No século XX, como no passado, europeus recorreram à mão-de-obra
africana. Até que puderam livrar-se dela, fechar de novo Mediterrâneo e
assistir passivos à morte de 25 mil pessoas
Por Jorgete Teixeira, na Esquerda.net
Como Pilatos, os países da chamada Europa civilizada lavam as mãos
lambuzadas em sangue ao longo dos séculos. Do mesmo modo o fazem os
países mais ricos das Américas. Os Estados Unidos esqueceram que a base
da sua riqueza está alicerçada em décadas de escravidão. Na recolha de
homens, mulheres e crianças, em travessias do Atlântico, amontoados como
pedaços de carne, morrendo aos montes nos porões dos barcos. Com os
braços desses que escaparam, encheram-se os campos de cultivo de
algodão, as cozinhas e “nurseries” das casas coloniais. No corpo de
senadores da nação, de médicos célebres, cientistas, artistas de cinema,
corre o leite negro das amas africanas. Do mesmo modo aconteceu no
velho continente. Portugueses, primeiro, espanhóis, depois, holandeses,
franceses, italianos, ingleses, alemães.
Todos se alimentaram do ventre
farto da nossa mãe comum. Até à exaustão caçaram-se animais na cobiça do
marfim, desventrou-se a terra em busca do ouro e das pedras preciosas.
Em veios abertos, até hoje se investe na exploração mortífera dos
diamantes em Angola, nos poços profundos que retiram o ouro negro dos
solos em terra ou no mar. Delapidando, derrubando florestas ancestrais,
abrindo crateras, abrindo vias largas para transporte de produtos
ilícitos, dizimando aldeias, culturas, povos. Ninguém está liberto de
culpas. Nem a sacrossanta igreja católica (ou protestante), muito menos
ela. Que em nome de Deus torturou, prendeu, obrigou à renegação de fés
tão antigas como o mundo. Que quem não era cristão não tinha alma.
Lembram-se?
A Lisboa de agora, assim como outras cidades dos impérios de aquém e
além mar engordaram os cofres dos reinos, à custa do ouro e do marfim.
Mulheres e homens retirados à sua terra e às suas famílias povoaram
as ilhas sem gente de Cabo Verde, trabalharam nos engenhos de açúcar no
Brasil, explorados pelos colonos, como tão bem foi denunciado por
Antônio Vieira, no século XVII, ou nos campos de café de São Tomé,
acorrentados à terra e aos senhores. Assim fizeram outros países.
Dirão agora que isso é passado. Dirão que os povos já fizeram jus ao
seu direito de auto determinação e seguiram os seus caminhos.
Puro engano. A exploração e manipulação dos países africanos
estende-se aos séculos XX e XXI. Feita de maneira ínvia, mais sutil e
encapotada, porém não menos criminosa, antes pelo contrário. Ao cheiro
do ouro negro movem-se interesses, manipulam-se governos, incita-se às
brigas tribais. Ingere-se em conflitos e esquece-se genocídios.
Ignoram-se as calamidades, a desertificação, a miséria extrema. De forma
civilizada, pois.
Abriram-se, no século passado, as fronteiras da Europa aos africanos.
Era preciso substituir a mão de obra, já de si barata, dos imigrantes
do sul. Era preciso que os salários baixassem ainda mais para alimentar
os empresários e os capitalistas, e por osmose os políticos. Até que
este filão se revelou insuficiente e as empresas multinacionais optaram
por criar as fábricas nos países pobres, com menos custos porque livres
das regras europeias. Aí esgotou-se a bondade, fecharam-se as portas.
Escorraçaram-se os que até aí tinham contribuído para o desenvolvimento
europeu, enquanto ganhavam força as forças da direita racista e nazi.
Neste momento, a África sofre, além de uma fome endêmica em algumas
zonas, do terrível flagelo da guerra. Guerras de longe, comandadas pelos
senhores da terra e alimentados pelo comércio das armas.
São populações em desespero que se lançam ao mar na tentativa de
chegar a Lampedusa, a ilha que os encaminhará para o El Dorado europeu.
Porque só um desespero mortal faz com que assim arrisquem a vida,
homens, mulheres, crianças. Filhos e pais. Gente. Não extraterrestres,
não bichos. Gente. Que sonha, que sofre, que ama. Como nós. Morando numa
mesma Casa Mãe, num mesmo Tempo. Debaixo de um céu comum, protegidos
pela mesma Carta Universal dos Direitos do Homem.
(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=137605)
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