quarta-feira, 29 de abril de 2015

Os "Autos da Devassa" da Inconfidência Mineira na internet

Agência Minas - O site Portal da Inconfidência, versão digitalizada do manuscrito do século XVIII, baseada na edição impressa dos 11 volumes dos Autos da Devassa, publicada na década de 70 e 80 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, já recebeu mais de 120 mil acessos, originados em âmbito nacional e internacional, em menos de uma semana no ar. O processo, originalmente um manuscrito que julgou o movimento libertário da Inconfidência Mineira, pode ser lido e consultado detalhadamente em qualquer parte do mundo. Houve consultas de países como Estados Unidos e Inglaterra, entre outros.

O endereço eletrônico portaldainconfidencia.iof.mg.gov.br, lançado na sexta-feira (17/4), em Tiradentes, abriga um dos mais importantes momentos da história do Brasil e disponibiliza ao público a íntegra dos Autos da Devassa, as fases do processo judicial movido pela Coroa Portuguesa contra os inconfidentes. As acusações de crime de traição e as sentenças dos réus da Conjuração Mineira são descritos em detalhes, incluindo áudios, nos documentos históricos.

De acordo com o idealizador e coordenador do site e diretor-geral da Imprensa Oficial, Eugênio Ferraz, o alto número de acessos reflete tanto os passos da gestão do governador Fernando Pimentel, de seu compromisso com a transparência das informações, quanto no avanço da democratização do acesso aos documentos, que totalizam cerca de 5.500 páginas.

"Conforme determinação do governador, Minas Gerais é de todos, principalmente sua história, e isso foi feito pela Imprensa Oficial ao democratizar as informações dos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira. A iniciativa trouxe, para nossa satisfação, um retorno enorme de visualizações e pesquisas no site, mostrando que a sociedade tem grande interesse em conhecer e reconhecer suas raízes nesta Minas que é o estado da liberdade", enaltece Ferraz.

Para o governador Fernando Pimentel, a Inconfidência Mineira é um retrato fiel do espírito que move Minas Gerais e os mineiros. "O ideal de liberdade e a crença de que um povo pode determinar seu próprio destino estão na raiz de nossa história. É, portanto, nosso dever cuidar para que essa memória jamais se perca no tempo", enfatiza o governador.

Referência para estudiosos

O site passa a ser uma referência para estudiosos, pesquisadores e para a comunidade acadêmica do mundo inteiro. A plataforma permite visualizar e comparar a versão digitalizada, com correções e ajustes, e a original dos volumes publicados pela Imprensa Oficial. O Portal da Inconfidência ainda reúne um vasto acervo de trabalhos científicos, teses de doutorados e dissertações de mestrado, relativos ao tema, além de iconografias de cidades históricas mineiras, bibliografias referentes a livros, revistas e jornais que contenham materiais relacionados.

"A comunidade acadêmica só tem a comemorar a iniciativa de lançamento do site. O conteúdo que ele oferece ficava restrito somente aos pesquisadores e agora vai permitir uma exploração ampla da história mineira, que tem grande importância para o país", comemora o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (Abphe), Angelo Carrara.

"O pensamento de Tiradentes, a reflexão que ele faz acerca da conjuntura na qual viveu e a qualidade das imagens são algo a ser festejado. É possível escutar o Tiradentes falando, isso está lá disponível, o que torna a memória mais viva, facilitando pesquisas e os aprendizados sobre este período histórico", conclui Angelo Carrara. Na UFJF, os departamentos de História de Minas e História do Brasil Colônia também comemoraram o lançamento dos Autos da Devassa e o material será incluso nas fontes de consultas da universidade.

Na Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (Abphe), um dos objetivos é a compilação de material arquivístico sobre a história do Brasil, Neste sentido, os Autos da Devassa serão incluídos em um boletim eletrônico para ampliação da divulgação e acesso aos documentos da Inconfidência Mineira.

Os 11 volumes impressos dos Autos da Devassa, em edições comentadas, estão esgotados, com poucos exemplares distribuídos pelas bibliotecas do país, o que dificultava a consulta. Além disso, os manuscritos originais se encontram na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, tornando a iniciativa do portal ainda mais relevante.

Cerimônia de lançamento

A cerimônia de lançamento ocorreu no Largo do Ó, centro histórico de Tiradentes, e foi conduzida pelo secretário de Estado de Cultura, Ângelo Oswaldo, que representou o governador do Estado Fernando Pimentel. O secretário lembrou que a Devassa da Inconfidência está repleta de história ainda não de todo decifrada e revelada. "É por isso que a digitalização dos Autos constitui uma realização de máxima importância. Viabiliza-se o moderno acesso ao tremendo processo que envolveu os inconfidentes, incentivando-se a investigação historiográfica e o conhecimento da história como matéria viva da nossa consciência cidadã, afirma.
(fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/minas247/178298/Portal-da-Inconfidencia-tem-120-mil-acessos-em-sua-primeira-semana.htm)

terça-feira, 28 de abril de 2015

Alteridade





Antônio de Paiva Moura

         A alteridade é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Alteridade é a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação interpessoal, ou a relação que temos com os outros, com consideração e identificação.  É dialogar com o outro em condição de igualdade, seja ele quem for. Vivemos em um momento de radical volta para si mesmo, exacerbação do ego. O outro passou a ser aos olhos do indivíduo, um estranho. Os segmentos sociais considerados inferiores, como indígenas, moradores de rua e menores abandonados são considerados e tratados como inumanos. 

