Já
faz tempo que prometi à Dri, leitora deste blog, escrever sobre uma
novela que ronda os moradores de Belo Horizonte -- e os turistas que
passam pela cidade -- há vários meses.
Mais especificamente, há 20 meses.
Foi exatamente no dia 4 de julho de 2013
que o jornal "O Tempo" publicou a primeira reportagem sobre a morte de
Alysson Ribeiro de Miranda, de 42 anos, por falência múltipla de órgãos
causada pela febre maculosa. Ele contraiu a doença passeando com a
família por um dos pontos turísticos mais famosos de Belo Horizonte -- o
Parque Ecológico da Pampulha --, onde foi picado por um
carrapato-estrela contaminado com a bactéria da febre maculosa. Esse
carrapato é encontrado aos montes nas capivaras que povoam a orla da
Lagoa da Pampulha. E foi aí que começou a novela.
No dia 28 de junho daquele ano, a Secretaria Municipal de Saúde foi notificada sobre a suspeita. No dia 5 de julho, após a notícia exclusiva sobre a morte de Alysson, a prefeitura disse que lançaria um edital
de licitação para contratar uma empresa para solucionar o avanço das
capivaras na orla da lagoa. A abertura da concorrência iria começar em
um mês e a empresa iria atuar a partir de setembro de 2013, segundo reportagem do dia 9 de julho daquele já longínquo ano.
Não
aconteceu nada disso. Em JANEIRO de 2014 -- ou seja, passados seis
meses da morte de Alysson e três meses do que seria o início do
remanejamento previsto pela Prefeitura de Belo Horizonte -- a gestão de
Marcio Lacerda decidiu contratar uma empresa sem licitação, "para
agilizar" o processo (!!!!). Segundo a reportagem de 24 de janeiro de 2014, a retirada das capivaras começaria em fevereiro daquele ano e levaria só 40 dias.
Guardaram
a data e os novos prazos? Beleza. Acontece que, no meio-tempo, passados
sete meses da primeira morte por febre maculosa, uma outra pessoa morreu
infectada pelo carrapato contaminado presente nas capivaras: o
estudante de engenharia Samir Assi, de apenas 20 anos. Ele contraiu a
doença com uma inocente pedalada na orla da lagoa da Pampulha -- passeio
favorito de centenas de belo-horizontinos que lotam as ciclofaixas nos
fins de semana.
Sem solução por parte da prefeitura, os moradores e frequentadores da Pampulha passaram a andar com medo e mudar seus hábitos.
Apenas no dia 31 de março de 2014
-- ou seja, quando as capivaras já teriam que ter sido remanejadas, se a
prefeitura tivesse cumprido o SEGUNDO prazo fornecido à população, em
janeiro -- uma empresa (Equalis Ambiental)
foi contratada para realizar o serviço. Valor do contrato: R$ 182 mil.
Desta vez, não arriscaram informar prazo para início dos trabalhos.
Até
9 de maio, a empresa contratada continuava mapeando o grupo de animais.
Paralelamente, a prefeitura instalava placas alertando a população para
o risco de carrapatos. "Verifique as roupas e o corpo cuidadosamente a
cada três horas", diziam as placas. Causaram pânico? Nããão, imagina.
Em julho,
o jornal noticiou que as capivaras começaram a invadir jardins de casas
da Pampulha, sem ninguém para retirá-las de lá. Naquele momento, a PBH
aguardava liberação do Ibama para fazer o manejo dos animais. O Ibama
também "brilhou" em agilidade: só liberou o manejo no dia 3 de setembro! A captura das capivaras só começou a ser feita 26 dias depois da liberação pelo Ibama. Até o dia 4 de novembro, das 250 capivaras que vivem no local, 43 tinham sido recolhidas. Menos de um quinto do total (17%). E foi comprovado que estavam mesmo cheias de carrapatos com bactéria da febre maculosa.
Em dezembro, a PBH informou que as capivaras seriam esterilizadas. No dia 26 de janeiro, a notícia era que a esterilização estava ainda "sem data para ocorrer", dependendo de acordo com a UFMG.
Pra piorar, diante dessa morosidade da Prefeitura e do Ibama, um terceiro caso
de febre maculosa foi detectado em janeiro deste ano. Desta vez,
felizmente, não levou à morte. A vítima da vez era um garoto de apenas
15 anos. A resposta da prefeitura foi a distribuição de cartilhas.
No fim de janeiro, a aposta para combater o problema era o uso de um carrapaticida.
De novo, o assunto morreu. Já estamos em março e o remédio ainda não
foi aplicado. Pior: a última notícia que tivemos, no domingo, foi que as
capivaras estão morrendo no cativeiro!
Então
vamos ver se entendi bem: toda a burocracia, envolvendo licitação,
dispensa de licitação, autorização do Ibama e acordo com UFMG era para
garantir que as capivaras fossem preservadas, ficassem bem, mas livres
de carrapatos contaminados. Assim, elas poderiam permanecer em seu
lugarzinho na natureza, mas sem causar doença às pessoas. Seriam
controladas, para não se multiplicarem muito rápido, e tudo seria legal,
joia, ambientalmente correto. Mas o que aconteceu de verdade? Duas
pessoas morreram, uma terceira quase morreu, e, mesmo com toda a lerdeza
para resolver o problema, com a bela intenção de manter as capivaras
vivas e saudáveis, no final das contas, descobrimos que metade delas
também estão mortas!?
Ou
seja, a Prefeitura de Belo Horizonte agiu tão desastradamente nesta
história que, além de não impedir novas mortes de humanos, tampouco
garantiu a sobrevivência dos animais.
Realmente, não precisamos de babás assim,
caro prefeito Marcio Lacerda. É melhor tomarmos nossas próprias
precauções, sem contar com o poder público: trocarmos o principal cartão
postal de Belo Horizonte por outro lugar qualquer. E, claro, avisarmos
aos turistas
que, se forem passear pela lagoa da Pampulha, correm um risco muito
grande, conhecido há 20 meses e ainda não solucionado pelos gestores da
cidade.
(fonte: blog da Kika Castro)
Nenhum comentário:
Postar um comentário