terça-feira, 16 de setembro de 2014

Ideologia da competência

Esta é a colaboração mensal que o prof. Antônio Moura nos envia, desta vez com uma imagem que, segundo ele:
A ideologia da competência dá a ideia de trabalhador que os seguidores do fordismo desejam.
A ilustração que segue é uma tropa de burros sofrendo de cabeça baixa e trabalhando em silêncio. 





Ideologia da competência
           
Para Marilena Chaui (2014; 51) a função da ideologia é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes, uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais. Essas explicações jamais atribuem as diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção econômica. Portanto, a função da ideologia é ocultar a divisão social das classes, a exploração econômica, a dominação política e exclusão cultural. A ideologia faz os indivíduos se sentirem iguais com o ideal de liberdade, justiça e nacionalidade. Mas, na verdade, são as idéias e valores das classes dominantes, aceitas sem críticas por todos.
            A filosofia de Henry Ford, em 1914, estabelecia normas de racionalização da produção capitalista, baseadas na inovação tecnológica, tendo em vista a produção e consumo em massa. O objetivo principal do método fordista era o de diminuir o custo do produto na linha de montagem. O trabalhador executava tarefas repetitivas, intensas e desgastantes. Tornava-se um animal que devia obedecer ao ritmo da máquina e da esteira rolante. Para permanecer no emprego o trabalhador tinha que ser mais que humano. Além disso, o salário pago ao trabalhador e as garantias sociais de sobrevivência eram mínimas. O resultado do fordismo foi uma enorme concentração de renda, aumento da pobreza e do desemprego, que culminaram com a crise de 1929.
            O filme “Tempos modernos”, de Charles Chaplin, foi uma das raras críticas ao fordismo. No filme “O grande ditador”, Chaplin coloca na boca do personagem principal, figurado como Hitler, o discurso de observação do momento da segunda guerra mundial. – O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém desviamo-nos dele. A cobiça envenenou a alma dos humanos. [...] Criamos a época da produção veloz, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina que produz em grande escala, produz a escassez.  Esse discurso foi tão contundente, que Chaplin acabou sendo expulso dos EUA.
            Existe um modelo de organização que se expande por todos os setores da vida social, empresas, serviços e estado. A organização é exercida por um corpo de agentes que se esforça para ser eficiente, na medida em que se identifica com ela e seus objetivos. Cada um tem sua posição e seu papel e procura subir na escala hierárquica. A organização divide e separa os que possuem conhecimento, isto é, os gerentes e administradores e os que executam as tarefas fragmentadas, os trabalhadores.  Desta forma, a divisão social do trabalho faz-se pela separação entre os que têm competência para dirigir e os incompetentes, que só sabem executar. (CHAUI, 2014: p.55).
            A hierarquia, em todos os setores da sociedade, como empresa, serviços públicos, serviços privados, onde há grande complexidade organizacional, se faz pelo nível de conhecimento. Quanto menor for o grau de instrução do trabalhador, mais simples será a sua função. Conseguir escalar a montanha da estrutura social significa o domínio da tecnologia e do conhecimento. Quem consegue se mover para cima é considerado competente. Ainda segundo Chaui, o discurso competente é aquele proferido pelo especialista, que ocupa uma posição ou um lugar determinado na hierarquia organizacional. Os demais cidadãos são rebaixados à condição de incompetentes.
            Os especialistas competentes adquirem o direito de nos tornarmos seus dependentes. O obeso torna-se dependente do nutricionista, e o diabético do endocrinologista. Na medida em que somos invalidados como incompetentes, tudo precisa nos ser ensinado. Os programas de rádio e de televisão estão cheios de “sábios” ensinando como faz a tosa do cão; a dieta do gato de estimação e tantos outros. Certa vez um ginecologista, em um programa de televisão, disse que as mulheres deveriam usar calcinhas de tecidos finos, porque a vagina precisa de muito oxigênio. Essas e todas as modalidades de competência são absorvidas pela indústria cultural.
            Durante a campanha eleitoral para presidente da República e governadores de estados, os candidatos começam indicar para ministros e secretários de estado, altos executivos de empresas privadas. Os candidatos de tendência neoliberal acreditam que esses executivos são os mais competentes. A falsa premissa é de que, se estes foram bem sucedidos nas empresas, farão o mesmo na administração pública. Grande engano: os empresários e os executivos providos em cargos públicos são os mais corruptos e ineficientes.

Referências:
CHAUI, Marilena. A ideologia da competência. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

LEFORT, Claude. Esboço de uma gênese da ideologia nas sociedades modernas. São Paulo: CEBRAP, 1974.

Belo Horizonte, setembro de 2014.

Antônio de Paiva Moura

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