         No romance “Madame Bovary, de Gustave Flaubert, escrito em 1856, um pacato médico do interior na França, Dr. Bovary se casa com uma ambiciosa mulher. Ema Bovary é ávida de prazer, de glorias e riquezas. Queria que seu marido fosse um médico notável para que ela também se notabilizasse nas altas rodas da sociedade. Havia na vila um pobre garoto que nascera com um pé virado para dentro. Aos doze anos de idade Hippolyte trabalhava em um boticário e levava vida conformado com sua deformação física. Mas Ema inventou que o Br. Bovary poderia operar o pé do garoto para que ele caminhasse normalmente. Tanto fez que o médico acabasse sendo persuadido de que deveria operar Hippolyte. Se desse certo, Ema já imaginava viajar com o marido em conferências pela Europa, pousando ao lado do famoso cirurgião. Sem pelo menos saber que tendões ele iria cortar no pé do garoto, o Dr. Bovary realizou a cirurgia. A operação redundou em um fiasco e o médico teve que amputar a perna do pobre garoto. A partir daí, Ema começou a desistir de viver com o Dr. Bovary. Esse episódio ilustra o fato de muitos cientistas dissimularem seus desejos de glória em nome do humanismo e da alteridade. No século XIX os surdos eram considerados como seres primitivos, semelhantes aos homens das cavernas e por esse motivo, próprios para experimentação científica. Sem anestésico, abriam os ouvidos das cobaias que acabavam falecendo. 

O egoísmo é em si um defeito de alma. Não pode e nem vai melhorar a sociedade e aprimorar a relação entre as pessoas. Só uma sociedade humana em sua raiz é possível acreditar no florescimento real das individualidades. Ou seja, o indivíduo, como todo o seu repertório de possibilidades, só se realiza de fato em companhia. Somos sempre com o outro. Platão, na República, garantia que só na polis o homem pode se realizar. A afirmação de seus dons mais valiosos só está garantida na presença do interesse geral e do bem comum. O médico mineiro Francisco Ferreira (2010) afirma que a verdadeira felicidade é a arte de saber se sentir bem pelo bem que se praticou a alguém, independente da gratidão dessa pessoa. Para Marx, se a sociedade não primar pelo social ela volta à barbárie. A liberdade é uma conclusão coletiva. Não há liberdade solitária. A liberdade, quando exercida coletivamente tem a perspectiva de sua ampliação e alargamento.

         Um dos grandes dilemas do mundo contemporâneo, que parece afetar todos os momentos do nosso dia a dia, é a desvalorização da convivência. Essa consiste em descartar a maioria das pessoas, a transformação do outro em lixo. Nosso tempo, ao afirmar laços cada vez mais exclusivos e resumidos, faz do outro uma ameaça. Num tempo em que a competição alcançou todos os terrenos (do mundo do trabalho às relações afetivas) o outro é um ladrão do meu gozo potencial. Dai resulta a perda da solidariedade. Como o próximo é meu inimigo potencial, é importante neutralizar todos os seus eventuais méritos e vantagens. Outra consequência do estado de guerra na qual Hobbes diz que o homem é o lobo do próprio homem, isto é, a luta de todos contra todos, é a discriminação e o preconceito que passa a perseguir os perdedores. (CUNHA, 2012) O projeto de se tornar uma pessoa excelente foi trocado pelo desejo de se tornar uma pessoa distinta, como Ema queria que fosse o Dr. Bovary.


Referências
CUNHA, João Paulo. Não há liberdade solitária. Estado de Minas / pensar. Belo Horizonte, 8 set. 2012.

FERREIRA, Francisco. Questões intrigantes. Belo Horizonte: Mosaico Editorial, 2010



Eurocentrismo, indiferença e cinismo

No século XX, como no passado, europeus recorreram à mão-de-obra africana. Até que puderam livrar-se dela, fechar de novo Mediterrâneo e assistir passivos à morte de 25 mil pessoas
Por Jorgete Teixeira, na Esquerda.net

Como Pilatos, os países da chamada Europa civilizada lavam as mãos lambuzadas em sangue ao longo dos séculos. Do mesmo modo o fazem os países mais ricos das Américas. Os Estados Unidos esqueceram que a base da sua riqueza está alicerçada em décadas de escravidão. Na recolha de homens, mulheres e crianças, em travessias do Atlântico, amontoados como pedaços de carne, morrendo aos montes nos porões dos barcos. Com os braços desses que escaparam, encheram-se os campos de cultivo de algodão, as cozinhas e “nurseries” das casas coloniais. No corpo de senadores da nação, de médicos célebres, cientistas, artistas de cinema, corre o leite negro das amas africanas. Do mesmo modo aconteceu no velho continente. Portugueses, primeiro, espanhóis, depois, holandeses, franceses, italianos, ingleses, alemães. 

