Tentativa de culpar Rússia sem evidências sugere o pior: isolados
e em declínio, EUA tentariam manter supremacia por meio de provocação e
guerra permanentes
Por Paul Craig Roberts | Tradução: Vila Vudu
As sanções unilaterais impostas pelos EUA e anunciadas por Obama em
16/7, bloqueando o acesso a financiamentos bancários de empresas russas
de armas e energia, comprovam a impotência de Washington. O resto do
mundo, incluindo duas das maiores associações comerciais dos EUA, já
deram as costas ao presidente.
A Câmara de Comércio dos EUA e a Associação Nacional de Fabricantes [orig. National Association of Manufacturers] fizeram publicar anúncios e emitiram opiniões nas páginas do New York Times, Wall Street Journal e Washington Post protestando
contra as sanções inventadas pelos EUA. A Associação Nacional de
Fabricantes disse que “estamos desapontados com os EUA, por ampliarem
sanções unilaterais de modo que muito prejudica a posição comercial
norte-americana no mundo.” A Agência Bloomberg noticia que “reunidos em Bruxelas, líderes da União Europeia recusaram-se a acompanhar as medidas impostas pelos EUA.”[3]
Na tentativa de isolar a Rússia, o insano habitante da Casa Branca isolou Washington.
As sanções não terão efeito
sobre empresas russas. As empresas russas podem obter mais
financiamentos do que carecem, de bancos chineses, franceses e alemães.
Os três traços que definem a cidade de Washington – arrogância,
soberba e corrupção –, também emburrecem a capital norte-americana e a
fazem incapaz de aprender. Gente arrogante, tomada de soberba, nunca
aprende. Quando encontram resistência, respondem com propinas, ameaças e
coerção. A diplomacia exige capacidade razoável para aprender com os
erros — os próprios e os dos outros; mas já há anos Washington esqueceu a
diplomacia. Washington só conhece a força bruta.
Consequentemente, os EUA, com as sanções, só são capazes de solapar o
próprio poder e a própria influência. As sanções só têm estimulado os
países a se afastarem do sistema de pagamentos em dólares, que é o
fundamento do poder norte-americano.
Christian Noyer, presidente do Banco da França e membro do Conselho de Administração do Banco Central Europeu, disse
que as sanções de Washington estão afastando as empresas e os países do
sistema de pagamentos em dólares. A soma gigantesca de dinheiro que os
EUA assaltaram, sob a forma de “multa” aplicada ao banco francês BNP
Paribas, por manter transações com países que os EUA “desaprovam”,
mostra bem claramente os graves riscos que ameaçam todos os que ainda
insistam em negociar em dólares, quando os EUA ditam as regras que bem
entendam.
O ataque dos EUA contra o banco francês serviu para que muitos
recordassem as numerosas sanções passadas e se pusessem em alerta contra
sanções futuras, como as que ameaçam
o banco Commerzbank da Alemanha. Já é inevitável um movimento para
diversificar as moedas usadas no comércio internacional. Como Noyer
destacou, o comércio entre a Europa e a China não precisa do dólar e
pode ser integralmente pago em euros ou renminbi.
O fato de os EUA imporem regras só deles a todas as transações
denominadas em dólares, em todo o mundo, está acelerando o movimento de
países que se afastam do sistema de pagamento na moeda norte-americana.
Alguns países já criaram acordos bilaterais com seus parceiros
comerciais, para que os pagamentos se façam nas respectivas moedas
próprias.
Os países BRICS já estão estabelecendo novos métodos de pagamento,
independentes do dólar, e estão criando seu próprio fundo monetário,
para financiar seus negócios.
O valor do dólar dos EUA como moeda de troca depende de seu papel no
sistema internacional de pagamentos. Se esse papel vai desaparecendo,
também começa a sumir a demanda por dólar e o valor de troca do dólar. A
inflação entrará na economia dos EUA via preços de importações, e os
norte-americanos, já tão pressionados, verão cair ainda mais os seus
padrões de vida.
No século 21, a cada dia menos gente confia nos EUA. As mentiras de
Washington, como “armas de destruição em massa” no Iraque (que nunca
existiram); “armas químicas usadas por Assad” (que jamais as usou); e
“armas atômicas do Irã” (que absolutamente não existem) já são tratadas
como absolutas mentiras por outros governos. São mentiras e mais
mentiras, que os EUA usam para destruir países e ameaçar outros países
com destruição, para manter o mundo em eterno sobressalto.
