domingo, 8 de março de 2015

A novela das capivaras e o prefeito que não pode ser babá

por Cristina Castro

Já faz tempo que prometi à Dri, leitora deste blog, escrever sobre uma novela que ronda os moradores de Belo Horizonte -- e os turistas que passam pela cidade -- há vários meses.
Mais especificamente, há 20 meses.
Foi exatamente no dia 4 de julho de 2013 que o jornal "O Tempo" publicou a primeira reportagem sobre a morte de Alysson Ribeiro de Miranda, de 42 anos, por falência múltipla de órgãos causada pela febre maculosa. Ele contraiu a doença passeando com a família por um dos pontos turísticos mais famosos de Belo Horizonte -- o Parque Ecológico da Pampulha --, onde foi picado por um carrapato-estrela contaminado com a bactéria da febre maculosa. Esse carrapato é encontrado aos montes nas capivaras que povoam a orla da Lagoa da Pampulha. E foi aí que começou a novela.
No dia 28 de junho daquele ano, a Secretaria Municipal de Saúde foi notificada sobre a suspeita. No dia 5 de julho, após a notícia exclusiva sobre a morte de Alysson, a prefeitura disse que lançaria um edital de licitação para contratar uma empresa para solucionar o avanço das capivaras na orla da lagoa. A abertura da concorrência iria começar em um mês e a empresa iria atuar a partir de setembro de 2013, segundo reportagem do dia 9 de julho daquele já longínquo ano.
Não aconteceu nada disso. Em JANEIRO de 2014 -- ou seja, passados seis meses da morte de Alysson e três meses do que seria o início do remanejamento previsto pela Prefeitura de Belo Horizonte -- a gestão de Marcio Lacerda decidiu contratar uma empresa sem licitação, "para agilizar" o processo (!!!!). Segundo a reportagem de 24 de janeiro de 2014, a retirada das capivaras começaria em fevereiro daquele ano e levaria só 40 dias.
Guardaram a data e os novos prazos? Beleza. Acontece que, no meio-tempo, passados sete meses da primeira morte por febre maculosa, uma outra pessoa morreu infectada pelo carrapato contaminado presente nas capivaras: o estudante de engenharia Samir Assi, de apenas 20 anos. Ele contraiu a doença com uma inocente pedalada na orla da lagoa da Pampulha -- passeio favorito de centenas de belo-horizontinos que lotam as ciclofaixas nos fins de semana.
Sem solução por parte da prefeitura, os moradores e frequentadores da Pampulha passaram a andar com medo e mudar seus hábitos.
Apenas no dia 31 de março de 2014 -- ou seja, quando as capivaras já teriam que ter sido remanejadas, se a prefeitura tivesse cumprido o SEGUNDO prazo fornecido à população, em janeiro -- uma empresa (Equalis Ambiental) foi contratada para realizar o serviço. Valor do contrato: R$ 182 mil. Desta vez, não arriscaram informar prazo para início dos trabalhos.
Até 9 de maio, a empresa contratada continuava mapeando o grupo de animais. Paralelamente, a prefeitura instalava placas alertando a população para o risco de carrapatos. "Verifique as roupas e o corpo cuidadosamente a cada três horas", diziam as placas. Causaram pânico? Nããão, imagina.
Em julho, o jornal noticiou que as capivaras começaram a invadir jardins de casas da Pampulha, sem ninguém para retirá-las de lá. Naquele momento, a PBH aguardava liberação do Ibama para fazer o manejo dos animais. O Ibama também "brilhou" em agilidade: só liberou o manejo no dia 3 de setembro! A captura das capivaras só começou a ser feita 26 dias depois da liberação pelo Ibama. Até o dia 4 de novembro, das 250 capivaras que vivem no local, 43 tinham sido recolhidas. Menos de um quinto do total (17%). E foi comprovado que estavam mesmo cheias de carrapatos com bactéria da febre maculosa.
Em dezembro, a PBH informou que as capivaras seriam esterilizadas. No dia 26 de janeiro, a notícia era que a esterilização estava ainda "sem data para ocorrer", dependendo de acordo com a UFMG.
Pra piorar, diante dessa morosidade da Prefeitura e do Ibama, um terceiro caso de febre maculosa foi detectado em janeiro deste ano. Desta vez, felizmente, não levou à morte. A vítima da vez era um garoto de apenas 15 anos. A resposta da prefeitura foi a distribuição de cartilhas.
No fim de janeiro, a aposta para combater o problema era o uso de um carrapaticida. De novo, o assunto morreu. Já estamos em março e o remédio ainda não foi aplicado. Pior: a última notícia que tivemos, no domingo, foi que as capivaras estão morrendo no cativeiro!
Então vamos ver se entendi bem: toda a burocracia, envolvendo licitação, dispensa de licitação, autorização do Ibama e acordo com UFMG era para garantir que as capivaras fossem preservadas, ficassem bem, mas livres de carrapatos contaminados. Assim, elas poderiam permanecer em seu lugarzinho na natureza, mas sem causar doença às pessoas. Seriam controladas, para não se multiplicarem muito rápido, e tudo seria legal, joia, ambientalmente correto. Mas o que aconteceu de verdade? Duas pessoas morreram, uma terceira quase morreu, e, mesmo com toda a lerdeza para resolver o problema, com a bela intenção de manter as capivaras vivas e saudáveis, no final das contas, descobrimos que metade delas também estão mortas!?
Ou seja, a Prefeitura de Belo Horizonte agiu tão desastradamente nesta história que, além de não impedir novas mortes de humanos, tampouco garantiu a sobrevivência dos animais.
Realmente, não precisamos de babás assim, caro prefeito Marcio Lacerda. É melhor tomarmos nossas próprias precauções, sem contar com o poder público: trocarmos o principal cartão postal de Belo Horizonte por outro lugar qualquer. E, claro, avisarmos aos turistas que, se forem passear pela lagoa da Pampulha, correm um risco muito grande, conhecido há 20 meses e ainda não solucionado pelos gestores da cidade.
(fonte: blog da Kika Castro)

Nenhum comentário:

Postar um comentário