Todos se alimentaram do ventre farto da nossa mãe comum. Até à exaustão caçaram-se animais na cobiça do marfim, desventrou-se a terra em busca do ouro e das pedras preciosas. Em veios abertos, até hoje se investe na exploração mortífera dos diamantes em Angola, nos poços profundos que retiram o ouro negro dos solos em terra ou no mar. Delapidando, derrubando florestas ancestrais, abrindo crateras, abrindo vias largas para transporte de produtos ilícitos, dizimando aldeias, culturas, povos. Ninguém está liberto de culpas. Nem a sacrossanta igreja católica (ou protestante), muito menos ela. Que em nome de Deus torturou, prendeu, obrigou  à renegação de fés tão antigas como o mundo. Que quem não era cristão não tinha alma. Lembram-se?

A Lisboa de agora, assim como outras cidades dos impérios de aquém e além mar engordaram os cofres dos reinos, à custa do ouro e do marfim.

Mulheres e homens retirados à sua terra e às suas famílias povoaram as ilhas sem gente de Cabo Verde, trabalharam nos engenhos de açúcar no Brasil, explorados pelos colonos, como tão bem foi denunciado por Antônio Vieira, no século XVII, ou nos campos de café de São Tomé, acorrentados à terra e aos senhores. Assim fizeram outros países.

Dirão agora que isso é passado. Dirão que os povos já fizeram jus ao seu direito de auto determinação e seguiram os seus caminhos.

Puro engano. A exploração e manipulação dos países africanos estende-se aos séculos XX e XXI. Feita de maneira ínvia, mais sutil e encapotada, porém não menos criminosa, antes pelo contrário. Ao cheiro do ouro negro movem-se interesses, manipulam-se governos, incita-se às brigas tribais. Ingere-se em conflitos e esquece-se genocídios. Ignoram-se as calamidades, a desertificação, a miséria extrema. De forma civilizada, pois.

Abriram-se, no século passado, as fronteiras da Europa aos africanos. Era preciso substituir a mão de obra, já de si barata, dos imigrantes do sul. Era preciso que os salários baixassem ainda mais para alimentar os empresários e os capitalistas, e por osmose os políticos. Até que este filão se revelou insuficiente e as empresas multinacionais optaram por criar as fábricas nos países pobres, com menos custos porque livres das regras europeias. Aí esgotou-se a bondade, fecharam-se as portas. Escorraçaram-se os que até aí tinham contribuído para o desenvolvimento europeu, enquanto ganhavam força as forças da direita racista e nazi.

Neste momento, a África sofre, além de uma fome endêmica em algumas zonas, do terrível flagelo da guerra. Guerras de longe, comandadas pelos senhores da terra e alimentados pelo comércio das armas.
São populações em desespero que se lançam ao mar na tentativa de chegar a Lampedusa, a ilha que os encaminhará para o El Dorado europeu. Porque só um desespero mortal faz com que assim arrisquem a vida, homens, mulheres, crianças. Filhos e pais. Gente. Não extraterrestres, não bichos. Gente. Que sonha, que sofre, que ama. Como nós. Morando numa mesma Casa Mãe, num mesmo Tempo. Debaixo de um céu comum, protegidos pela mesma Carta Universal dos Direitos do Homem.

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=137605)

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Como é verde o Vale!

Um passeio que vale a pena ser feito, um dia inteiro em contato com a natureza, brincando, descendo na tirolesa, vendo aves e animais, passeando em trilhas ecológicas... e para quem gosta, até degustando baratas comestíveis... Vale Verde, em Vianópolis. Excelente pedida! (fotos: RMF)













domingo, 26 de abril de 2015

A legalidade ou um jogo de truco?

por Saul Leblon

Conta-se que em uma revista semanal de conhecida isenção jornalística, repórteres não raro recebem um título pronto e a recomendação expressa: providenciar um texto ‘investigativo’ que o justifique.

O juiz Sergio Moro e a equilibrada equipe responsável pela operação Lava Jato poderiam ter feito estágio na referida redação, com a qual, aliás, mantém laços de simpatia recíproca e de valores compartilhados.

Mesmo que não o tenham feito há sinais preocupantes de comungarem um singular método Paraná de investigação nessa  sua cruzada como  paladinos contra a corrupção, assim incensados com direito a pôster épico na primeira página da Folha de São Paulo.

Armados de uma sentença --como os títulos prévios da mencionada revista--, eles se puseram a campo para compor um lego jurídico em que as peças servem na medida em que se encaixam nos espaços reservados.

Tudo recortado pelas lâminas de um primarismo, cujo fio da meada se resume a um juízo de valor:  a corrupção no Brasil nasceu --e morrerá, se depender da monarquia de Curitiba— junto com o PT.
A última e mais desconcertante  evidencia de que a Nação está ao sabor desse jogo de cartas marcadas  em que a investigação cumpre papel acessório  à sentença, foi  a prisão do tesoureiro do PT , João Vaccari Neto, de sua esposa, Giselda Rousie de Lima, e de sua cunhada, Marice Corrêa de Lima.

Quatro dias após à prisão da cunhada de Vaccari , em 17/04 –antes declarada foragida e assim denegrida pelo jornalismo isento durante as 48 horas em que se encontrava  em um Congresso sindical no Panamá, o juiz Sergio Moro pediu a prorrogação de sua detenção.

