Este texto foi enviado pelo nosso amigo e colaborador Guilherme Souto. Ele não indicou a fonte, mas, com toda certeza, é o blog do Rudá Ricci.
Por Rudá Ricci
22/07/2014
É
lugar comum entre intelectuais: dificilmente encontramos na história do
Brasil um momento tão rebaixado de produção cultural como o atual.
Na
música, letras empobrecidas rivalizam com melodias e ritmos previsíveis
que qualquer músico iniciante chega a ter tédio ao reproduzir.
Na
literatura, diários são alçados à condição de sugestões para uma vida
feliz. O estilo folhetinesco, que faz pastiche de romances, estudos
historiográficos e vida íntima de intelectuais e artistas, forra
estantes e mesas centrais de livrarias, que se apresentam como shopping
centers da leitura rápida e descartável, customizadas com cafés ao fundo
para alegrar o leitor, que carrega sempre a opinião do último livro que
leu, sabe-se lá quando foi.
A inovação mais ousada na dramaturgia contemporânea não passou do teatro besteirol que, por sua vez, deu lugar ao stand-up comedy
brasileiro, este tipo menor de repentista que acredita ter licença para
disseminar escatologias. Aliás, a escatologia destes niilistas sem
humor vai rompendo barreiras na busca da fama pelo escândalo. Tudo pelo
sucesso é a bandeira desfraldada que dá nome a novos programas
oferecidos nos canais pagos, numa espécie de esconde-esconde que tenta
dar a aparência de gente pura e despretensiosa, tal água da fonte do
jardim do centro das metrópoles tupiniquins. Fazem par com a profusão de
“cervejarias artesanais” que proliferam na corrida para abastecer os 62
litros bebidos a cada ano por cada brasileiro que procura nocautear
suas mágoas e frustrações: uma sequência de tentativas e erros (mais
erros que tentativas) até que se chegue ao porre generalizado, sem eira
nem beira.
O
cinema tenta, mas nada que se compare com a delicadeza e inteligência
do cinema argentino e muito menos com o Cinema Novo que um dia
conseguimos forjar.
Na
política, que por muito tempo estimulou amplos debates sobre o Brasil e
sobre nossas possibilidades perdidas, expoentes com nenhuma experiência
e portadores de uma única ideia força se propõem a dirigir o país. Sua
fragilidade é completamente estampada nos seus rostos, mas parece que
nem sempre queremos ver o óbvio plastificado no sorriso aberto e na fala
totalmente previsível que é anunciada pela voz off
do locutor, não menos previsível, do marketing amoral. Aliás, não só
pecam pela pobreza de espírito como se envolvem em situações nebulosas,
que não inspiram nenhum de nossos jovens a pensar a política como uma
ação nobre. Os partidos se atacam sem respeito e não toleram nada
inferior à destruição por completo do seu adversário. Poucos conseguem
explicar, à luz do dia, a vantagem de se gastar numa campanha mais que
os salários somados de quatro anos de mandato parlamentar que almejam
conquistar.
Este clima soturno, de baixa inspiração, que rasteja numa preguiça mental, flerta, o que me parece pior, com o relaxamento moral.
Esses
tempos sombrios em nosso país estimulam minha memória a resgatar textos
alarmantes de clássicos da esquerda. Outro dia, me deparei recordando
algumas passagens de um livro pouco festejado de Georg Lukács a respeito
do declínio da razão às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Lukács
tentou somar e articular vários sinais de irracionalismo que deságuam no
fascismo. Trotsky foi outro que pulou de minha memória. Em seu
surpreendente Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, o dirigente
russo analisou os acontecimentos dramáticos que se sucederam logo no
início dos anos 1930 e que abriram o caminho para o nazismo. Algo me
sussurra que este rebaixamento intelectual e moral do Brasil atual abrem
brechas para a cultura fascista.
O
fato é que aqui no Brasil, os valores fascistas estão, pouco a pouco,
sendo considerados aceitáveis como elementos da imposição da ordem. O
uso ilegal da força e perseguição por parte das polícias estaduais e
ameaças permanentes de enquadramento de qualquer conflito de rua como
crimes similares à ação terrorista são assimiladas e até festejadas por
articulistas da grande imprensa tupiniquim. Ataques à manutenção (nem é
possível, nesta altura da ofensiva dos valores fascistas citar a palavra
avanço) dos direitos civis como desmonte da estabilidade da família. As
capas de revistas semanais estimulam o alarme geral, o ódio e a divisão
do país entre manipulados e clarividentes (sendo os editores,
obviamente, os líderes da casta superior dos clarividentes a orientar os
manipulados de bom coração).
A
cultura fascista, afinal, é totalitária. Ao contrário da cultura
autoritária que desmobiliza, a cultura fascista convida à mobilização
pelo ódio. Sustenta uma visão de mundo que se apoia na negação da
diferença e no uso da força como imposição de uma lógica masculina e
viril, sendo a inteligência um adorno desprezível em virtude da urgência
do uso dos músculos.
O
que me anima é que o brasileiro comum, aquele que não tem poder e não é
elite, ao final, percebe os engodos. Possivelmente porque já foi vítima
de vários. Daí que se frustra com o atual governo, mas não cai na
raquítica teia dos expoentes da oposição. O brasileiro, afinal, é órfão
recente da seleção de futebol e, ainda de luto, não parece convicto em
se deixar cair em mais um canto de sereia.
Mas
o problema permanecerá após as eleições. Na hipótese da reeleição, o
atual governo cairá na mesmice que é marcada pela sua omissão, ausência
de ousadia e crença numa luz no fim da galáxia, tal como sugeria o velho
e crente Juan Posadas, o sapateiro de Córdoba que se chamava Homero
Rómulo Cristalli Frasnelli e que ironicamente tinha dificuldades para
ter os pés no chão. Na hipótese, até agora remota, de vitória de um
candidato da oposição, entraremos num túnel do tempo, sem saber ao certo
onde estacionaremos, numa aventura sem fim, sem a competência de Doug
Phillips e Tony Newman.
Situação
e oposição, afinal, fazem suas concessões à cultura fascista que se
insinua. São o que produzimos de pior na política desde a vitória de
Eurico Gaspar Dutra contra Eduardo Gomes. Os dois, aliás, apoiaram o
golpe militar de 1964. Mas, cá entre nós, poucos sabem da existência
deles. E nem sei se precisariam saber.
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