sábado, 30 de maio de 2015

Ricardo Teixeira censura livro sobre CPI da CBF-Nike há 13 anos

Editora Casa Amarela é processada há 13 anos por Ricardo Teixeira por livro sobre ligações entre CBF e Nike
Por Redação

O escândalo de corrupção entre os altos dirigentes da Federação Internacional de Futebol (Fifa), entre eles a prisão do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, trouxe à luz, na terça-feira (27), um processo internacional de lavagem de dinheiro, desvio de divisas e formação de quadrilha realizada por uma máfia de cartolas. No entanto, a corrupção que inunda as sedes de confederações e federações nacionais e internacionais do esporte mais popular do planeta nos pelo menos últimos 24 anos não é nenhuma novidade. Desde o acordo com a ditadura militar, que colocou João Havelange à frente da Fifa, houve tantas denúncias quanto censuras em relação às relações promíscuas entre os cartolas e as empresas que patrocinam os times e vendem seus produtos em campeonatos.
Censura
livroCaso emblemático do silenciamento sofrido por aqueles que ousaram investigar o esporte nacional é a censura que sofreu a Editora Casa Amarela, na época responsável pela publicação da Revista Caros Amigos, além de livros e fascículos. Em 2001, a editora produziu o livro intitulado CBF-Nike, que antes mesmo de começar a ser vendido foi proibido de circular, após um processo aberto pelo então presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Além de vetada a venda do livro, também foi aberto contra a editora e os autores, Aldo Rebelo e Silvio Torres, um processo pedindo indenizações por danos morais de um livro que nem sequer chegou a ser distribuído.

O livro trata de um caso que começou após a Copa do Mundo na França em 98, marcada pela derrota do Brasil em plena final para a França, quando houve um grande debate em relação ao suposto caso de influência da Nike, que tinha contrato de publicidade com diversos jogadores da seleção, além de patrocinar o time. Na época, o que se dizia, era que a empresa estadunidense havia influenciado na escalação e escolhido inclusive aqueles que seriam titulares absolutos do time.
O debate em torno do tema cresceu ao ponto da Câmara dos Deputados instaurar, em 17 de outubro de 2000, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tinha como objetivo "apurar a regularidade do contrato celebrado entre a CBF e a Nike”, sob a presidência de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e secretaria geral de Silvio Torres (PSDB-SP). Como muitos previam, a CPI foi ocupada majoritariamente por deputados da bancada da bola, deputados da esfera de influência de  Ricardo Teixeira. Após meses de apuração e levantamento de provas para o caso, a bancada não deu quórum para a votação final do relatório, que nunca chegou a ser aprovado.
Ricardo Teixeira
A partir do material que era publicado diariamente na imprensa e as informações veiculadas pela própria CPI, a Editora Casa Amarela resolveu editar o livro CBF-Nike. Os autores do livro foram os então deputados Aldo Rebelo e Sílvio Torres, que tinham todas as informações e conhecimentos sobre o caso. Logo após o lançamento do livro em São Paulo, antes que ele começasse a ser vendido, a editora recebeu uma carta precatória da Justiça do Rio de Janeiro em que uma liminar a pedido de Ricardo Teixeira proibia a distribuição do livro e, ao mesmo tempo, abria uma ação indenizatória por danos morais contra os autores e a editora.
O processo, que está registrado sob o número 2002.001.028004-5 na 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro, sempre tramitou no Rio de Janeiro, onde diversos jornalistas que denunciaram a Rede Globo, como Luis Carlos Azenha, Rodrigo Vianna e Paulo Henrique Amorim, foram condenados a pagar indenizações por danos morais. A editora, sediada em São Paulo, teve como primeira ação requisitar a transferência de foro de julgamento do processo do Rio de Janeiro para São Paulo, mas o pedido nunca foi aceito pela Justiça.
Condenação
Após idas e vindas no processo do livro, a editora foi condenada no TJ carioca a continuar seguindo sem distribuir o livro. Em relação ao processo por danos morais (de um livro que ninguém pôde ler), a editora e os autores chegaram a ser condenados a pagar 500 mil reais a Ricardo Teixeira, decisão que foi revertida após a comprovação de erros no encaminhamento do processo, que continua.
O livro, que há 13 anos relatava o que o FBI está acusando agora, também continua proibido.

