Para jurista, “a proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo brasileiro”
Fórum – Na sua interpretação, portanto, o artigo 228 é uma cláusula pétrea?
02/04/2015
por Anna Beatriz Anjos, da Revista Fórum
A
inconstitucionalidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18
para 16 anos, foi o maior debate travado durante o processo de
aprovação da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJC) da Câmara dos Deputados, na última terça-feira (31).
Enquanto
os parlamentares contrários à PEC argumentam que o artigo 228 da
Constituição, que estabelece a inimputabilidade penal de menores de 18
anos, é cláusula pétrea, deputados favoráveis à medida tentam rebater
essa ideia.
Na
avaliação do jurista Dalmo Dallari, um dos mais respeitados do país, a
proposta fere os princípios constitucionais. “Não há nenhuma dúvida de
que [a inimputabilidade penal de menores de 18 anos] é um direito
fundamental, expressamente consagrado na Constituição, e pronto. Então,
dentro dessa perspectiva, [o artigo 228] é cláusula pétrea”, interpreta.
O
professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
explica porque não apoia a matéria, que agora tramitará em comissão
especial. “A proposta, além de não ser constitucionalmente aceitável, é
socialmente prejudicial para o povo brasileiro, porque vai forçar
meninos de 16 anos a ficarem à mercê de criminosos já amadurecidos”,
pontua.
Confia a seguir a íntegra da entrevista com Dallari sobre a questão.
Fórum – A
inimputabilidade penal dos menores de 18 anos pode ser considerada um
“direito e garantia individual”, como define o artigo 60 (parágrafo 4º,
inciso IV) da Constituição Federal?
Dalmo Dallari – Sem
dúvida alguma. É uma garantia das pessoas que têm essa idade, é um
direito fundamental do menor de 18 anos, que é impresso na Constituição.
Dallari – Uma
coisa importante que é preciso levar em conta é que o mesmo dispositivo
constitucional que assegura esse direito fundamental prevê a hipótese, a
possibilidade, de uma regulamentação especial para pessoas dessa idade.
Elas não ficam totalmente livres de qualquer espécie de regulamentação.
Não há nenhuma dúvida de que é um direito fundamental, expressamente
consagrado na Constituição, e pronto. Então, dentro dessa perspectiva, é
cláusula pétrea. Isso faz parte da essência da Constituição.
Fórum – Nesse sentido, o senhor considera, então, que a PEC 171/93 é inconstitucional?
Dallari – Ao
meu ver, ela é inconstitucional, porque afeta uma cláusula pétrea, uma
norma constitucional, que proclama e garante direitos fundamentais da
pessoa humana. Isso não pode ser objeto de uma simples mudança por
emenda constitucional.
Fórum – Os
deputados contrários à aprovação da PEC 171/93 já anunciaram que
entrarão com um mandado de segurança no STF para travar a etapa final da
tramitação na Câmara. O senhor dará um parecer para a medida? Acha que
isso é o mais sensato a se fazer?
Dallari – Não
fui procurado. Possivelmente, farão isso com base em coisas que já
publiquei, em entrevistas, conhecendo a minha posição que é
essencialmente jurídica – esse é um aspecto que faço sempre questão de
acentuar. Não tenho nenhuma vinculação, e nunca tive, a nenhum dos
partidos políticos existentes no Brasil. Faço isso exatamente para
preservar a minha independência como jurista. O meu enfoque é
essencialmente, exclusivamente jurídico, e desse ponto de vista tenho
defendido o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,
consagrados na Constituição. Um dos direitos é esse de não ser
penalizado se não tiver idade superior a 18 anos.
Fórum – Por
que, na avaliação do senhor, a redução da maioridade penal não é a
solução para o problema da criminalidade no Brasil? Quais as
consequências que pode acarretar, caso aprovada?
Dallari – Acho
que está havendo uma certa exploração de um sentimento popular,
exploração que até certo ponto é lamentável, porque estão se valendo de
um sentimento de insegurança de grande parte da população para adotar ou
propor uma providência que essencialmente é maléfica para todo o povo,
para a sociedade. E é maléfica por um ponto, por um aspecto que é
fundamental: o menor de 18 anos condenado criminalmente será obrigado a
conviver em um presídio superlotado com criminosos tradicionais,
organizados, poderosos. Fatalmente, esse menino de 16 anos acabará sendo
coagido a integrar uma quadrilha. Por isso, a proposta, além de não ser
constitucionalmente aceitável, é socialmente prejudicial para o povo
brasileiro, porque vai forçar meninos de 16 anos a ficarem à mercê de
criminosos já amadurecidos.
Fórum – Na
avaliação do senhor, então, essa definitivamente não é a melhor
alternativa para sanar as questões de segurança publica do país…
Dallari – Não,
de maneira alguma. Além de não ser uma solução, é um prejuízo. Porque
fatalmente esses menores acabarão sendo envolvidos, coagidos, para
integrarem uma quadrilha. Em lugar da possibilidade de integração, de
recuperação social que está prevista na legislação para o menor que tem
desvio de conduta, haverá quase que uma entrega desses menores a grupos
criminosos.
Eu
estive na França, tenho atividades lá, dou aulas. Precisamente neste
momento, está sendo preparada na França uma medida que visa à integração
social dos menores de 18 anos. O que se está prevendo – e achei muito
bom, pretendo divulgar no Brasil – é que se estabeleça um programa de
atividade social para os menores. E eles, sob orientação de professores,
conselheiros, participem da realização de trabalhos de natureza social.
É uma forma de integração social dos menores dando a eles a consciência
de seus direitos e também de suas responsabilidades de cidadão. Acho
que isso sim deveria ser pensado no Brasil: a adoção de medidas que
façam com que o menores participem ativamente da busca de soluções para
banalização e injustiça social. Aí sim eles estarão plenamente
integrados com muito menor risco de se degenerarem e irem para a
criminalidade.
Já
tenho até um pequeno livro em que falo sobre a instrução à cidadania, em
que aconselho que desde o curso primário seja criada uma disciplina que
poderia se chamar “Preparação para a Cidadania” ou “Educação para a
Cidadania”, dando às crianças a consciência de sua responsabilidade
social. Acho que é esse o caminho.
Fórum – Além
da PEC 171/93, há outros projetos em tramitação que pretendem reduzir a
maioridade penal. O senhor considera que há um surto de punitivismo no
Congresso Nacional?
Dallari – Acho
que existe no Congresso Nacional uma parte de parlamentares que não tem
exatamente o melhor preparo, que tem uma visão distorcida das relações
sociais, do equilíbrio social, da manutenção de normas de convivência.
Infelizmente, são parlamentares que só acreditam na disciplina através
da imposição, da coação. Não pensam na hipótese da disciplina social
através da educação, da preparação para a cidadania. Realmente é um
despreparo de uma parte dos parlamentares.
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