Texto escrito por José de Souza Castro:
Em abril próximo, completam-se dois anos desde que este blog publicou um artigo
com críticas à 11ª rodada de leilões de blocos para exploração e
produção de petróleo marcado para os dias 14 e 15 de maio de 2013 pela
Agência Nacional de Petróleo (ANP). No artigo, eu resumia os argumentos
de Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia, fundado em 1880 no
Rio de Janeiro. O governo Dilma Rousseff havia criado todas as
facilidades imagináveis para atrair investidores, como se isso fosse
necessário num mundo faminto de petróleo. Mas deixara de fora do leilão
as áreas do pré-sal.
Talvez
tenha sido esse "o erro" de Dilma. Ou um deles. A explicar, em parte, o
que se lia ontem nas manchetes dos jornais "Folha de S.Paulo" ("Crise e
corrupção tiram selo de bom pagador da Petrobras"), e "O Estado de S.
Paulo" ("Crise faz Petrobras perder o grau de investimento"). "O Globo",
que forma a trinca dos grandes jornais mais oposicionistas ao governo
petista, relegou o assunto a uma chamada de uma coluna, "Petrobras é
rebaixada para grau especulativo", ao lado da manchete de capa:
"Inflação dispara e protesto nas estradas é nova ameaça".
Petrobras
rebaixada para grau especulativo tem duplo sentido, mas a imprensa só
trata de um deles. Este, como se lê na "Folha": "A Moody's cortou a nota
da Petrobras de Baa3 para Ba2 – o que corresponde a perda de dois
níveis na escala de notas da agência. Dessa forma, a petroleira, alvo de
investigações sobre corrupção, passa para o chamado grau especulativo
(com alta probabilidade de calote)".
O
outro sentido é o que os grandes investidores, como George Soros, mais
gostam de fazer: especular na bolsa de valores com papéis de grandes
empresas, como a Petrobras. Ontem, no UOL, lia-se, às 11h56: "As ações
da Petrobras caem cerca de 7%. Papéis preferenciais, mais negociados,
caem 7,09%, a R$ 9,16. Ações ordinárias, com direito a voto, têm perda
de 6,87%, a R$ 9,07."
Pequenos
investidores, que entram em pânico com tais manchetes, correm para
vender suas ações da Petrobras, depois de resistirem durante meses ao
fogo cerrado da imprensa contra nossa maior estatal e à consequente
baixa do valor de suas ações. E haverá sempre quem queira comprá-las.
Gente mais bem informada sobre as condições e perspectivas do mercado
internacional do petróleo.
Paulo Metri, que não é petista e não sei se investe em bolsas, parece bem informado. Escreveu ele,
pouco antes da ação da Moody's, uma das que erraram feio ao avaliar
grandes bancos às vésperas do início da última crise financeira mundial
que nos custou tão caro:
"O
setor do petróleo fornece um farto material para a constatação da
ganância humana. Com a pretensão de trazer alguma explicação para o que
acontece nestes dias com o Brasil, sem existir preocupação alguma da
mídia para explicar, defendo a tese de que ocorreu uma rápida ascensão
do nosso país no ranking daqueles atrativos para o capital
internacional. Até 2006, era um país com abundância de recursos
naturais, território e um razoável mercado consumidor. Mas ele não
possuía petróleo em quantidade suficiente para se tornar grande
exportador. Era fornecedor de minérios e grãos não tão valiosos no
mercado internacional quanto o petróleo. Implícito está que o preço do
barril irá subir brevemente para algum valor, pelo menos, em torno de
US$80.
A
partir dos anos 90, o Brasil perdeu graus de soberania e passou a ser
um exemplar subalterno do capital internacional. Por exemplo, tem uma
lei complacente de remessa de lucros, permite livre trânsito de
capitais, não protege a empresa nacional genuína, tem uma política de
superávit primário e câmbio que tranquiliza os rentistas, permite a
desnacionalização do parque industrial, oferece a subsidiárias
estrangeiras benefícios fiscais e creditícios, tem uma mídia hegemônica
pertencente a este capital, que aliena a sociedade, e possui uma defesa
militar incipiente. Assim, pode-se dizer que, após 1990, a sociedade
brasileira passou a ter uma maior sangria de suas riquezas e seus
esforços para o exterior. Este era o Brasil subalterno, que só tinha 14
bilhões de barris de petróleo, suficientes somente para 17 anos do seu
consumo.
Em
2006, descobre-se o Pré-Sal, que pode conter de 100 a 300 bilhões de
barris de petróleo, dos quais 60 bilhões já foram descobertos – e em
menos de dez anos. Ao mesmo tempo, começou-se a recuperar a proteção à
industria nacional, com a proibição da compra de plataformas de petróleo
no exterior. Também, decidiu-se recompor as Forças Armadas, com o
desenvolvimento de submarinos e caças no país, e, também, novos
equipamentos de defesa para o Exército. Recentemente, decidiu-se
desenvolver um avião militar de transporte de carga. (...)