Justificando-a, em pomposa declaração à mídia,  praticamente  sentenciou a investigada.

"Embora Marice não tenha sido identificada nominalmente, os vídeos apresentados não deixam qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima", afirmou o juiz Sérgio Moro, no feriado da última terça-feira (Globo.com 21/04/2015 12h22)

O responsável pela Lava Jato respaldou sua esférica assertiva no exame de imagens das câmeras de segurança de um banco, a partir das quais o ‘método Paraná’ de investigações corroborou a manchete preconcebida.

Aquela nacionalmente martelada nas horas seguintes, que  atribuía  à Marice Corrêa de Lima a responsabilidade por depósitos considerados suspeitos na conta da irmã, Giselda (esposa do tesoureiro do PT).

Pronto. Mais uma porta da corrupção petista arrombada pelo ‘método Paraná’.
No pedido de prorrogação, Moro alegou que a medida ‘oportunizará’ novo depoimento de Marice "na qual ela poderá esclarecer ou não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos".

O ‘método Paraná’ de investigações sustentava  que entre 2008 e 2014, a mulher de Vaccari, Giselda Rousie de Lima recebeu cerca de R$ 323 mil em depósitos  da ordem de R$ 10 mil mensais.

As quantias em alguns casos teriam sido depositadas em caixas eletrônicos.

O vídeo alardeado por Moro, de março de 2015, fecharia a peça condenatória contra Marice. Seria ela a mulher que  aparece em uma agência bancária, efetuando um depósito.

“Assim, tudo indica que Giselda recebe uma espécie de “mesada” de fonte ilícita paga pela investigada Marice (em depósitos)  feitos até março de 2015”, diziam os procuradores, segundo o portal Globo.com.

Em depoimento à Polícia Federal, Marice , em vão, afirmou não ter feito nenhum depósito para Giselda em março de 2015.

Sim, em vão, porque o ‘método Paraná’ já tinha seu labirinto decifrado.
“Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva”, defendia o MPF, que ainda pedia a apuração da viagem dela ao Panamá, "pois levanta suspeitas da manutenção de depósitos ocultos no exterior, como por diversas vezes se verificou com outros investigados nesta operação".

O juiz Sérgio Moro foi alpem.

O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa conservadora avaliou como ‘perturbadora a extensão temporal aparente da prática criminosa’ por parte de Marice Corrêa de Lima.

No mesmo despacho em que determinou a prorrogação da prisão temporária, o magistrado menciona que há registros de envolvimento de Marice no escândalo do Mensalão.

Vai por aí o ‘método Paraná’.

Atire primeiro.

Pergunte depois.

O constrangimento do ambiente jurídico é que as fotos e vídeos sobre os quais se baseou o assertivo e pomposo ajuizamento de Moro neste caso  desmentem o  preconcebido de forma clara, serena e ostensiva.
Agora se sabe , da boca do próprio juiz Moro,  que Marice não era a mulher dos  vídeos que, há dois dias, ele dizia ‘não deixarem qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima" (Globo.com 21/04)

A mídia tolamente hipnotizada ou deliberadamente cínica, em boa parte cúmplice do ‘método Paraná’ de sentenciar antes, para investigar depois, olhava para as fotos dos vídeos publicadas em suas próprias página como os bobos da corte da fábula do Rei Nu: elogiava a fina seda do monarca de Curitiba.

E Moro estava despudoramente nu de razão neste caso.

Mas de tal forma confiante no silencio obsequioso da mídia aliada que não hesitava em expor ao ridículo suas palavras, lado a lado das fotos que as contradiziam.

E a mídia nada disse diante do exclamativo estupro das evidências.

Nada disseram os colunistas da indignação seletiva  nas longas, constrangedoras últimas 48 horas em que as fotos circularam como a criança da fábula que gritava ‘ o rei está nu, o rei está nu’.

Foi preciso o próprio rei admiti-lo para  jornalismo genuflexo, de novo, endossa-lo.

As irmãs Giselda (esposa de Vaccari) e Marice (cunhada) são parecidas.

Mas não são iguais.


Da análise pedestre, a olho nu, sem a ajuda dos recursos digitais hoje disponíveis, avultava a diferença entre a cunhada condenada pelo ‘método Paraná’ e a imagem capturada pela PF das câmeras do caixa automático.

Quem fazia o depósito a Giselda nos vídeos era a própria Giselda.

Só Moro não via –ou não podia ver sem ter que descartar mais uma peça teimosa do lego com o qual quer levar o  PT ao inferno, a Petrobras ao fundo do pre-sal, as empreiteiras nacionais a falência e o Brasil ao buraco sem fim. Ou pelo menos tenta-lo  até 2018,  quando então, os bobos da corte que hoje elogiam a seda fina de seu traje invisível   vestiriam outro monarca para catapulta-lo ao trono do Brasil.

Erros acontecem.

Evitá-los é o dever de todos.

Sobretudo, porém, é o dever de um juiz não ceder à sulforosa sofreguidão dos que antepõem aos fatos -e às fotos--  a sua opção política,  temerariamente envelopada em força de lei, como se a investigação legal fosse um jogo de truco cuja principal matéria prima é o blefe contra adversários políticos marcados para morrer.
O caso Marice/Giselda pode não ser um ponto fora da curva na circularidade vertiginosa em que evolui a Lava Jato.

