sábado, 28 de fevereiro de 2015

Juízes fora da lei





Na magistratura brasileira (como em todos os lugares do planeta) há juízes de todo tipo (honestos, venais, ladrões, negligentes, aristocratas etc.). Os honestos e trabalhadores são os mais atingidos indiretamente em sua honra diante dos atos e omissões dos juízes pouco ortodoxos (fora da lei). Nesta última categoria há de tudo: juiz que usa carro apreendido para ser leiloado (carro de Eike Batista), que dá "carteirada" e prende a funcionária do trânsito mesmo estando com seu veículo irregular, que prende funcionários de companhia aérea depois de ter perdido o horário do voo, que maliciosa ou negligentemente guarda o processo, sobretudo de réus importantes (deputados, por exemplo), nas gavetas até chegar a prescrição, que afasta de suas funções outro juiz por ser "garantista das garantias constitucionais" (tribunal de São Paulo), que mora em apartamento funcional do Senado em Brasília pagando aluguel simbólico, ou seja, muito abaixo do mercado (esse conúbio entre o Senado presidido por um político processado criminalmente e ministros de tribunais superiores não é uma coisa boa para o País), que recebe imoralmente auxílio moradia mesmo tendo imóvel para morar (recebe um tipo de aluguel por ocupar o seu próprio imóvel), que se declara solidário a réu preso por suspeita de corrupção (caso Gilmar Mendes e o ex-governador de Mato Grosso divulgado pela Época), que é condenado por corrupção por vender sentenças (caso recente em SP e vários outros Estados - mais de 100 juízes já foram punidos pelo CNJ) etc.
 
O primeiro corregedor-geral do país (ouvidor-geral) também foi um corrupto

Se os corruptos e corruptores, no Brasil, atuam com a mais absoluta sensação de que ficarão para sempre impunes, se a corrupção (entendida como prática criminosa que envolve agentes públicos e privados) aqui ingressou com os primeiros habitantes europeus e se consolidou com a construção do arremedo do "Estado Brasil", em 1548 (tempo de Tomé de Sousa, Governador-Geral) e se o primeiro ouvidor-geral do Brasil (primeiro corregedor-geral da Justiça), Pero Borges, para cá foi nomeado (em 17/12/1548) pelo rei depois de ter surrupiado grande soma de dinheiro na construção de um aqueduto, em Elvas (no Alentejo) (veja E. Bueno, em História do Brasil para ocupados, organizado por L. Figueiredo, p. 259), como negar que pertencemos a uma cultura patriarcal e patrimonialista desavergonhada, sem escrúpulos, sem pudor, debochada?Analisando-se os desmandos e as estrepolias dos juízes corruptos, que vêm da escola de Pero Borges (que aqui se enriqueceu mais ainda), entende-se rapidamente a diferença entre uma cleptocracia (Estado governado por ladrões) e uma democracia cidadã civilizada (como é o caso dos países nórdicos, por exemplo: Suécia, Finlândia, Dinamarca, Noruega e Islândia): basta verificar a eficácia (ou ineficácia) do império da lei, ou seja, o quanto fica impune a corrupção do poder político-econômico-financeiro. Se os ladrões graúdos (agentes políticos, altos funcionários, agentes econômicos e agentes financeiros), que têm como escopo principal ou lateral de vida a pilhagem do Patrimônio Público, desfrutam de um alto nível de impunidade, estamos inequivocamente diante de uma cleptocracia. E esse é o caso do Brasil.

Mas a negligência ou conivência da Justiça (frente aos poderosos) é um fenômeno isolado ou bastante corriqueiro? É frequente e onde isso ocorre podemos afirmar que estamos diante de uma cleptocracia (que se caracteriza não apenas pela roubalheira geral do patrimônio público, senão também pela impunidade dessa ladroagem). Considerando-se os dados de 2012 temos o seguinte: a Justiça brasileira, nesse ano, condenou 205 pessoas por corrupção, lavagem e improbidade. Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça mostrou ainda que, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2011, quase 3 mil processos por esses tipos de crime foram extintos por prescrição. Infográfico feito pelo jornal Gazeta do Povo mostra o seguinte:




A Justiça brasileira, como se vê, com 3 mil prescrições anuais somente nessa área da corrupção e improbidade, é uma indústria fértil de prescrições (que ocorrem quando o Estado perde o direito de punir em razão do transcurso do tempo), que vêm beneficiando inclusive muitos políticos (Sarney, Maluf, Jader Barbalho etc.). Ela funciona muito mal e é extremamente morosa (daí a desconfiança da população, em todas as pesquisas na última década). Muitas vezes ela não tira proveito material da criminalidade organizada P6 (Parceria Público/Privada para a Pilhagem do Patrimônio Público). Mas, com tantas prescrições (milhares por ano, como se pode notar no Infográfico acima), não se pode negar que seja conivente com o malfeito, com a corrupção, em suma, com a cleptocracia. A Justiça faz parte do sistema de impunidade reinante no País, que beneficia todo tipo de criminoso, incluindo especialmente os larápios que vivem da pilhagem do dinheiro público.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Juizes-fora-da-lei/32948)

Como transformar noticia boa em péssima


(fonte: http://tijolaco.com.br/blog/)

Agente da Veja parte para o banditismo com família de Lula. E a mídia cala…


Autor: Fernando Brito

Um cidadão a serviço da Veja, de nome Ullisses Campbell, foi  pego com a boca na botija tentando forjar a armação que ele próprio havia feito, de envolver a família do ex-presidente  Lula numa suntuosa festa infantil.
O fato está registrado num Boletim de Ocorrência, em São Paulo.
Desmascarada a farsa que publicou na Veja, Campbell foi a São Paulo com o objetivo de forjar elementos que permitissem sustentar a sua mentira.
Na segunda-feira, ligou para o irmão de Lula, o ex-sindicalista José Ferreira da Silva, o Frei Chico, passando-se por aluno da USP que pesquisava os nomes dos parentes de Lula.
No dia seguinte, para a nora dele, dizendo-se funcionário de uma casa de festas e pedindo o endereço.
Interpelado pelo filho de frei Chico, segundo o registro policial,  Ullisses disse “…que necessitava de informações, e se o declarante não as fornecesse ele poderia publicar o que quisesse, tendo Ulisses, inclusive enviado pelo celular, para o declarante, uma fotografia da esposa do declarante em companhia de seu filho, a qual usaria em publicação futura na revista Veja.”

Ontem, Campbell invadiu o condomínio onde mora a família, se passando por entregador de livros e tentando colher informações sobre o horário de chegada dos integrantes da família.

Fugiu, mas foi detido pela Polícia Militar e identificado como agente da revista Veja.

Toda a mecânica do ato criminoso está descrita na nota publicada pelo Instituto Lula e que está sendo divulgada pelos blogs.
Apenas por eles.
Na grande imprensa, até agora, nem uma linha.
A Veja, que já tentou entrar à força num quarto de hotel onde se hospedava José Dirceu , desce mais um degrau no crime.
Agora fuça a intimidade dos parentes de Lula, invade seus locais de moradia e tenta forjar fatos, porque é evidente que endereços e horários serviriam para entregar “brindes” ou documentos da tal festa inventada e, com isso, “provar” que existia.
Coisa de bandido, de Código Penal, e – ainda pior – patrocinada por uma organização criminosa, porque implicou o deslocamento de um funcionário, hospedagem, deslocamentos na cidade, certamente pagos pela Abril.
Tudo acobertado por uma imprensa, em geral, cúmplice destas violações, desde que elas sejam feitas para atingir Lula.
(fonte: http://tijolaco.com.br/blog/?p=25021)

Sem apoio tucano, pedido de criação da CPI do HSBC é protocolado no Senado

por Najla Passos

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AM) protocolou na mesa diretora do Senado, nesta quinta (26),  o pedido de criação da CPI do HSBC para investigar o “Suiçalão”, o escândalo de corrupção internacional que envolve o banco HSBC de Genebra e cidadãos de mais de 100 países, inclusive do Brasil, em crimes de evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

No total, 33 senadores subscreviam o pedido, seis a mais do que o mínimo necessário exigido pelo regimento da casa para criação de uma CPI. Entre eles, uma maioria governista, mas também, além de Rodrigues, nomes vinculados a outros partidos da oposição, como o PSB e até o DEM.

Ausência explícita foi a dos representantes da bancada do PSDB de Aécio Neves: nenhum dos tucanos que bradam diariamente contra a corrupção subscreve o documento. Agora, o pedido será examinado pela mesa diretora, que fará a conferência das assinaturas. Se aprovado, os partidos passam a indicar seus 11 titulares e seis suplentes.

Batizado de ‘SwissLeak’ pela imprensa internacional, o escândalo envolve o que autoridades monetárias internacionais estimam em US$ 200 bilhões em depósitos sigilosos em cerca de 100 mil contas bancárias do HSBC. O Brasil é o quarto país no ranking de número de clientes listados e o nono em volume de dinheiro.

De acordo com o autor da denúncia, o franco-italiano Hervé Falciani, especialista em informática do HSBC, entre os correntistas estão 8.667 brasileiros, responsáveis por 6.606 contas que movimentam, entre 2006 e 2007, cerca de US$ 7 bilhões que podem ter sido ocultados do fisco brasileiro.

“Em moeda nacional, isso representa uma quantia equivalente a R$ 20 bilhões, exatamente o que o Governo Dilma pretende arrecadar com o pacote de maldades que resume o ajuste fiscal desenhado pelo ortodoxo ministro da Fazenda, Joaquim Levy”, comparou Randolfe em pronunciamento no plenário do Sendo, na quarta (25).

Cortina de silêncio

Na sua fala, o senador lembrou que este escândalo já é apontado por jornais estrangeiros, como o Financial Times, como um dos maiores do mundo. Entretanto, no Brasil, não conquistou as manchetes dos jornais. Por isso, fez um apelo para que os jornalistas e entidades que o representam tentam furar o bloqueio da mídia monopolista em prol do benefício público.

Randolfe observou que o Jornal Nacional, da Rede Globo, ainda é a única fonte de informação para milhões de brasileiros. Entretanto, no sábado (21), quando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou que investigaria o esquema do HSBC, a imprensa não deu importância ao caso.


“Esta decisão mereceu do JN daquela noite uma nota seca, de apenas três frases e 59 palavras, lidas em 25 segundos pela apresentadora do telejornal, sem qualquer imagem ou destaque”, apontou Randolfe.

Embora os depósitos de brasileiros no HSBC Suíço representem mais de 40 vezes os valores movimentados no chamado “Mensalão”, que a mesma imprensa insistia em anunciar como o maior caso de corrupção da história, prevalece a cortina de silêncio em torno da instituição bancária que é uma das maiores anunciantes do país.

Mesmo a listagem com os nove mil brasileiros que mantinham contas secretas no HSBC Suíço ainda não é de conhecimento público. Para Randolfe, é sinal evidente de que tem muita gente importante envolvida. A apuração está sendo feita pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ), uma rede global que reúne 185 profissionais de 65 países, e teve acesso aos dados do HSBC.
No Brasil, embora outros jornalistas façam parte da rede, Fernando Rodrigues, blogueiro do Uol, conquistou exclusividade na divulgação dos dados, que vem liberando à conta gotas. No seu blog, ele disse que a lista completa nunca será divulgada, pois pode significar invasão de privacidade dos cidadãos que abriram contas no HSBC suíço de boa fé.

Randolfe contesta. Para ele, a maioria dos nomes listados pelo HSBC até pode ter realizado depósitos seguindo os trâmites da lei, mas o total desconhecimento da lista não permite dirimir as dúvidas cada vez maiores que nivelam inocentes e culpados.

