Agência Minas - O site Portal da Inconfidência,
versão digitalizada do manuscrito do século XVIII, baseada na edição
impressa dos 11 volumes dos Autos da Devassa, publicada na década de 70 e
80 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, já recebeu mais de 120 mil
acessos, originados em âmbito nacional e internacional, em menos de uma
semana no ar. O processo, originalmente um manuscrito que julgou o
movimento libertário da Inconfidência Mineira, pode ser lido e
consultado detalhadamente em qualquer parte do mundo. Houve consultas de
países como Estados Unidos e Inglaterra, entre outros.
O endereço eletrônico portaldainconfidencia.iof.mg.gov.br, lançado na
sexta-feira (17/4), em Tiradentes, abriga um dos mais importantes
momentos da história do Brasil e disponibiliza ao público a íntegra dos
Autos da Devassa, as fases do processo judicial movido pela Coroa
Portuguesa contra os inconfidentes. As acusações de crime de traição e
as sentenças dos réus da Conjuração Mineira são descritos em detalhes,
incluindo áudios, nos documentos históricos.
De acordo com o idealizador e coordenador do site e diretor-geral da
Imprensa Oficial, Eugênio Ferraz, o alto número de acessos reflete tanto
os passos da gestão do governador Fernando Pimentel, de seu compromisso
com a transparência das informações, quanto no avanço da democratização
do acesso aos documentos, que totalizam cerca de 5.500 páginas.
"Conforme determinação do governador, Minas Gerais é de todos,
principalmente sua história, e isso foi feito pela Imprensa Oficial ao
democratizar as informações dos Autos da Devassa da Inconfidência
Mineira. A iniciativa trouxe, para nossa satisfação, um retorno enorme
de visualizações e pesquisas no site, mostrando que a sociedade tem
grande interesse em conhecer e reconhecer suas raízes nesta Minas que é o
estado da liberdade", enaltece Ferraz.
Para o governador Fernando Pimentel, a Inconfidência Mineira é um
retrato fiel do espírito que move Minas Gerais e os mineiros. "O ideal
de liberdade e a crença de que um povo pode determinar seu próprio
destino estão na raiz de nossa história. É, portanto, nosso dever cuidar
para que essa memória jamais se perca no tempo", enfatiza o governador.
Referência para estudiosos
O site passa a ser uma referência para estudiosos, pesquisadores e
para a comunidade acadêmica do mundo inteiro. A plataforma permite
visualizar e comparar a versão digitalizada, com correções e ajustes, e a
original dos volumes publicados pela Imprensa Oficial. O Portal da
Inconfidência ainda reúne um vasto acervo de trabalhos científicos,
teses de doutorados e dissertações de mestrado, relativos ao tema, além
de iconografias de cidades históricas mineiras, bibliografias referentes
a livros, revistas e jornais que contenham materiais relacionados.
"A comunidade acadêmica só tem a comemorar a iniciativa de lançamento
do site. O conteúdo que ele oferece ficava restrito somente aos
pesquisadores e agora vai permitir uma exploração ampla da história
mineira, que tem grande importância para o país", comemora o professor
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e presidente da
Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (Abphe),
Angelo Carrara.
"O pensamento de Tiradentes, a reflexão que ele faz acerca da
conjuntura na qual viveu e a qualidade das imagens são algo a ser
festejado. É possível escutar o Tiradentes falando, isso está lá
disponível, o que torna a memória mais viva, facilitando pesquisas e os
aprendizados sobre este período histórico", conclui Angelo Carrara. Na
UFJF, os departamentos de História de Minas e História do Brasil Colônia
também comemoraram o lançamento dos Autos da Devassa e o material será
incluso nas fontes de consultas da universidade.
Na Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica
(Abphe), um dos objetivos é a compilação de material arquivístico sobre a
história do Brasil, Neste sentido, os Autos da Devassa serão incluídos
em um boletim eletrônico para ampliação da divulgação e acesso aos
documentos da Inconfidência Mineira.
Os 11 volumes impressos dos Autos da Devassa, em edições comentadas,
estão esgotados, com poucos exemplares distribuídos pelas bibliotecas do
país, o que dificultava a consulta. Além disso, os manuscritos
originais se encontram na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro,
tornando a iniciativa do portal ainda mais relevante.
Cerimônia de lançamento
A cerimônia de lançamento ocorreu no Largo do Ó, centro histórico de
Tiradentes, e foi conduzida pelo secretário de Estado de Cultura, Ângelo
Oswaldo, que representou o governador do Estado Fernando Pimentel. O
secretário lembrou que a Devassa da Inconfidência está repleta de
história ainda não de todo decifrada e revelada. "É por isso que a
digitalização dos Autos constitui uma realização de máxima importância.
Viabiliza-se o moderno acesso ao tremendo processo que envolveu os
inconfidentes, incentivando-se a investigação historiográfica e o
conhecimento da história como matéria viva da nossa consciência cidadã,
afirma.
(fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/minas247/178298/Portal-da-Inconfidencia-tem-120-mil-acessos-em-sua-primeira-semana.htm)
quarta-feira, 29 de abril de 2015
terça-feira, 28 de abril de 2015
Alteridade
Antônio de Paiva Moura
A alteridade é a concepção que parte do
pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros
indivíduos. Alteridade é a capacidade de se colocar no lugar do outro na
relação interpessoal, ou a relação que temos com os outros, com consideração e
identificação. É dialogar com o outro em
condição de igualdade, seja ele quem for. Vivemos em um momento de radical
volta para si mesmo, exacerbação do ego. O outro passou a ser aos olhos do
indivíduo, um estranho. Os segmentos sociais considerados inferiores, como
indígenas, moradores de rua e menores abandonados são considerados e tratados
como inumanos.
No romance “Madame Bovary, de Gustave
Flaubert, escrito em 1856, um pacato médico do interior na França, Dr. Bovary
se casa com uma ambiciosa mulher. Ema Bovary é ávida de prazer, de glorias e
riquezas. Queria que seu marido fosse um médico notável para que ela também se
notabilizasse nas altas rodas da sociedade. Havia na vila um pobre garoto que
nascera com um pé virado para dentro. Aos doze anos de idade Hippolyte
trabalhava em um boticário e levava vida conformado com sua deformação física.
Mas Ema inventou que o Br. Bovary poderia operar o pé do garoto para que ele
caminhasse normalmente. Tanto fez que o médico acabasse sendo persuadido de que
deveria operar Hippolyte. Se desse certo, Ema já imaginava viajar com o marido
em conferências pela Europa, pousando ao lado do famoso cirurgião. Sem pelo
menos saber que tendões ele iria cortar no pé do garoto, o Dr. Bovary realizou
a cirurgia. A operação redundou em um fiasco e o médico teve que amputar a
perna do pobre garoto. A partir daí, Ema começou a desistir de viver com o Dr.
Bovary. Esse episódio ilustra o fato de muitos cientistas dissimularem seus
desejos de glória em nome do humanismo e da alteridade. No século XIX os surdos
eram considerados como seres primitivos, semelhantes aos homens das cavernas e
por esse motivo, próprios para experimentação científica. Sem anestésico,
abriam os ouvidos das cobaias que acabavam falecendo.
O egoísmo é em si um defeito de alma. Não pode e nem
vai melhorar a sociedade e aprimorar a relação entre as pessoas. Só uma
sociedade humana em sua raiz é possível acreditar no florescimento real das
individualidades. Ou seja, o indivíduo, como todo o seu repertório de
possibilidades, só se realiza de fato em companhia. Somos sempre com o outro.
Platão, na República, garantia que só
na polis o homem pode se realizar. A afirmação de seus dons mais valiosos só
está garantida na presença do interesse geral e do bem comum. O médico mineiro
Francisco Ferreira (2010) afirma que a verdadeira felicidade é a arte de saber
se sentir bem pelo bem que se praticou a alguém, independente da gratidão dessa
pessoa. Para Marx, se a sociedade não primar pelo social ela volta à barbárie.
