quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A agonia dos Diários e Emissoras Associados

Por Ângela Carrato
A sede do jornal Estado de Minas está à venda, deixando explícita a gravíssima crise que a empresa enfrenta, envolvendo má gestão, perda de credibilidade e o consequente desaparecimento de leitores e anunciantes. A título de exemplo, o jornal, que é o mais antigo e tradicional da capital mineira, tem circulado com apenas dois cadernos, num total de 24 páginas, ao contrário de um ou dois anos atrás, quando, mesmo em dias de edição mais fraca, eram quatro ou cinco.
O objetivo da venda é tapar buracos no caixa da empresa, que tem demitido jornalistas e demais funcionários com idêntico objetivo. As instalações do Estado de Minas serão transferidas para o prédio onde funciona a TV Alterosa e a rádio Guarani, ambas do mesmo grupo, os Diários e Emissoras Associados. Nesta transferência, é possível antever novos cortes de pessoal e não está descartado nem mesmo o fim da publicação em papel, permanecendo apenas a versão digital.
Localizada em um dos pontos nobres da capital mineira, a sede da SA Estado de Minas vale em torno de 50 milhões de reais, mas as ofertas, até o momento, não ultrapassam 30 milhões de reais. A venda representará mais um capítulo, talvez dos últimos, na história do condomínio fundado pelo primeiro magnata da mídia brasileira, Assis Chateaubriand, que chegou a ter 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão.
Do que antes foi o “império” de Chateaubriand restam agora, com alguma expressão, além dos veículos em Minas, apenas o Correio Braziliense, na Capital Federal, e dois jornais no Nordeste. Há pelo menos duas décadas que o jornal Estado de Minas é considerado o carro-chefe do grupo, situação que apenas enfatiza a gravidade do quadro.
Os jornais impressos estão enfrentando problemas em todo o mundo. Recentemente o Washington Post também colocou sua sede à venda. Diariamente se tem notícia de jornais nos Estados Unidos e na Europa que estão fechando as portas ou reduzindo drasticamente suas tiragens em consequência das novas tecnologias que, indiscutivelmente, tem tido forte impacto no modelo de negócios destas publicações. No entanto, seria um equívoco atribuir à derrocada dos Associados e, em especial do jornal Estado de Minas, apenas às novas tecnologias. Os problemas são mais antigos e profundos.

O reforço à imagem de “neutro”

O jornal Estado de Minas foi o tema de minha dissertação de mestrado, defendida na Universidade de Brasília, em 1996. Sob o título de “A ‘amena’ Casa de Assis, imprensa e conservadorismo em Minas Gerais”, procurei entender as razões pelas quais os Associados haviam declinado em todo o país, mas continuavam firmes e fortes no Estado. Em outras palavras, quais eram as relações e ligações entre este veículo e seus leitores? O jornal, como se autodefinia, era realmente “o espelho de Minas” e “a voz de Minas”?
Ao contrário do que muitos acreditam, o jornal Estado de Minas não nasceu grande e durante muito tempo foi apenas um entre os vários jornais existentes em Belo Horizonte. Fundado em 1929 por Pedro Aleixo, Juscelino Barbosa e Álvaro Mendes Pimentel, foi adquirido no ano seguinte por Chateaubriand. A decisão de vender a publicação foi tomada pelo grupo de Pedro Aleixo após vários enfrentamentos com as forças situacionistas locais, encarnadas pelo Partido Republicano Mineiro (PRM).
Na época, as disputas entre grupos políticos em Minas eram muito intensas e o aparente distanciamento de Chateaubriand dessas questões contou pontos a favor de sua publicação aos olhos da maioria dos leitores, calejados com os frequentes arroubos da imprensa nitidamente partidária.
No início da década de 1960, o Estado de Minas era um entre os 13 jornais existentes em Belo Horizonte. A maior tiragem cabia ao O Diário, de propriedade da Cúria Metropolitana, que se apresentava como “o maior jornal católico da América Latina”. Outras publicações de peso eram a Folha de Minas, o Diário de Minas e o semanário Binômio, aos quais se somou a edição mineira da Última Hora, de Samuel Wainer. Em vários momentos, nos anos de 1962 e início de 1963, as edições de O Binômio e Última Hora venderam bem mais que as do Estado de Minas.
De olho na concorrência, os Associados, que já contavam com um segundo título em Minas, o Diário da Tarde, nunca se sentiram constrangidos em copiar inovações, mesmo as que se constituíam em marca registrada dos concorrentes. Aliás, desde a década anterior que Estado de Minas formava uma dobradinha com o Diário da Tarde, o primeiro destinado aos leitores classes A e B e o segundo ao “povão”.
Pelo fato de Chateaubriand contar com amigos e financiadores ligados a Juscelino Kubitschek, ele preferiu não aderir aos setores da UDN que questionaram o resultado da eleição presidencial de 1955, quando o ex-governador de Minas saiu vitorioso. Agindo assim, o jornal Estado de Minas conseguiu reforçar a imagem de “neutro” e dá início ao aumento de suas vendas em banca, mesmo com tiragem muito reduzida se comparada aos jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo.

