação Toxicológica- na maioria dos casos só contabilizam os casos de intoxicação aguda e nunca as crônicas.

Tentativas de suicídio
Num trabalho de pós-graduação do curso de Geografia Humana, da USP, a pesquisadora Larissa Mies Bombard avaliou as estatísticas do SINITOX de 1999 a 2009 – 62 mil intoxicações por agrotóxicos. A Organização Mundial da Saúde calcula que para cada registro outros 50 não ocorreram. Ou seja, poderiam ser 3,1 milhões de intoxicações. Também foram registradas 25.350 tentativas de suicídios, com 1.876 mortes. Cabe ressaltar que no nordeste, principalmente Ceará e Pernambuco, tentativas de suicídios abarcaram 75% dos casos notificados. Relação direta com as áreas de irrigação onde se cultivam frutas para exportação –melão, abacaxi e banana, manga, entre outras. Não há novidade neste quesito. Os agrotóxicos, venenos descobertos e testados na época da II Guerra Mundial tinham por objetivo principal matar pessoas. No caso dos organofosforados – produtos do fósforo-, testaram os gases Sarin, Soman e Tabun. Entre os sintomas mais conhecidos nos intoxicados é a depressão. O veneno atinge o sistema nervoso dos humanos, dos insetos e de qualquer outro ser vivo.

Quanto custa o registro de um ingrediente ativo no Brasil? Entre 50 e mil dólares. Nos Estados Unidos: US$630 mil. Para fazer reavaliação: US$150 mil nos Estados Unidos. No Brasil – isento. Os agrotóxicos também não pagam ICMS, IPI, PIS/PASEP e COFINS.

Tirar os agrotóxicos da ANVISA
Não foi exatamente o dossiê da Abrasco que causou problema às corporações. Desde a década passada que a ANVISA está fazendo a reavaliação de 14 princípios ativos dos agrotóxicos. Quatro já foram banidos, dois estão com indicativos. O último deles, o endossulfan, um inseticida usado em vários cultivos, teve seu prazo de validade encerrado em julho de 2013. A pressão aumentou contra os dirigentes da agência. A bancada ruralista inferniza os profissionais . Um deles, ex-gerente geral de Toxicologia, Luiz Cláudio Meirelles, acabou exonerado, depois que foi divulgado que sete agrotóxicos não haviam passado pelo sistema de avaliação, e obtiveram registro no Ministério da Agricultura diretamente.

A intenção da bancada ruralista e da senadora Kátia Abreu é tirar da ANVISA o registro dos agrotóxicos, levar para uma comissão do Ministério da Agricultura, que funcionaria nos moldes da CNTbio. Isso é um passaporte para a eternidade dos agrotóxicos no país. Uma das integrantes da vigilância tóxica da ANVISA, Letícia Rodrigues da Silva num trabalho sobre as controvérsias dos agrotóxicos aponta os limites do atual modelo de avaliação:

“Os estudos feitos pelas empresas não são de acesso público. Existe um conflito de interesse e ingerência do patrocinador nos estudos. Existe proteção de dados por 10 anos. Relação privilegiada entre governo e empresas.”

E ressaltou a estratégia das empresas para combater os estudos dos órgãos reguladores. Começa pela desqualificação dos estudos que apontam riscos dos agrotóxicos. Logo em seguida, a contratação de pareceristas e jornalistas, para combater do ponto de vista técnico, questionam protocolos de estudos, significância e exposição. Depois captura e desqualificação dos autores e instituições que apontam os riscos. Terceiro passo: a busca de aliados políticos e a pressão aos órgãos de governo. Última etapa, a judicialização.

Irregularidades dentro das fábricas
Letícia da Silva também apontou alguns resultados das fiscalizações que a ANVISA realiza diretamente nas fábricas das empresas. Em 2010, houve interdição de 800 mil litros na BASF, por falta de rastreabilidade nas soluções utilizadas e componentes vencidos. Na fábrica da Dow encontraram embalagens vazando, problema em rótulos, com data de fabricação

adulterada, alterações em formulações. Na fábrica da FMC interditaram 140 mil litros com produtos vencidos e com etiquetas adulteradas. Acrescentando a isso, casos de irregularidades nas condições de trabalho e saúde dos funcionários, problemas ambientais, do consumidor.

No Brasil, os agrotóxicos ilegais, que entram por contrabando ou com origem desconhecida, somam 9% do mercado, um dado do Sindicato da Indústria de Produtos da Defesa Vegetal (SINDAG). Em dinheiro representa US$540 milhões e seria a quinta empresa do setor. O Sindicato dos Auditores da Receita Federal tem divulgado um dado constantemente – 30% dos agrotóxicos importados e eles somaram 57% do consumo em 2012, não tem origem conhecida.

São químicos com alto impacto na vida da população e no ambiente. Um estudo da Embrapa sobre a retenção dos agrotóxicos nas plantas indica o seguinte: 32% do que foi aplicado fica retido na planta, 19% o vento carrega para a vizinhança e 49% permanece no solo. Será levado pela chuva, penetrará no lençol freático, viajará por córregos, rios, até chegar às estações de tratamento de água. O índice de potabilidade da água, a percentagem de produtos aceitáveis na água potável mudou da década de 1990 para 2013. Naquela época era permitida a presença de 13 tipos de agrotóxicos e 11 produtos de química inorgânica (metais pesados). Em 2004, aumentou para 22 tipos de agrotóxicos e 13 produtos inorgânicos. A portaria de potabilidade da água n º2.914/2011 permite a presença de 27 tipos de agrotóxicos e 15 produtos químicos inorgânicos.