A liberdade é uma conclusão coletiva. Não há liberdade solitária. A liberdade,
quando exercida coletivamente tem a perspectiva de sua ampliação e alargamento.
Um dos grandes dilemas do mundo
contemporâneo, que parece afetar todos os momentos do nosso dia a dia, é a
desvalorização da convivência. Essa consiste em descartar a maioria das
pessoas, a transformação do outro em lixo. Nosso tempo, ao afirmar laços cada
vez mais exclusivos e resumidos, faz do outro uma ameaça. Num tempo em que a
competição alcançou todos os terrenos (do mundo do trabalho às relações
afetivas) o outro é um ladrão do meu gozo potencial. Dai resulta a perda da
solidariedade. Como o próximo é meu inimigo potencial, é importante neutralizar
todos os seus eventuais méritos e vantagens. Outra consequência do estado de
guerra na qual Hobbes diz que o homem é o lobo do próprio homem, isto é, a luta
de todos contra todos, é a discriminação e o preconceito que passa a perseguir
os perdedores. (CUNHA, 2012) O projeto de se tornar uma pessoa excelente foi
trocado pelo desejo de se tornar uma pessoa distinta, como Ema queria que fosse
o Dr. Bovary.
Referências
CUNHA,
João Paulo. Não há liberdade solitária.
Estado de Minas / pensar. Belo Horizonte, 8 set. 2012.
FERREIRA, Francisco. Questões intrigantes. Belo Horizonte:
Mosaico Editorial, 2010
Eurocentrismo, indiferença e cinismo
No século XX, como no passado, europeus recorreram à mão-de-obra
africana. Até que puderam livrar-se dela, fechar de novo Mediterrâneo e
assistir passivos à morte de 25 mil pessoas
Por Jorgete Teixeira, na Esquerda.net
Como Pilatos, os países da chamada Europa civilizada lavam as mãos lambuzadas em sangue ao longo dos séculos. Do mesmo modo o fazem os países mais ricos das Américas. Os Estados Unidos esqueceram que a base da sua riqueza está alicerçada em décadas de escravidão. Na recolha de homens, mulheres e crianças, em travessias do Atlântico, amontoados como pedaços de carne, morrendo aos montes nos porões dos barcos. Com os braços desses que escaparam, encheram-se os campos de cultivo de algodão, as cozinhas e “nurseries” das casas coloniais. No corpo de senadores da nação, de médicos célebres, cientistas, artistas de cinema, corre o leite negro das amas africanas. Do mesmo modo aconteceu no velho continente. Portugueses, primeiro, espanhóis, depois, holandeses, franceses, italianos, ingleses, alemães.
Todos se alimentaram do ventre farto da nossa mãe comum. Até à exaustão caçaram-se animais na cobiça do marfim, desventrou-se a terra em busca do ouro e das pedras preciosas. Em veios abertos, até hoje se investe na exploração mortífera dos diamantes em Angola, nos poços profundos que retiram o ouro negro dos solos em terra ou no mar. Delapidando, derrubando florestas ancestrais, abrindo crateras, abrindo vias largas para transporte de produtos ilícitos, dizimando aldeias, culturas, povos. Ninguém está liberto de culpas. Nem a sacrossanta igreja católica (ou protestante), muito menos ela. Que em nome de Deus torturou, prendeu, obrigou à renegação de fés tão antigas como o mundo. Que quem não era cristão não tinha alma. Lembram-se?
A Lisboa de agora, assim como outras cidades dos impérios de aquém e além mar engordaram os cofres dos reinos, à custa do ouro e do marfim.
Mulheres e homens retirados à sua terra e às suas famílias povoaram as ilhas sem gente de Cabo Verde, trabalharam nos engenhos de açúcar no Brasil, explorados pelos colonos, como tão bem foi denunciado por Antônio Vieira, no século XVII, ou nos campos de café de São Tomé, acorrentados à terra e aos senhores. Assim fizeram outros países.
Dirão agora que isso é passado. Dirão que os povos já fizeram jus ao seu direito de auto determinação e seguiram os seus caminhos.
Puro engano. A exploração e manipulação dos países africanos estende-se aos séculos XX e XXI. Feita de maneira ínvia, mais sutil e encapotada, porém não menos criminosa, antes pelo contrário. Ao cheiro do ouro negro movem-se interesses, manipulam-se governos, incita-se às brigas tribais. Ingere-se em conflitos e esquece-se genocídios. Ignoram-se as calamidades, a desertificação, a miséria extrema. De forma civilizada, pois.
Abriram-se, no século passado, as fronteiras da Europa aos africanos. Era preciso substituir a mão de obra, já de si barata, dos imigrantes do sul. Era preciso que os salários baixassem ainda mais para alimentar os empresários e os capitalistas, e por osmose os políticos. Até que este filão se revelou insuficiente e as empresas multinacionais optaram por criar as fábricas nos países pobres, com menos custos porque livres das regras europeias. Aí esgotou-se a bondade, fecharam-se as portas. Escorraçaram-se os que até aí tinham contribuído para o desenvolvimento europeu, enquanto ganhavam força as forças da direita racista e nazi.
Neste momento, a África sofre, além de uma fome endêmica em algumas zonas, do terrível flagelo da guerra. Guerras de longe, comandadas pelos senhores da terra e alimentados pelo comércio das armas.
São populações em desespero que se lançam ao mar na tentativa de chegar a Lampedusa, a ilha que os encaminhará para o El Dorado europeu. Porque só um desespero mortal faz com que assim arrisquem a vida, homens, mulheres, crianças. Filhos e pais. Gente. Não extraterrestres, não bichos. Gente. Que sonha, que sofre, que ama. Como nós. Morando numa mesma Casa Mãe, num mesmo Tempo. Debaixo de um céu comum, protegidos pela mesma Carta Universal dos Direitos do Homem.
(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=137605)
Por Jorgete Teixeira, na Esquerda.net
Como Pilatos, os países da chamada Europa civilizada lavam as mãos lambuzadas em sangue ao longo dos séculos. Do mesmo modo o fazem os países mais ricos das Américas. Os Estados Unidos esqueceram que a base da sua riqueza está alicerçada em décadas de escravidão. Na recolha de homens, mulheres e crianças, em travessias do Atlântico, amontoados como pedaços de carne, morrendo aos montes nos porões dos barcos. Com os braços desses que escaparam, encheram-se os campos de cultivo de algodão, as cozinhas e “nurseries” das casas coloniais. No corpo de senadores da nação, de médicos célebres, cientistas, artistas de cinema, corre o leite negro das amas africanas. Do mesmo modo aconteceu no velho continente. Portugueses, primeiro, espanhóis, depois, holandeses, franceses, italianos, ingleses, alemães.
Todos se alimentaram do ventre farto da nossa mãe comum. Até à exaustão caçaram-se animais na cobiça do marfim, desventrou-se a terra em busca do ouro e das pedras preciosas. Em veios abertos, até hoje se investe na exploração mortífera dos diamantes em Angola, nos poços profundos que retiram o ouro negro dos solos em terra ou no mar. Delapidando, derrubando florestas ancestrais, abrindo crateras, abrindo vias largas para transporte de produtos ilícitos, dizimando aldeias, culturas, povos. Ninguém está liberto de culpas. Nem a sacrossanta igreja católica (ou protestante), muito menos ela. Que em nome de Deus torturou, prendeu, obrigou à renegação de fés tão antigas como o mundo. Que quem não era cristão não tinha alma. Lembram-se?
A Lisboa de agora, assim como outras cidades dos impérios de aquém e além mar engordaram os cofres dos reinos, à custa do ouro e do marfim.
Mulheres e homens retirados à sua terra e às suas famílias povoaram as ilhas sem gente de Cabo Verde, trabalharam nos engenhos de açúcar no Brasil, explorados pelos colonos, como tão bem foi denunciado por Antônio Vieira, no século XVII, ou nos campos de café de São Tomé, acorrentados à terra e aos senhores. Assim fizeram outros países.