“Limpeza geral”

Os anos de JK na presidência foram excelentes para o Estado de Minas, que trouxe para as suas páginas, como anunciantes, todas as vedetes da época, seja em termos do comércio local, seja das empresas multinacionais que chegavam ao país. O tráfico de influências, ao lado de propostas audaciosas como a construção da nova capital federal, marcaram o governo de Juscelino e a própria relação entre imprensa e poder na época. Nunca interessou a Chateaubriand o rompimento com JK. O que ele sempre quis e obteve foram muitos favores e dinheiro. Daí sua presença constante em Minas, que era vendida aos mineiros como “apreço e gosto pela cultura e tradições locais”.
O que a maioria dos mineiros não desconfiava é que muitas das vindas de Chateaubriand ao estado tinham a ver com a conspiração que redundou no golpe civil-militar de 1964. Mesmo bastante doente e preso a uma cadeira de rodas, ele conspirou e estimulou amigos e funcionários a fazerem o mesmo. Desde a chegada de João Goulart ao poder que o jornal, sob o argumento que estava combatendo o “comunismo ateu”, abriu suas baterias contra o governo federal, respaldado pelo apoio do então governador de Minas, Magalhães Pinto, “o general civil da revolução” e por empresas nacionais e multinacionais que aumentavam os anúncios em suas páginas.
A vitória do golpe de 1964 não significou apenas o sucesso da tese que a publicação defendia. Significou, sobretudo, o fim das ameaças provocadas pelos concorrentes em Minas. Aliás, publicações que os Associados não mediram esforços para liquidar, a partir de denúncias, perseguições e de ameaças a anunciantes que insistiam em investir em “páginas adversárias”. Sem os entraves de antes, o Estado de Minas passa a atuar como narrador e comentarista político dos fatos, em suma, como um “ator político” conservador, que se beneficia da nova situação que ele ajudou e contribuiu para consolidar.
No editorial “Minas e a Revolução”, publicado pelo Estado de Minas em 6 de abril de 1964, por exemplo, tem início uma verdadeira cruzada contra qualquer tipo de atenuante ou perdão “aos que ontem entregavam a pátria aos flibusteiros de Cuba”. Na mesma edição, o jornal dedicava toda a contracapa do primeiro caderno aos “Flagrantes da Vitoriosa Revolução Democrática”. Entre as fotos estampadas estava a da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, em chamas. Apresentada como “célula do Partido Comunista”, o jornal informava que ela havia sido incendiada “por populares”.
Para se referir às cassações e prisões de pessoas ligadas ao ex-presidente João Goulart, o jornal cunhou a expressão “limpeza geral”, conclamando os militares, através de editoriais, a “não ensarilhar suas armas, antes que se emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria”. O golpe civil-militar de 1964 foi transformado assim na “revolução redentora”, que havia livrado o Brasil das garras do comunismo, com o Estado de Minas não medindo esforços na organização e cobertura da “Parada da Vitória”, dia 18 de abril, quando tropas do Exército e da Polícia Militar de Minas Gerais desfilaram pela avenida Afonso Pena, a principal de Belo Horizonte, comemorando os feitos alcançados.

Se a Rua Goiás não deu...

Quem lesse as edições do Estado de Minas no final dos anos 1960 e durante toda a década de 1970 dificilmente não seria tomado pela sensação de coparticipante de um processo que havia salvado o Brasil, pois não faltavam manifestos e abaixo-assinados ressaltando os feitos e o sucesso dos governos militares. É importante destacar que naquele período, várias publicações brasileiras que igualmente apoiaram o golpe de 1964 já se mostravam desiludidas e passavam a enfrentar a pesada censura prévia instaurada a partir da edição do AI-5. No jornal Estado de Minas, a censura sempre foi dispensável. O jornal só publicava o que interessava aos novos donos do poder.
Os profissionais considerados mais à esquerda perceberam que não havia mais condição de continuar escrevendo textos minimamente críticos e que contivessem quaisquer informações que desagradassem à direção da empresa e trataram de pedir demissão. Uma parte foi cuidar da vida como pode e outra se mudou para São Paulo ou Brasília, em busca de trabalho.
Em tempos tão sombrios, a marca registrada do Estado de Minas era a tranquilidade. Tranquilidade quebrada apenas na manhã de 22 de junho de 1965, quando do assassinato de seu diretor, Geraldo Teixeira da Costa. A manchete da publicação sobre o assunto foi “Silencia-se uma das grandes vozes de Minas”, com o jornal conseguindo não tocar nas razões efetivas da morte de seu dirigente. E se dependesse dele, estas razões jamais seriam divulgadas. Fiel aos compromissos católicos, O Diário foi o único a apresentar a verdade sobre o assunto: o jornalista era o responsável pela sedução de uma jovem de família pobre, cujo pai jurara vingança. Detalhe: durante o enterro, aviões da Esquadrilha da Fumaça sobrevoaram Belo Horizonte desenhando no céu o apelido Gegê, em homenagem ao diretor assassinado.
Mesmo não possuindo ligações com questões políticas, o episódio serve para ilustrar como o jornal Estado de Minas passa a apresentar a realidade ao sabor dos seus interesses, pouco somando com a veracidade das informações e, menos ainda, com a opinião pública, fazendo exatamente o contrário do que pregava. O episódio demonstra também o peso e a ligação do jornal com os diversos poderes e instituições. A confortável situação desfrutada pela publicação levou-a a acreditar piamente nas palavras de seu então editor-chefe, Pedro Aguinaldo Fulgêncio: “Se a rua Goiás não deu, não aconteceu”. Para quem não é de Belo Horizonte, rua Goiás é onde se localizava a antiga sede do jornal.

