Por Leneide Duarte-Plon
O desembarque dos aliados na Normandia, há 70 anos (6 de junho de
1944), representou um momento de graça para François Hollande, que nunca
esteve tão baixo nas pesquisas de opinião que medem a aprovação de seu
governo. O presidente francês teve a oportunidade de mostrar todo o savoir-faire
da diplomacia francesa ao receber 19 chefes de Estado nas praias
normandas que viram os aliados desembarcar no famoso Dia D, conhecido
como “o dia mais longo da História”. Hollande não somente administrou
perfeitamente todos os pepinos diplomáticos como ganhou em simpatia e
proximidade com os franceses ao honrar, pela primeira vez na história,
os cerca de 20 mil civis franceses que morreram nos dias que se seguiram
ao Dia D.
Naquelas praias, americanos, ingleses, canadenses e franceses deram
início à batalha da Normandia que, dois meses depois, possibilitou a
libertação de Paris da ocupação alemã. No ano seguinte, graças ainda aos
soviéticos que venceram o exército alemão na Frente Leste, o nazismo
foi definitivamente derrotado. O Exército Vermelho foi fundamental para
enterrar o Terceiro Reich.
Este ano, no mais espetacular aniversário do desembarque dos Aliados, a
França não esqueceu de convidar os russos. O problema é que poucos
meses antes das comemorações do 6 de junho Vladimir Putin anexara a
Crimeia, dando origem a sanções contra seu país. Na véspera, ele não
pôde participar do G-8 em Bruxelas que, com a ausência da Rússia, voltou
a se chamar G-7.
As sanções e os protestos de americanos e europeus não foram
suficientes para demover os russos de suas intenções de manter a
Crimeia. Num clima de recrudescimento da velha Guerra Fria, Putin chegou
às praias normandas para a comemoração dos 70 anos. Mas havia um
mal-estar no ar. Barack Obama não queria o tradicional aperto de mão.
Por isso, os diplomatas do Quai d’Orsay organizaram um balé em que os
dois chefes de Estado passaram muitas horas no mesmo lugar sem se olhar
ou estar lado a lado. A não ser quando o responsável pelas imagens
projetadas resolveu dividir o telão ao ar livre instalado na Normandia
com as imagens dos dois presidentes. Ao perceber a aproximação virtual
na grande tela, Obama esboçou um sorriso. Putin fez um esgar. Dizem que
ele não é muito dado a sorrir.
Hollande conseguiu o que a Europa e os Estados Unidos esperavam:
provocou um encontro de Putin com o recém-eleito presidente ucraniano
Petro Porochenko. O aperto de mão e a entrevista de 15 minutos entre os
dois presidentes serviu como um reconhecimento formal da Rússia e foi
descrito pelo presidente francês como “uma conversa normal”. O porta-voz
do Kremlin resumiu: “Putin e Porochenko querem o fim do derramamento de
sangue no sudeste da Ucrânia”.
Malabarismo diplomático
Na quarta-feira (4/6), o canal TF1 e a rádio Europe 1 deram um furo de
reportagem ao pôr no ar uma entrevista exclusiva com Putin. O presidente
russo parecia muito calmo e afável. Segundo os dois jornalistas que
deram o furo, Gilles Bouleau e Jean-Pierre Elkabbach, ele não fez
nenhuma restrição a qualquer tema. O resultado da entrevista é
sensacional. Putin responde a perguntas muitas vezes incômodas.
Quando os jornalistas lhe perguntam o que achou da declaração de
Hillary Clinton que o comparou a Hitler, ele reponde que “ela nunca foi
muito sutil em suas declarações”. Ele acrescentou que isso não impediu
que Hillary Clinton e ele se encontrassem em diferentes reuniões
internacionais. “É sempre preferível não discutir com as mulheres”,
disse. Algumas feministas francesas protestaram imediatamente contra a
suposta reação machista do presidente.
Putin desmentiu veementemente que houvesse soldados russos na Ucrânia.
Ele disse que não há nem nunca houve treinamento de militares pelos
russos no leste ou no sul da Ucrânia.
Mas o momento mais forte da entrevista foi quando ele chamou os
americanos literalmente de “mentirosos”, ao declarar que os russos
ocupam o leste do país e treinam os separatistas. “Eles mentem”, disse.
“Existe uma diferença entre fazer declarações e apresentar provas. Se os
americanos têm provas, que eles apresentem”, desafiou o chefe do
Kremlin. Ele lembrou que os americanos já fizeram esse tipo de
declaração falsa em 2003, no caso das armas de destruição em massa que
diziam que Saddam Hussein possuía. A realidade era outra.
Putin se disse pronto a dialogar com os Estados Unidos. Mas não foi ainda na França que o diálogo foi retomado.
Na noite de quinta-feira (5/6), véspera do Dia D, François Hollande deu
provas de malabarismo diplomático. Tinha dois convidados que não podiam
se ver e precisava jantar com os dois. Solução: jantou com Barack
Obama, em Paris, no restaurante Le Chiberta, do chef Guy Savoy, às 19
horas. Às 21 horas, recebeu Vladimir Putin para um jantar de gala no
Palácio do Eliseu. Má notícia para o regime do presidente que voltou a
engordar depois que assumiu o poder.
A noite do Dia D foi reservada ao jantar de gala no Palácio do Eliseu
para a rainha Elizabeth e o príncipe Philip. Pontos para a diplomacia
francesa, que recebeu durante dois dias, num verdadeiro movimento de
equilibrismo diplomático, dois dos maiores líderes do planeta, que
preferem se manter distantes no momento.
Decisão corajosa
Os franceses não puderam ver um aperto de mão de Obama e Putin, mas
presenciaram emocionados um abraço de dois ex-inimigos: o francês Léon
Gautier e o alemão Johannes Boerner, de 91 e 88 anos, dois militares que
estavam em campos opostos há 70 anos. Depois da guerra, os dois homens
superaram os nacionalismos obtusos que os separavam e desenvolveram uma
amizade sólida.
Na mesma semana, a esperança de aproximar inimigos foi ressaltada pelo
papa Francisco ao reunir na Itália os presidentes Shimon Peres, de
Israel, e Mahmoud Abbas, da Palestina.
As imagens dos dois homens num longo abraço serão suficientes para
convencer Israel a se retirar dos territórios palestinos e negociar
finalmente a paz, que Francisco diz ser uma decisão mais corajosa do que
fazer a guerra?
***Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris
(fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed802_o_dia_d_de_vladimir_putin)
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