Dirão agora que isso é passado. Dirão que os povos já fizeram jus ao seu direito de auto determinação e seguiram os seus caminhos.
Puro engano. A exploração e manipulação dos países africanos estende-se aos séculos XX e XXI. Feita de maneira ínvia, mais sutil e encapotada, porém não menos criminosa, antes pelo contrário. Ao cheiro do ouro negro movem-se interesses, manipulam-se governos, incita-se às brigas tribais. Ingere-se em conflitos e esquece-se genocídios. Ignoram-se as calamidades, a desertificação, a miséria extrema. De forma civilizada, pois.
Abriram-se, no século passado, as fronteiras da Europa aos africanos. Era preciso substituir a mão de obra, já de si barata, dos imigrantes do sul. Era preciso que os salários baixassem ainda mais para alimentar os empresários e os capitalistas, e por osmose os políticos. Até que este filão se revelou insuficiente e as empresas multinacionais optaram por criar as fábricas nos países pobres, com menos custos porque livres das regras europeias. Aí esgotou-se a bondade, fecharam-se as portas. Escorraçaram-se os que até aí tinham contribuído para o desenvolvimento europeu, enquanto ganhavam força as forças da direita racista e nazi.
Neste momento, a África sofre, além de uma fome endêmica em algumas zonas, do terrível flagelo da guerra. Guerras de longe, comandadas pelos senhores da terra e alimentados pelo comércio das armas.
São populações em desespero que se lançam ao mar na tentativa de chegar a Lampedusa, a ilha que os encaminhará para o El Dorado europeu. Porque só um desespero mortal faz com que assim arrisquem a vida, homens, mulheres, crianças. Filhos e pais. Gente. Não extraterrestres, não bichos. Gente. Que sonha, que sofre, que ama. Como nós. Morando numa mesma Casa Mãe, num mesmo Tempo. Debaixo de um céu comum, protegidos pela mesma Carta Universal dos Direitos do Homem.
(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=137605)
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Como é verde o Vale!
Um passeio que vale a pena ser feito, um dia inteiro em contato com a natureza, brincando, descendo na tirolesa, vendo aves e animais, passeando em trilhas ecológicas... e para quem gosta, até degustando baratas comestíveis... Vale Verde, em Vianópolis. Excelente pedida! (fotos: RMF)
domingo, 26 de abril de 2015
A legalidade ou um jogo de truco?
por Saul Leblon
Conta-se que em uma revista semanal de conhecida isenção jornalística, repórteres não raro recebem um título pronto e a recomendação expressa: providenciar um texto ‘investigativo’ que o justifique.
O juiz Sergio Moro e a equilibrada equipe responsável pela operação Lava Jato poderiam ter feito estágio na referida redação, com a qual, aliás, mantém laços de simpatia recíproca e de valores compartilhados.
Mesmo que não o tenham feito há sinais preocupantes de comungarem um singular método Paraná de investigação nessa sua cruzada como paladinos contra a corrupção, assim incensados com direito a pôster épico na primeira página da Folha de São Paulo.
Armados de uma sentença --como os títulos prévios da mencionada revista--, eles se puseram a campo para compor um lego jurídico em que as peças servem na medida em que se encaixam nos espaços reservados.
Tudo recortado pelas lâminas de um primarismo, cujo fio da meada se resume a um juízo de valor: a corrupção no Brasil nasceu --e morrerá, se depender da monarquia de Curitiba— junto com o PT.
A última e mais desconcertante evidencia de que a Nação está ao sabor desse jogo de cartas marcadas em que a investigação cumpre papel acessório à sentença, foi a prisão do tesoureiro do PT , João Vaccari Neto, de sua esposa, Giselda Rousie de Lima, e de sua cunhada, Marice Corrêa de Lima.
Quatro dias após à prisão da cunhada de Vaccari , em 17/04 –antes declarada foragida e assim denegrida pelo jornalismo isento durante as 48 horas em que se encontrava em um Congresso sindical no Panamá, o juiz Sergio Moro pediu a prorrogação de sua detenção.
Justificando-a, em pomposa declaração à mídia, praticamente sentenciou a investigada.
"Embora Marice não tenha sido identificada nominalmente, os vídeos apresentados não deixam qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima", afirmou o juiz Sérgio Moro, no feriado da última terça-feira (Globo.com 21/04/2015 12h22)
O responsável pela Lava Jato respaldou sua esférica assertiva no exame de imagens das câmeras de segurança de um banco, a partir das quais o ‘método Paraná’ de investigações corroborou a manchete preconcebida.
Aquela nacionalmente martelada nas horas seguintes, que atribuía à Marice Corrêa de Lima a responsabilidade por depósitos considerados suspeitos na conta da irmã, Giselda (esposa do tesoureiro do PT).
Pronto. Mais uma porta da corrupção petista arrombada pelo ‘método Paraná’.
No pedido de prorrogação, Moro alegou que a medida ‘oportunizará’ novo depoimento de Marice "na qual ela poderá esclarecer ou não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos".
O ‘método Paraná’ de investigações sustentava que entre 2008 e 2014, a mulher de Vaccari, Giselda Rousie de Lima recebeu cerca de R$ 323 mil em depósitos da ordem de R$ 10 mil mensais.
As quantias em alguns casos teriam sido depositadas em caixas eletrônicos.
O vídeo alardeado por Moro, de março de 2015, fecharia a peça condenatória contra Marice. Seria ela a mulher que aparece em uma agência bancária, efetuando um depósito.
“Assim, tudo indica que Giselda recebe uma espécie de “mesada” de fonte ilícita paga pela investigada Marice (em depósitos) feitos até março de 2015”, diziam os procuradores, segundo o portal Globo.com.
Em depoimento à Polícia Federal, Marice , em vão, afirmou não ter feito nenhum depósito para Giselda em março de 2015.
Sim, em vão, porque o ‘método Paraná’ já tinha seu labirinto decifrado.
“Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva”, defendia o MPF, que ainda pedia a apuração da viagem dela ao Panamá, "pois levanta suspeitas da manutenção de depósitos ocultos no exterior, como por diversas vezes se verificou com outros investigados nesta operação".
O juiz Sérgio Moro foi alpem.
O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa conservadora avaliou como ‘perturbadora a extensão temporal aparente da prática criminosa’ por parte de Marice Corrêa de Lima.
No mesmo despacho em que determinou a prorrogação da prisão temporária, o magistrado menciona que há registros de envolvimento de Marice no escândalo do Mensalão.
Vai por aí o ‘método Paraná’.
Atire primeiro.
Pergunte depois.
O constrangimento do ambiente jurídico é que as fotos e vídeos sobre os quais se baseou o assertivo e pomposo ajuizamento de Moro neste caso desmentem o preconcebido de forma clara, serena e ostensiva.
Agora se sabe , da boca do próprio juiz Moro, que Marice não era a mulher dos vídeos que, há dois dias, ele dizia ‘não deixarem qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima" (Globo.com 21/04)
A mídia tolamente hipnotizada ou deliberadamente cínica, em boa parte cúmplice do ‘método Paraná’ de sentenciar antes, para investigar depois, olhava para as fotos dos vídeos publicadas em suas próprias página como os bobos da corte da fábula do Rei Nu: elogiava a fina seda do monarca de Curitiba.
E Moro estava despudoramente nu de razão neste caso.
Mas de tal forma confiante no silencio obsequioso da mídia aliada que não hesitava em expor ao ridículo suas palavras, lado a lado das fotos que as contradiziam.
E a mídia nada disse diante do exclamativo estupro das evidências.
Nada disseram os colunistas da indignação seletiva nas longas, constrangedoras últimas 48 horas em que as fotos circularam como a criança da fábula que gritava ‘ o rei está nu, o rei está nu’.