“Sociedade” com os cofres públicos

Esse autoritarismo, mais do que a postura de um dirigente, tornou-se a marca registrada do fazer jornalístico do Estado de Minas. Autoritarismo que impediu e continua impedindo que fatos de importância local, nacional e internacional “aconteçam” nas páginas do jornal. Quando muito, o jornal dava e dá a sua versão sobre eles.
Não importava que o Brasil e o mundo passassem por mudanças significativas. Tudo o que desagrada à ótica dos dirigentes da “amena” Casa de Assis era e continua sendo atribuído à subversão comunista e, mais recentemente, ao “bolivarianismo”. Por outro lado, fiel ao ideário de Assis Chateaubriand, que nunca escondeu sua admiração pelos Estados Unidos, tudo o que vem daquele país é tratado como certo, importante e fabuloso.
Em 1982, o jornal Estado de Minas apoiou a candidatura do ex-ministro Elizeu Resende contra Tancredo Neves na disputa pelo governo do estado. Para Tancredo conseguir que matérias sobre sua campanha fossem publicadas, teve que comprar espaço, mesmo sendo acionista da empresa. As páginas do Estado de Minas ignoraram a campanha pela anistia aos presos políticos e em prol das eleições diretas para presidente da República. No plano regional, de 1980 aos dias atuais, o jornal Estado de Minas esteve uma única vez na oposição, quando do governo de Newton Cardoso. Mesmo assim, as razões desta oposição estão longe de qualquer ideal republicano. A empresa e Cardoso se desentenderam no que se refere a pagamentos de publicidade e a verbas destinadas à publicação, numa briga classificada por quem a acompanhou de perto como sendo “coisa de cachorro grande”.
Se os métodos de Chateaubriand valeram para garantir poder e influência ao Estado de Minas em décadas anteriores, foram importantes para mantê-lo em pé, sobretudo a partir de 2003, quando o neto de Tancredo Neves chega ao poder e garante-lhe uma sobrevida que poucos julgavam possível. Já naquela época, os Associados estavam quebrados e o Estado de Minas era a publicação que tinha situação financeira um pouco melhor, mas longe de ser considerada boa. Aliás, fiel ao estilo de vida de Chateaubriand, os dirigentes do Estado de Minas sempre foram pródigos em gastos, pouco somando se a situação financeira da empresa permitia isso. A título de exemplo, enquanto os seus dirigentes e condôminos têm salários (além de retiradas mensais) superiores a R$ 50 mil, a empresa atrasa o depósito do FGTS e paga o piso salarial da categoria para a maior parte de seus funcionários.
No passado, o próprio governo de Minas chegou a arcar com a folha de pessoal do jornal e também com a complementação salarial dos funcionários da empresa via assessorias de imprensa no próprio governo e empresas estatais. O colunista social Wilson Frade, por exemplo, chegou a receber por 17 assessorias. Vale dizer: dia sim, dia não, tinha um dinheiro entrando em sua conta. Inúmeros são também os casos de jornalistas dos Associados em Minas que tiveram três, quatro ou mais assessorias ao mesmo tempo. Para o já citado Pedro Aguinaldo Fulgêncio, entrar para o Estado de Minas era quase sinônimo de ganhar na loteria esportiva ou “tirar a sorte grande”, como preferia dizer.
Os governos tucanos em Minas fizeram o possível para garantir o retorno dos “anos dourados” para os Associados. Razão pela qual a direção da empresa apoiou, elogiou e não mediu esforços para tentar viabilizar a vitória de Aécio Neves para a presidência da República, transformando o jornal em uma espécie de boletim de campanha do tucano (ver artigo “Por quem os sinos dobram“, neste Observatório da Imprensa). Não deu certo e os antigos problemas de gestão agora batem, com mais força, à porta da empresa. Afinal, a “sociedade” com os cofres mineiros parece ter chegado ao fim.
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Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Este artigo foi publicado no blog Estação Liberdade

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