“Este caso do HSBC é importante demais para ficar restrito à decisão pessoal, privativa, seletiva, monocrática de um único jornalista, de um só blog, de apenas um veículo poderoso da internet. O dinheiro sonegado e subtraído ao Brasil e aos brasileiros não pode ser envolvido pelo segredo, pelo sigilo, pela impunidade que todos combatemos”, ressaltou.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Sem-apoio-tucano-pedido-de-criacao-da-CPI-do-HSBC-e-protocolado-no-Senado/4/32955)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A Petrobras, a bolsa e os cães de guerra


Texto escrito por José de Souza Castro:
Em abril próximo, completam-se dois anos desde que este blog publicou um artigo com críticas à 11ª rodada de leilões de blocos para exploração e produção de petróleo marcado para os dias 14 e 15 de maio de 2013 pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). No artigo, eu resumia os argumentos de Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia, fundado em 1880 no Rio de Janeiro. O governo Dilma Rousseff havia criado todas as facilidades imagináveis para atrair investidores, como se isso fosse necessário num mundo faminto de petróleo. Mas deixara de fora do leilão as áreas do pré-sal.
Talvez tenha sido esse "o erro" de Dilma. Ou um deles. A explicar, em parte, o que se lia ontem nas manchetes dos jornais "Folha de S.Paulo" ("Crise e corrupção tiram selo de bom pagador da Petrobras"), e "O Estado de S. Paulo" ("Crise faz Petrobras perder o grau de investimento"). "O Globo", que forma a trinca dos grandes jornais mais oposicionistas ao governo petista, relegou o assunto a uma chamada de uma coluna, "Petrobras é rebaixada para grau especulativo", ao lado da manchete de capa: "Inflação dispara e protesto nas estradas é nova ameaça".
Petrobras rebaixada para grau especulativo tem duplo sentido, mas a imprensa só trata de um deles. Este, como se lê na "Folha": "A Moody's cortou a nota da Petrobras de Baa3 para Ba2 – o que corresponde a perda de dois níveis na escala de notas da agência. Dessa forma, a petroleira, alvo de investigações sobre corrupção, passa para o chamado grau especulativo (com alta probabilidade de calote)".
O outro sentido é o que os grandes investidores, como George Soros, mais gostam de fazer: especular na bolsa de valores com papéis de grandes empresas, como a Petrobras. Ontem, no UOL, lia-se, às 11h56: "As ações da Petrobras caem cerca de 7%. Papéis preferenciais, mais negociados, caem 7,09%, a R$ 9,16. Ações ordinárias, com direito a voto, têm perda de 6,87%, a R$ 9,07."
Pequenos investidores, que entram em pânico com tais manchetes, correm para vender suas ações da Petrobras, depois de resistirem durante meses ao fogo cerrado da imprensa contra nossa maior estatal e à consequente baixa do valor de suas ações. E haverá sempre quem queira comprá-las. Gente mais bem informada sobre as condições e perspectivas do mercado internacional do petróleo.
Paulo Metri, que não é petista e não sei se investe em bolsas, parece bem informado. Escreveu ele, pouco antes da ação da Moody's, uma das que erraram feio ao avaliar grandes bancos às vésperas do início da última crise financeira mundial que nos custou tão caro:
"O setor do petróleo fornece um farto material para a constatação da ganância humana. Com a pretensão de trazer alguma explicação para o que acontece nestes dias com o Brasil, sem existir preocupação alguma da mídia para explicar, defendo a tese de que ocorreu uma rápida ascensão do nosso país no ranking daqueles atrativos para o capital internacional. Até 2006, era um país com abundância de recursos naturais, território e um razoável mercado consumidor. Mas ele não possuía petróleo em quantidade suficiente para se tornar grande exportador. Era fornecedor de minérios e grãos não tão valiosos no mercado internacional quanto o petróleo. Implícito está que o preço do barril irá subir brevemente para algum valor, pelo menos, em torno de US$80.
A partir dos anos 90, o Brasil perdeu graus de soberania e passou a ser um exemplar subalterno do capital internacional. Por exemplo, tem uma lei complacente de remessa de lucros, permite livre trânsito de capitais, não protege a empresa nacional genuína, tem uma política de superávit primário e câmbio que tranquiliza os rentistas, permite a desnacionalização do parque industrial, oferece a subsidiárias estrangeiras benefícios fiscais e creditícios, tem uma mídia hegemônica pertencente a este capital, que aliena a sociedade, e possui uma defesa militar incipiente. Assim, pode-se dizer que, após 1990, a sociedade brasileira passou a ter uma maior sangria de suas riquezas e seus esforços para o exterior. Este era o Brasil subalterno, que só tinha 14 bilhões de barris de petróleo, suficientes somente para 17 anos do seu consumo.
Em 2006, descobre-se o Pré-Sal, que pode conter de 100 a 300 bilhões de barris de petróleo, dos quais 60 bilhões já foram descobertos – e em menos de dez anos. Ao mesmo tempo, começou-se a recuperar a proteção à industria nacional, com a proibição da compra de plataformas de petróleo no exterior. Também, decidiu-se recompor as Forças Armadas, com o desenvolvimento de submarinos e caças no país, e, também, novos equipamentos de defesa para o Exército. Recentemente, decidiu-se desenvolver um avião militar de transporte de carga. (...)
Com a descoberta do Pré-Sal, abandona-se o modelo das concessões, que permitia a quase totalidade do lucro e todo o petróleo irem para o exterior. Adota-se o modelo do contrato de partilha para esta área, que é melhor do que a concessão. No contrato de partilha, uma parte adicional do lucro, acima do royalty, vai para o fundo social e parte do petróleo vai para o Estado brasileiro. Decidiu-se também escolher a Petrobras para ser a operadora única do Pré-Sal, o que é importante para maximizar a compra de bens e serviços no país. No leilão de Libra, foi formado um consórcio com a participação de duas petrolíferas chinesas, fugindo-se ao esquema de só participarem empresas ocidentais. No final do ano de 2014, quatro campos do Pré-Sal, que somam cerca de 14 bilhões de barris, foram entregues diretamente à Petrobras, sem leilão, o que contrariou as petrolíferas estrangeiras que desejavam vê-los leiloados.
A partir da descoberta do Pré-Sal, a Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos é reativada em 2009, o presidente norte-americano Barack Obama vem ao Brasil em 2011 e seu vice-presidente se transforma em figura fácil de ser encontrada aqui. Ele se reúne diretamente com a presidente da Petrobras, o que é muito estranho. (...)
O tempo passa e chega o momento de nova eleição presidencial no Brasil. O capital internacional de forma geral e, especificamente, o capital do setor petrolífero, com grande influência na Casa Branca, quiseram aproveitar esta eleição para mudar algumas regras de maior soberania, estabelecidas nos últimos anos, inclusive as do Pré-Sal. Além disso, o capital internacional quer eleger um mandatário do Brasil mais subserviente. Assim, explica-se a campanha de muito ódio e enorme manipulação executada pela mídia deste capital no período eleitoral. Possivelmente, a NSA e a CIA, utilizando empresas estrangeiras aqui estabelecidas, devem tê-las incentivado a contribuir com recursos para eleger os seus candidatos em 2014, formando uma bancada no Congresso Nacional que é um misto de entreguistas com alienados corruptos, porém, muito fiéis aos doadores de campanha.
Com o acontecimento independente da descoberta dos ladrões na Petrobras, aliás, muito bem-vindo pelos estrategistas do roubo do petróleo nacional, o terceiro turno da campanha presidencial tomou corpo na mídia, assim como a tarefa de confundir a população para acreditar que a Petrobras rouba dinheiro do povo e não são os ladrões ocupantes de cargos nela que roubam.
Com uma Petrobras fraca, de preferência até privatizada, fica mais fácil levar o petróleo do Pré-Sal. (...)
Enfim, para o bem ou para o mal, tudo mudou de figura. Morreu o Brasil de só 14 bilhões de barris de petróleo. Ele terá, brevemente, uma reserva de 200 bilhões de barris, que corresponderá a uma das três maiores do mundo e irá requerer muitas medidas de soberania, se é que a sociedade brasileira deve usufruir desta riqueza. Assim, agora, na visão do capital internacional, o Brasil não chega a estar se tornando um país antagônico, como China, Rússia, Irã e Venezuela, mas está criando regras e tomando medidas hostis a este capital. Está-se no estágio da busca da cooptação dos poderes e do controle da população pela mídia do capital.
Contudo, a população não está, na sua imensa sabedoria, acreditando tanto na mídia. Se a população não der apoio para o plano do impeachment da presidente, novas tramas poderão acontecer, como uma “primavera brasileira para tirar os ladrões da Petrobras do governo”. Eventualmente, será um golpe de Estado dado pelo Congresso com o apoio da mídia. O povo precisa não dar apoio à quebra do regime democrático e não apoiar também governantes que permitam a perda do Pré-Sal."
Eu fico feliz de fazer parte desse povo, e de não ser tentado a vender ações da Petrobras, pois não as tenho – e de nenhuma outra empresa.
Ouço, vejo e leio as notícias sobre a Petrobras com um pé atrás. Bem atrás. Estou relendo "O Negociador", de Frederick Forsyth, escrito em 1989 e publicado aqui pela Editora Record.
Forsyth é um ficcionista que se valeu, neste livro, da crise de petróleo, para mostrar como políticos corruptos e grandes capitalistas se entendem para ganhar poder e ficar mais ricos. Um ficcionista que costuma ter um pé fincado na realidade. Bem mais que boa parte da nossa imprensa.
Um dos livros mais conhecidos de Forsyth, "Cães de Guerra", publicado em 1974, foi inspirado na ditadura corrupta e sanguinária que domina há décadas a Guiné Equatorial, rebatizada pelo autor como Zangaro. Na vida real, é um país africano explorado por um ditador e por petroleiras norte-americanas, chinesas e francesas.
Queremos isso para o Brasil?
(fonte: blog da Kika Castro)

A mídia e seus interesses

por Angela Carrato

Conceitualmente, a mídia possui quatro objetivos: informar, educar, entreter e prestar serviços, sempre de olho no interesse da maioria dos cidadãos. Isso é ensinado em qualquer curso de Jornalismo/Comunicação e é também a percepção que vigora na sociedade, entre o chamado senso comum. No entanto, a realidade, cada vez mais, se mostra o oposto disso.
Notícia há muito deixou de ser o que interessa para a maioria (se é que algum dia o foi) e transformou-se em mercadoria a serviço dos proprietários da mídia e de seus interesses, em geral aliados às grandes corporações. É importante destacar que a grande mídia é, em si, uma corporação. Que o digam as Organizações Globo, no Brasil, Clarín, na Argentina, Televisa, no México, e os gigantes, que cobrem praticamente todo o planeta, News Corporation, do australiano naturalizado inglês Rupert Murdoch, e a norte-americana CNN.
São essas, basicamente, as fontes de informação do cidadão comum, esteja ele vivendo no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos. É exatamente por isso, que este cidadão é tão mal informado. E por ser mal informado, acaba provido de convicções que interessam apenas aos poderosos de sempre.

HSBC, “pauta” sem interesse?
Nas duas últimas semanas, as redes sociais no Brasil e em alguns países da Europa têm denunciado o megaescândalo de lavagem de dinheiro na sucursal suíça do banco inglês HSBC. No entanto, para a chamada grande mídia brasileira, o assunto está passando em brancas nuvens. A “pauta” não teria interesse? Longe disso. Há suspeitas de que pelo menos oito mil ricaços brasileiros integram estas contas. O valor do desvio de recursos é da ordem R$ 20 bilhões, algo 10 vezes maior do que os recursos desviados na chamada “Operação Lava a Jato”, que envolve corrupção na Petrobras e é apontada pela mídia como “o maior escândalo da história do país”. Diante disso, por que a Lava a Jato é manchete há quase três meses e o megaescândalo do HSBC continua não sendo notícia?
Na Europa, o assunto tem dado origem a um salutar debate envolvendo a chamada liberdade de imprensa, com jornalistas e donos da mídia em conflito aberto. Enquanto profissionais de redação, como os do francês Le Monde e os do inglês Daily Telegraph, estão participando da investigação do escândalo, os proprietários acusam estes editores e repórteres de prejudicarem seus negócios. O único jornal que tem tido liberdade para cobrir o assunto tem sido o inglês The Guardian, uma exceção por ser administrado por uma fundação, e não por uma família ou grupo empresarial. Em outras palavras, nunca, de maneira tão aberta, proprietários de mídia deixaram claro quais são seus compromissos e a serviço de quem atuam.
No Brasil, as Organizações Globo, os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo insistem em ignorar o assunto. A população brasileira não tem direito de conhecer este tema? Onde fica a preocupação com o dinheiro público, com a ética e com o interesse do cidadão que estes veículos vivem bradando em seus editoriais, como já comentou Luciano Martins Costa neste Observatório? Sem dúvida a situação mais embaraçosa é a da Folha de S.Paulo, que participou da investigação sobre o HSBC coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, mas prefere a omissão porque o problema esbarrou nos seus interesses comerciais.
O caso HSBC tornou-se exemplar porque colocou na ordem do dia a falta de independência das redações diante dos interesses comerciais dos donos de empresas jornalísticas. Falta de independência que se é motivo de debate na Europa, é alvo de absoluto silêncio no Brasil. Qual jornalista ou comentarista brasileiro da grande mídia tem se colocado frontalmente contra esta manipulação? Mino Carta, Janio de Freitas e quem mais? A não-notícia do escândalo do HSBC não é um caso isolado. Lamentavelmente as não-notícias têm sido a regra. A mídia nacional e internacional coloca em evidência os assuntos sobre os quais têm interesse e abafa, esconde, não noticia o que não lhes convém. Senão vejamos.

