sábado, 18 de outubro de 2014

Violência e barbárie no governo de Aécio em Minas

Juarez Guimarães e Neemias de Souza Rodrigues (*)

Se Marina não podia mais dizer a verdade pela mudança brusca de identidade política e pela inconsistência de suas novas posições, Aécio Neves, como uma perfeita encarnação do simulacro, tem que cada vez mentir mais para evitar a derrocada de sua candidatura. Exposta como nunca foi antes ao contraditório democrático, ela está em fuga para a frente: as evidências públicas de seu falseamento e truculência estão já espalhadas por todos os lados.

Esta fuga para a frente, como a sobrerepresentação de um ator que tem que encenar uma peça cada vez mais inverossímil, alcançou o grau máximo de falseamento no programa de televisão que Aécio levou ao ar para provar que ele é o maior defensor dos direitos do trabalho e Dilma o oposto disso. O programa foi concebido como uma “conversa franca”, um “papo reto”, como disse o candidato, com um elenco das maiores representações sindicais do país (na verdade, a parte majoritária da Força Sindical, que desde sempre apoiou FHC). Oito sindicalistas fizeram perguntas e, após as respostas do candidato que lhes chamava sempre pelo nome no sentido de denotar intimidade com o mundo do trabalho, proclamavam juras de amor, fidelidade, admiração e esperança a Aécio.

Não houve perguntas de nenhum sindicalista de Minas. E é importante saber o por que. Desde 2011, fazendo a crítica a Serra que não teve o apoio de nenhuma central sindical nas eleições de 2010, o PSDB em Minas jogou o peso do governo para criar o PSDB Sindical. Fracassou completamente: “o PSDB, por sua trajetória, não tem o “DNA trabalhista”, para favorecer seu braço sindical”, afirmou o cientista político mineiro Rudá Ricci. É certo mas é mais do que isso: o PSDB tem um DNA anti-trabalhista!

Na disputa com a CUT pela direção do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Minas ( Sindágua), a chapa apoiada pelo PSDB saiu derrotada. Para as eleições do Sindicato Único dos trabalhadores em Educação (SindUTE) e para o Sindieletro, o PSDB nem conseguiu formar chapa de oposição. E pior: a Força sindical perdeu para a CUT/ Intersindical o seu principal sindicato em Minas, o dos Trabalhadores Metalúrgicos de Ipatinga, no Vale do Aço. Luiz Carlos Miranda, ex-presidente deste sindicato e ex-presidente da Força Sindical em Minas, foi derrotado após trinta anos e está sendo processado por corrupção, formação de quadrilha, enriquecimento ilícito e desvio de dinheiro do sindicato para a sua campanha eleitoral. O procurador do Ministério Público do Trabalho, Adolfo Jacob, acusa com 542 provas documentais o ex-presidente de vender sempre para as empresas acordos coletivos e até inserir cláusulas não aprovadas na convenção coletiva.

As oito perguntas feitas já embutiam inverdades sobre os governos Lula e Dilma e as oito respostas de Aécio replicavam promessas diametralmente opostas ao que FHC fez quando presidente e ele fez quando governador. O perguntador afirma, por exemplo, que Lula e Dilma não deram reajuste nenhum a aposentados (na verdade de junho de 2000 a janeiro de 2013, os cerca de dois terços que recebem o piso de aposentadoria do INSS receberam 349 % de reajuste e os que recebem acima do piso 143, 9 %, ambos acima do IPCA calculado pelo IBGE) e Aécio responde que reajustará os aposentados acima da inflação (segundo a presidente do Sindicato dos Aposentados e Gestores Públicos, em audiência pública na Assembléia Legislativa de Minas, em dezoito anos o reajuste das aposentadorias dos servidores estaduais foi calamitoso, de 49,9 % !).

Aécio afirma que FHC segurou a inflação (na verdade, a média da inflação de 1995 a 2002 foi de 9,1 %, sendo de mais de 12 % em seu último ano), enquanto no governo Dilma a inflação voltou a crescer de forma descontrolada ( na verdade foi em média de 6,1 % e será seguramente menor ainda este ano, apesar de toda a desvalorização do real em relação ao dólar). Aécio afirma que Dilma não construiu creches para as trabalhadoras (segundo noticiou o jornal Folha de S. Paulo de 29 de setembro, construiu 5.902 creches, quase a meta plena) e ele vai construir milhares (não construiu nenhuma quando governador). E assim por diante.

Mas a maior mentira contada pelo candidato Aécio foi a de que sempre foi um homem de diálogo com os trabalhadores.