Washington nada tem a oferecer ao mundo, que consiga acalmar o
sobressalto e a aflição que os EUA distribuem pelo planeta. Ser nação
amiga de Washington implica aceitar todas as suas chantagens. E muitos
já começam a concluir que a amizade de não compensa o preço altíssimo
que custa.
O escândalo da espionagem universal pela Agência de Segurança
Nacional dos EUA contra o mundo, e a recusa dos EUA a se desculparem e
desistirem da prática reiterada daqueles atos aprofundaram ainda mais a
desconfiança, que já se vê hoje até entre os próprios aliados dos EUA.
Pesquisas, em todo o planeta, mostram que outros países veem os EUA como
a maior ameaça à paz.
Nem o próprio povo norte-americano confia no governo dos EUA.
Pesquisas mostram que ampla maioria de norte-americanos entendem que os
políticos, a imprensa empresarial prostituída [orig. presstitute media]
e grupos de interesses privados, como Wall Street e o complexo
militar/de segurança, violentam todo o sistema para servir seus próprios
interesses, às custas do povo dos EUA.
O império de Washington está começando a rachar, circunstância que
provoca ação desesperada. Hoje, (17/7, 5ª-feira), ouvi notícias na
National Public Radio sobre um avião de passageiros malaio que caiu em
território da Ucrânia. A notícia era verdadeira. Mas foi apresentada em
tom de fazer crer que teria havido alguma espécie de complô urdido pela
Rússia e “separatistas” ucranianos. Na BBC, mais e mais opiniões
enviesadas, cada vez mais enviesadas. Até que matéria sobre as “mídias
sociais” “noticiava” que o avião teria sido derrubado por um sistema
russo de armas antiaéreas.
Nenhum dos “especialistas” ouvidos sequer se preocupava com o que os
“separatistas” teriam a ganhar com derrubar um avião de passageiros.
Nada disso. Elas já haviam decidido que a Rússia “é culpada”, o que
“evidentemente” “obriga(ria)” a União Europeia a apoiar sanções ainda
mais duras contra a Moscou A BBC acompanhava o script dos EUA e “noticiava” o que Washington queria ver nas manchetes!
A operação tem, isso sim, todos os indícios de ter sido concebida em
Washington. Todos os promotores oficiais de guerras rapidamente
apareceram em todos os canais de televisão e em todas as manchetes. O
vice-presidente dos EUA Joe Biden declarou que “a aeronave foi explodida
em voo”. Que “não foi acidente”. Ora! Por que alguém teria tanta
certeza, antes de qualquer confirmação oficial? Visivelmente, Biden não
procurava culpar o governo ucraniano. Claro que quem abateu a aeronave
em “pleno voo” foi… a Rússia! É o modo como Washington opera: grita
“culpado!” tantas e tantas vezes, até que já ninguém se lembre de exigir
provas.
O senador John McCain pôs-se imediatamente a “declarar” que havia
cidadãos norte-americanos no avião, o que bastava para ele “exigir”
ações punitivas contra a Rússia (tudo isso antes de alguém conhecer a
lista de passageiros do avião e as causas da queda).
As “investigações” estão sendo feitas pelo regime de Kiev, fantoche
de Washington. Acho que já se poderia escrever a conclusão hoje, sem
investigar coisa alguma.
É alta a probabilidade de que apareçam provas fabricadas, como as
provas fabricadas que o secretário de Estado Colin Powell dos EUA
apresentou à ONU, para “provar” a existência das inexistentes “armas de
destruição em massa” iraquianas. Washington safa-se há tanto tempo, com
tantas mentiras, golpes, encenações e crimes, que já se convenceu de que
se safará sempre.
No momento em que escrevo, não há ainda informação confiável sobre o avião, mas a velha pergunta dos romanos vale sempre: cui bono? Quem se beneficia?
Os “separatistas” nada têm a ganhar com derrubar um avião de
passageiros, mas Washington, sim, tinha “bom” motivo: culpar a Rússia. E
bem poderia ter também um segundo motivo. Dentre os muitos rumores, há
um rumor que diz que o avião presidencial do presidente Vladimir Putin
voava rota semelhante à do avião malaio, com diferença de 37 minutos
entre um e outro avião. Esse rumor disparou especulações de que
Washington teria decidido livrar-se de Putin, mas errou o alvo: tomou o
avião malaio pelo jato presidencial russo. O site Russia Today (RT) noticia que os dois aviões teriam aparência semelhante.