(recebido por email da Editora Casa Amarela)

“Os EUA não fazem isso pelo bem do futebol”, diz professor americano


“Eu estou chocado, você não está?”, diz John Shulman ao atender a reportagem do UOL. Ele tem uma opinião diferente sobre o envolvimento dos Estados Unidos no escândalo da FIFA. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, especialista em mediação de negociações, cofundador do Centro para a Negociação e a Justiça dos EUA, e formado em direito pela Universidade de Harvard, ele acredita que a intervenção “não teve cunho legal, mas geopolítico”.
“Com essa ação, os EUA enviam dois recados. Para o mundo, o de que o nosso sistema legal pode te pegar se você estiver fazendo algo errado. Internamente, mostramos que tomamos a iniciativa de resolver a corrupção dos outros”, diz o professor.

E John entende tanto de geopolítica quanto de futebol. Seu currículo de mediador inclui diversos trabalhos ao redor do mundo, incluindo no Oriente Médio, na Índia e em Ruanda. Sobre o “soccer”, uma curiosidade: o hoje professor já jogou profissionalmente na Índia, onde, segundo ele, foi o primeiro jogador ocidental por aquelas bandas.

“Os Estados Unidos nunca deram a menor bola para o futebol. De repente, pela primeira vez na história, o The New York Times vem com a primeira página inteira falando do assunto. Aí eu me pergunto: por quê?”, questiona John. Para o professor, há vários pontos obscuros no envolvimento americano. “A logística de uma operação internacional deste porte simplesmente não vale a pena. Até porque não há um número de vítimas nos EUA que justifiquem tamanha mobilização”, argumenta ele. “Há empresas nos EUA muito mais corruptas do que a FIFA, pode ter certeza”, crava o especialista.

“Para mim, trata-se claramente do seguinte: são os EUA mobilizando seu aparato legal interno em prol de questões geopolíticas. No caso, para colocar pressão na Rússia (sede da Copa de 2018), com quem o país tem tido problemas recentemente, e no Qatar (sede da Copa de 2022), onde também existem questões geopolíticas”.

John cita ainda a chance para os EUA desestruturarem uma organização que, corrupta ou não, tem tentáculos de poder que fogem ao seu alcance. “A ONU está presente em vários países, mas os EUA têm poder sobre ela. Isso não acontece com a FIFA, o que causa uma ruptura da hegemonia americana.”

(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/os-eua-nao-fazem-isso-pelo-bem-do-futebol-diz-professor-americano/)