Criminalização e ditadura

Em razão da censura praticada sistematicamente pelas grandes empresas de comunicação de Minas e do país, os brasileiros, mesmo os mais bem informados, não têm notícia do grau inacreditável de truculência e barbárie praticado pelos governos tucanos.

Um fato inusitado ocorreu em abril de 2012 quando da tentativa frustrada por decisão do juiz do Trabalho de Betim, Mauro césar Silva, da Nova Central sindical (NCST) e do PSDB promoverem um racha da base do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região. A rua onde seria tomada a decisão sobre a criação de um novo sindicato pela PSDB Sindical foi bloqueada por duas viaturas e trinta homens fortemente armados que obrigavam até os moradores a se identificarem ao entrar e saír de suas casas. Os quarteirões próximos foram fechados por viaturas, motos e cavalos. Só entrava quem apresentava aos policiais uma fita amarela. A assembléia acabou por ser declarada inválida e a criação do novo sindicato ilegal pelo juiz.

Os dirigentes do maior sindicato operário de Minas – o histórico e combativo Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem – fazem campanha salarial nas portas de fábricas com a presença permanente, hostil e agressiva da PM de Minas. Como afirmou Carlos Magno de Freitas, vice-presidente da CUT/ MG, durante uma grande manifestação contra demissões e acidentes de trabalho na Arcellor Mittal, cercada por trinta viaturas da PM, “a empresa se apropria da estrutura de segurança do Estado para reprimir os trabalhadores e isolar o sindicato”. De fato, em particular nas empresas do ramo automobilístico vinculado à Fiat, coronéis da reserva da PM prestam serviços e fazem a ponte permanente. No dia 11 de maio deste ano, ao realizarem uma greve legal, os trabalhadores da auto-peças Aethra viram o presidente do Sindicato Geraldo Valgas, Carlos Juvêncio Alves Júnior e a diretora Tânia Maria da Costa serem agredidos pelo sargento Nunes, pelo sargento Perdigão e pelo cabo José Roberto do 19 Batalhão da PM de Minas. A diretora do Sindicato, ao procurar se antepor à agressão dos militares ao motorista do sindicato, foi derrubada e teve que ser atendida no Pronto-Socorro do Hospital JK.

No quinto dia de greve dos eletricitários, o coronel Amílcar, um dos militares reformados contratados da Cemig para vigilância e repressão, agrediu o diretor do Sindicato, Jefferson Silva, após rasgar faixas do Sindieletro. Logo em seguida, dez viaturas da PM cercaram o local.

Mas a maior repressão que mobilizou todo o aparato do governo de Minas – da Polícia Militar à Polícia Civil, de promotores ao TRE, da propaganda oficial à censura imposta na mídia mineira – se desencadeou nestes anos sobre as lideranças dos professores da rede pública do estado. Esta categoria protagonizou a greve mais importante realizada em Minas nas últimas décadas, em prol de um piso salarial e denunciando o não cumprimento do investimento mínimo em educação definido pela Constituição, ganhando a batalha da opinião pública. A presidente do Sindi-Ute, Beatriz Cerqueira, tornou-se presidente da CUT e a liderança sindical mais expressiva dos mineiros.

Nestas eleições, acionado pelo PSDB que o controla de fato, o TRE proibiu a continuidade da campanha pública dos educadores em prol dos direitos públicos da educação. Até a página do sindicato na internet foi censurada! As lideranças do Sindi-Ute respondem hoje a 22 processos, a presidente pessoalmente a mais quatro e são caçadas como criminosos por dizerem publicamente a verdade. Enquanto isso, o TCE, também controlado pelos tucanos, retirou do ar os documentos que provam a veracidade da denúncia dos professores de que o governo não investe o mínimo constitucional exigido para educação e para a saúde!

“Manda torar todo mundo!”

Ao incentivar a precarização dos vínculos do trabalho, Fernando Henrique Cardoso argumentava que esta era a saída para vencer o desemprego, citando o presidente conservador da França, Jacques Chirac. E saiu exatamente de Minas, através do economista Paulo Paiva, o Ministro do Trabalho de seu primeiro mandato, encarregado de aprovar leis neste sentido. Quando presidiu a Câmara dos Deputados, Aécio Neves conseguiu aprovar o projeto de FHC que alterava o artigo 618 da CLT e deixava vulneráveis os direitos dos trabalhadores, entre eles 13 salário e férias. Antes de ser aprovado pelo senado, seu encaminhamento para aprovação final foi desativado por Lula já eleito presidente. Foi na década de noventa, exatamente no ano de 1996, durante os anos FHC, que o trabalho informal – os assalariados sem carteira e os trabalhadores por conta própria não formalizados – inverteu a sua curva de queda histórica, aumentando e chegando a 50,8 % em 2000. Isto significa que a maioria dos brasileiros ocupados não tinha o direito à jornada de 44 horas, às férias remuneradas, ao fim de semana de descanso remunerado, ao direito ao FGTS, ao auxílio-doença, ao 13 salário e ao 1/3 adicional de férias.