Espetáculo x silêncio
Em se tratando do Brasil, é importante lembrar o verdadeiro espetáculo midiático que envolveu, em 2005, as denúncias do chamando “mensalão petista”, e depois, em 2012, a “cobertura” do julgamento dos políticos e empresários envolvidos no caso. Curiosamente, a grande mídia fez e continua fazendo um silêncio sepulcral em torno do “mensalão tucano mineiro”, de 1998, portanto anterior ao “mensalão petista”, no qual estão envolvidos políticos como o ex-governador de Minas, Eduardo Azeredo, e o ex-vice-governador Clésio Andrade.
Até o momento, transcorridos mais de 10 anos da denúncia, ninguém foi julgado e à exceção de alguns poucos veículos, como a revista CartaCapital, os únicos citados como corruptos no Brasil continuam sendo os petistas e alguns de seus aliados. Há risco, inclusive, da denúncia do “mensalão tucano” caducar sem ser julgada e não se vê uma linha escrita na mídia comercial sobre o assunto.
Ainda no caso brasileiro, é interessante – e ao mesmo tempo estarrecedor – observar como a grande mídia faz coro com a oposição (política e judicial) no que diz respeito a exigir punição para os envolvidos na Operação Lava a Jato e silencia-se quando esta mesma operação começa a esbarrar nos dois governos do tucano Fernando Henrique Cardoso (1996-2002). Se é para apurar, não se deveria apurar até as últimas consequências? Ou esta apuração só tem sentido se servir a interesses maiores como a tentativa de desestabilizar um governo democraticamente eleito como o de Dilma Rousseff?
A cena se torna mais estarrecedora ainda quando se observa as semelhanças entre o comportamento da mídia brasileira no momento atual e o que se passou recentemente em países como Paraguai e Egito, e mesmo o que está acontecendo na vizinha Argentina. Guardando-se as peculiaridades históricas, culturais e mesmo geopolíticas de cada desses países, pode-se afirmar que a mídia tem contribuído mais para a instalação de ditaduras e governos não democráticos do que para o avanço das instituições e para uma vida melhor para a maioria destas populações.
Silêncio sobre o narcotráfico
No Paraguai, a mídia local e a brasileira foram praticamente unânimes ao condenarem o então presidente Fernando Lugo e justificarem o impeachment de que foi vítima em junho de 2012. Os governos que integram a Unasul, por outro lado, foram unânimes ao condenarem o golpe judicial de que Lugo foi vítima. Razão pela qual estes governos foram duramente combatidos por esta mídia que não poupou críticas à Unasul e ao próprio Mercosul por ter suspendido o Paraguai do tratado comercial, com base na cláusula democrática que o rege.
A acusação que pesava sobre Lugo era estranha, para dizer o mínimo: ele teria sido o “responsável” pela morte de camponeses em uma disputa por terras no interior do país. Ao longo da história do Paraguai, milhares de camponeses foram mortos, sem que a mídia se interessasse pelo assunto. Bastou Lugo chegar ao poder, derrotando 61 anos de domínio do arqui-conservador Partido Colorado, para a mídia se transformar em defensora dos direitos humanos e culpá-lo por disputas que sempre existiram.
A votação do impeachment de Lugo durou menos de 12 horas e ele teve pouco mais de duas horas para se defender. Diversos especialistas em política, relações internacionais e direito constitucional de diferentes países manifestaram-se a respeito deste processo, condenando os procedimentos adotados, convencidos que se tratou na prática de um golpe de estado “branco”.
Para a socióloga Lorena Soler, professora de História do Paraguai, da Universidade de Buenos Aires, “diferentemente do passado, o ‘novo golpismo’, liderado por civis, apela a formatos constitucionais e mantém uma fachada institucional, sendo o caso mais similar a substituição ‘constitucional’ de Zelaya em Honduras, em 2009”. No entanto, a possibilidade de apelar a uma legalidade abstrata, profundamente ideológica, embora disfarçada de imparcialidade, alerta Soler, só é possível quando a maior parte da mídia participa do processo e quando não há setores que disputem esse argumento. Vale dizer: quando não há batalha pela comunicação.
No Paraguai havia muitos setores contrários à deposição de Lugo, mas a mídia os escondeu. Os graves atentados aos opositores de Lugo igualmente não se tornaram notícia, apesar da mídia de lá se dizer “comprometida com a liberdade de expressão”.
Tanto a mídia paraguaia quanto a de seu maior vizinho, o Brasil, fazem silêncio sepulcral sobre o atual presidente do país, o empresário e dirigente desportista Horácio Cartes, do Partido Colorado. Um dos homens mais ricos do Paraguai, Cartes é apontado como vinculado à rede de narcotráfico e lavagem internacional de dinheiro. Em 2004, a Receita Federal do Brasil chegou a abrir processo contra uma empresa de sua propriedade, Tabesa, por contrabando de cigarros. Em 2012, a empresa Souza Cruz denunciou Cartes formalmente ao governo brasileiro acusando-o por concorrência desleal. O presidente paraguaio seria o responsável por 42% do cigarro que entra ilegalmente no Brasil. Nos dias atuais, o mínimo que se pode dizer é que o narcotráfico domina o Paraguai, como igualmente domina o México. Mas onde se lê, se ouve ou se assiste a notícias sobre estes assuntos?
Grandes corporações contra Kirchner
Num debate promovido pela TV Pública, Canal 7 de Buenos Aires, em 09/02, sobre o chamado “Caso Nismam”, que há mais de um mês é manchete na mídia argentina e tem sido igualmente destaque na mídia internacional, o senador Marcelo Fuentes, que integra a Frente pela Vitória (FPV), levantou questões interessantes e pertinentes. Segundo ele, a mídia internacional está muito preocupada com a morte de um promotor na Argentina, “que está sendo apurada”, mas “se esquece” das centenas de mortes que têm ocorrido no México, na fronteira com os Estados Unidos, envolvendo pessoas comuns, sobretudo jovens, e também jornalistas. Nos últimos sete anos, por exemplo, mais de 50 jornalistas foram mortos no México e o sentimento dominante na sociedade é o de medo.
A explicação de Fuentes para o destaque à morte de Nismam e o silêncio sobre as mortes no México é uma só: “Às grandes corporações internacionais, interessa desgastar um governo progressista como o de Cristina Kirchner, ao mesmo tempo em que não interessa criar qualquer problema para um governo aliado e subserviente a estas corporações e ao próprio governo norte-americano, como o de Enrique Peña Nieto, no México.”
Semanas antes das eleições de junho de 2012, o jornal londrino The Guardian já havia denunciado a aliança entre o principal grupo de comunicação mexicano, Televisa e Peña Nieto. Ainda candidato, Nieto teria pago às emissoras do grupo em troca de notícias favoráveis à sua candidatura. O processo estaria tendo continuidade em seu governo. O esquema montado por Peña Nieto com a Televisa envolveu também uma estratégia para evitar qualquer visibilidade para seu opositor, Andrés Manuel López Obrador. O esquema, segundo as denúncias, contou com o apoio do ex-presidente do México, Vicente Fox.
O diretor-executivo do grupo Televisa, Emilio Azcárraga Jean, é um dos mais influentes empresários mexicanos. O grupo possui três canais de TV nacionais, duas operadoras de TV a cabo e está presente também no ramo editorial, além de ser dono de três clubes de futebol. O grupo possui ainda 5% das ações da Univisión, o maior canal hispânico dos Estados Unidos. Fatos que explicam muita coisa.
Este arranjo e, sobretudo, o apoio incondicional de Nieto aos interesses norte-americanos, têm sido fundamentais para que o México continue sendo mostrado pela mídia ao resto do mundo como um país “tranquilo”, sem mensalões, corrupção ou coisas que o valham, enquanto a divulgação sobre o Brasil e a Argentina os apresenta como próximos de uma guerra civil. O que em absoluto corresponde à realidade.
Clarín e a guerra contra Cristina
No dia 18 de fevereiro, sob o pretexto de lembrar um mês da morte do promotor Nisman, a oposição ao governo de Cristina Kirchner convocou uma marcha em Buenos Aires. Oficialmente, a convocação partiu de colegas de Nisman, mas, na prática, atrás destes colegas estão os setores mais conservadores daquela sociedade, em especial a mídia comercial, empresários ligados aos interesses de grandes corporações internacionais, além de membros do Judiciário e dos órgãos de segurança inconformados com um governo mais à esquerda como o realizado pelo casal K, como são conhecidos Néstor, já falecido, e sua esposa, herdeira política e atual presidente, Cristina.
Na Argentina, ao contrário do México, a mídia comercial está em guerra contra o governo de Cristina Kirchner por causa da Ley dos Medios. Aprovada em 2009, mas em vigor a partir de 2014, esta lei determina o fim dos monopólios midiáticos no país, sendo o principal deles o encabeçado pelo Grupo Clarín, as Organizações Globo de lá. O grupo cresceu à sobra da ditadura na Argentina e seu dirigente teve participação direta nas sessões de tortura contra a esposa e herdeira de um dos grupos jornalísticos concorrentes.
O jornal Clarín e as demais empresas do grupo não perdem oportunidade para tentar desestabilizar o governo de Cristina Kirchner. Nas últimas semanas, seus veículos têm visivelmente insuflado a população contra Kirchner, sob o argumento que ela é responsável pela morte do fiscal Nisman, que investigava um atentado ocorrido há 20 anos numa instituição judaica no país. As investigações estão em andamento e não se sabe se ele suicidou-se, foi morto ou induzido a suicidar-se. É importante lembrar que a comunidade judaica na Argentina é das maiores no mundo fora de Israel. Seja como for, a presidente não tem responsabilidade sobre o assunto, num país onde prevalece a democracia e os três poderes estão em funcionamento.
Os responsáveis pela segurança de Nisman – que faltaram ao trabalho no dia de sua morte – integram a polícia, ao passo que os encarregados pela apuração de sua morte são membros do Judiciário. Apesar disso, a mídia comercial argentina tem se valido deste pretexto para tentar desestabilizar o governo que, por sua vez, tem enfrentado estes setores, travando a chamada batalha pela informação. No dia seguinte à marcha convocada pelos opositores, os partidários da presidente, tendo ela própria à frente, fizeram uma manifestação que reuniu 60 mil pessoas no centro de Buenos Aires. Jornais como Página 12 e a TV Pública têm realizado coberturas próprias, que desmentem e mostram as manipulações e contradições da mídia comercial sobre o assunto.
Como este é um ano eleitoral, a Argentina, deve continuar aparecendo, de forma negativa nas manchetes internacionais. Afinal, como lembram os setores de oposição de lá, “o ideal seria a antecipação das eleições para maio”. Se não for possível, pretendem “sangrar” o atual governo para evitar que ele faça seu sucessor. Se vai dar certo é difícil prever, mas que a mídia comercial argentina tem papel central nesta estratégia, não há dúvida. Mais ainda: qualquer semelhança com o que aconteceu e está acontecendo no Brasil não é mera coincidência.
O Egito sumiu da mídia
Outro caso sintomático de como a mídia comercial não está interessada em democracia, direitos humanos e muito menos em liberdade de expressão, valores que diz defender, refere-se ao Egito. Em julho de 2011, Mohamed Morsi, do tradicional partido político Irmandade Muçulmana, foi eleito presidente do país. Sua eleição colocou fim a uma longa ditadura militar apoiada pelos Estados Unidos. Morsi quis introduzir mudanças que desagradavam a grupos internos pró-Ocidente (leia-se Estados Unidos e Israel) e aí os problemas começaram. A situação econômica do Egito não era das melhores, mas nada que justificasse protestos, manifestações e a onda de greves como as que tomaram conta do país e foram transmitidas em tempo real, 24 horas por dia, para todo o mundo.
No Brasil, por exemplo, a Globo News retransmitiu diariamente a cobertura que a CNN fez, dedicando grande parte de sua programação ao assunto. Os protestos foram tratados como “Revolução da Juventude” e “Revolução de Lótus”, além de integrarem a chamada “Primavera Árabe”. A deposição de Morsi pelos militares, apoiada pelo Ocidente, foi, na ótica de comentaristas destes veículos, um grande avanço para a democracia naquele país africano. De lá para cá, os protestos no Cairo e demais cidades do Egito sumiram do noticiário dos jornais e TVs. Isto é sinal de que está tudo bem no Egito?
Ao contrário. O ex-presidente Morsi está preso e enfrenta, esta semana, o seu quinto processo, diante de um tribunal militar. Ele é acusado pela morte de 31 pessoas em Suez, no leste do país, e pode ser condenado à morte. No mesmo dia dessas mortes, 700 integrantes de movimentos pró-Morsi foram mortos no Cairo. Curiosamente, a imprensa internacional tem feito silêncio sobre o assunto. Quando o tema merece algum registro, não vale mais que uma pequena notícia descontextualizada, escondida em um canto de página. O Egito, mesmo tendo um presidente eleito, experimenta nos dias atuais uma repressão brutal. A Irmandade Muçulmana foi colocada na ilegalidade e seus membros têm sido perseguidos e fuzilados. Isto não seria motivo de coberturas e reportagens sobre o assunto?
Tarefa de todos
A situação na Líbia, país vizinho ao Egito, não é muito diferente. Até a deposição e morte de Muamar Kaddafi, apresentado para o Ocidente como um ditador sanguinário, o país era manchete diária nos principais veículos de comunicação do mundo. A deposição de Kaddafi foi saudada pelo presidente norte-americano, Barak Obama, como o exemplo de “um povo a determinar seu destino próprio”. Há três anos, no entanto, a Líbia está mergulhada numa sangrenta guerra civil, com dois governos. Um que foi forçado a deixar a capital, Trípoli, e outro que lá se instalou. A Líbia é considerada hoje um “Estado que falhou”, pois não conseguiu reconstituir-se e curiosamente deixou de interessar à mídia, exceto quando grupos considerados terroristas podem trazer ameaças ao Ocidente.
Por tudo isso, parece nítido que a realidade apresentada pela mídia comercial, brasileira e internacional, está longe de destacar o quê de mais importante, sério ou grave se passa aqui e no mundo. O enfoque que esta mídia dá – o que ela noticia e o que ela deixa de noticiar – tem a ver com seus interesses (e os de quem a controla) e não com possíveis atentados à democracia, direitos humanos ou liberdade de expressão. Dito de outra forma, cada vez mais a manutenção e o aprofundamento da democracia exige um enfrentamento em relação aos monopólios midiáticos.
E se esse é um problema em praticamente todo o mundo, assume contornos muito mais graves em países da América Latina, África e Ásia. Além destes países não contarem com efetivas vozes no cenário midiático internacional, internamente enfrentam a oposição dos monopólios midiáticos locais, em geral associados aos setores mais retrógrados destas sociedades. Em alguns países, como no Brasil, onde a oposição se mostra cada dia mais débil, a mídia tem chamado para si o papel de oposição aos avanços democráticos. Razão pela qual enfrentar estes conglomerados, sejam eles Globo, Clarín ou Televisa, se torna uma tarefa urgente para estas sociedades. Tarefa que não pode ser deixada apenas para os governos. Ela precisa e deve envolver a sociedade como um todo, começando pelos mais diretamente envolvidos no assunto, que somos nós, jornalistas, profissionais e professores da área.
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Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Este artigo foi publicado no blog Estação Liberdade





segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Existe um Dia do Orgulho Pedófilo



Da Agência NA
Os riscos para as crianças nas redes sociais
Muitos presentes, dados sem uma reflexão sobre o seu uso responsável, são dispositivos com acesso à Internet

Pesquisas realizadas entre os usuários menores de 16 anos apontam que cerca de 80% foram "contatadas",  "incomodadas", "perseguidas" ou "seduzidas" para práticas de pedofilia.

A grande maioria das crianças que usam sites de redes sociais sem controle dos pais sofre assédio de pedófilos que, na maioria dos casos, não revelam a sua verdadeira identidade.

A organização Alerta Vida lançou uma campanha para proteção das crianças e advertiu sobre a falta de controle dos pais sobre as conexões estabelecidas pelos filhos no ciberespaço.

Rachel Holway comanda a organização que vem trabalhando há anos na denúncia da pedofilia em redes sociais na Argentina, envolvendo cerca de 250 funcionários que compõem uma equipe de investigadores de pedófilos, que ajudou a impedir muitas conexões internacionais.

A Alerta Vida começou a campanha para proteger as crianças ao mesmo tempo, argumenta que "dar um smartphone ou tablet a uma criança com menos de 16 anos é colocá-la sob mais riscos, quando os adultos perdem o interesse na sua atividade”.

"O próximo dia 27 de dezembro é o 'Dia do Orgulho Pedófilo' em todo o mundo e grupos de todo o mundo estão se preparando da pior forma para fazer a sua celebração. Enquanto isso, nós, como sociedade, permanecemos sem dar a importância que merece ter filhos nas redes sociais em exposição ao risco", disse ele.

Um especialista também acrescentou: "muitos presentes para as crianças, durante as férias, serão equipamentos digitais com pleno acesso à Internet e não há uma reflexão sobre o seu uso responsável".

Enquanto isso, Rachel Holway disse que "há muitos avanços em nosso país como, por exemplo, (...) um trabalho sério e silencioso, para represar conexões internacionais, mas há falta de compromisso das instituições da justiça em geral e, particularmente, das escolas e das famílias”.

Dos mais de 25 milhões de contas da rede social Facebook no país, a Alerta Vida estima que cerca de 100.000 estejam relacionadas com os adultos que exercem atividades pedófilas na rede, ou seja, manuseia material (textos, fotos e vídeos) com estas características, e buscam gerar "contato" com as crianças.

Assim, as pesquisas realizadas entre os usuários menores de 16 anos apontam que cerca de 80% foram "incomodadas", "perseguidas", "seduzidas" e "contatadas" em práticas de pedofilia.

(fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/existe-um-dia-do-orgulho-pedofilo)

Memórias: Malcolm X foi assassinado há 50 anos


António José André - Esquerda.net

Malcolm Little nasceu no dia 19 de maio de 1925, em Omaha (Nebraska-EUA). Era filho de James Earl Little, pregador batista, que defendia os ideais nacionalistas dos negros. Ameaças vindas da organização racista Ku Klux Klan obrigaram a família a mudar-se para Lansing (Michigan), onde o pai continuou os sermões.

Em 1931, o pai de Malcolm foi brutalmente assassinado pela Ku Klux Klan. No princípio passou a viver numa família adotiva e algum tempo depois num reformatório. Em 1937, mudou-se para Boston onde teve diversos empregos e com o passar do tempo envolveu-se em atividades delituosas.

Em 1946, Malcolm foi preso, acusado de roubo. Na prisão, conheceu Elijah Muhammad, líder da Nação do Islão, organização que defendia o nacionalismo negro e o separatismo racial, condenando os norte-americanos descendentes de europeus como “demónios imorais”.

As teses de Elijah Muhammad impressionaram vivamente Malcolm, que resolveu fazer um intenso programa como auto-didata. Trocou o sobrenome, derivado da herança do esclavagismo, por um X que representava um nome desconhecido dos seus antepassados africanos.

Em 1952, foi libertado e tornou-se ministro da Nação do Islão. Ao contrário dos líderes dos direitos civis, como Martin Luther King, Malcolm X defendia a autodefesa e a libertação dos afro-americanos. Orador fogoso, Malcolm era admirado pela comunidade negra de todo o país.

No final de 1963, Malcolm insinuou que o assassinato do presidente John Kennedy se resumiria em "quem semeia ventos, colhe tempestades". Isto levou Muhammad a acreditar que Malcolm X se tornara poderoso e julgou que aquela declaração era a oportunidade para suspendê-lo da organização Nação do Islão.

Alguns meses mais tarde, Malcolm X deixou a Nação do Islão e empreendeu uma peregrinação a Meca (Arábia Saudita), onde ficou admirado com a ausência de discordância racial entre os muçulmanos ortodoxos. Devido a esta viagem e a outros países de África e Europa, deixou as suas anteriores crenças.

Voltou aos Estados Unidos, adotando o nome árabe El-Hajj Malik El-Shabazz e, em junho de 1964, fundou a Organização da Unidade Afro Americana, que defendia a identidade negra, mas sustentava que o racismo e não a raça branca era o maior inimigo dos negros norte-americanos.

O novo movimento de Malcolm X foi ganhando continuamente seguidores e a sua filosofia mais moderada tornou-se cada vez mais influente no meio do movimento pelos direitos civis, especialmente entre os líderes do Comité de Coordenação dos Estudantes Não Violentos.

No dia 21 de fevereiro de 1965, uma semana após a sua casa ter sido atingida por uma bomba incendiária, Malcolm X foi alvejado mortalmente, enquanto discursava, em Nova Iorque, perante 400 pessoas, por homens presumivelmente relacionados com a organização Nação do Islão.

Thomas Hagan foi o único dos três detidos pela morte de Malcolm X, que reconheceu a participação no seu assassinato. Hagan foi posto em liberdade condicional, em 2010, depois de ter cumprido 44 anos de prisão

Entrevista com Maria Teresa, ex-escrava, em 1973



Importante relato sobre a escravidão no Brasil, uma entrevista de 1973 transcrita e publicada no blog Spirito Santo, traz conversa com Maria Teresa, ex-escrava, de 117 anos na época, e iniciada no Jongo. O áudio da entrevista foi captado na quadra da Escola de Samba “GRES Arranco de Engenho de Dentro”, localizada entre Cascadura e Engenho de Dentro: “Um dia chegava, tirava o filho da gente pra vender. Hum! Minha mãe num foi vendida? Minha mãe num era daqui. Minha mãe era lá da Bahia. Foi. Vendero aí pra um vendedor aí, ó! Meu avô num foi vendido? Meu avô era africano e foi vendido. Então? Foi vendido, num é? Foi o Visconde! Minha avó foi vendida. Isso tudo foi vendido. Agora vai vender quem é? Vão vender quem é? Vai vender ocê?…(Solta uma gargalhada) Vão vender quem é?”
No Brasil 247

Uma entrevista de 1973, encontrada recentemente por um grupo de estudos de cultura africana, retrata o quão recente na história do Brasil a escravidão está. No ano da gravação, Maria Teresa Bento da Silva estava com 117 anos, e relatou as tradições africanas no dia-a-dia dos escravos, a fuga da fazenda e o Jongo. Leia a transcrição, publicada no blog de um dos participantes da gravação, o Spirito Santo.

Por Antônio José do Espírito Santo, para o Spirito Santo
A Roça de Teresa revisitada
Transcrição completa de entrevista em fita K7 com uma ex-escrava de fato

Numa noite de 1973, na quadra da Escola de Samba “GRES Arranco de Engenho de Dentro”, localizada entre Cascadura e Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, fiz uma entrevista impressionante, a primeira pesquisa de campo da minha vida! Comigo, participou um grupo de amigos que estava por lá (entre os quais o radialista Rubens Confeti, da Rádio nacional aqui do Rio de Janeiro, o poeta Lucio Flávio e o fotógrafo José Ricardo D’Almeida).
O impressionante era que a entrevistada estava prestes a completar 117 anos e…havia sido escrava! Quem já ouviu, ou mesmo viu, uma pessoa de 117 anos? São pessoas raras. Muitos eventos que só conhecemos pelos livros, foram para elas corriqueiros.
A visão clara que elas tem do passado remoto, para nós é tão desconcertante que parece mentira. Mas juro. Não minto e repito: Isto não é ficção. Desta vez, a história é a mais pura realidade. Os incidentes que a entrevistada nos dá conta – como testemunha ocular (!) – são de 1874, quando ela estava com 15 anos. Aconteceram, numa fazenda de café do Vale do Paraíba do Sul, Rio de Janeiro, chamada Santa Teresa, num município denominado hoje Avellar (que, na época, ainda pertencia à cidade de Paraíba do Sul).
O nome Avellar é emblemático pois o patrão, o senhor de nossa entrevistada era, ninguém menos, que o Visconde do Paraíba, João Gomes Ribeiro de Avellar. O nome de nossa entrevistada é Maria Teresa Bento da Silva, matriarca de uma espécie de dinastia que, sediada no morro da Serrinha, em Madureira, não só implantou no lugar o Jongo trazido da roça, como ajudou a criar, em 1947 a Escola de Samba Império Serrano (Teresa foi a orgulhosa mãe de Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro, histórico diretor de harmonia desta escola).
O registro foi feito num gravador K7, cuja fita, mídia fantástica que é, sobrevive intacta em meu arquivo já digitalizada e na nuvem (o CD com a cópia reserva que fiz, já morreu) O documento – que eu tenho um orgulho enorme de ter produzido – é um dos mais impressionantes e raros registros históricos, que eu conheço sobre o assunto e será posto um dia à disposição dos interessados em algum acervo público, dos poucos que o Brasil possui.
(Dos poucos registros de relatos ou entrevistas com escravos que conhecemos, pode-se citar alguns poucos, como os realizados por Nina Rodrigues já no fim do século 19 e o relato de Solomon Northup, registrado no filme “12 years slave“. São contudo relatos escritos, transcritos por terceiros. Fatos tão remotos narrados pelo próprio ex-escravo, de viva voz, com sua opinião e visão sobre oque viveu sem intermediações, confesso que nunca ouvi falar de outro no mundo. Se alguém souber que nos informe)
Decidi dar a este post, que reproduz a transcrição da entrevista, um jeito menos formal. A ideia foi deixar Teresa falar sem edição, diretamente, para nós, seus leitores. Teresa morreu dois ou três anos depois da entrevista (entre 1975 e 1976) Tinha, pelas contas que fazia, 120 anos. Com sua voz valendo, narrando por si mesma os episódios, faremos um roteiro de cinema cuja produção começa agora. As locações serão nos ambientes reais, onde tudo aconteceu.
Ao final deste post, alguns comentários se fizeram necessários, já que a entrevista gerou uma série de questões inéditas, a serem respondidas por uma pesquisa, de veios muito ricos, que, pelo visto não vai acabar tão cedo. Um destes veios é sobre o Jongo, enquanto ingrediente importante do caldo de cultura que é o Samba e que, a partir dos elementos trazidos à luz pela entrevistada, ganha contornos muito mais nítidos, no tempo e no espaço.
Contudo e por tudo, mais uma vez afirmo, é Maria Teresa Bento da Silva, a ex-escrava quem fala sobre o que viu em 1874. Por mais desconcertante que isto possa parecer, é tudo verdade.