A religiosidade política e o culto popular a Baco na Grécia antiga

CARLOS RUSSO JR.*
 
Na antiga civilização grega a religiosidade para ser compreendida necessita de que esqueçamos conceitos como “fé” e “crença” do modo como são entendidos nos nossos dias.
Era uma religião grega que não tinha um livro, uma bíblia, ou uma Igreja. O sacerdócio era o apanágio de algumas famílias antigas, que gradualmente se transformaram em magistraturas, as quais, como outras funções cívicas, possuíam delegados eleitos pelo voto em assembleias realizadas na Ágora.
Deste modo, jamais existiu a figura do corpo sacerdotal permanente, do profissional, do mesmo modo como não havia uma teologia, nem dogmas e muito menos credos.
Nesse sentido, o “crer” do grego é inseparável do conjunto das relações sociais e das práticas sociais. Ou seja, entre o sagrado e o profano não existia uma oposição radical ou um corte rígido.
Vernant¹ coloca a questão dessa crença dentro dos três elementos que constituem um sistema religioso:
Os rituais: “crer é cumprir certo número comum de atividades durante o dia ou durante o ano, com festas que são fixadas rotineiramente pelo calendário”¹. Funcionam do mesmo modo como atos da vida cotidiana.
Existem determinadas regras que englobam esses comportamentos e que também possuem um caráter religioso. Por exemplo, o sacrifício de animais é a um só tempo uma cerimônia religiosa, com seu ritual “preconizado pelos deuses” para que os homens se alimentem e os homenageiem e, ao mesmo tempo, uma cerimônia social que reúne os cidadãos e que aumenta a “phylia”, a amizade, entre os mesmos.
As figuras dos deuses, as imagens e os ídolos: os ídolos ou ícones constituem as primeiras figurações e normalmente pertencem aos “guenos”, às famílias. Gradualmente, a cidade como que “sequestra” esses ídolos “familiares” e os transforma em públicos.
O mito: como a crença no sagrado não se esteia em livros, ela é contada por meio de narrativas, que somente adquirem uma forma canônica no século VI a.C., a partir de Homero, Hesíodo e dos poetas como Píndaro. As crianças e os jovens, no processo que os gregos denominavam “paideia”, iriam estudar esses versos narrativos e decorá-los.
Cremos que não havia um único grego que pensasse que as coisas realmente haviam acontecido como os poetas as descreveram, mas isso não quer de forma alguma dizer que eles as considerassem como falsas. Acontece que a crença religiosa dos gregos não era dogmática e o politeísmo era flexível o suficiente para adequar-se a versões múltiplas.
Desse modo, a religião grega pode claramente ser definida como “uma religião política”. E isso significa que o religioso, por ser sociopolítico, é muito mais uma forma de vida social e coletiva que uma forma de experiência pessoal e de relação pessoal com a divindade. Para os gregos, o amor que vai do homem aos deuses é um amor exclusivamente utilitarista, pois amamos o que necessitamos ou o que nos privaram, sem nenhum tipo de contrapartida esperada dos deuses para com os homens.
Os deuses, que se situam no nosso mundo, não o criaram, mas foram criados pelo mesmo processo cosmogônico que deu origem ao universo e aos homens. Logo, eles somente são superiores aos homens por sua imortalidade, não envelhecerem e com isso deixarem de ser belos e saudáveis. Finalmente, por seu poder em relação aos “efêmeros” mortais.
De tal modo que a religiosidade cívica dos gregos jamais fechou sua religião a novas divindades. Eles estão sempre dispostos a aceitarem, desde que disso tirem proveito, os deuses estrangeiros.
Isto porque os gregos antigos jamais incorporaram a visão de que sua crença representasse uma verdade absoluta, que precisasse conquistar novos povos para “a verdade”. Ou seja, exercitavam a tolerância entre as diferentes crenças e valores. “Existe nisso um relativismo intrínseco, utilitário e complacente: os gregos estão convencidos de que para eles as “coisas são assim”, e entendem perfeitamente que para outros povos possam ser diferentes” ¹.
A harmonização do consciente e do inconsciente- O culto a Dionísio é a ruptura do é “dando que se recebe”.
Dionísio é uma dessas divindades de origem asiática, que foi astuta e resolutamente apropriada pelos gregos e terminou por incorporar-se à sua “religiosidade cívica”. A abrangência de seu culto progride ao mesmo tempo em que a aristocracia é derrotada pelas tiranias e essas, substituídas pela democracia.