Foi preciso o próprio rei admiti-lo para jornalismo genuflexo, de novo, endossa-lo.
As irmãs Giselda (esposa de Vaccari) e Marice (cunhada) são parecidas.
Mas não são iguais.
Da análise pedestre, a olho nu, sem a ajuda dos recursos digitais hoje disponíveis, avultava a diferença entre a cunhada condenada pelo ‘método Paraná’ e a imagem capturada pela PF das câmeras do caixa automático.
Quem fazia o depósito a Giselda nos vídeos era a própria Giselda.
Só Moro não via –ou não podia ver sem ter que descartar mais uma peça teimosa do lego com o qual quer levar o PT ao inferno, a Petrobras ao fundo do pre-sal, as empreiteiras nacionais a falência e o Brasil ao buraco sem fim. Ou pelo menos tenta-lo até 2018, quando então, os bobos da corte que hoje elogiam a seda fina de seu traje invisível vestiriam outro monarca para catapulta-lo ao trono do Brasil.
Erros acontecem.
Evitá-los é o dever de todos.
Sobretudo, porém, é o dever de um juiz não ceder à sulforosa sofreguidão dos que antepõem aos fatos -e às fotos-- a sua opção política, temerariamente envelopada em força de lei, como se a investigação legal fosse um jogo de truco cuja principal matéria prima é o blefe contra adversários políticos marcados para morrer.
O caso Marice/Giselda pode não ser um ponto fora da curva na circularidade vertiginosa em que evolui a Lava Jato.
Não se faça juízo prévio dos fatos em investigação neste episódio ou em qualquer outro em questão.
Não só da Lava Jato, mas também da extensão imponderável dos ilícitos no metrô de SP ou no escândalo de Furnas em que, segundo depoimento público do doleiro Alberto Youssef –esquecido pela monarquia de Curitiba-- Aécio Neves e a irmã desfrutaram de um comissionamento de longos cinco anos a US$ 100 mil por mês.
Dê-se a todos a isonômica e devida presunção da inocência.
Antes que condenações prévias, a exemplo do caso caricatural das irmãs Marice/Giselda, subordinem o ambiente jurídico brasileiro ao arbítrio de um rei nu e ao elogio da seda fina que o veste por parte dos bobos da corte.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editorial/A-legalidade-ou-um-jogo-de-truco-/33334)
Conta-se que em uma revista semanal de conhecida isenção jornalística, repórteres não raro recebem um título pronto e a recomendação expressa: providenciar um texto ‘investigativo’ que o justifique.
O juiz Sergio Moro e a equilibrada equipe responsável pela operação Lava Jato poderiam ter feito estágio na referida redação, com a qual, aliás, mantém laços de simpatia recíproca e de valores compartilhados.
Mesmo que não o tenham feito há sinais preocupantes de comungarem um singular método Paraná de investigação nessa sua cruzada como paladinos contra a corrupção, assim incensados com direito a pôster épico na primeira página da Folha de São Paulo.
Armados de uma sentença --como os títulos prévios da mencionada revista--, eles se puseram a campo para compor um lego jurídico em que as peças servem na medida em que se encaixam nos espaços reservados.
Tudo recortado pelas lâminas de um primarismo, cujo fio da meada se resume a um juízo de valor: a corrupção no Brasil nasceu --e morrerá, se depender da monarquia de Curitiba— junto com o PT.
A última e mais desconcertante evidencia de que a Nação está ao sabor desse jogo de cartas marcadas em que a investigação cumpre papel acessório à sentença, foi a prisão do tesoureiro do PT , João Vaccari Neto, de sua esposa, Giselda Rousie de Lima, e de sua cunhada, Marice Corrêa de Lima.
Quatro dias após à prisão da cunhada de Vaccari , em 17/04 –antes declarada foragida e assim denegrida pelo jornalismo isento durante as 48 horas em que se encontrava em um Congresso sindical no Panamá, o juiz Sergio Moro pediu a prorrogação de sua detenção.
Justificando-a, em pomposa declaração à mídia, praticamente sentenciou a investigada.
"Embora Marice não tenha sido identificada nominalmente, os vídeos apresentados não deixam qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima", afirmou o juiz Sérgio Moro, no feriado da última terça-feira (Globo.com 21/04/2015 12h22)
O responsável pela Lava Jato respaldou sua esférica assertiva no exame de imagens das câmeras de segurança de um banco, a partir das quais o ‘método Paraná’ de investigações corroborou a manchete preconcebida.
Aquela nacionalmente martelada nas horas seguintes, que atribuía à Marice Corrêa de Lima a responsabilidade por depósitos considerados suspeitos na conta da irmã, Giselda (esposa do tesoureiro do PT).
Pronto. Mais uma porta da corrupção petista arrombada pelo ‘método Paraná’.
No pedido de prorrogação, Moro alegou que a medida ‘oportunizará’ novo depoimento de Marice "na qual ela poderá esclarecer ou não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos".
O ‘método Paraná’ de investigações sustentava que entre 2008 e 2014, a mulher de Vaccari, Giselda Rousie de Lima recebeu cerca de R$ 323 mil em depósitos da ordem de R$ 10 mil mensais.
As quantias em alguns casos teriam sido depositadas em caixas eletrônicos.
O vídeo alardeado por Moro, de março de 2015, fecharia a peça condenatória contra Marice. Seria ela a mulher que aparece em uma agência bancária, efetuando um depósito.
“Assim, tudo indica que Giselda recebe uma espécie de “mesada” de fonte ilícita paga pela investigada Marice (em depósitos) feitos até março de 2015”, diziam os procuradores, segundo o portal Globo.com.
Em depoimento à Polícia Federal, Marice , em vão, afirmou não ter feito nenhum depósito para Giselda em março de 2015.
Sim, em vão, porque o ‘método Paraná’ já tinha seu labirinto decifrado.
“Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva”, defendia o MPF, que ainda pedia a apuração da viagem dela ao Panamá, "pois levanta suspeitas da manutenção de depósitos ocultos no exterior, como por diversas vezes se verificou com outros investigados nesta operação".
O juiz Sérgio Moro foi alpem.
O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa conservadora avaliou como ‘perturbadora a extensão temporal aparente da prática criminosa’ por parte de Marice Corrêa de Lima.
No mesmo despacho em que determinou a prorrogação da prisão temporária, o magistrado menciona que há registros de envolvimento de Marice no escândalo do Mensalão.
Vai por aí o ‘método Paraná’.
Atire primeiro.
Pergunte depois.
O constrangimento do ambiente jurídico é que as fotos e vídeos sobre os quais se baseou o assertivo e pomposo ajuizamento de Moro neste caso desmentem o preconcebido de forma clara, serena e ostensiva.
Agora se sabe , da boca do próprio juiz Moro, que Marice não era a mulher dos vídeos que, há dois dias, ele dizia ‘não deixarem qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima" (Globo.com 21/04)
A mídia tolamente hipnotizada ou deliberadamente cínica, em boa parte cúmplice do ‘método Paraná’ de sentenciar antes, para investigar depois, olhava para as fotos dos vídeos publicadas em suas próprias página como os bobos da corte da fábula do Rei Nu: elogiava a fina seda do monarca de Curitiba.
E Moro estava despudoramente nu de razão neste caso.
Mas de tal forma confiante no silencio obsequioso da mídia aliada que não hesitava em expor ao ridículo suas palavras, lado a lado das fotos que as contradiziam.
E a mídia nada disse diante do exclamativo estupro das evidências.
Nada disseram os colunistas da indignação seletiva nas longas, constrangedoras últimas 48 horas em que as fotos circularam como a criança da fábula que gritava ‘ o rei está nu, o rei está nu’.
Foi preciso o próprio rei admiti-lo para jornalismo genuflexo, de novo, endossa-lo.
As irmãs Giselda (esposa de Vaccari) e Marice (cunhada) são parecidas.