Pressão de todo tipo
No Brasil existem 434 ingredientes ativos e 2.400 formulações de agrotóxicos registrados nos ministérios da Saúde, Agricultura e Meio Ambiente. Dos 50 mais utilizados nas lavouras 22 são proibidos na União Europeia. No segmento das hortaliças, que envolve uma área de 800 mil hectares são destinados 20% dos ingredientes ativos dos fungicidas. Entre 2006-2011 o volume de fungicidas aumentou de 56 mil toneladas para 174 mil toneladas, a maior parte para combater a ferrugem da soja. O volume de inseticidas, no mesmo período, aumentou de 93,1 para 170,9 mil toneladas e os herbicidas, consequência dos transgênicos, de 279,2 mil toneladas para 403,6 mil toneladas.

“No Brasil, o suporte laboratorial e tecnológico, seja para monitorar resíduos nos alimentos e no meio ambiente, seja para monitoramente biológico, dos trabalhadores expostos, permanece bastante limitado há décadas, apesar da necessidade crescente.” Um trecho do dossiê da Abrasco, que segue:

“O pacto político/econômico em que predominam os interesses da bancada ruralista para uma maior liberalização do uso dos agrotóxicos no âmbito do Legislativo mais de 40 projetos de lei nessa direção; no Executivo pressão sobre os órgãos reguladores como a ANVISA; no Judiciário a impunidade nas mortes no campo; na pesquisa mais de 95% dos recursos da Embrapa voltados ao agronegócio e na mídia com os canais especializados na televisão”.

Campanha Permanente Contra
A indústria dos agrotóxicos com todo o seu poder deve estar reavaliando suas estratégias. O combate direto cada vez mais expõe o perigo da questão. Não adianta arregimentar

profissionais para desmentir, denunciar, produzir outras versões. Agora as corporações, pela primeira vez na história, enfrentam uma Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, que reúne mais de 50 entidades. Além de um Fórum Permanente contra os impactos dos Agrotóxicos, envolvendo 16 instituições, entre elas o Ministério Público do Trabalho. Em 2013, o MPT conseguiu uma grande vitória, ao definir um acordo no Tribunal Superior do Trabalho, para indenizar mais de mil trabalhadores da antiga fábrica de agrotóxicos organoclorados da Schell, em Paulínia (SP), funcionou até 2002. No total, entre ações coletiva e individual, R$370 milhões, divididos entre a Schell e a BASF, última dona da fábrica. Duas campanhas organizadas e permanentes, além do documentário rodando na internet “O Veneno tá na mesa”, de Sílvio Tendler.

Isenção Ideológica
Mesmo assim, a ANDEF levou a Lucas do Rio Verde (MT), onde um avião agrícola pulverizou áreas urbanas, atingindo 65 chácaras e 180 canteiros um professor de química da USP para contestar o estudo em leite materno de 62 nutrizes, que detectou várias substâncias tóxicas. Erro de metodologia.Outro da Unicamp, também do regimento da ANDEF, diz que vai contestar o dossiê da Abrasco, que analisou 4.896 currículos, para identificar os pesquisadores que trabalham com a temática dos agrotóxicos. Apenas 10% estudam os aspectos de toxicidade aguda ou crônica dos químicos.

“-Esse mapeamento aponta que os estudos não têm abordado a temática da saúde e ambiente, que deveria ser de grande interesse, tanto dos pesquisadores, das suas instituições e dos órgãos de fomento, no país que já há alguns anos tem se colocado no topo do consumo mundial de agrotóxicos. As indústrias de agrotóxicos investem em mecanismos de cooptação de pesquisadores para produção de evidências científicas para a legitimação do uso de seus produtos, com o fomento de recursos financeiros para pesquisas”.

A maior acusação do presidente da ANDEF, Eduardo Dahler contra o dossiê, é “que esses pesquisadores mostraram que há conduta ideológica na Fiocruz, não se pode acreditar nos dados deles”. Na época da ditadura, quando criaram o sistema de crédito rural e vincularam o dinheiro ao uso de um pacote de químicos, as mesmas corporações mostraram a sua isenção ideológica. Contrataram o general Golbery do Couto e Silva, no caso da Dow Química, e o general Ernesto Geisel, após deixar a presidência, assumiu a Norquisa.

O veneno tá na mesa, também está no sangue, na gordura dos corpos, no sistema nervoso de milhares de pessoas, só ainda não entrou na agenda urbana do país. Os agrotóxicos levam uma vantagem, não são visíveis. A pessoa come, ingere minúsculas doses, que vão se acumulando por anos, até resultar numa doença grave. Os maiores registros de diversos tipos de câncer. É claro, nunca há o vínculo com o veneno. Nunca haverá, porque o assunto não está no currículo dos profissionais de saúde, nem das ciências agrárias. Os ingleses definem os agrotóxicos, que no Brasil está na lei 7.802/1989, como pesticidas, significa o que acaba com as pestes. Provavelmente, na história futura da civilização industrial, vai ser definido exatamente quem é a peste: se os insetos e as plantas chamadas de invasoras ou os venenos.
(Fonte: www.cartamaior.com.br)