Não se faça juízo prévio dos fatos em investigação neste episódio ou em qualquer outro em questão.

Não só da Lava Jato, mas também da extensão imponderável dos ilícitos  no metrô de SP ou no escândalo de Furnas em que, segundo depoimento público do doleiro  Alberto Youssef –esquecido pela monarquia de Curitiba--  Aécio Neves e a irmã desfrutaram de um comissionamento de longos cinco anos a US$ 100 mil por mês.

Dê-se a todos a isonômica e devida presunção da inocência.

Antes que condenações prévias, a exemplo do caso caricatural das irmãs Marice/Giselda, subordinem o ambiente jurídico brasileiro ao arbítrio de um rei nu e ao elogio da seda fina que o veste por parte dos bobos da corte.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editorial/A-legalidade-ou-um-jogo-de-truco-/33334)

sábado, 25 de abril de 2015

Murar o medo


 de Mia Couto

O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já eram para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos.

Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.

O preço dessa construção de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.

A Guerra-Fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação. Precisamos de intervenção com legitimidade divina. O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.

Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.

Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas como, por exemplo, estas: por que motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Por que motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com armamento militar? Por que razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Por que motivos se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?

Se queremos resolver e não apenas discutir a segurança mundial teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome.  Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. A verdade é que pesa uma condenação antecipada pelo simples fato de serem mulheres. A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo.  Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente. Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global: “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quando não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.” E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.

(fonte: https://praler.wordpress.com/2012/02/19/o-medo/#more-3031)

Dentistas do bem (Não deixe de ler!)


“No próximo dia 28 de abril, data em que se comemora o Dia Mundial do Sorriso, a Oral-B e o programa Dentista do Bem realizarão a terceira edição da maior triagem odontológica do mundo, levando cuidados e atendimento ao sorriso de milhares de jovens de 11 a 17 anos. A ação acontecerá simultaneamente em cerca 300 munícipios do Brasil, e outros 10 países da América Latina e Portugal. A expectativa é que mais de 60 mil jovens sejam triados nesse dia. O objetivo do evento é identificar adolescentes de baixa renda, com idade entre 11 e 17 anos, que necessitam de tratamento odontológico. O processo de triagem é bem simples e rápido: o dentista faz um exame visual não invasivo da condição odontológica de cada jovem e preenche uma ficha com dados sobre a saúde bucal e a condição socioeconômica da família. Os jovens selecionados serão encaminhados para dentistas voluntários, que farão todo o tratamento gratuitamente até que os pacientes completem 18 anos. Em treze anos, mais de 500 mil jovens passaram pelas triagens da TdB, e 50 mil foram encaminhadas para tratamento.”
Em Belo Horizonte esta ação ocorrerá no seguinte endereço:
Pub do Barreiro
Praça Modesto P. Sales Barbosa, 11
Bairro Flavio Marques Lisboa
Horário: Das 09 às 16h
 

Esta matéria vale a pena ser lida!

James Lovelock, pessimista ou realista?

Em sua coluna de abril, Jean Remy Guimarães fala sobre as previsões desse famoso cientista inglês, que acredita ser inevitável um aquecimento global bem maior do que o estimado hoje, com consequências drásticas para a humanidade. 

 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Quem chora pelos mortos no Mediterrâneo?

por Altamiro Borges

Numa das maiores tragédias humanitárias dos últimos tempos, centenas de pessoas faleceram neste sábado (18) num naufrágio no Mediterrâneo. Há quem estime em mais de 700 mortos – entre mulheres, crianças e bebês de colo. O desastre ocorreu na travessia da costa da Líbia para a ilha italiana de Lampedusa. A frágil embarcação não aguentou a superlotação e o pânico tomou conta dos imigrantes. Segundo relato chocante de um dos sobreviventes, “eles morreram como ratos num porão”. Natural de Bangladesh, o jovem de 32 anos foi resgatado entre os 28 sobreviventes até agora confirmados e contou que havia, pelo menos, 200 mulheres e 50 crianças no barco do terror.
Esta não foi a primeira tragédia na região e nem será a última. Autoridades italianas estimam que mais de 2 mil pessoas já faleceram no Mediterrâneo nos primeiros três meses deste ano. Durante todo o ano passado, foram quase 4 mil. Entidades humanitárias garantem que os números desta barbárie estão subestimadas. Inúmeros naufrágios não são “contabilizados” devido à política antimigratória da União Europeia, que reduziu em 70% os “gastos” na fiscalização das embarcações. Os governos europeus, embalados pela onda fascista contrária aos imigrantes, têm priorizado os “investimentos” na repressão e na desumana segregação dos refugiados.

Como aponta Flávio Aguiar, correspondente do site Carta Maior em Berlim, a tragédia deste fim de semana acirrará a polêmica sobre a política migratória. Na semana anterior, outro naufrágio já havia vitimado cerca de 400 pessoas. “No ano passado, quando o número de vítimas foi bem menor, a marinha italiana executava um programa chamado de Mare Nostrum, ao custo de 9 milhões de euros ao mês. Cansado de pedir ajuda, sem recebê-la, aos demais países europeus, o governo cancelou a operação e substituiu por outra, a Triton, ao custo reduzido de 3 milhões de euros. Agora cresce a pressão para que a União Europeia tome para si o assunto. Até o Papa fez um apelo neste sentido”.