Mas não são iguais.
Da análise pedestre, a olho nu, sem a ajuda dos recursos digitais hoje disponíveis, avultava a diferença entre a cunhada condenada pelo ‘método Paraná’ e a imagem capturada pela PF das câmeras do caixa automático.
Quem fazia o depósito a Giselda nos vídeos era a própria Giselda.
Só Moro não via –ou não podia ver sem ter que descartar mais uma peça teimosa do lego com o qual quer levar o PT ao inferno, a Petrobras ao fundo do pre-sal, as empreiteiras nacionais a falência e o Brasil ao buraco sem fim. Ou pelo menos tenta-lo até 2018, quando então, os bobos da corte que hoje elogiam a seda fina de seu traje invisível vestiriam outro monarca para catapulta-lo ao trono do Brasil.
Erros acontecem.
Evitá-los é o dever de todos.
Sobretudo, porém, é o dever de um juiz não ceder à sulforosa sofreguidão dos que antepõem aos fatos -e às fotos-- a sua opção política, temerariamente envelopada em força de lei, como se a investigação legal fosse um jogo de truco cuja principal matéria prima é o blefe contra adversários políticos marcados para morrer.
O caso Marice/Giselda pode não ser um ponto fora da curva na circularidade vertiginosa em que evolui a Lava Jato.
Não se faça juízo prévio dos fatos em investigação neste episódio ou em qualquer outro em questão.
Não só da Lava Jato, mas também da extensão imponderável dos ilícitos no metrô de SP ou no escândalo de Furnas em que, segundo depoimento público do doleiro Alberto Youssef –esquecido pela monarquia de Curitiba-- Aécio Neves e a irmã desfrutaram de um comissionamento de longos cinco anos a US$ 100 mil por mês.
Dê-se a todos a isonômica e devida presunção da inocência.
Antes que condenações prévias, a exemplo do caso caricatural das irmãs Marice/Giselda, subordinem o ambiente jurídico brasileiro ao arbítrio de um rei nu e ao elogio da seda fina que o veste por parte dos bobos da corte.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editorial/A-legalidade-ou-um-jogo-de-truco-/33334)
sábado, 25 de abril de 2015
Murar o medo
de Mia Couto
O medo foi um dos meus primeiros mestres.
Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer
monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já eram para
me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem
sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e
realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os
desconhecidos.
Na realidade, a maior parte da violência
contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por
parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância
reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes
que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de
acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para
além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.
O medo foi, afinal, o mestre que mais me
fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão
roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte
vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me
sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que
coisas más propriamente ditas.
No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional:
os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam
pela independência, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses
fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o
medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos
terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é
um simpático avô que não deixou descendência.
O preço dessa construção de terror foi,
no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o
comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da
segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos
ditadores mais sanguinários de toda a história. A mais grave herança
dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites
africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.
A Guerra-Fria esfriou, mas o maniqueísmo
que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do
medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades
demoníacas não bastam os seculares meios de governação. Precisamos de
intervenção com legitimidade divina. O que era ideologia passou a ser
crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou
a ser estratégia de poder.
Para fabricar armas é preciso fabricar
inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A
manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de
especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que
nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais
polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para
enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços
secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que
o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro
caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e
do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.
Aos adversários políticos e militares,
juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que
se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e
a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie –
em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio,
as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser
invadida e a racionalidade deve ser suspensa.
Todas estas restrições servem para que
não sejam feitas perguntas como, por exemplo, estas: por que motivo a
crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Por que motivo se
gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com
armamento militar? Por que razão os que hoje tentam proteger os civis na
Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel
Kadaffi? Por que motivos se realizam mais seminários sobre segurança do
que sobre justiça?
Se queremos resolver e não apenas
discutir a segurança mundial teremos que enfrentar ameaças bem reais e
urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos
os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra.
Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres
humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração
muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a
maior causa de insegurança do nosso tempo.
Mencionarei ainda outra silenciada
violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima
de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. A verdade é
que pesa uma condenação antecipada pelo simples fato de serem mulheres. A
nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta,
fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares
sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de
discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada
a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que
fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.
É sintomático que a única construção
humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande
Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A
Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente,
morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das
invasões. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram
emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e
pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.
Há muros que separam nações, há muros que
dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que
têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos
todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente. Citarei Eduardo
Galeano acerca disso que é o medo global: “Os que trabalham têm medo
de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar
trabalho. Quando não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm
medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas
têm medo da falta de guerras.” E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.
(fonte: https://praler.wordpress.com/2012/02/19/o-medo/#more-3031)
Dentistas do bem (Não deixe de ler!)
“No
próximo dia 28 de abril, data em que se comemora o Dia Mundial do
Sorriso, a Oral-B e o programa Dentista do Bem realizarão a terceira
edição da maior triagem odontológica do
mundo, levando cuidados e atendimento ao sorriso de milhares de jovens
de 11 a 17 anos. A ação acontecerá simultaneamente em cerca 300
munícipios do Brasil, e outros 10 países da América Latina e Portugal. A
expectativa é que mais de 60 mil jovens sejam triados
nesse dia. O objetivo do evento é identificar adolescentes de baixa
renda, com idade entre 11 e 17 anos, que necessitam de tratamento
odontológico. O processo de triagem é bem simples e rápido: o dentista
faz um exame visual não invasivo da condição odontológica
de cada jovem e preenche uma ficha com dados sobre a saúde bucal e a
condição socioeconômica da família. Os jovens selecionados serão
encaminhados para dentistas voluntários, que farão todo o tratamento
gratuitamente até que os pacientes completem 18 anos.
Em treze anos, mais de 500 mil jovens passaram pelas triagens da TdB, e
50 mil foram encaminhadas para tratamento.”
Em Belo Horizonte esta ação ocorrerá no seguinte endereço:
Pub do Barreiro
Praça Modesto P. Sales Barbosa, 11
Bairro Flavio Marques Lisboa
Horário: Das 09 às 16h
Esta matéria vale a pena ser lida!
James Lovelock, pessimista ou realista?
Em sua coluna de abril, Jean Remy Guimarães fala sobre as
previsões desse famoso cientista inglês, que acredita ser inevitável um
aquecimento global bem maior do que o estimado hoje, com consequências
drásticas para a humanidade.
leia aqui: http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/terra-em-transe/james-lovelock-pessimista-ou-realista
quinta-feira, 23 de abril de 2015
Quem chora pelos mortos no Mediterrâneo?
por Altamiro Borges
Numa das maiores tragédias humanitárias dos últimos tempos, centenas de pessoas faleceram neste sábado (18) num naufrágio no Mediterrâneo. Há quem estime em mais de 700 mortos – entre mulheres, crianças e bebês de colo. O desastre ocorreu na travessia da costa da Líbia para a ilha italiana de Lampedusa. A frágil embarcação não aguentou a superlotação e o pânico tomou conta dos imigrantes. Segundo relato chocante de um dos sobreviventes, “eles morreram como ratos num porão”. Natural de Bangladesh, o jovem de 32 anos foi resgatado entre os 28 sobreviventes até agora confirmados e contou que havia, pelo menos, 200 mulheres e 50 crianças no barco do terror.
Esta não foi a primeira tragédia na região e nem será a última. Autoridades italianas estimam que mais de 2 mil pessoas já faleceram no Mediterrâneo nos primeiros três meses deste ano. Durante todo o ano passado, foram quase 4 mil. Entidades humanitárias garantem que os números desta barbárie estão subestimadas. Inúmeros naufrágios não são “contabilizados” devido à política antimigratória da União Europeia, que reduziu em 70% os “gastos” na fiscalização das embarcações. Os governos europeus, embalados pela onda fascista contrária aos imigrantes, têm priorizado os “investimentos” na repressão e na desumana segregação dos refugiados.
