Na semana passada, a prefeitura de Belo Horizonte divulgou
um estudo muito importante: o terceiro Censo da População em Situação
de Rua na cidade. Falhou, no entanto, ao não divulgar, nem
disponibilizar em seu site, os dois censos que tinham sido feitos
anteriormente, para que pudéssemos ver um panorama histórico desse
problema.
Este
blog solicitou os dois censos na última sexta-feira, mas a Secretaria
de Políticas Sociais informou que eles não são fáceis de encontrar e só
poderia nos enviar a partir desta segunda-feira. Como amanhã entro de
férias (:D), resolvi buscar ajuda no incansável Google e encontrei um
estudo da UFMG que traz alguns dos dados que eu queria. Pode ser lido AQUI.
Eu
sempre fui fascinada com o assunto "moradores de rua", e vira e mexe
ele é abordado aqui no blog (veja longa lista ao pé do post). Mexe muito
comigo ver uma pessoa dormindo no chão, ao relento, se aquecendo com
caixas de papelão, pedindo ajuda para comer e tomar água. Lá em São
Paulo, me impressionava demais a quantidade de moradores de rua, de
usuários de crack e de crianças pequenas, magrelas, que eu via
estendidos no chão perto do bairro em que eu morava -- Santa Cecília --
como se fossem mortos. Às vezes as crianças estavam tão apagadas que
ficavam fervendo no sol de meio-dia, com mosquitos no rosto e pés
passando sobre elas, e nem assim acordavam. Também já contei aqui
como fiquei "amiga" dos moradores de rua que ficavam na praça onde eu
ia fazer caminhada e como me sentia segura com eles por perto, para me
proteger de bandidos. Já interceptei muito guarda municipal que ia lá
mexer com eles, como se estivessem cometendo um crime. Não, ficar na
rua, dormir e morar na rua, não são crimes. São tragédias humanas e
sociais, mas não crimes.
Seja
como for, acho importantíssimo esse censo, essa tentativa de conhecer
os anônimos que não têm endereço fixo, mas que precisam mais do que
muitos da ajuda do Estado e das pessoas devidamente endereçadas. Acho
que todo mundo deveria s debruçar sobre os dados divulgados pela
prefeitura para tentar entender quem são essas pessoas. E o Estado, mais
do que ninguém, para desenvolver políticas sociais melhores.
Eu me debrucei. O arquivo pode ser baixado por quem quiser, basta clicar AQUI.
O
primeiro dado impressionante é como a quantidade de pessoas nas ruas
aumentou em Belo Horizonte. Em 1998, segundo aquele estudo da UFMG que
citei mais acima, havia 1.120 moradores de rua. Em 2005, sete anos
depois, havia 1.239 (um aumento de 10%). E agora, em 2013, oito anos
depois, havia 1.827 (um aumento de 47% em oito anos e de 63% em 15
anos).
Quem são esses 1.827 moradores de rua em Beagá?
Segue um perfil, a partir dos dados majoritários: eles são homens (86%), têm principalmente entre 31 e 45 anos, são negros e pardos (79,4%),
heterossexuais (93,7%), sabem ler e escrever (82%), são mineiros (75%) e
principalmente de BH ou de cidades próximas. Os que vieram de outras
cidades queriam encontrar um trabalho (47%) e permaneceram justamente
para trabalhar (31%), 46% já passaram por abrigos e 40% já estiveram
presos, 52% foram parar nas ruas por problemas familiares e 43,9%, também por causa do alcoolismo
(36% também por falta de moradia). Moram sozinhos nas ruas, sem grupo,
parente ou companheiro (64%), nunca se encontram com os parentes (39%).
Já trabalharam fichados, mas não no momento (70%), hoje trabalham
principalmente com coleta de recicláveis. Já sofreram roubo, furto,
preconceito, ameaça, tentativa de homicídio, remoção forçada, violência
sexual e outros crimes violentos, e os crimes foram cometidos principalmente por agentes públicos (44%) ou por outros moradores de rua (43%), querem sair das ruas (94%),
utilizam as unidades de acolhimento da prefeitura (46%), possuem algum
documento (78%) -- e 48% têm título de eleitor, viu candidatos? 31%
recebem Bolsa Família e só minorias de 1% a 3% recebem outro tipo de
benefício, como seguro-desemprego e aposentadoria. Têm principalmente
hipertensão (16%) e doenças de pele (14%), 13% têm alguma deficiência
física e 5% têm algum transtorno mental -- 43% têm depressão. 48% não usam drogas, mas 32% usam crack, 69% bebem, dos quais metade bebe todos os dias. Ficam principalmente na região Centro-Sul da cidade (44,8%).
Destaquei em negrito os dados que mais me impressionaram e acho que merecem mais atenção.
Um
dado me chamou a atenção positivamente, principalmente por atestar em
números uma percepção que eu já tinha: em 1998, havia 204 menores de
idade nas ruas, ou seja, crianças e adolescentes. Eram os meninos de
rua, que chamávamos de "pivetes", e eram muito-muito comuns em Belo
Horizonte. Em 2005, o número de menores de idade caiu para 75. E, em
2013, havia só 13 crianças e adolescentes nas ruas, segundo a
constatação do censo. A população de rua envelheceu ou as crianças estão
ficando mais no banco da escola? Acho que um pouco das duas coisas, e
parte da segunda podemos colocar na conta do Bolsa Família, que tem a
importante exigência de obrigar as crianças a terem frequência escolar
para que o benefício seja concedido aos pais.
Apesar
desse dado positivo, podemos concluir que nossos moradores de rua estão
adoentados, sofrem cotidianas formas de violência, dependem de
subemprego para tocar a vida (muito mais que de bolsas e demais
benefícios), são solitários, usam drogas e álcool com frequência para
tolerar esta vida, não param de crescer e, sobretudo, esmagadoramente:
quase todos querem sair das ruas (94%, poxa!).
Eles
se concentram na região mais rica da cidade, a Centro-Sul, não por
acaso: contam com a solidariedade dos mais afortunados, com suas doações
e esmolas, com ajuda dos comerciantes e donos de bares e restaurantes.
Que tal retribuirmos esse voto de confiança?
(fonte: http://kikacastro.com.br/2014/05/04/quem-sao-nossos-moradores-de-rua/)
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