Enquanto os governos europeus decidem o que fazer, milhares de imigrantes que fogem da miséria e das guerras – impostas pelas próprias potências capitalistas – continuarão morrendo “como ratos no porão”. Já a mídia privada, que adora fazer sensacionalismo com outras tragédias, seguirá tratando o tema com pouco destaque e fortes doses de preconceito. O caso do jornal britânico “The Sun” é exemplar deste tratamento asqueroso. Uma das principais colunistas do diário, Katie Hopkins, escreveu recentemente que os governos europeus deviam “usar navios armados para mandá-los (os imigrantes) para longe”. Para ela, os imigrantes são “seres humanos selvagens que se espalham como vírus”. Esta visão preconceituosa e racista é muito comum na mídia hegemônica internacional – ela inclusive tem os seus adeptos no Brasil.


(fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/)

O suicídio do jornalismo

Por Sylvia Debossan Moretzsohn

No início dos anos 1990, a internet ainda engatinhava no Brasil mas já começavam os debates sobre o futuro do jornal impresso e do próprio jornalismo diante da nova tecnologia. Em 1993, a Folha de S.Paulo promoveu seu primeiro fórum internacional para tratar desse tema. Um dos convidados, Warren Hoge, então chefe de redação adjunto do New York Times, sintetizou a crítica aos que exaltavam a hipótese de dispensar essa mediação essencial: os jornais, disse, dão ao público “aquilo que ele não sabe que precisa”.

Falava-se, então, em “informação personalizada”, ainda oferecida pelos jornais de sempre – o que hoje chamamos de “mídia tradicional” –, a partir da qual o público seria incentivado a montar seu próprio jornal. Seria uma expressão da liberdade de escolha. Na época, escrevi que esta seria “uma fórmula que expande o velho princípio do ‘direito de saber’: o público não apenas tem esse direito como já sabe o que quer e sabe onde encontrar. A consequência lógica é, por um lado, a segmentação da audiência e a formação de um círculo vicioso que termina por se revelar o contrário da diversidade prometida: a constituição de guetos fechados em torno de seus próprios interesses” (Jornalismo em ‘tempo real’. O fetiche da velocidade, ed. Revan, 2002, p. 170).

Rapidamente a hipótese de o público montar seu próprio jornal por esse método foi substituída pela exaltação do protagonismo desse mesmo público na produção de notícias. Sem qualquer base para argumentação, porque deveria ser evidente que esse público, de modo geral, não tem acesso às fontes que poderiam fornecer informações nem competência ou tempo para apurar o que quer que seja. Porém, com a ajuda de teóricos afamados que surfam a onda do momento e só produzem espuma, mas têm grande audiência inclusive e sobretudo no meio acadêmico, essa ideia libertária do jornalismo-cidadão se disseminou. E ajudou a minar o terreno em que se pratica o jornalismo profissional, dentro ou fora das grandes empresas de mídia.

Jornalismo caça-cliques

Ao mesmo tempo, as grandes empresas, no Brasil e no exterior, não parecem ter clareza do que devem fazer diante do campo aberto pela internet e, em vez de priorizarem o jornalismo, que exige distanciamento e rigor, cedem progressivamente ao imediatismo e à cacofonia das redes. A justificativa corrente é a de que a alteração no hábito de leitura e consumo de notícias provocada ou favorecida pela disseminação da tecnologia digital jogou o jornalismo num ambiente inédito e imprevisto, que retirou das empresas o sustento da publicidade tradicional. O resultado seria a caça ao clique, como forma de contabilizar uma massa de leitores atraente para o mercado publicitário, ainda que seja difícil estabelecer preferências de consumo – e, portanto, definir o “público-alvo” – num meio tão dispersivo e volátil como o virtual.

Ocorre que a caça ao clique é a morte anunciada do jornalismo, porque o que costuma excitar o público é a surpresa, o escândalo, o bizarro, o curioso, o grotesco. Em síntese, o fait-divers, que sempre foi elemento periférico para os jornais de referência.

O caminho da decadência

A gravidade da situação pode ser medida pela pesquisa publicada pela Quartz, site de notícias de negócios ligado à revista The Atlantic, que põe o Brasil na liderança de consumo de notícias no Facebook: dos 80% que dizem frequentar essa mídia, 67% afirmam utilizá-la para consumir notícias. Restaria indagar o que se classifica como “notícia”: há muitos anos, uma pesquisa sobre a audiência de programas radiofônicos populares indicou que boa parte daquele público considerava “notícia” a publicidade de promoções de supermercado, feita pelos animadores durante os programas.
Ao compartilhar o gráfico, a jornalista Lúcia Guimarães comentou:

“Assim como queimamos a etapa da leitura nos anos 60, passamos do vasto analfabetismo para um sistema sofisticado de TV que uniu o país (…), não vamos migrar para plataformas de jornalismo digital abrangente. Jornalismo, não importa se de papel, ou digital, é um pilar da democracia. Vamos passar direto ao desmonte da experiência da informação consequente.
“No momento em que a mídia no Brasil e nos EUA (New York Times a vários outros a bordo) considera ceder grande parte de sua independência à plataforma do Facebook (saem os links, Facebook vira o anfitrião do conteúdo jornalístico, controla o tráfego), as consequências, no caso do Brasil, são especialmente assustadoras. Já temos uma geração pouco educada e não leitora chegando à idade adulta convencida de que se informar é circular por aqui [pelo Facebook]”.