Como aponta Flávio Aguiar, correspondente do site Carta Maior em Berlim, a tragédia deste fim de semana acirrará a polêmica sobre a política migratória. Na semana anterior, outro naufrágio já havia vitimado cerca de 400 pessoas. “No ano passado, quando o número de vítimas foi bem menor, a marinha italiana executava um programa chamado de Mare Nostrum, ao custo de 9 milhões de euros ao mês. Cansado de pedir ajuda, sem recebê-la, aos demais países europeus, o governo cancelou a operação e substituiu por outra, a Triton, ao custo reduzido de 3 milhões de euros. Agora cresce a pressão para que a União Europeia tome para si o assunto. Até o Papa fez um apelo neste sentido”.
Enquanto os governos europeus decidem o que fazer, milhares de imigrantes que fogem da miséria e das guerras – impostas pelas próprias potências capitalistas – continuarão morrendo “como ratos no porão”. Já a mídia privada, que adora fazer sensacionalismo com outras tragédias, seguirá tratando o tema com pouco destaque e fortes doses de preconceito. O caso do jornal britânico “The Sun” é exemplar deste tratamento asqueroso. Uma das principais colunistas do diário, Katie Hopkins, escreveu recentemente que os governos europeus deviam “usar navios armados para mandá-los (os imigrantes) para longe”. Para ela, os imigrantes são “seres humanos selvagens que se espalham como vírus”. Esta visão preconceituosa e racista é muito comum na mídia hegemônica internacional – ela inclusive tem os seus adeptos no Brasil.
(fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/)
Numa das maiores tragédias humanitárias dos últimos tempos, centenas de pessoas faleceram neste sábado (18) num naufrágio no Mediterrâneo. Há quem estime em mais de 700 mortos – entre mulheres, crianças e bebês de colo. O desastre ocorreu na travessia da costa da Líbia para a ilha italiana de Lampedusa. A frágil embarcação não aguentou a superlotação e o pânico tomou conta dos imigrantes. Segundo relato chocante de um dos sobreviventes, “eles morreram como ratos num porão”. Natural de Bangladesh, o jovem de 32 anos foi resgatado entre os 28 sobreviventes até agora confirmados e contou que havia, pelo menos, 200 mulheres e 50 crianças no barco do terror.
Esta não foi a primeira tragédia na região e nem será a última. Autoridades italianas estimam que mais de 2 mil pessoas já faleceram no Mediterrâneo nos primeiros três meses deste ano. Durante todo o ano passado, foram quase 4 mil. Entidades humanitárias garantem que os números desta barbárie estão subestimadas. Inúmeros naufrágios não são “contabilizados” devido à política antimigratória da União Europeia, que reduziu em 70% os “gastos” na fiscalização das embarcações. Os governos europeus, embalados pela onda fascista contrária aos imigrantes, têm priorizado os “investimentos” na repressão e na desumana segregação dos refugiados.
Como aponta Flávio Aguiar, correspondente do site Carta Maior em Berlim, a tragédia deste fim de semana acirrará a polêmica sobre a política migratória. Na semana anterior, outro naufrágio já havia vitimado cerca de 400 pessoas. “No ano passado, quando o número de vítimas foi bem menor, a marinha italiana executava um programa chamado de Mare Nostrum, ao custo de 9 milhões de euros ao mês. Cansado de pedir ajuda, sem recebê-la, aos demais países europeus, o governo cancelou a operação e substituiu por outra, a Triton, ao custo reduzido de 3 milhões de euros. Agora cresce a pressão para que a União Europeia tome para si o assunto. Até o Papa fez um apelo neste sentido”.
Enquanto os governos europeus decidem o que fazer, milhares de imigrantes que fogem da miséria e das guerras – impostas pelas próprias potências capitalistas – continuarão morrendo “como ratos no porão”. Já a mídia privada, que adora fazer sensacionalismo com outras tragédias, seguirá tratando o tema com pouco destaque e fortes doses de preconceito. O caso do jornal britânico “The Sun” é exemplar deste tratamento asqueroso. Uma das principais colunistas do diário, Katie Hopkins, escreveu recentemente que os governos europeus deviam “usar navios armados para mandá-los (os imigrantes) para longe”. Para ela, os imigrantes são “seres humanos selvagens que se espalham como vírus”. Esta visão preconceituosa e racista é muito comum na mídia hegemônica internacional – ela inclusive tem os seus adeptos no Brasil.
(fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/)
O suicídio do jornalismo
Por Sylvia Debossan Moretzsohn
No início dos anos 1990, a internet ainda engatinhava no Brasil mas já começavam os debates sobre o futuro do jornal impresso e do próprio jornalismo diante da nova tecnologia. Em 1993, a Folha de S.Paulo promoveu seu primeiro fórum internacional para tratar desse tema. Um dos convidados, Warren Hoge, então chefe de redação adjunto do New York Times, sintetizou a crítica aos que exaltavam a hipótese de dispensar essa mediação essencial: os jornais, disse, dão ao público “aquilo que ele não sabe que precisa”.
Falava-se, então, em “informação personalizada”, ainda oferecida pelos jornais de sempre – o que hoje chamamos de “mídia tradicional” –, a partir da qual o público seria incentivado a montar seu próprio jornal. Seria uma expressão da liberdade de escolha. Na época, escrevi que esta seria “uma fórmula que expande o velho princípio do ‘direito de saber’: o público não apenas tem esse direito como já sabe o que quer e sabe onde encontrar. A consequência lógica é, por um lado, a segmentação da audiência e a formação de um círculo vicioso que termina por se revelar o contrário da diversidade prometida: a constituição de guetos fechados em torno de seus próprios interesses” (Jornalismo em ‘tempo real’. O fetiche da velocidade, ed. Revan, 2002, p. 170).
Rapidamente a hipótese de o público montar seu próprio jornal por esse método foi substituída pela exaltação do protagonismo desse mesmo público na produção de notícias. Sem qualquer base para argumentação, porque deveria ser evidente que esse público, de modo geral, não tem acesso às fontes que poderiam fornecer informações nem competência ou tempo para apurar o que quer que seja. Porém, com a ajuda de teóricos afamados que surfam a onda do momento e só produzem espuma, mas têm grande audiência inclusive e sobretudo no meio acadêmico, essa ideia libertária do jornalismo-cidadão se disseminou. E ajudou a minar o terreno em que se pratica o jornalismo profissional, dentro ou fora das grandes empresas de mídia.
Jornalismo caça-cliques
Ao mesmo tempo, as grandes empresas, no Brasil e no exterior, não parecem ter clareza do que devem fazer diante do campo aberto pela internet e, em vez de priorizarem o jornalismo, que exige distanciamento e rigor, cedem progressivamente ao imediatismo e à cacofonia das redes. A justificativa corrente é a de que a alteração no hábito de leitura e consumo de notícias provocada ou favorecida pela disseminação da tecnologia digital jogou o jornalismo num ambiente inédito e imprevisto, que retirou das empresas o sustento da publicidade tradicional. O resultado seria a caça ao clique, como forma de contabilizar uma massa de leitores atraente para o mercado publicitário, ainda que seja difícil estabelecer preferências de consumo – e, portanto, definir o “público-alvo” – num meio tão dispersivo e volátil como o virtual.
Ocorre que a caça ao clique é a morte anunciada do jornalismo, porque o que costuma excitar o público é a surpresa, o escândalo, o bizarro, o curioso, o grotesco. Em síntese, o fait-divers, que sempre foi elemento periférico para os jornais de referência.
O caminho da decadência
A gravidade da situação pode ser medida pela pesquisa publicada pela Quartz, site de notícias de negócios ligado à revista The Atlantic, que põe o Brasil na liderança de consumo de notícias no Facebook: dos 80% que dizem frequentar essa mídia, 67% afirmam utilizá-la para consumir notícias. Restaria indagar o que se classifica como “notícia”: há muitos anos, uma pesquisa sobre a audiência de programas radiofônicos populares indicou que boa parte daquele público considerava “notícia” a publicidade de promoções de supermercado, feita pelos animadores durante os programas.