Com
a descoberta do Pré-Sal, abandona-se o modelo das concessões, que
permitia a quase totalidade do lucro e todo o petróleo irem para o
exterior. Adota-se o modelo do contrato de partilha para esta área, que é
melhor do que a concessão. No contrato de partilha, uma parte adicional
do lucro, acima do royalty, vai para o fundo social e parte do petróleo
vai para o Estado brasileiro. Decidiu-se também escolher a Petrobras
para ser a operadora única do Pré-Sal, o que é importante para maximizar
a compra de bens e serviços no país. No leilão de Libra, foi formado um
consórcio com a participação de duas petrolíferas chinesas, fugindo-se
ao esquema de só participarem empresas ocidentais. No final do ano de
2014, quatro campos do Pré-Sal, que somam cerca de 14 bilhões de barris,
foram entregues diretamente à Petrobras, sem leilão, o que contrariou
as petrolíferas estrangeiras que desejavam vê-los leiloados.
A
partir da descoberta do Pré-Sal, a Quarta Frota da Marinha dos Estados
Unidos é reativada em 2009, o presidente norte-americano Barack Obama
vem ao Brasil em 2011 e seu vice-presidente se transforma em figura
fácil de ser encontrada aqui. Ele se reúne diretamente com a presidente
da Petrobras, o que é muito estranho. (...)
O
tempo passa e chega o momento de nova eleição presidencial no Brasil. O
capital internacional de forma geral e, especificamente, o capital do
setor petrolífero, com grande influência na Casa Branca, quiseram
aproveitar esta eleição para mudar algumas regras de maior soberania,
estabelecidas nos últimos anos, inclusive as do Pré-Sal. Além disso, o
capital internacional quer eleger um mandatário do Brasil mais
subserviente. Assim, explica-se a campanha de muito ódio e enorme
manipulação executada pela mídia deste capital no período eleitoral.
Possivelmente, a NSA e a CIA, utilizando empresas estrangeiras aqui
estabelecidas, devem tê-las incentivado a contribuir com recursos para
eleger os seus candidatos em 2014, formando uma bancada no Congresso
Nacional que é um misto de entreguistas com alienados corruptos, porém,
muito fiéis aos doadores de campanha.
Com
o acontecimento independente da descoberta dos ladrões na Petrobras,
aliás, muito bem-vindo pelos estrategistas do roubo do petróleo
nacional, o terceiro turno da campanha presidencial tomou corpo na
mídia, assim como a tarefa de confundir a população para acreditar que a
Petrobras rouba dinheiro do povo e não são os ladrões ocupantes de
cargos nela que roubam.
Com uma Petrobras fraca, de preferência até privatizada, fica mais fácil levar o petróleo do Pré-Sal. (...)
Enfim,
para o bem ou para o mal, tudo mudou de figura. Morreu o Brasil de só
14 bilhões de barris de petróleo. Ele terá, brevemente, uma reserva de
200 bilhões de barris, que corresponderá a uma das três maiores do mundo
e irá requerer muitas medidas de soberania, se é que a sociedade
brasileira deve usufruir desta riqueza. Assim, agora, na visão do
capital internacional, o Brasil não chega a estar se tornando um país
antagônico, como China, Rússia, Irã e Venezuela, mas está criando regras
e tomando medidas hostis a este capital. Está-se no estágio da busca da
cooptação dos poderes e do controle da população pela mídia do capital.
Contudo,
a população não está, na sua imensa sabedoria, acreditando tanto na
mídia. Se a população não der apoio para o plano do impeachment da
presidente, novas tramas poderão acontecer, como uma “primavera
brasileira para tirar os ladrões da Petrobras do governo”.
Eventualmente, será um golpe de Estado dado pelo Congresso com o apoio
da mídia. O povo precisa não dar apoio à quebra do regime democrático e
não apoiar também governantes que permitam a perda do Pré-Sal."
Eu
fico feliz de fazer parte desse povo, e de não ser tentado a vender
ações da Petrobras, pois não as tenho – e de nenhuma outra empresa.
Ouço,
vejo e leio as notícias sobre a Petrobras com um pé atrás. Bem atrás.
Estou relendo "O Negociador", de Frederick Forsyth, escrito em 1989 e
publicado aqui pela Editora Record.
Forsyth
é um ficcionista que se valeu, neste livro, da crise de petróleo, para
mostrar como políticos corruptos e grandes capitalistas se entendem para
ganhar poder e ficar mais ricos. Um ficcionista que costuma ter um pé
fincado na realidade. Bem mais que boa parte da nossa imprensa.
Um
dos livros mais conhecidos de Forsyth, "Cães de Guerra", publicado em
1974, foi inspirado na ditadura corrupta e sanguinária que domina há
décadas a Guiné Equatorial, rebatizada pelo autor como Zangaro. Na vida
real, é um país africano explorado por um ditador e por petroleiras norte-americanas, chinesas e francesas.
Queremos isso para o Brasil?
(fonte: blog da Kika Castro)
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