Dionísio era o deus que aproximava o homem da natureza e liberava os instintos, mesmo os mais obscuros. Aqui é o culto do “deus máscara”, com um forte significado de ruptura radical com os deuses mais antigos, quer os de Homero, quer os de Hesíodo ou de Píndaro.
Em seu culto, contrariamente aos olímpicos, esse deus não se contenta com momentos de piedade que para com ele tenham os homens, pois diferentemente de todos os outros, a Dionísio não bastam orações e sacrifícios, pois na sua relação com os homens não há o “dar e receber”, não há moeda de troca, que era a tônica de toda a religiosidade vista até agora².
Dionísio é o deus que somente se satisfaz com o total arrebatamento, sua satisfação somente se esgota no abranger de todo o ser humano; ele permite o êxtase, a ultrapassagem das medidas, sendo capaz de conduzir os mortais desde o mais profundo horror ao mais alto patamar da realização da alma.
O deus-máscara, não incidentalmente, metamorfoseia-se em um humano e age como tal, de uma maneira diferente que os deuses homéricos, dado que Dionísio assume-se como um homem divinizado ou um deus humanizado. Por isto Dionísio possui a habilidade de arrastar o ser humano à felicidade e ao autoconhecimento supremo, assim como à loucura e à destruição.
Portanto, nas festas dionísicas, mais conhecidas como bacanais, seu culto leva o homem a assumir-se enquanto instinto, enquanto natureza viva. “O deus inventor do vinho- esta graça dada aos homens é a seiva íntima da própria natureza”².
Nietzsche assinala: “sob a magia do dionísico torna a selar-se não somente o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada, inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com seu filho perdido, o homem”.
O culto a Dionísio e as bacanais foram se estendendo por toda a Grécia, não sem gerar reações dos aristocratas, dos reis e governantes, que resistiam às orgias populares.
“As Bacantes”, uma das derradeiras tragédias de Eurípedes, retrata a resistência da aristocracia – representada pelo rei Penteu- ao novo. Não por acaso as bacantes eram mulheres, matronas e donzelas, a se libertarem momentaneamente de um mundo patriarcal pelo “entusiasmo” propiciado pelo vinho, em rituais de danças em contato íntimo e direto com a natureza. O culto a Dionísio rompe com o poder aristocrático e é agente transformador social, incorporando mulheres, servos e clientes³.
O dionisismo, desse modo, foi componente importante da própria democracia no âmbito cívico-religioso. E é justo, nessa altura, acentuarmos o correto contraponto que a “sophrosine” ou o equilíbrio grego o submetia. Pois enquanto muitos povos tiveram apenas e tão somente seus libertadores do espírito e dos instintos, mesmo dos mais violentos e libertinos, que possibilitavam a mistura incontida de volúpia e crueldade, para os gregos, no mesmo patamar de importância de Dionísio, erguia-se a figura monumental e sóbria de Apolo.
Voltando-se a Nietzsche, era “o sonho se opondo à embriaguez”. O sonho de um mundo dirigido pela verdade, pelo “logos” da sabedoria, pela beleza fulgurante do sol, gerador da beleza do mundo onírico, formatado pela consciência.  Foi o deus délfico Apolo quem “restringiu-se a retirar de seu poderoso oponente, Dionísio, as armas destruidoras, mediante uma reconciliação concluída no seu devido tempo”².
Enquanto o carro que conduz Dionísio está coberto de flores e grinalda, puxado que é pela pantera e pelo tigre, trazendo ao homem a liberdade, permitindo-lhe que “viva” e libere seus instintos e seu inconsciente, que busque seu “extasis”, caminha lado a lado outro carro, aquele do deus Apolo, rodeado por suas Musas a dançar e a cantar ao ritmo ditado por uma cítera. Apolo, o próprio portador da harmonia, da beleza onírica, da verdade, do poder do “logos”, com a coroa de louros premonitória, doada por Dafne.
E é fruto desta união, do conflito e da harmonização entre Dionísio e Apolo, entre o consciente e o inconsciente, da natureza e da consciência humana, que nasceu o melhor da arte grega e, quiçá, da arte de todos os tempos³.
 Referências:
  1. VERNANT, Jean-Pierre, VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. São Paulo, Editora Perspectiva, 1999.
  2. NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
  3. LESKY, Albin. A Tragédia Grega. São Paulo, Editora Perspectiva, 2003.
* CARLOS RUSSO JR. é escritor, ensaísta e professor, dedica-se ao ensino de Literatura e Mitologia, com militância política na esfera dos Direitos Humanos. Blog: www.proust.net.br
 (fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2015/05/27/a-religiosidade-politica-e-o-culto-popular-a-baco-na-grecia-antiga/)




