terça-feira, 18 de novembro de 2014

Catalunha: quando as estacas caem

Não foi, fundamentalmente, contra a Espanha que 2,3 milhões de catalães posicionaram-se em favor da independência. Foi contra a herança maldita — e muito presente — do franquismo
Por Nuno Ramos de Almeida

A 15 de Janeiro de 1976, dois meses depois da morte do ditador Franco, 30 mil pessoas lotaram três vezes o Palácio dos Desportos de Barcelona para ouvir o cantor catalão muito tempo exilado Lluís Llach. Nos dias anteriores o concerto esteve proibido. O simples uso do catalão era reprimido pela ditadura. “Proibiram-me dias antes porque sabem que a canção catalã expressa inquietude e um concerto é um ato político. Autorizaram-me agora, embora não tenham dado razões oficiais, porque pretendem dar uma imagem pública de maior abertura. Vamos ver se tem continuidade”, disse o cantor minutos antes do concerto.
Na sala toda a presença é um ato de resistência de quem não aceita a ditadura. Quando se escutam os primeiros acordes da canção dedicada à revolução portuguesa de Abril, a sala começa a gritar: “O povo unido jamais será vencido.” A voz do cantor ecoa na sala e ouve-se: “Companys, si enyoreu les primaveres lliures, amb vosaltres vull anar, que per poder-les viure jo me n’he fet soldat.” (“Companheiros, se buscais as Primaveras livres, com vocês quero ir. Foi para poder vivê-las que me fiz soldado.”) Mas foi quando ressoaram as notas da “L’Estaca” que a sala se incendiou. A música foi composta como um apelo à unidade de ação contra a ditadura franquista: “Não vês a estaca a que estamos todos atados? Se não nos conseguirmos desamarrar dela, nunca poderemos caminhar [...] Se eu puxo forte daqui e tu fazes força por aí, é certo que cai, cai, cai e ponderemos libertar-nos.” Apesar da presença dos bufos, dos polícias políticos, da Brigada Político Social, a multidão cantava a plenos pulmões a possibilidade de recuperar a liberdade.
Nas ruas do Estado Espanhol a repressão continuava. A 3 de Março de 1976, a polícia espanhola atira sobre uma multidão de grevistas bascos que se tinham refugiado na catedral da cidade basca de Vitória e deixa caídos nas ruas cinco mortos e 40 feridos. As ordens de matar vêm do ministro do Interior, e posterior fundador da Aliança Popular, que hoje está no governo com o nome de Partido Popular, Manuel Fraga Irribarne.
No dia 24 de Janeiro de 1977, um comando franquista assassina a tiro cinco advogados comunistas dos sindicatos das Comissiones Obreras, em pleno centro de Madrid.
A transição espanhola inscrita na Constituição de 1978 não castigou os crimes do franquismo. Não resolveu o desejo de autodeterminação dos diversos povos que habitam esta região da Península Ibérica. Mais, inscreveu na lei, em troca da legalização dos partidos, a indivisibilidade da Espanha e a tutela do exército sobre essa matéria. Inscreveu em letras supostamente imutáveis a monarquia espanhola, regime imposto numa guerra civil com a ajuda decisiva das botas cardadas das tropas de Hitler e Mussolini.
No Estado espanhol não é possível os bascos, os catalães e os galegos decidirem democraticamente se querem ser independentes. A Constituição foi referendada no ano de 1978, e, apesar de ser vista como um garante do fim do franquismo, 33% dos eleitores abstiveram-se, sobretudo em zonas como o País Basco, em que muitos recusaram ir às urnas.

Há uma semana, apesar das ameaças e de um governo que funciona como garante de uma ordem negociada com os franquistas, mais de 2,3 milhões de pessoas votaram numa consulta popular para dizer que têm o direito de decidir a sua vida, e se todos fizerem força ao mesmo tempo não há estacas que os aprisionem.

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