É a mesma geração que se “forma” nas escolas fazendo pesquisa pela internet sem a devida orientação, com resultados previsivelmente catastróficos.

Varal digital

Lúcia recorda que “a informação jornalística, para o Facebook, é apenas um arranjo para compor o cenário de outras plataformas mais lucrativas” e lembra um comentário de Mark Zuckerberg, definidor de seu conceito de notícia: “Um esquilo morrendo no seu jardim deve ser mais relevante para o seu interesse do que pessoas morrendo na África”. “A relevância a que se refere Zuckerberg”, diz Lúcia, “é a decidida pelo seu orwelliano algoritmo. Uma fórmula matemática decide o que é notícia neste varal digital.”
Daí a sua conclusão sobre o fim do jornalismo – não o jornalismo impresso, mas o jornalismo como o conhecemos e valorizamos –, como quem marcha “de olhos vendados na prancha do navio em direção ao mar”. Lúcia conclui:

“Informar não é agradar. Quem sabe, uma nova geração vai imaginar alternativas para esta alienação que já é claramente refletida no debate político brasileiro, contaminado por polarização e desprezo por fatos.
“Mas, a médio prazo, não posso me sentir otimista sobre este dilema no Brasil.
“Os novos destituídos não serão necessariamente os explorados num mercado de trabalho injusto. Serão os que não sabem, não querem saber ou não sabem o que mais há para saber”.

“Não sabem o que mais há para saber” porque estarão num tempo em que não haverá mais jornais para “dar ao público aquilo que ele não sabe que precisa”.

Assim se deformam os cidadãos involuntariamente alienados, como observou Janio de Freitas em sua coluna de domingo (19/4) na Folha de S.Paulo, ao criticar a falta de divulgação de informações relativas às discussões a respeito da reforma política, de óbvio interesse público: “Informação e ação pública andam a reboque. (…) Nem sempre quem cala consente. Depende de estar ou não informado”.

Reinventar o jornalismo?

Pensemos agora no quadro que vivemos atualmente: a onda de demissões nos principais jornais do país, parcialmente resultante da conjuntura econômica brasileira, que leva as empresas a recorrer ao mecanismo de sempre e reduzir custos cortando profissionais, justamente aqueles que poderiam garantir qualidade ao seu “produto”. Nessas horas retornam com força os apelos em torno da “reinvenção” não só do jornalismo mas do próprio jornalista, supostamente não qualificado para atuar nesse novo ambiente que, ao mesmo tempo, ninguém sabe como funciona ou para onde caminha.

Bem a propósito, o estudante de jornalismo Ricardo Faria lembrou de artigo da revista New Yorker de janeiro deste ano, um texto irônico sobre o “rei dos caça-cliques”, um criador de sites desenhados especificamente para viralizarem e lucrarem com cliques de Facebook (ver aqui). “É o retrato do espírito desta web”, comentou, destacando um trecho significativo em que o “empreendedor” explica seu processo de trabalho:

“Se eu fosse responsável por uma empresa de hard news e quisesse informar as pessoas sobre Uganda, em primeiro lugar eu procuraria descobrir exatamente o que está acontecendo por lá. Então buscaria algumas imagens comoventes e histórias que provocam emoção, faria um vídeo – de menos de três minutos – com palavras e estatísticas simples e claras. Frases curtas e declarativas. E, no final, diria às pessoas algo que elas pudessem fazer, algo que as levasse a se sentir esperançosas”.

“Aquela frase de Saramago ressoa na minha cabeça: ‘De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido’”, desabafou o estudante.

Mas trata-se de um estudante crítico. Quantos não verão aí uma saída “criativa” para a crise da profissão?
Não. Mudam as tecnologias, não os fundamentos. O jornalismo não precisa se reinventar: precisa corresponder ao ideal que o justifica e o legitima socialmente. Já se disse inúmeras vezes que o imediatismo e a cacofonia das redes tornam o jornalismo ainda mais necessário para filtrar, em meio à profusão de banalidades, boatos, falsidades e incorreções, o que é informação confiável e relevante. É, além de tudo, uma tarefa que exige compromissos éticos fundamentais, e isto não é retórica vazia: ética diz respeito a princípios e finalidades. Ética pressupõe autonomia e liberdade. Exige, portanto, uma luta permanente, sobretudo quando as empresas escancaram seu desrespeito a esses pressupostos.

Fábrica de produzir infelizes

Mas para fazer jornalismo é preciso contar com profissionais competentes. A recente onda de demissões atingiu muitos dos mais experientes. Alguns saíram a pedido, insatisfeitos com a falta de perspectiva de valorização na empresa. Os baixos salários da maioria e a falta de um plano de carreira são reclamações recorrentes. Entre os jornalistas começa a se difundir o sentimento de que esta é uma profissão para quem tem até 30 anos e não tem filhos, e que as redações são uma fábrica de produzir infelizes: gente mal paga e que não se reconhece no que faz. Considerando que o jornalismo é uma atividade à qual as pessoas se dedicam por prazer, não é difícil calcular o tamanho da frustração.