Em 2013, após dez anos de governo Lula e Dilma, o porcentual de empregados com carteira de trabalho atingiu o seu recorde histórico de 65,2 % do total de empregados (sem contar trabalhadores domésticos). O trabalho informal, que atingia principalmente os jovens de 16 a 24 anos, já havia sido reduzido de 62,1 % para 46,9 %.

A precarização do trabalho conduz inevitavelmente à sua degradação. Em um país como o Brasil, no qual largas parcelas da população enfrentam ainda carências básicas, a degradação leva a situações típicas de barbárie, inclusive de trabalho escravo.

É por isso que é gravíssimo o que aconteceu nestes anos de governos tucanos. Em 27 de janeiro de 2004, Antero Manica, o chamado “Rei do Feijão”, por ser um dos maiores plantadores de feijão do país, ordenou, segundo acusação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que logo descobriu e documentou fartamente o crime, o assassinato de três fiscais do Ministério do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage, Erastótenes de Almeida Gonçalves e do motorista Aílton Pereira de Oliveira. Atraídos para um local deserto por uma denúncia anônima de trabalho escravo, eles foram cercados e atirados na cabeça. Segundo delação premiada do cerealista Hugo Alves Pimenta, Antero Manica teria falado “para torar todo mundo”, inconformado por receber uma alta multa por praticar trabalho escravo e ter sido o responsável pela morte de um jovem de 17 anos, morto em um silo em condições de risco.

Pois bem, Antero Manica, já acusado e processado pelo Ministério Público, resolveu se candidatar a prefeito de Unaí pelo partido do governador do estado, Aécio Neves. Foi eleito e reeleito pelo PSDB, adiando ao máximo seu julgamento e sempre fazendo recursos para instâncias superiores.

O caso se torna mais grave quando se sabe que Aécio Neves, ao contrário das candidatas Marina e Dilma, se recusou a firmar publicamente o compromisso com as propostas de erradicação do trabalho escravo apresentadas pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Na verdade, é pior do que isso. Neste ano, após quinze anos de tramitação no Senado, foi aprovado a chamada PEC do Trabalho Escravo (PEC 57ª/199) , que destina territórios onde forem flagrados a prática de trabalho escravo para fins de reforma agrária ou para a construção de habitação popular. Segundo o artigo 149 do Código Penal, o trabalho escravo é definido como sendo o trabalho forçado, o servido por dívida, o exercido em condições degradantes e jornadas exaustivas. Os interesses do grande agro-negócio temem uma legislação que abra uma fronteira para reforma agrária. E, em seu nome, o senador do PSDB Aloysio Nunes, candidato a vice-presidente na chapada de Aécio, apresentou uma emenda para definir melhor o que seriam as tais “condições degradantes”, na prática travando o andamento da emenda.

Mas o caso é ainda mais grave: de acordo com o coordenador da campanha contra o trabalho escravo, frei Xavier Plassat, da CPT e premiado em 2008 pela ONG internacional Free the Slaves, Minas liderou em 2014 os casos de trabalho escravo e de trabalhadores libertados destas condições, no campo e na construção civil. E tem uma componente ainda mais grave: fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do trabalho multaram um tio de Aécio em outubro de 2009, dono da Fazenda Izabel, por abrigar 39 cortadores de cana em condições de trabalho escravo. Sim, é o mesmo tio do candidato à presidente, que possuía a chave do
hoje famoso aeroporto construído pelo governo de Minas e de uso particular na cidade de Cláudio.

Os trabalhadores de Minas já deram, em sua maioria, um não a Aécio. E à frente deles, esteve por todos estes anos esta grande lutadora, hoje perseguida e escandalosamente processada pelos poderes ligados a Aécio, Beatriz Cerqueira, presidente da CUT mineira. É ela quem nos diz: “Ninguém cala o SindiUTE. Nossa história começou na ditadura militar, há 35 anos atrás e nada nunca nos calou. O governador do estado não é dono de Minas e vamos continuar lutando”.

Este artigo é dedicado a ela.

(*) Juarez Guimarães é professor de Ciência Política da UFMG e Neemias de Souza Rodrigues é Secretário de Comunicação da CUT-MG 

(fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Violencia-e-barbarie-no-governo-de-Aecio-em-Minas/4/32024)

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