Ao compartilhar o gráfico, a jornalista Lúcia Guimarães comentou:
É a mesma geração que se “forma” nas escolas fazendo pesquisa pela
internet sem a devida orientação, com resultados previsivelmente
catastróficos.
Varal digital
Lúcia recorda que “a informação jornalística, para o Facebook, é apenas um arranjo para compor o cenário de outras plataformas mais lucrativas” e lembra um comentário de Mark Zuckerberg, definidor de seu conceito de notícia: “Um esquilo morrendo no seu jardim deve ser mais relevante para o seu interesse do que pessoas morrendo na África”. “A relevância a que se refere Zuckerberg”, diz Lúcia, “é a decidida pelo seu orwelliano algoritmo. Uma fórmula matemática decide o que é notícia neste varal digital.”
Daí a sua conclusão sobre o fim do jornalismo – não o jornalismo impresso, mas o jornalismo como o conhecemos e valorizamos –, como quem marcha “de olhos vendados na prancha do navio em direção ao mar”. Lúcia conclui:
“Não sabem o que mais há para saber” porque estarão num tempo em que
não haverá mais jornais para “dar ao público aquilo que ele não sabe que
precisa”.
Assim se deformam os cidadãos involuntariamente alienados, como observou Janio de Freitas em sua coluna de domingo (19/4) na Folha de S.Paulo, ao criticar a falta de divulgação de informações relativas às discussões a respeito da reforma política, de óbvio interesse público: “Informação e ação pública andam a reboque. (…) Nem sempre quem cala consente. Depende de estar ou não informado”.
Reinventar o jornalismo?
Pensemos agora no quadro que vivemos atualmente: a onda de demissões nos principais jornais do país, parcialmente resultante da conjuntura econômica brasileira, que leva as empresas a recorrer ao mecanismo de sempre e reduzir custos cortando profissionais, justamente aqueles que poderiam garantir qualidade ao seu “produto”. Nessas horas retornam com força os apelos em torno da “reinvenção” não só do jornalismo mas do próprio jornalista, supostamente não qualificado para atuar nesse novo ambiente que, ao mesmo tempo, ninguém sabe como funciona ou para onde caminha.
Bem a propósito, o estudante de jornalismo Ricardo Faria lembrou de artigo da revista New Yorker de janeiro deste ano, um texto irônico sobre o “rei dos caça-cliques”, um criador de sites desenhados especificamente para viralizarem e lucrarem com cliques de Facebook (ver aqui). “É o retrato do espírito desta web”, comentou, destacando um trecho significativo em que o “empreendedor” explica seu processo de trabalho:
“Aquela frase de Saramago ressoa na minha cabeça: ‘De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido’”, desabafou o estudante.
Mas trata-se de um estudante crítico. Quantos não verão aí uma saída “criativa” para a crise da profissão?
Não. Mudam as tecnologias, não os fundamentos. O jornalismo não precisa se reinventar: precisa corresponder ao ideal que o justifica e o legitima socialmente. Já se disse inúmeras vezes que o imediatismo e a cacofonia das redes tornam o jornalismo ainda mais necessário para filtrar, em meio à profusão de banalidades, boatos, falsidades e incorreções, o que é informação confiável e relevante. É, além de tudo, uma tarefa que exige compromissos éticos fundamentais, e isto não é retórica vazia: ética diz respeito a princípios e finalidades. Ética pressupõe autonomia e liberdade. Exige, portanto, uma luta permanente, sobretudo quando as empresas escancaram seu desrespeito a esses pressupostos.
Fábrica de produzir infelizes
Mas para fazer jornalismo é preciso contar com profissionais competentes. A recente onda de demissões atingiu muitos dos mais experientes. Alguns saíram a pedido, insatisfeitos com a falta de perspectiva de valorização na empresa. Os baixos salários da maioria e a falta de um plano de carreira são reclamações recorrentes. Entre os jornalistas começa a se difundir o sentimento de que esta é uma profissão para quem tem até 30 anos e não tem filhos, e que as redações são uma fábrica de produzir infelizes: gente mal paga e que não se reconhece no que faz. Considerando que o jornalismo é uma atividade à qual as pessoas se dedicam por prazer, não é difícil calcular o tamanho da frustração.
Reinventar-se e tornar-se empreendedor de si mesmo é o mantra desse mercado que desmantela qualquer perspectiva de estabilidade e joga purpurina sobre a dramática realidade da precarização, da qual as propostas de terceirização, atualmente em discussão e cinicamente vendidas como um benefício aos assalariados, são o exemplo mais acabado.
As mudanças no mundo do trabalho têm levado contingentes inteiros de trabalhadores qualificados a se degradar – perdão, a se “reinventar” –, obrigando-os a abandonar habilidades duramente aprendidas para se transformarem em pau para toda obra. Simplesmente porque é preciso sobreviver, e porque não se vislumbra saída imediata.
A crise que estamos enfrentando, e que não é de hoje, nos impõe uma resposta à altura, e esta resposta não será individual, como sugere a ideia de “reinventar-se”, que ignora a perspectiva coletiva, sem a qual nada muda. Para os jornalistas, em particular, essa resposta não pode dispensar a luta pela recuperação da dignidade e pela exigência do respeito aos princípios que norteiam a profissão.
***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)
(fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/o-suicidio-do-jornalismo/)
No início dos anos 1990, a internet ainda engatinhava no Brasil mas já começavam os debates sobre o futuro do jornal impresso e do próprio jornalismo diante da nova tecnologia. Em 1993, a Folha de S.Paulo promoveu seu primeiro fórum internacional para tratar desse tema. Um dos convidados, Warren Hoge, então chefe de redação adjunto do New York Times, sintetizou a crítica aos que exaltavam a hipótese de dispensar essa mediação essencial: os jornais, disse, dão ao público “aquilo que ele não sabe que precisa”.
Falava-se, então, em “informação personalizada”, ainda oferecida pelos jornais de sempre – o que hoje chamamos de “mídia tradicional” –, a partir da qual o público seria incentivado a montar seu próprio jornal. Seria uma expressão da liberdade de escolha. Na época, escrevi que esta seria “uma fórmula que expande o velho princípio do ‘direito de saber’: o público não apenas tem esse direito como já sabe o que quer e sabe onde encontrar. A consequência lógica é, por um lado, a segmentação da audiência e a formação de um círculo vicioso que termina por se revelar o contrário da diversidade prometida: a constituição de guetos fechados em torno de seus próprios interesses” (Jornalismo em ‘tempo real’. O fetiche da velocidade, ed. Revan, 2002, p. 170).
Rapidamente a hipótese de o público montar seu próprio jornal por esse método foi substituída pela exaltação do protagonismo desse mesmo público na produção de notícias. Sem qualquer base para argumentação, porque deveria ser evidente que esse público, de modo geral, não tem acesso às fontes que poderiam fornecer informações nem competência ou tempo para apurar o que quer que seja. Porém, com a ajuda de teóricos afamados que surfam a onda do momento e só produzem espuma, mas têm grande audiência inclusive e sobretudo no meio acadêmico, essa ideia libertária do jornalismo-cidadão se disseminou. E ajudou a minar o terreno em que se pratica o jornalismo profissional, dentro ou fora das grandes empresas de mídia.
Jornalismo caça-cliques
Ao mesmo tempo, as grandes empresas, no Brasil e no exterior, não parecem ter clareza do que devem fazer diante do campo aberto pela internet e, em vez de priorizarem o jornalismo, que exige distanciamento e rigor, cedem progressivamente ao imediatismo e à cacofonia das redes. A justificativa corrente é a de que a alteração no hábito de leitura e consumo de notícias provocada ou favorecida pela disseminação da tecnologia digital jogou o jornalismo num ambiente inédito e imprevisto, que retirou das empresas o sustento da publicidade tradicional. O resultado seria a caça ao clique, como forma de contabilizar uma massa de leitores atraente para o mercado publicitário, ainda que seja difícil estabelecer preferências de consumo – e, portanto, definir o “público-alvo” – num meio tão dispersivo e volátil como o virtual.