Reinventar-se e tornar-se empreendedor de si mesmo é o mantra desse mercado que desmantela qualquer perspectiva de estabilidade e joga purpurina sobre a dramática realidade da precarização, da qual as propostas de terceirização, atualmente em discussão e cinicamente vendidas como um benefício aos assalariados, são o exemplo mais acabado.

As mudanças no mundo do trabalho têm levado contingentes inteiros de trabalhadores qualificados a se degradar – perdão, a se “reinventar” –, obrigando-os a abandonar habilidades duramente aprendidas para se transformarem em pau para toda obra. Simplesmente porque é preciso sobreviver, e porque não se vislumbra saída imediata.

A crise que estamos enfrentando, e que não é de hoje, nos impõe uma resposta à altura, e esta resposta não será individual, como sugere a ideia de “reinventar-se”, que ignora a perspectiva coletiva, sem a qual nada muda. Para os jornalistas, em particular, essa resposta não pode dispensar a luta pela recuperação da dignidade e pela exigência do respeito aos princípios que norteiam a profissão.

***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

(fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/o-suicidio-do-jornalismo/)




O CNJ em risco



(Do Estado de São Paulo, via Sindicato dos Servidores do TJMG)
 Membros da magistratura voltaram a tentar esvaziar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A principal resistência contra o órgão, criado pela Emenda Constitucional 45/04 com o objetivo de coordenar o planejamento estratégico do Poder Judiciário e promover o controle disciplinar e correcional de magistrados, está nos Tribunais de Justiça (TJs).

Desembargadores e juízes estaduais são os mais atingidos pelas iniciativas moralizantes do Conselho, que acabou com o nepotismo da corporação, vedou a indicação de parentes de magistrados para cargos de confiança nos tribunais, exigiu o cumprimento do teto salarial estabelecido pela Constituição e proibiu a magistratura de pedir patrocínio para seus eventos a empresas estatais e privadas que são parte em processos judiciais. Desde 2005, quando iniciou suas atividades, o CNJ já aposentou compulsoriamente 43 magistrados. Só em 2013 foram aposentados 12 magistrados e afastados 13 suspeitos de desvio de dinheiro público e venda de sentenças. Medidas que lhe deram credibilidade.

O CNJ é integrado por nove representantes da magistratura, um membro do Ministério Público da União, um membro do Ministério Público Estadual, dois advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada - um indicado pela Câmara e outro, pelo Senado. Apesar de a maioria dos conselheiros vir da magistratura, a corporação alega que o fato de profissionais de fora terem atribuições de correição compromete a independência da Justiça. Também afirma que, ao dispor de poderes concorrentes aos das corregedorias judiciais, o CNJ desrespeita a estrutura federativa do Judiciário. Mas o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a autoridade do CNJ para julgar processos disciplinares contra juízes, independentemente das corregedorias judiciais, que são conhecidas por seu corporativismo.

O desejo da magistratura estadual de esvaziar o CNJ conta com o apoio declarado do presidente do órgão e do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski. Antigo desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, ele reduziu significativamente o número de investigações disciplinares abertas e de juízes punidos, desde que assumiu a presidência do CNJ. No final de 2014, sete conselheiros reclamaram da morosidade dos julgamentos do órgão. A pretexto de modernizar a Lei Orgânica da Magistratura, que foi editada em 1979, Lewandowski preparou um projeto que suprime as atribuições de correição dos conselheiros do CNJ que não são juízes de carreira. Assim, eles não poderiam julgar magistrados em processos por corrupção e desvios de conduta. Magistrados investigados só poderiam ser interrogados por magistrados de instância igual ou superior. Pelo projeto, cuja redação teve a participação de associações de juízes, os presidentes dos TJs também teriam de ser consultados previamente sobre a edição de resoluções do CNJ, o que é absurdo, uma vez que abre espaço para pressões corporativas dos juízes e desembargadores estaduais.

Essas mudanças causaram perplexidade no mundo jurídico e até nos meios forenses. "O CNJ foi criado como um órgão multirrepresentativo. Não é um órgão de juízes", diz Joaquim Falcão, ex-conselheiro e professor da Fundação Getúlio Vargas. "O CNJ está sendo esvaziado e um dos aspectos mais perversos é a criação de um conselho de presidentes de TJs", afirma a ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon. "Há um risco de precarização, desprestígio e vulnerabilidade do CNJ", adverte o jurista Ayres Britto, ex-presidente do STF e do CNJ.

Na última reunião do CNJ, Lewandowski defendeu seu projeto, alegando que ele não impede o órgão de julgar juízes, mas que a hierarquia terá de ser respeitada, a exemplo do que ocorre no Exército. O argumento foi considerado absurdo por alguns de seus colegas de corte e de Conselho. O ministro Gilmar Mendes prometeu não subscrever a proposta. E o conselheiro Guilherme Calmon foi taxativo quando afirmou que as propostas de Lewandowski aniquilam o CNJ.