A Roça na voz de Teresa

..”Queria dizer que naquele tempo eles sabia fazer o que agora num vejo ninguém fazer. Faziam! Se você estava com dor de cabeça ou uma dor de barriga, eles passavam a mão assim na tua cabeça e a dor de cabeça ia embora, passavam a mão assim na tua barriga e dor de barriga ia embora. Agora não. Agora eles não faz nada. Eles não sabem é nada. Eu não…Naquele tempo era bom.
Eu não. Não sabia (curar). Só o Jongo. Num podia nada. E, depois…naquele tempo não podia aprender mais nada porque o Sr. num deixava. Nós carregava os filhos deles. Ah!.. Deus me livre se agora fosse como naquele tempo! Nossa Senhora! Se agora fosse como naquele tempo…O Visconde era de Paraíba. De Avellar. Visconde de Avellar.
Num sabe aquela família Avellar? Ainda está lá. O sobradão branco, diz que tá cheio de cobra. Num tem mais nada daquilo. Num tem mais nada daquilo, meu filho. Fui uma vez lá depois que eu vim pra aqui, com alguém. O sobrado tá a mesma confusão mas, o sobrado eu conheço por dentro. Um apartamento, lá no alto. Sobrado grande. Só a fazenda! Só o pessoal que tinha!
O Visconde tinha escravo de pagode! Tinha escravo pra duas forma. Duas forma (cerca de 300 escravos)! O visconde botava duas forma. Visconde de Avellar. Foi senhor do meu pai….Pra quem viu o cativeiro como eu vi….É triste. Olha…se você não queria dançar,você tinha que levar couro. Se não queria fazer qualquer coisa, tinha que apanhar. Tinha tronco. Tinha tronco de campanha, tinha tronco de botar nos pés, tinha tronco de botar no pescoço, tinha isso tudo.”

A fuga da fazenda

…”Meu pai era capataz da fazenda. Meu avô criador de porco, mas era porco mesmo, num era esses porquinho de hoje não. A gente passava bem e passava mal. Mas morreu muita gente e, depois o Dr. Avellar era muito ruim! O pai dele num era ruim como ele não mas ele era. É brincadeira? Botar ‘bacalhau’? Não sabe o que é ‘bacalhau’?! Aqui na cidade tinha que ainda quando eu vim aqui pra cidade eu vi ‘bacalhau’, vi tronco aqui na cidade.
‘Bacalhau é aquilo que é como se diz?…Como aquilo que é couro, enroscado assim…Um relho! Mas não era chicote não. Chicote era trançado e não era trançado não. É. É o que fazia…Dr. Avellar. Ele era filho do Visconde…
Se fugia muita gente? Fugia! Fugia! Chamava Capitão do mato. Procurava eles. O que procurava eles era o Capitão do Mato.
Coitados! Vinha tudo amarrado, algemado assim, tudo algemado, heim!”(perguntada se lá tinha quilombo, não entende a pergunta):Em Paraíba tinha tudo. Pra onde eles fugia? Era no mato virgem. Era mais na roça. Paraíba, Campo Verde, Boa Vista, Conceição, Santa Teresa. Eu fui criada na fazenda da Santa Teresa. Era do Visconde de Avellar. Ficavam lá no mato, coitados. As vezes eles vinham, roubavam um porco do senhor e iam comer no mato. Fazia fogo no mato pra comer.
Ficava. No mato eles ficava escondido. Quando pegavam eles…meu senhor! Como passavam mal, como eles passavam mal no bacalhau…Olhe! Deus soube o que fez. Deus soube o que fez, meu filho! Eu vi isso tudo, sabe? Esse tempo eu tinha meus 15, 16 anos. Eu vi muita coisa, né? Eu era Ventre Livre, eles queriam me bater, eu disse não! Eu sou forra! Eu sou ventre livre, não sou escrava não! Escravo é minha mãe e meu pai! Queriam me bater? Não. Não me batem não!
Aí eu fugi. Eu fugi e fui encontrar com meu pai, aí meu pai era fugido…Que ele vinha fugindo do serviço, ora! Que vinha fugindo da roça!…Aí meu pai me disse: O que que ocê está fazendo aqui, minha filha?
Eu falei: Eles queriam me bater, eu fugi! Meu pai: Você não pode apanhar, porque você é forra, minha filha. Escravo sou eu, que sou seu pai! Agora você não vai mais pra lá!
Aí eu fui lá pela roça, com meu pai. Ia pra roça com meu pai e minha mãe. Deus faz a verdade, o que eu vi aquele pessoal passar aquele tempo. Dava tapa na cara das criada, dos escravo. Olha!.. Eu tinha raiva de um tal de nome Lulu. Era filho do Dr. Avellar, de quem meu pai era escravo.
Eu não sei o que foi que meu pai fez, meu pai ia levar o… ele foi, veio de lá, e mandou um tapa na cara de meu pai. Aí meu pai ficou revoltoso. Ai meu tio disse assim: Vamo embora! E o meu pai, não sei se queria matar ele. Eu num sei. Foi embora. Pra roça. Aí eu tomei raiva dele. Aí ele falou: Ô crioula! Eu falei: Crioula é a sua mãe!
Que ocê deu um tapa na cara do meu pai agora! Se eu fosse meu pai eu te capava a barriga agora!
E ele: Ó sua negrinha! Negrinha, não. Não sou negrinha. Tava com 15 anos. Aí eu fui indo pra roça. Aí meu pai: Mas ocê veio pra roça? Falei: Vim que eu não quero mais ficar na fazenda. Que eles botava as crianças, as pequena, as negrinha, pra brincar com os filhos, pra carregar os filhos dela.”

O Munhambano…

“Tinha festa. Eles davam muita festa pros escravos. Muito. Eles davam S. João, Santo Antônio, tudo. Eles davam… Natal. Tudo eles davam festa. No Natal eles davam roupa… Os fazendeiros é que dava. Dava tudo. Graças á Deus! Dava tudo mas…era aquilo. Mas, era ali, ó!
Minha avó era lavadeira dos escravos. Meu avô era tratador de porco. Minha avó era Benta! Benta da Silva e meu avô também era Bento. Antônio Bento da Silva. Ela era Munhambana.
Ele também era. É. Todos dois eram Munhambanos. Ah…Eles num contaro como era de onde eles vinham não. Eles num contaro que a gente era criança naquele tempo…Meu avô num era preto não. Meu avô, o cabelo dele era aqui (mostra abaixo do ombro) Minha avó também. Meu pai era mulato mas casou com a minha mãe que era preta.
E as outras minhas irmãs eram tudo mulata. Eu e meu irmão saiu da cor da minha mãe. Mas, meu avô? Meu avô o cabelo dele parava aqui (mostra de novo o ponto). Nós penteava o cabelo:(imitando avô:)’Ara! Ara eu! Ara eu pega ocê!’ Tudo assim que ele falava. (imita de novo:) ‘Oça o tutra!” Sei lá, colher que ele pedia, a gente não sabia, se era uma coisa que ele pedia e a gente não sabia. (imita de novo:) ‘ Mim dá essa coisa aí o ningrinha!': Nós pidia a ele.
Aí ele sabia o que era. Meu avô Antônio. Ele não era preto. Era mulato. Se era mulato de cabelo liso? Era mulato de cabelo liso. É. Veio da África. Meu avô, minha avó contava, porque na fazenda tinha muita gente africana, tinha…Angola, isso…D’Angola… isso tudo tinha.
Os português trazia ele pra aí. Tudo era assim.(Se irritando com a desconfiança dos entrevistadores reticentes com a descrição do avô): Meu avô era africano! Meu avô, minha avó, era tudo africano….(de novo irritada com a insistência da pergunta sobre o estranho biotipo de seu avô): É. Africano. Gente africano. Pois ele era africano! Munhambano é África!
É África. meu avô era africano! Quantas vezes quer que eu falo? (mais irritada ainda): Não! É África! Lugar na África (se acalmando:)… Aqui não tem Madureira? É como assim. É África. É mesmo que lugar da África. Aqui não tem cidade? Num tem Paraíba do Sul? Então? É como a África. É assim.
Aquele tempo…A gente morria de medo de fazer filho.
De que jeito que a gente vivia? O filho lá… Um dia chegava, tirava o filho da gente pra vender. Hum! Minha mãe num foi vendida? Minha mãe num era daqui. Minha mãe era lá da Bahia. Foi. Vendero aí pra um vendedor aí, ó! Meu avô num foi vendido? Meu avô era africano e foi vendido. Então? Foi vendido, num é? Foi o Visconde! Minha avó foi vendida. Isso tudo foi vendido. Agora vai vender quem é? Vão vender quem é? Vai vender ocê?…(Solta uma gargalhada) Vão vender quem é?”

Teresa e a República

…”Hoje é tudo diferente, meu filho. Óia… Porque que eles tiraram o Deodoro da Fonseca?
Porque Deodoro sabia governar! Inda outro dia (imitando o questionamento dos filhos)… Aí, oh mãe…Ó mãe, a Sra…(como se a interromper os filhos)…O que?? Deodoro sabia governar!! Assim que acabou o cativeiro, foi Deodoro que tomou conta. Deodoro botava tudo ali, na linha. Agora não. A mulher dele era boa. Ele era muito bom. A gente comia bem, bebia bem. Aquelas coisa que ficava ruim nas venda…ele mandava jogar tudo fora. Aí…Óia a gente panhando na rua!
Que é de que tá assim agora? Que é de? Que é de?.. Peixeiro, que chegava aí, da praia, lá do lado de lá, da praia de Niterói,…Chegava os peixeiros ? Dava tudo pro home. Ah…! Ele botava aqueles peixes tudo fora. A gente panhava aqueles peixes grandes. Ficava bem bom. Óia a gente se espanando nos peixes. Mas, agora?
Trabalhei pra Deodoro da Fonseca! Eu que tô aqui! Não me incomoda. Aqueles soldados (imitando o soldado lhe fazendo a corte:) ..Ih! De adonde ocê é, heim? E eu: Num tem conversa! Subia. Levando a roupa que minha tia lavava, eu ajudava ela a lavar, ajudava a engomar, viu? E tô aí, com a graça de Deus! Eu agora nem sei o que é soldado!? Soldado hoje é porcaria, não vale nada, não vejo nada. Eu ando na rua e num sei quem é soldado! Porque, aquele tempo…era SOLDADO!
Aquele tempo ocê conhecia GENERAL! Hoje em dia num sabe quem é general, não sabe quem é doutor, num sabe nada nesta vida!…Aquela época tinha (imitando marcha:) báu, báu, báu, báu! Aquelas fardas, que a gente passava, as fardas alumiando o sol, assim…ninguém podia. Agora, hoje em dia num se vê nada. Num vê nada. Anda de calça arregaçada. Aquele tempo, ocê via isso aqui do general, dos soldado…
Você dizia: Ih!, fulano, eles vem lá! Hoje em dia ocê até empurra eles assim…Soldado muito bem vestido, a roupa bem engomada. Quando era gala, a roupa branca…a coisa ali, ó! Eu tinha (respeito)! Eu tinha! Tanto que as vezes até tomava benção.
Ocês sabe que general naquele tempo era General. Hoje eu não sei quem é general! General assim, com estrela, (imitando marcha de novo:)…Táu, táu, táu, táu, chega só…só naquele pisar dele eu sentia medo. Soldado que ocê tem aí? As vezes eu fico assim oiando. Lá perto de mim mora um soldado. Eu falo (desalentada:)… Isso é soldado?! Ah…Eu tinha respeito de soldado. Hoje em dia não tenho respeito de soldado. Tinha”.

