domingo, 20 de abril de 2014

O machismo das mães

RAYMUNDO DE LIMA*

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Existe uma relação direta entre machismo e violência contra a mulher? Nas culturas em que o machismo é epidemia social haveria mais casos de violência sobre a mulher? Parece que sim. Basta ouvir as denúncias das vítimas, veiculadas na mídia ou expressadas por uma ativista dos direitos humanos.

Embora vítimas do machismo, as mães não capazes de educar os seus filhos para serem não-machistas. Pergunto-me por que elas não os educam, desde pequenos, para ajudar nas tarefas domésticas, como arrumar seu quarto, lavar os pratos, aprender a fazer um arroz, um café, ou fritar um ovo. Por que as mães de hoje tendem a se submeterem aos filhos autoritários, ou seja, por que são passivas diante da atitude mandona deles, por exemplo, para lhes trazer isso ou aquilo?

Além de obedecer passivamente, há mães que acham bonito ter um filho “mandão”, “durão”, “fodão”. Antigamente – e até hoje – mulheres se submetiam ao autoritarismo “normal” do pai e, depois que casavam, tinham que submeter ao seu senhor e marido. Algumas o chamavam “meu senhor-marido”. A cultura patriarcalista tem o pai como a lei (a “Lei-do-Pai, segundo Lacan); ele é a autoridade; “o pater, designa-se originalmente uma paternidade ao mesmo tempo política e religiosa, e não é senão por via de conseqüência que ela concerne à família” (JULIEN, P. 1997: 43). O poder do pai torna-se um dia o da família, o pater famílias, cuja conseqüência é o dominus, o senhor da casa (domus).

Hoje, época em que o pai perdeu o seu dominus, porque sua lei – a Lei-do-Pai está em declínio – há um vazio de poder paterno nos lares (domus); as esposas-mães de nossa época são mais autônomas em relação ao marido mas não conseguem preencher o vazio do poder do pai e nem conseguem se livrar das ordens e das imposições dos filhos. Quando uma mãe se cala diante de um “eu quero” do filho, de um “vou sair”, ou da sua falta de respeito por não fazer o que ela lhe pede, pode tanto reforçar a imagem de submissão feminina como valorizar indevidamente o machismo precoce do filho. [1]

Também, me pergunto por que algumas mães “autorizam” o filho denegrir as meninas, chamando-as de bobas, “chatas”, fracas, inferiores? Por que essas mães não educam os filhos para eles serem mais companheiros das meninas, mais respeitosos e “iguais” a elas?

Muitas vezes uma mãe deixa passar uma “brincadeirinha” machista do filho, que Freud denomina de chiste. Por exemplo, “brincar” de fazer da mãe sua “escrava” ou dizer “estou mandando”, são sinais precoces de machismo autorizado com vistas a se transformar em traço de caráter.

A cultura machista tradicional ainda existente em boa parte do planeta leva o todo da sociedade a investir mais nos meninos e rejeitar as meninas. Meninos, nessa cultura, representam mais força física para sustentar a economia baseada na estrutura de subsistência familiar. Há países cujo machismo é tão cruel que faz das mulheres serem desprezados e serem socialmente invisíveis. [2] No Brasil ainda há casos em que é mais valorizado o nascimento de meninos do que de meninas; alguns não conseguem disfarçar sua admiração mais a um filho porque é homem do que uma filha por ser mulher.

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Muitas mães ainda educam os filhos para não demonstrarem emoções, reprimirem o choro, o medo e a dor. Pouco a pouco eles aprendem a silenciar seus sentimentos, emoções, desejos, falhas de desempenho. Quando adultos, suportam carregar a “couraça caracterológica” que o protege e também o aprisiona. Já as meninas são autorizadas a chorar, devem ser boazinhas, subservientes, obedientes, dependentes. Sempre. Desde cedo, alertam as meninas para ter muito cuidado com os meninos “terríveis”. Exortam o menino “macho” para ir à luta, ser aventureiro, ser namorador… De modo que, quanto uma adolescente fica grávida a responsabilidade dificilmente atinge o rapaz educado de modo machista. A educação não-machista dos meninos faria deles pessoas mais responsáveis na condução da sua vida e dos outros também.

É verdade que o pai sempre contribuiu para reforçar o traço de machismo na personalidade do filho. O complementar do machismo é o “marianismo” (MATARAZZO, s.d.: cap. 8). Com a mudança dos costumes, um pai aparentemente liberal deixa passar nos chistes e nas conversas reservadas a preferência por um filho “durão”, mas tem dificuldades de lidar com o seu lado sensível. Por exemplo: um pai deu um carro para o filho após terminar o “terceirão”, mas não teve a mesma atitude generosa de reconhecimento para com a filha, que entrou num concorridíssimo curso de uma prestigiada universidade. Como será que ela se sentiu? Outro caso, um pai não conseguia valorizar a escolha do filho por uma faculdade ligada às artes, não porque ele entendia ser uma escolha “feminina”, mas porque não tinha mercado garantido. Aqui, o mecanismo de racionalização e aparente pragmatismo, camuflam o seu machismo.

Há pais que não poupam carinho “de graça” para os seus filhinhos, enquanto as filhas precisam tornar-se visíveis para receber algum afeto positivo. O fato de as meninas serem mais carentes não é totalmente negativo para o desenvolvimento de suas personalidades porque essa falta essencial pode gerar nelas um forte desejo de estudar e de se esforçar para ganhar a concorrência profissional. As mulheres são hoje quase 60% das vagas nas faculdades do Brasil. Elas hoje ultrapassaram os homens ocupando vagas nas universidades e se destacando nas diversas profissões de nível superior. Contudo, ainda há um número significativo de mulheres que terminam desistindo de fazer carreira profissional porque os valores machistas assimilados exercem pesada influência nelas para terem como única meta de vida um bom casamento, ou seja, para serem dependentes eternas de um marido “machão”. Novelas de época, como a atual “Alma gêmea”, demonstra tais valores sendo predominantes.

Meu recado para as mães é: parem de fazer do filho um machista, porque a vítima pode ser você, a família, toda a sociedade e ele próprio.

Referências
BADINTER, E. Sobre a identidade masculina. Rio: N. Fronteira, 1993.
JULIEN, P. A feminilidade velada: Aliança conjugal e modernidade. Rio: Companhia de Freud, 1997.
MATARAZZO, M. H. Nós dois: As várias formas de amar. São Paulo: Gente: s.d.

RAYMUNDO DE LIMA é Psicanalista, Doutor em Educação (USP) e professor do Departamento de Fundamentos da Educação da UEM. Publicado originalmente na REA, n. 57, fevereiro de 2006, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/057/57lima.htm
[1] Segundo pesquisa de Lídia Weber (UFPR), 45% dos pais são negligentes e 12% são permissivos. Em ambos, o pai deixou de ser “lei”, o primeiro, por irresponsabilidade ou desinteresse e, o segundo, porque se renderam ao autoritarismo dos filhos. Os restantes: 33% são pais participativos e 10% são autoritários.
[2] O filme “Osama” bem ilustra a invisibilidade e crueldade sobre as mulheres no domínio dos talebans, no Afeganistão.

(Fonte: http://espacoacademico.wordpress.com/2014/04/19/o-machismo-das-maes/)

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