Ocorre que a caça ao clique é a morte anunciada do jornalismo, porque o que costuma excitar o público é a surpresa, o escândalo, o bizarro, o curioso, o grotesco. Em síntese, o fait-divers, que sempre foi elemento periférico para os jornais de referência.
O caminho da decadência
A gravidade da situação pode ser medida pela pesquisa publicada pela Quartz, site de notícias de negócios ligado à revista The Atlantic, que põe o Brasil na liderança de consumo de notícias no Facebook: dos 80% que dizem frequentar essa mídia, 67% afirmam utilizá-la para consumir notícias. Restaria indagar o que se classifica como “notícia”: há muitos anos, uma pesquisa sobre a audiência de programas radiofônicos populares indicou que boa parte daquele público considerava “notícia” a publicidade de promoções de supermercado, feita pelos animadores durante os programas.
Ao compartilhar o gráfico, a jornalista Lúcia Guimarães comentou:
“Assim como queimamos a etapa da leitura
nos anos 60, passamos do vasto analfabetismo para um sistema sofisticado
de TV que uniu o país (…), não vamos migrar para plataformas de
jornalismo digital abrangente. Jornalismo, não importa se de papel, ou
digital, é um pilar da democracia. Vamos passar direto ao desmonte da
experiência da informação consequente.
“No momento em que a mídia no Brasil e nos EUA (New York Times
a vários outros a bordo) considera ceder grande parte de sua
independência à plataforma do Facebook (saem os links, Facebook vira o
anfitrião do conteúdo jornalístico, controla o tráfego), as
consequências, no caso do Brasil, são especialmente assustadoras. Já
temos uma geração pouco educada e não leitora chegando à idade adulta
convencida de que se informar é circular por aqui [pelo Facebook]”.
Varal digital
Lúcia recorda que “a informação jornalística, para o Facebook, é apenas um arranjo para compor o cenário de outras plataformas mais lucrativas” e lembra um comentário de Mark Zuckerberg, definidor de seu conceito de notícia: “Um esquilo morrendo no seu jardim deve ser mais relevante para o seu interesse do que pessoas morrendo na África”. “A relevância a que se refere Zuckerberg”, diz Lúcia, “é a decidida pelo seu orwelliano algoritmo. Uma fórmula matemática decide o que é notícia neste varal digital.”
Daí a sua conclusão sobre o fim do jornalismo – não o jornalismo impresso, mas o jornalismo como o conhecemos e valorizamos –, como quem marcha “de olhos vendados na prancha do navio em direção ao mar”. Lúcia conclui:
“Informar não é agradar. Quem sabe, uma
nova geração vai imaginar alternativas para esta alienação que já é
claramente refletida no debate político brasileiro, contaminado por
polarização e desprezo por fatos.
“Mas, a médio prazo, não posso me sentir otimista sobre este dilema no Brasil.
“Os novos destituídos não serão
necessariamente os explorados num mercado de trabalho injusto. Serão os
que não sabem, não querem saber ou não sabem o que mais há para saber”.
Assim se deformam os cidadãos involuntariamente alienados, como observou Janio de Freitas em sua coluna de domingo (19/4) na Folha de S.Paulo, ao criticar a falta de divulgação de informações relativas às discussões a respeito da reforma política, de óbvio interesse público: “Informação e ação pública andam a reboque. (…) Nem sempre quem cala consente. Depende de estar ou não informado”.
Reinventar o jornalismo?
Pensemos agora no quadro que vivemos atualmente: a onda de demissões nos principais jornais do país, parcialmente resultante da conjuntura econômica brasileira, que leva as empresas a recorrer ao mecanismo de sempre e reduzir custos cortando profissionais, justamente aqueles que poderiam garantir qualidade ao seu “produto”. Nessas horas retornam com força os apelos em torno da “reinvenção” não só do jornalismo mas do próprio jornalista, supostamente não qualificado para atuar nesse novo ambiente que, ao mesmo tempo, ninguém sabe como funciona ou para onde caminha.
Bem a propósito, o estudante de jornalismo Ricardo Faria lembrou de artigo da revista New Yorker de janeiro deste ano, um texto irônico sobre o “rei dos caça-cliques”, um criador de sites desenhados especificamente para viralizarem e lucrarem com cliques de Facebook (ver aqui). “É o retrato do espírito desta web”, comentou, destacando um trecho significativo em que o “empreendedor” explica seu processo de trabalho:
“Se eu fosse responsável por uma empresa de hard news
e quisesse informar as pessoas sobre Uganda, em primeiro lugar eu
procuraria descobrir exatamente o que está acontecendo por lá. Então
buscaria algumas imagens comoventes e histórias que provocam emoção,
faria um vídeo – de menos de três minutos – com palavras e estatísticas
simples e claras. Frases curtas e declarativas. E, no final, diria às
pessoas algo que elas pudessem fazer, algo que as levasse a se sentir
esperançosas”.
Mas trata-se de um estudante crítico. Quantos não verão aí uma saída “criativa” para a crise da profissão?
Não. Mudam as tecnologias, não os fundamentos. O jornalismo não precisa se reinventar: precisa corresponder ao ideal que o justifica e o legitima socialmente. Já se disse inúmeras vezes que o imediatismo e a cacofonia das redes tornam o jornalismo ainda mais necessário para filtrar, em meio à profusão de banalidades, boatos, falsidades e incorreções, o que é informação confiável e relevante. É, além de tudo, uma tarefa que exige compromissos éticos fundamentais, e isto não é retórica vazia: ética diz respeito a princípios e finalidades. Ética pressupõe autonomia e liberdade. Exige, portanto, uma luta permanente, sobretudo quando as empresas escancaram seu desrespeito a esses pressupostos.
Fábrica de produzir infelizes
Mas para fazer jornalismo é preciso contar com profissionais competentes. A recente onda de demissões atingiu muitos dos mais experientes. Alguns saíram a pedido, insatisfeitos com a falta de perspectiva de valorização na empresa. Os baixos salários da maioria e a falta de um plano de carreira são reclamações recorrentes. Entre os jornalistas começa a se difundir o sentimento de que esta é uma profissão para quem tem até 30 anos e não tem filhos, e que as redações são uma fábrica de produzir infelizes: gente mal paga e que não se reconhece no que faz. Considerando que o jornalismo é uma atividade à qual as pessoas se dedicam por prazer, não é difícil calcular o tamanho da frustração.
Reinventar-se e tornar-se empreendedor de si mesmo é o mantra desse mercado que desmantela qualquer perspectiva de estabilidade e joga purpurina sobre a dramática realidade da precarização, da qual as propostas de terceirização, atualmente em discussão e cinicamente vendidas como um benefício aos assalariados, são o exemplo mais acabado.
As mudanças no mundo do trabalho têm levado contingentes inteiros de trabalhadores qualificados a se degradar – perdão, a se “reinventar” –, obrigando-os a abandonar habilidades duramente aprendidas para se transformarem em pau para toda obra. Simplesmente porque é preciso sobreviver, e porque não se vislumbra saída imediata.
A crise que estamos enfrentando, e que não é de hoje, nos impõe uma resposta à altura, e esta resposta não será individual, como sugere a ideia de “reinventar-se”, que ignora a perspectiva coletiva, sem a qual nada muda. Para os jornalistas, em particular, essa resposta não pode dispensar a luta pela recuperação da dignidade e pela exigência do respeito aos princípios que norteiam a profissão.
***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)
(fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/o-suicidio-do-jornalismo/)
O CNJ em risco
(Do Estado de São Paulo, via Sindicato dos Servidores do TJMG) | ||
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