Jongo em 1874

“O Jongo é dos africanos. É do meu avô…Meu avô era do cativeiro. Chamava Antônio Munhambano, africano. Eu sou de Paraíba do Sul. Ele primeiro era do Dr. Avellar. Ele era escravo do Dr. Avellar, num sabe? Ele era escravo do Visconde e do Visconde ele foi para o Dr. Avellar. O Visconde era o pai do Dr. Avellar. Não sei Visconde de quê. Só sei que é visconde, seu conde…naquele tempo, num é ? Foi lá em Paraíba do Sul, na fazenda de Avellar, num sabe?
Meu avô era africano. Foi achado. A parte da África eu não lembro. Só sei que ele era africano. Era ‘munhambano’. Era de Munhambá (sic) e quem trouxe ele pra aqui foi o português, né? Foi quem trouxe ele. O meu avô.
Ele tinha raiva de português porque trouxeram ele pra aqui. Diz que abanavam lenço encarnado e eles vinham chegando. Eles não sabiam naquele tempo quem eram e aí, trouxeram ele….O Jongo representa pra mim a mesma coisa que é: Negócio da gente africana. O Jongo era festa dos cativos. Era Caxambu, viola…Tinha viola. Meu pai era tocador de viola. Antônio Bento da Silva. Tocava viola…e meu avô, tocava urucungo.
Não…cantado mesmo em…O Jongo era a festa dos pretos. Se era dos preto velho? Não. Era festa dos pretos. Pros brancos vê a gente dançar.
Era um terreiro grande, tocava o caxambu e os brancos vinham e a gente cantava pra eles vê a gente cantar e dançar. Era só pra eles vê. Que a gente era escravo, tava na fazenda. O que é que ia fazer? E se não dançasse, ó…!Era sábado e domingo. As vezes fazia na festa de São João. Foi meu avô quem trouxe o Jongo da África e botou na fazenda pra todo mundo.
Até hoje eu danço, canto o Jongo.Os instrumentos? O que eu sei era caxambu…É aquele de bater: caxambu. A viola era de tocar e o pandeiro acompanhava a viola e o meu avô tocava urucungo, sabe o que é não é ? Botava na barriga …O senhor não sabe o que é urucungo?!
Pois então!? É igual a berimbau. Só que naquele tempo não era berimbau. Era urucungo. Botava aqui, ó (mostra a barriga). Botava no umbigo a cuia e batia.
Eu achava o Jongo daquela época mais bonito. Agora eu faço o desse tempo mesmo. Deixa eu lembrar…Um bom…Jongo dele mesmo, do meu avô. Quando ficou forro e a gente cantava. ‘Carolina‘. Cantava assim:”(cantando)
(Áudio e partitura:Arquivo grupo Vissungo, RJ)
Oh, pra que pente carorina?
Num tem cabelo
Pra que pente Carorina?
Sem cabelo
Pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Sem cabelo, pra que pente Carorina?
Ê pra que pente Carorina?
Não tem cabelo,
pra que pente Carorina?”
…”Mas era eles que cantavam e a gente respondia…Era língua africana sim, uai?! Assim. A gente até caçoava deles (zombando): Canta assim, num é ? (enfática): Era língua sim! (repete a letra do ponto de Jongo sem explicar)…essa era na língua deles (canta mais) …mas a gente não respondia assim. Respondia depois.”

Jongo 100 anos depois

…”Hoje num tem mais nada. De primeiro, na casa dessa só tinha Jongo (se referindo á Madureira) . Todos os sábados nós dançava mas…o pessoal morreu. Num ficou ninguém. Cada casa tinha Jongo. Cada casa tinha Jongo. Era todo sábado.
Ah…Quem canta o Jongo sou eu…tem essa outra aqui mais…as outra precisa…Pode aprender. Nós aprendemo, num é? Elas pode aprender, vê a gente dançar, cantar e elas aprende também….Tem. Tem. Em Madureira tem muito. Tem muito, oh!.. A Maria (se referindo á Maria Joana, mãe de Darcy do Império, já falecido e hoje conhecido como Darcy do Jongo) quando deu o Caxambu teve gente lá assim, ó! Na casa dela. Agora eu não. Se ocês for lá vê. Eu nunca mais dei. Eu não. Meu marido morreu, eu fiquei eu com meus filhos, sabe. Graças a Deus.
Fiz Jongo! Óia…Ainda hoje eu soube que lá na minha terra tem Jongo quase todo sábado. Diz que tem Jongo. Naquela casa que ocês….diz que eu vou lá. Ela disse que qualquer tempo ela vai me levar lá. Diz que o Jongo, que o bagúio lá é assim! O Caxambu lá é de arromba. (para Joana):..Ocê tem num vontade de pular no Caxambu de lá não, Maria? O Caxambu lá é de fato.
E a gente sabe cantar aqui? Num sabe cantar. Num tem voz! Essa gente aqui num tem voz pra cantar. Quem vai cantar o Caxambu sou eu…Aquela pequenazinha hoje num sei se vem, é só. E lá não…todo mundo à cantar, todo mundo à dançar! Lá em minha terra. Graças a Deus!
Óia…Todo mundo fala: A Sra., já tá com essa idade e ainda dança? Danço! Inda pulo o meu Caxambu! Graças á Deus!”

Notas finais

(Pesquisa suplementar)
Maria Teresa teria nascido em 1859. Os fatos dos quais nos dá conta são de quando ela estava com cerca de 15 anos. Logo, o Jongo que descreve é, portanto, aquilo que sobre a manifestação poderia saber uma adolescente. São preciosas no entanto as descrições sobre uso no Jongo da época, de instrumentos como o Uruc-ungo (a raiz ‘Ungo” diz respeito a um arco musical tipicamente Bantu, angolano mais precisamente) e a viola.
Em 1874, já com o processo de decadência das fazendas da região se aguçando, sabe-se que foi hábito comum entre os ‘Barões do Café‘ demonstrar, ostensivamente, os resquícios de fausto que lhes restavam, forçando seus escravos a se exibir para visitas, vindas, não raro, da Corte.
Foram, certamente, a partir destas viagens, que danças como o Lundu, por exemplo, migraram para a os salões da Corte.São importantíssimas as informações que presta, no sentido de que seu avô, africano de nação ‘Munhambano‘, foi quem trouxe a prática do Jongo para o local (não o seu avô, pessoalmente, é claro, podemos deduzir, mas africanos bantu, trazidos para aquela região, de cultura similar a dele). O fato curioso dela falar e insistir que seus avós eram mulatos de cabelo liso, pode ser, definitivamente, explicado pelos dados a seguir.
Inhambane de fato se refere a uma vasta região ao norte de Maputo, em Moçambique, no litoral do país, habitada por um povo de fenótipo muito característico, já que foi exposto, durante muito tempo, às influências gerais das históricas relações entre Ásia e África, ocorridas na costa africana do Oceano Índico, relações estas que produziram, entre outros efeitos, alguma mestiçagem de negros com árabes (cujos interesses comerciais penetraram ali antes dos portugueses) e indianos (que marcaram fortemente o perfil étnico da população do Madagascar, por exemplo, ilha muito próxima à costa a Moçambique).
Num gráfico sobre a demografia escrava na região de Vassouras, RJ, está demonstrada a existência na região da própria Vassouras e de Paraíba do Sul de indivíduos da etnia Inhambane, associação evidente com o ‘Mu-nhambano‘ citado por Maria Teresa.
Por esta hipótese quase cabal, os avós de Maria Teresa foram pegos no território Inhambane e postos num navio que, atravessando o cabo da Boa Esperança, deu no oceano Atlântico, seguindo para o Brasil, onde estas pessoas desembarcaram no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, seguindo a pé, serra acima para as fazendas de café do Vale do Paraíba do Sul.
Sendo o mbundo e o kimbundo angolanos as línguas de uso predominante entre os escravos da região na época, usava-se o prefixo (adjetivo coletivo) ‘Mu” antes do local de origem das pessoas, para identificá-las mesmo que esta origem não fosse Angola (‘Mu-Kongo‘: Congolês, ‘Mu-brasil’: brasileiro).
Por esta hipótese etimológica evidente, Mu-inhanbane (ou ‘munhanbano‘ como quase vernacularmente falava Teresa) eram pessoas oriundas do Inhambane, Moçambique, região com franca miscigenação entre africanos negros e asiáticos oriundos em tempos mais remotos das ilhas do Oceano Índico e da costa do continente asiático, razão também cabal do fenótipo do avô de Teresa ser ‘mulato de cabelo liso’.
Segundo o gráfico acima citado (de Flávio G. dos Santos), haviam apenas 8 indivíduos de origem Inhambane na região de Vassouras entre 1837 e 1840, seis deles residindo em fazendas nas quais pode ser incluída a Santa Teresa, citada por Maria Teresa. Alguns destes indivíduos são citados nos autos do processo de condenação de Manoel Kongo à forca em 1839. A hipótese de, pelo menos, dois destes seis escravos serem parentes (dois seriam os próprios avós ‘Munhambanos‘) de Maria Teresa é de todo modo, impressionantemente plausível.
Precioso é, do mesmo modo, seu testemunho pessoal – e ocular- de que eram comuns na região as torturas, as fugas e os ‘aquilombamentos‘. Os locais descritos por ela, correspondem a onde está circunscrito hoje parte do Município de Avellar, vizinho de Paraíba do Sul.
Na crônica da insurreição de escravos conhecida como ‘Quilombo do Manoel Congo‘ (sobre o qual este autor escreveu o espetáculo o ‘Auto do Manoel Kongo’ que pode ser lido neste link“), ocorrida em 1838 nesta região), tem papel importante nos conflitos a fazenda de Santa Teresa, já pertencente naquela época a João Gomes Ribeiro de Avellar, o Visconde do Paraíba (chamado de Visconde de Avellar por Maria Teresa).
O Barão de São Luiz, Paulo Gomes Ribeiro de Avellar, filho do visconde, (talvez o tal que bateu na cara do pai de Teresa e é chamado por ela de ‘Lulu’ – ‘Pau…LuLu’) é citado no processo que condenou Manoel Congo à morte, como dono do escravo citado como sendo o próprio ‘Vice Rei‘ do quilombo, um tal de Epifânio Moçambique, provavelmente um “munhambano“, morto na refrega.
Não tendo feito qualquer comentário sobre o retorno de seu pai, de sua mãe ou dela mesma para a fazenda, depois da fuga narrada, fato que, por sua relevância dramática, com certeza teria sido citado na entrevista, pode-se deduzir que Maria Teresa (e toda a sua família), viveu na condição de quilombola a partir de 1874 em diante.
A afirmação que faz de que ainda viu instrumentos de tortura na Corte, atesta o fato surpreendente de que ela já estava residindo no Rio de Janeiro, na proclamação da República, havendo ficado livre, portanto, cerca de 14 anos antes da Abolição.