Antes de começarem a “explicar” que Washington seria sofisticada demais para ‘errar’ de avião, lembro que quando os EUA derrubaram avião
iraniano no espaço aéreo do Irã, a Marinha dos EUA “explicou” que
“pensara” que os 290 civis assassinados naquele atentado estivessem num
jato iraniano, um F-14 Tomcat, jato de combate fabricado pelos
EUA, e muito usado também pela Marinha dos EUA. Ora! Se a Marinha
norte-americana não consegue distinguir nem entre um jato de combate que
usa todos os dias, e um avião de passageiros iraniano… é claro que os
EUA podem se atrapalhar e confundir dois aviões de passageiros que, como
diz RT são, sim, até que “parecidos”.
Durante toda a matéria da BBC, publicada para inventar a culpa da
Rússia, nenhum “especialista” lembrou-se do avião iraniano de
passageiros que os EUA “abateram em pleno voo”. Ninguém “exigiu” sanções
contra os EUA.
Seja qual for o desfecho do incidente com o avião malaio, os fatos indicam um perigo na política soft de
Putin contra a intervenção armada e violentíssima dos EUA na Ucrânia. A
decisão de Putin, de responder com diplomacia, não com recursos
militares, às provocações de Washington na Ucrânia, deu vantagem inicial
ao governante russo – como se comprova na reação da UE e de associações
de empresários norte-americanos contra as sanções de Obama. Contudo, ao
não impor fim imediato, por meios militares, ao conflito que Washington
patrocina e comanda na Ucrânia, Putin deixou a porta aberta para os
crimes e complôs que Washington está maquinando — e que são
especialidade dos EUA.
Se Putin tivesse aceitado o pedido dos antigos territórios russos do
leste e sul da Ucrânia, para se reincorporarem à Rússia, o imbróglio
ucraniano teria acabado já há meses; e a Rússia não estaria exposta a
tantos riscos.
Putin não colheu o benefício de ter-se recusado a enviar soldados
para os antigos territórios russos: a posição oficial” de Washington é
que há soldados russos operando na Ucrânia. Quando os fatos não ajudam a
“confirmar” o que mais interessa à agenda de Washington, “dá-se um
jeitinho” nos fatos.
A imprensa empresarial norte-americana culpa Putin; já decidiram que o
presidente russo é autor de toda a violência na Ucrânia. É coisa
inventada na cabeça de Washington, mas “virou fato” nos jornais e
televisões: é o que basta como justificativa para qualquer sanção.
Dado que não há prática ou ato, por sujos que sejam, que Washington
não abrace, Putin e a Rússia estão expostos a alto risco de se tornarem
vítima de atentados graves ou dos golpes mais abjetos.
A Rússia parece hipnotizada pelo Ocidente, sob forte motivação para
ser incluída como parte. Esse anseio por ser aceita trabalha a favor da
agenda e dos golpes de Washington.
A Rússia não precisa do Ocidente; a Europa, sim, precisa da Rússia.
Opção interessante para a Rússia é cuidar de seus interesses e esperar
que a Europa a procure, interessada.
O governo russo não deve esquecer que a atitude de Washington em relação à Rússia é modelada pela “Doutrina Wolfowitz”, que diz:
“Nosso primeiro objetivo é impedir a re-emergência de um novo rival,
seja no território da ex-União Soviética ou em qualquer ponto, que
represente ameaça da ordem que exerceu, antes, a União Soviética. Essa é
a consideração dominante que subjaz à nova estratégia regional de
defesa, e exige que trabalhemos para impedir que qualquer potência se
imponha, numa região cujos recursos, sob controle consolidado, bastarão
para gerar poder global.”
Paul Craigs Robert foi secretário assistente do Tesouro dos EUA e editor
associado do Wall Street Journal. Seu último livro é "Como os Estados
Unidos se perderam". Para biografia, consulte a Wikipedia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Craig_Roberts
(fonte: http://outraspalavras.net/capa/mh-17-um-atentado-suspeito-demais/)
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