Nota final

Num ano destes aí – já na década de 2000- esta entrevista apareceu transcrita, desautorizadamente, sem crédito algum à sua fonte que é o Grupo Vissungo (grupo musical e de pesquisa que teve a iniciativa de entrevistar Teresa em 1973 – com a participação dos entrevistadores citados, entre eles este que vos escreve) num site do departamento de História de uma importante Universidade Federal aqui do Rio de janeiro.
Advertidos os responsáveis por email, a transcrição foi deletada do site. Informamos aos leitores por causa deste fortuito, antiético e algo recorrente incidente, que a transcrição de documentos e fontes orais, do mesmo modo que qualquer documento histórico, precisam ter os créditos dos autores devidamente informados, como aliás adverte a licença Criative Commons que inserimos no topo desta matéria.
Esta eletrizante entrevista é um dos eixos temáticos principais do meu livro ‘Do Samba ao Funk do Jorjão’ que saiu em versões papel e e.book (Ed. KBR Digital e Amazon.com) em 2004.
Veja também 
10 raras fotografias de escravos brasileiros feitas 150 anos atrás

fonte: http://www.geledes.org.br/entrevista-com-maria-teresa-ex-escrava-em-1973/#ixzz3SUjRyVrb

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Quando a educação transformadora tem, no centro, professor



Em Portugal, Movimento da Escola Moderna questiona salas-de-aula, cria conselhos democráticos e multiplica espaços de participação do aluno — mas valoriza, em especial, novo papel do educador  
Por Tathyana Gouvêa*

Agradeço ao professor Sérgio Niza, às professoras e a diretora da escola A Voz do Operário (Lisboa-Portugal) e ao professor Júlio Pires da Escola Básica Integrada de São Bruno (Lisboa-Portugal), que me concederam entrevistas e me permitiram a observação de suas práticas.
Diante de um número crescente de empresas, Fundações, voluntários e interessados na educação, o professor tem sido por vezes considerado apenas mais um dos agentes que trabalham em prol da transformação da área. No entanto, uma experiência que completa 50 anos em Portugal nos mostra que o professor é a peça fundamental para uma educação de qualidade e que está em suas mãos a decisão de oferecer experiências e conteúdos emancipatórios aos seus alunos.
Refiro-me ao MEM – Movimento da Escola Moderna de Portugal, que teve início na década de 60 junto ao Movimento da Escola Moderna Francesa, ligado à Célestin Freinet (1896-1966). Com o decorrer dos anos o projeto foi ganhando autonomia e, apesar de manter o mesmo nome, hoje apresenta características próprias e distintas de outros movimentos.


Sérgio Niza (1940 – ), ex-professor de ensino primário, perseguido no período da ditadura em Portugal, começou a reunir um grupo de educadores para estudar a prática pedagógica. O grupo seguiu realizando encontros mensalmente e hoje conta com mais de 200 membros ativos e diversos professores interessados por todo o país. Ao longo dos anos foi desenvolvendo uma metodologia pedagógica cujo cerne está na relação professor-aluno, ambos considerados agentes participativos do processo, como sustentado pelo psicólogo Vygostky (1896-1934), base teórica do MEM.

A metodologia com as crianças se estrutura sobre cinco pilares:
  • O trabalho por projeto em cooperação
  • A comunicação e difusão do trabalho desenvolvido entre os estudantes
  • A construção ou revisão de conceitos e saberes com colaboração do professor e dos demais alunos
  • O trabalho autônomo com acompanhamento individual
  • E o conselho de cooperação educativa
Esta metodologia foi sendo constituída ao longo dos encontros dos professores e segue sendo aprimorada num processo contínuo de pensar e escrever sobre a prática docente. A escrita, para Sergio Niza, é a peça-chave do trabalho do professor, já que este é fundamentalmente um trabalho prático e intelectual, não podendo se configurar sem ambas as atividades. A escrita também se mostra necessária para todos os estudantes nos diversos níveis de ensino, uma vez que é por ela que o aluno se torna o autor do seu processo de aprendizagem e passa a expressar sua visão sobre os assuntos, seu pensamento e sentimento diante de tudo que lhe é apresentado pelo professor, pelos colegas e pela dinâmica do grupo. A produção escrita perpassa as várias áreas do saber e é desenvolvida diariamente de modo cooperado, sendo a autocorreção e os feedbacks dos colegas e do professor os elementos de aprimoramento do texto.

Semanalmente, os estudantes desenvolvem atividades individuais de estudo, atividades dirigidas pelo professor, conselho de cooperação educativa e planejamento. As salas “de aula” se transformam em laboratórios de estudo, em que alguns alunos fazem experiências sobre uma mesa maior ao fundo, outros estudam e resolvem seus roteiros de diversas áreas, seguindo o planejamento que cada um fez para a semana, outros leem livros num cantinho com almofadas e outros ainda sentam-se com o professor para tirar dúvidas ou revisar algum conteúdo.
E na sala são disponibilizados os vários fichários com roteiros e exercícios elaborados pelo professor da turma, papéis, lápis, canetas, réguas e borrachas de uso coletivo e, nas paredes da sala, diversos cartazes, entre eles o mais importante para a dinâmica da turma, em que ao longo da semana os alunos escrevem o que gostaram e o que não gostaram. Ali são registradas todas as queixas e elogios aos colegas, professores e demais funcionários da escola.
Todos os temas são lidos e tratados no conselho de cooperação educativa, que pode envolver pessoas de outra sala ou série na resolução do que foi trazido pelos alunos. As partes envolvidas sempre são ouvidas, todos podem propor soluções e a turma chega a um consenso com relação ao que será feito. Essa é para o MEM a distinção entre “assembleia” e “conselho de cooperação”: não se busca chegar a uma solução com base na vontade de uma maioria, mas sim ampliar a compreensão que cada parte tem sobre a outra, buscando processos de entreajuda e cooperação. Nessa concepção, o desenvolvimento sociomoral dos alunos está atrelado à consciência progressiva de que o sucesso individual só se realiza com o sucesso de todos.
Aparentemente isso só poderia ser aplicado numa escola bastante diferente das escolas tradicionais, não é? Pois é aqui que o MEM se destaca. Esse modelo não é adotado por escolas, mas sim por professores. Apenas uma escola em Portugal tem todos os seus profissionais ligados ao Movimento (a escola A Voz do Operário, em Lisboa). Os demais professores trabalham em escolas regulares e adotam essa metodologia em suas salas de aula, sejam eles professores de Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Médio.
Quando fui apresentada ao MEM, achei que o mesmo seria difícil de ser desenvolvido por professores do Fundamental II e Médio, uma vez que os docentes trabalham em horários reduzidos com cada turma, atuando por disciplina. Com algumas adaptações, especialmente na rotina de trabalho, que deixa de ser semanal e passa a ser mensal ou bimestral, o modelo segue contemplando o planejamento, o conselho de cooperação educativa, os estudos individuais e a escrita colaborativa.

As várias técnicas que compõe todo o modelo vão sendo introduzidas conforme o professor vai se familiarizando e sentindo segurança no seu trabalho e nos alunos, bem como compreensão e apoio da escola. Por ser um modelo bastante sério com grande respaldo teórico, elaborado pelos próprios professores e compartilhado mensalmente nos sábados pedagógicos, na rede interna aos membros ou pela revista impressa do Movimento, os professores vão avançando na reflexão de suas práticas e incorporando cada vez mais aspectos dessa metodologia no cotidiano de suas escolas.

Mas o que ganha um professor por se esforçar para fazer diferente, se dedicar um sábado por mês para estudar e debater com seus pares a prática pedagógica? Ganha um trabalho dotado de sentindo, o empoderamento de suas ações e a certeza de colaborar com uma educação emancipatória. O MEM se configura como um grupo de estudos em que os professores voluntariamente participam, que por crescer a cada dia passou a se estruturar, mas guarda na essência a crença de que é o professor, dialogando com seus pares, que será capaz de oferecer uma educação de qualidade.

* Texto publicado originalmente no Reevo
Para saber mais:
Site Oficial do MEM – http://www.movimentoescolamoderna.pt/
Revistas da Escola Moderna
NÓVOA, António; Ó, Jorge Ramos do; MARCELINO, Francisco (Orgs.). Sérgio Niza: escritos sobre educação. Lisboa: Tinta-da-China, 2012.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/quando-a-educacao-transformadora-tem-por-centro-o-professor/)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Racismo e “branquitude” na sociedade brasileira


Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – O racismo é crime no Brasil, previsto pela Constituição Federal, nos termos do Artigo 5º, Inciso XLII. “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, diz o texto. No entanto, ao longo do ano passado, manifestações abertas de racismo multiplicaram-se nas redes sociais e nos espaços públicos, pondo em xeque a cômoda ideia da “democracia racial” brasileira. Esse racismo estava encoberto e veio à superfície? Ou foi acirrado recentemente?
Perguntas como essas preenchem o dia a dia de Lia Vainer Schucman, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) que atualmente conclui um pós-doutorado com a pesquisa “Famílias inter-raciais: estudo psicossocial das hierarquias raciais em dinâmicas familiares”, apoiada pela FAPESP.
Também com o suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, sua tese de doutorado foi recentemente publicada em livro, com o título Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo. [*]
Descendente de família judaica, Schucman ouviu muitos relatos de perseguições movidas pelo racismo. “Fui socializada em um lar em que qualquer forma de preconceito e discriminação era totalmente intolerável e automaticamente associada aos horrores passados pela minha família na Segunda Guerra Mundial”, escreveu.
Algumas linhas adiante, porém, reconheceu que essa formação não a eximiu de um racismo mais sutil, que, de seu ponto de vista, perpassa a sociedade inteira: “Nosso racismo nunca impediu que convivêssemos com negros ou que tivéssemos relações de amizade e/ou amorosas com eles. No entanto, muitas vezes essas eram relações em que os brancos se sentiam quase como fazendo caridade ou favor de se relacionarem com os negros”.
Schucman concedeu a seguinte entrevista à Agência FAPESP.
Agência FAPESP – Parece haver atualmente um recrudescimento de expressões do racismo. Esse racismo estava reprimido ou está sendo acirrado? 
Lia Vainer Schucman – É o chamado “medo branco”. Falo disso em um capítulo do livro. Enquanto os negros se encontravam em uma posição subalterna, o racismo existia, mas não assumia formas tão ostensivas, porque os negros não disputavam com os brancos o acesso aos bens públicos e a outras posições na sociedade – coisas que os brancos consideravam suas por merecimento. Porém, quando as lutas dos movimentos sociais negros produziram certas conquistas, alguns brancos passaram a se sentir ameaçados. Isso foi claramente perceptível nas entrevistas que fiz. Era comum, por exemplo, os entrevistados brancos considerarem as cotas para negros nas universidades como privilégios. Mas não lhes ocorria pensar que o lugar que antes ocupavam com exclusividade fosse um privilégio. Havia uma ideia embutida de merecimento. No meu livro, há a foto de uma escola do bairro do Limão, em São Paulo, com a pichação “Vamos cuidar de nossas crianças brancas” em um muro. Isso foi motivado pelo fato de a escola ter decidido fazer, naquele ano, uma festa junina com motivos negros, motivos de origem africana. E alguns pais se revoltaram com isso, sem levar em conta que o currículo oficial, adotado como se fosse um currículo genericamente humano, é, na verdade, pautado pela história e por valores europeus, valores que expressam a supremacia branca. Essa pichação, que expressa um ponto de vista racista, foi uma reação à conquista dos negros, no sentido de terem sua história e suas realizações reconhecidas.
Agência FAPESP – A mudança de mentalidade é um processo muito mais longo e difícil do que a conquista de direitos e a adoção de políticas públicas afirmativas? 
Schucman – Sim. Parte do meu doutoramento foi feita nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia. Lá, recebi a orientação da afro-americana France Winddance Twine, que fez uma pesquisa com brancos que interagiam com negros no dia a dia, procurando entender como esses brancos se relacionavam com sua branquitude. Ela formulou o conceito de racial literacy, que eu traduzi, em meu livro, por “letramento racial”. O letramento racial é uma forma de responder individualmente às tensões raciais. Ao lado de respostas coletivas, na forma de cotas e políticas públicas, ele busca reeducar o indivíduo em uma perspectiva antirracista. A ideia subjacente é a de que quase todo branco é racista, mesmo que não queira, porque o racismo é um dado estrutural de nossa formação social. Por exemplo, um jovem estuda arquitetura em uma das melhores universidades brasileiras e, depois de formado, projeta um banheiro de empregada com o chuveiro em cima do vaso sanitário. Ele não gostaria de usar um banheiro desses. Mas projeta esse banheiro para a empregada como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Veja, ele não está aderindo à ideologia escravista ao fazer isso. Ele está simplesmente reproduzindo um racismo de fundo que perpassa todo o nosso sistema educacional e toda a nossa cultura. Então, se ser racista é um aprendizado, se nós aprendemos desde cedo a ser racistas em nossa sociedade, o letramento racial é a proposta de um desaprendizado.
Agência FAPESP – E como o letramento racial funciona? 
Schucman – É um conjunto de práticas, baseado em cinco fundamentos. O primeiro é o reconhecimento da branquitude. Ou seja, o indivíduo reconhece que a condição de branco lhe confere privilégios. O segundo é o entendimento de que o racismo é um problema atual e não apenas um legado histórico. Esse legado histórico se legitima e se reproduz todos os dias e, se o indivíduo não for vigilante, ele acabará contribuindo para essa legitimação e reprodução. É o mesmo que acontece em relação ao machismo. Seja homem ou mulher, se a pessoa não for vigilante, ela acabará contribuindo para a legitimação e reprodução do machismo. O terceiro é o entendimento de que as identidades raciais são aprendidas. Elas são o resultado de práticas sociais. O quarto é tomar posse de uma gramática e de um vocabulário racial. No Brasil, evitamos chamar o negro de negro. Como se isso fosse um xingamento e como se evitar essa palavra pudesse esconder o racismo. Para combatê-lo, temos de ser capazes de falar de raça abertamente, sem subterfúgios. O quinto é a capacidade de interpretar os códigos e práticas “racializadas”. Isso significa perceber quando algo é uma expressão de racismo e não tentar camuflar, dizendo que foi um mal-entendido. É o caso daquele casal branco do Rio de Janeiro que foi comprar um carro levando junto o filho negro adotado. E o vendedor enxotou a criança, que considerou um “menino de rua”. Depois, o vendedor ou alguém da loja tentou se desculpar, dizendo que havia sido um mal-entendido. Não, não foi um mal-entendido. Foi uma expressão pura e simples de racismo.
Agência FAPESP – Esses cinco fundamentos permitiriam construir uma individualidade antirracista? 
Schucman – Sim. É semelhante a uma alfabetização. Daí a palavra letramento. Foi essa perspectiva de uma alfabetização antirracista que me fez eleger, como tema do pós-doutoramento, as famílias inter-raciais. Porque o racismo da sociedade se reproduz de várias maneiras dentro das famílias, inclusive das famílias inter-raciais.
Agência FAPESP – Dê um exemplo. 
Schucman – Em uma família inter-racial, é comum que o filho de pele mais clara seja beneficiado com a possibilidade de estudar, enquanto seus irmãos de pele mais escura apenas trabalham. Os pais acham que o mais claro terá melhores oportunidades, então investem em sua educação, mesmo que não possam dar a mesma condição para os outros filhos. Há toda uma hierarquia na sociedade que se reproduz no interior das famílias, em brancos e negros. A sociedade constrói significados sobre as coisas, e as pessoas, de uma maneira ou de outra, introjetam esses significados.
Agência FAPESP – No seu livro, você se coloca dentro da pesquisa, não vendo o tema de fora, com uma pretensa objetividade, mas questionando o seu próprio ponto de vista. Como escolheu e desenvolveu o tema? 
Schucman – Quando iniciei meu doutoramento, em 2008, a ideia era pesquisar o racismo. Eu queria entender, do ponto de vista psicológico, como o negro introjetava o racismo. Mas, ao cursar disciplinas da pós-graduação na USP, alguns colegas, militantes dos movimentos negros, me disseram que estava na hora de “olhar outras coisas”. O que eles estavam afirmando era que o negro constituía sempre o tema do pesquisador branco, como se o negro fosse objeto e não sujeito, e como se o negro fosse sempre o “outro”. Eles me fizeram perceber que, ao estudar o negro, ao estudar o indígena, o que o pesquisador branco faz é, mais uma vez, produzir o “outro”. Decidi, então, colocar o branco em questão.
Agência FAPESP – De que maneira sua pesquisa evoluiu a partir daí? 
Schucman – Comecei com um estudo mais teórico dos conceitos de raça, construídos no século XIX. Um desses conceitos trazia a ideia de que o fenótipo determinava todo um modo de ser: moral, intelectual, estético, civilizatório. Então, peguei essas quatro variáveis – moral, intelectual, estética e civilizatória – e busquei perceber como elas apareciam na fala das pessoas brancas. Ou seja, como essa ideia de raça, construída no século XIX, continuava operando na construção das identidades. E constatei que elas apareciam na fala dos sujeitos o tempo todo. Por exemplo, entrevistei um vigilante noturno branco e perguntei a ele: “O que é ser branco, para você?” E ele respondeu: “Para mim, isso tem a ver com atitude. Eu sou trabalhador, eu vivo bem”. Essa ideia fictícia, da superioridade branca, está quase sempre presente na fala dos entrevistados.
Agência FAPESP – Quando você se aproximou do tema? 
Schucman – Na graduação, obtive bolsa de iniciação científica para estudar preconceito e estereótipo. Eu já tinha uma herança familiar nesse sentido, porque minha avó materna é judia, sobrevivente de campo de concentração, uma pessoa de esquerda. Na casa dela, há vários retratos de parentes mortos em campo de concentração. Então, o antirracismo, a consciência daquilo que o racismo é capaz de fazer, sempre foi algo muito presente na minha formação. Fiz o mestrado com um estudo sobre identidade judaica. E o que mais me marcou foi entrevistar pessoas que não seguiam a religião, não tinham nada a ver com o judaísmo, mas não conseguiam deixar de ser judias. Eu perguntava: “Mas por que você não consegue deixar de ser judeu?”. E a resposta era: “Porque os outros me veem como judeu”. A questão do olhar do outro ou de como o olhar produz o “outro” tornou-se um subtema bem forte em minha pesquisa. E continuou sendo.
Agência FAPESP – Você o retomou e desenvolveu no doutorado? 
Schucman – Sim. Percebi que só é possível o branco se enxergar como branco, isto é, ter uma noção dos privilégios que o fato de ser branco lhe proporciona, quando ele convive com os negros. Percebi, na convivência com meus colegas de pós-graduação negros, que, se eu comparecesse a alguma reunião dos movimentos sociais negros e me pronunciasse contra o racismo, até nisso eu teria privilégio, pois o fato de ser branca e antirracista me dava um status especial. Meus colegas eram muito críticos e até isso eles me apontavam.
Agência FAPESP – Como você lidou com isso? 
Schucman – Eu procurava não ser reativa. Mesmo que, às vezes, a crítica fosse pesada e até mesmo agressiva, eu tentava entender e assimilar. Tinha uma abertura muito grande. Além disso, sempre tive uma ideia muito clara sobre o meu papel: se sou branca e estou trabalhando ou me aproximando do movimento negro, não posso pretender ser protagonista. O protagonismo é negro. O meu papel é estar junto; não pretender estar à frente. Esta é uma consideração muito clara para mim, que continua orientando minha participação.
Agência FAPESP – Você fez muitas entrevistas qualitativas, levantando trajetórias de vidas das pessoas. Lembra-se de alguma especialmente marcante? 
Schucman – Entrevistei desde “quatrocentões” que ainda vivem da renda de suas fazendas, isto é, que ainda vivem do que seus antepassados ganharam com a escravidão, até mendigos da Praça da Sé. Ao entrevistar pessoas tão diferentes, mas todas brancas, minha intenção era saber se havia uma característica própria da branquitude, algo capaz de perpassar as classes sociais. Um mendigo de rua me disse algo muito forte. Quando perguntei “O que é ser branco, para você?”, ele me respondeu: “Eu posso entrar no banheiro do shopping e meu colega preto não”. Isso foi muito impactante: na extrema pobreza, a condição de ser branco ainda lhe dava um privilégio. Outra entrevista marcante foi com uma “quatrocentona”, porque os valores dela eram muito diferentes daqueles do imigrante, mesmo do imigrante rico.
Agência FAPESP – Quais eram as diferenças? 
Schucman – Os imigrantes desfrutaram de vários privilégios no Brasil, porque a imigração foi incentivada e patrocinada pelo governo. E a entrada de imigrantes brancos estava em sintonia com uma política de “embranquecimento” do país. Mas, para ascenderem econômica e socialmente, os imigrantes foram, de fato, muito trabalhadores. Isso ficou marcado em sua autoimagem. Claro que há exceções, mas, regra geral, o imigrante considera que conseguiu subir na vida devido ao seu mérito. A ideia do mérito é muito forte para ele. Porém, ele não consegue perceber que, ao lado do mérito, sua ascensão também foi favorecida pelo privilégio da branquitude. Porque o negro também está trabalhando há séculos no Brasil e não conseguiu ascender da mesma forma. Então, no caso dos imigrantes, a branquitude fica camuflada na autoimagem. No caso dos quatrocentões não. Eles têm perfeita consciência de seus privilégios, porque nunca trabalharam. A ideia forte, neste caso, é a de herança. E, se podem desfrutar de uma herança, foi porque os escravos negros trabalharam para seus antepassados. Então a ideia de ser branco e dos privilégios que isso traz está muito presente em sua visão de si mesmos.
Agência FAPESP – Há alguma peculiaridade que você poderia destacar em seu processo de pesquisa? 
Schucman – Uma peculiaridade é que não separo o que poderia ser chamado de “trabalho de campo” daquilo que vivo no dia a dia. Na tese de doutorado, incluí muitas falas informais, de pessoas com as quais eu interagia. Foi o caso de uma que, quando soube que eu pesquisava brancos, afirmou: “Que bom! Porque agora só se fala de negros”. Durante quatro anos, eu registrei entrevistas e conversas do dia a dia. Eu ficava o tempo todo registrando. Eu só pensava nisso.
Agência FAPESP – Isso a afetou pessoalmente? 
Schucman – Quando se começa a pensar insistentemente nestas coisas, você vai ficando muito irritada. Já não consegue conviver com a cidade. Porque a cidade de São Paulo tem uma geografia da raça: há lugares que só têm brancos. Quando entrava em um lugar desses, eu começava a me sentir mal. Eu me sentia colaborando com o apartheid da nossa sociedade.
Agência FAPESP – Como você aborda a questão das cotas raciais? 
Schucman – Na maioria dos casos, a oposição às cotas não decorre de nenhum critério racional. Tive a demonstração disso em minha pesquisa. Quando perguntei “você acha que tem privilégios pelo fato de ser branco (ou branca)?”, meus 40 entrevistados responderam que sim. Uma empregada doméstica disse: “Minha patroa é preconceituosa. Se eu fosse negra, não teria este emprego”. Um jovem falou: “O pai da minha namorada é racista. Talvez eu não pudesse namorar com a filha dele se fosse negro”. E por aí foi. Imediatamente em seguida, perguntei: “Você é a favor das cotas?” Dos 40 entrevistados, 37 responderam: “Não. Somos todos iguais”. Esses 37 tinham acabado de dizer que possuíam privilégios. E, agora, negavam as cotas, com o argumento de que elas privilegiavam os negros. É um posicionamento totalmente irracional. Por isso, eu uso a expressão “medo branco”. E é um discurso fragmentado. Só um discurso fragmentado pode acomodar o fato de a pessoa admitir que tem privilégios e, em seguida, dizer que todos somos iguais.
Agência FAPESP – Qual é o foco de sua pesquisa atual, com famílias inter-raciais? 
Schucman – Tento entender como os afetos podem legitimar o racismo e como podem também ajudar a desconstruí-lo. A partir de uma enquete mais ampla, em que entrevistei todos os membros de várias famílias, escolhi algumas famílias, com as quais estou fazendo um trabalho quase etnográfico há cerca de um ano. Vou dar um exemplo. Em uma dessas famílias, o pai é negro e afirma que não existe racismo no Brasil. Quando ele está presente, todos os membros da família parecem concordar com seu ponto de vista. Mas, se ele sai da sala por algum motivo, as pessoas aproveitam para dizer o que não têm coragem de falar em sua presença. A filha, que é branca, disse que, por várias vezes, viu seu pai ser discriminado por racismo. Acredito que, para ele, seja muito difícil admitir isso. Há todo um jogo de ambivalências, que eu tento interpretar.
  

Nota explicativa
[*] A palavra “branquitude”, que a pesquisadora utiliza criticamente em seu livro, não está dicionarizada. É um neologismo empregado em contraposição a negritude. O conceito de negritude foi forjado durante a luta anticolonialista dos povos africanos, no século XX, e utilizado, principalmente pelo poeta e político senegalês Léopold Sédar Senghor (1906 – 2001), para resgatar e exaltar as culturas, tradições e características identitárias da África, que haviam sido subjugadas pelo colonialismo. Já o conceito de branquitude, sem ser identificado por esse nome, começou a ser construído durante a expansão colonial europeia, a partir dos séculos XVI e XVII, mas principalmente no século XIX, para justificar ideologicamente a dominação, pelos europeus, das populações ancestrais da América, da África, da Ásia e da Oceania. Nesse processo, a identidade “branca”, definida pela cor da pele e outros traços fenotípicos, foi estabelecida como norma e padrão humano, sendo os outros grupos apresentados como marginais, desviantes ou inferiores.