quinta-feira, 28 de maio de 2015

Polêmica: “Nunca fomos cordiais”


Violência para nós, brasileiros, é um valor — e se confunde com nossa percepção do que é “ser homem”. É triste que Manuel Castells tenha de nos dizer isso.

Por Wedencley Alves*
(Texto-resposta ao querido Theotonio de Paiva)

Hoje, mais cedo, um querido amigo me chamou a atenção para uma matéria da Folha, onde Manuel Castells afirma que não é a internet que nos faz violentos. Mas o próprio país, que tem um histórico longo de violências. Ele tem razão, mas não precisava, comentei, um estrangeiro nos dizer isso.

Violência para nós é um valor: desde as, aparentemente, ingênuas malhações de judas (e quem malhávamos, quer dizer, espancávamos “simbolicamente”? Os vizinhos, aqueles de quem não gostávamos, os maridos “traídos”, as mulheres que, supostamente, “não inspiravam respeito”, o gay, o devedor, o comerciante antipático etc.).

Somos violentos porque desde cedo o garoto é ensinado a não voltar pra casa “chorando”, para não apanhar “duas vezes”. Nossa violência se confunde com nossa percepção do que é “ser homem”. Sim, porque as mulheres brasileiras não são mais violentas — fisicamente, embora do ponto de vista “verbal”, tenho lá minhas desconfianças — do que qualquer outra mulher no mundo, mas os homens, sim, em relação aos outros.

Temos violência de classe (pobres se matam muito, e as elites e classes médias “mandam” matar: o que são os assassinatos policiais, senão o efeito da carta branca que damos a “eles” para matar em nosso nome, em defesa do nosso patrimônio?). Temos violência de raça (socialmente falando), temos violência de gênero.

Somos violentos nas discussões políticas, futebolísticas. Não confiamos na justiça, confiamos na vingança e, particularmente, mesmo a justiça, quando ganha os holofotes, quer reafirmar a violência como valor; ou, quando longe dos holofotes, recorre a arbitrariedades impensáveis contra os mais frágeis (ou inimigos políticos “a mando”).

Somos os campeões de tortura, de linchamentos letais, morais, midiáticos. Das mortes nos campos, nas cidades, nos lares.

Morador de Nova Iguaçu, vi boa parte dos meus amigos de infância morrer na mão de terceiros: de bandidos? Não. Até de amigos ou colegas. Acerto de conta, briga de bar, ciúme de garotas.

Somos a cultura daquele que fala mais alto, aquele que bate na mesa, aquele que chama pra porrada, aquele que “não aguenta desaforo”, aquele que mete o dedo na cara, e aquele que pergunta “sabe com quem você está falando?”.

Somos violentos nos programas de humor infantis, nas piadas sem graça, no campo de futebol, na sala de aula, pra reafirmar nossa macheza incipiente. É lógico que nossos bandidos serão violentos. Eles serão parte da sociedade em que vivem. Não quero nem falar do trânsito estúpido, com recorde mundial de mortes. Carros são armas perigosas nas nossas mãos.

Nossa violência é verbal, institucional, física, psicológica.

O Brasil não é o campeão de homicídio. Mas está muito perto de ser. Não importa os dois ou três países mais violentos que nós. Importa que precisávamos repensar isso: subtrair a violência como um valor social. É preciso que nossa violência se torne motivo de vergonha, não de orgulho; vexaminosa, não auto-afirmativa.

É preciso desconstruir, de uma vez por todas, esta cultura da violência. Não para sermos o ideal com que um dia mentiram pra nós. Mas ao menos para que não nos matemos diariamente.

* Wedencley Alves é professor do Departamento de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. É doutor em Linguística (Unicamp) e mestre em Comunicação (UFF). Pesquisador na área de comunicação e discurso, hoje dedica especial atenção a questões envolvendo “mídia e violência” e “mídia e saúde”,

(fonte: http://outraspalavras.net/blog/2015/05/21/polemica-nunca-fomos-cordiais/)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Às vésperas de eleições, policiais prendem cartolas da Fifa na Suíça; Marin está entre os detidos


Do estadão:

ZURIQUE – Numa operação surpresa, policiais suíços prenderam na manhã desta quarta-feira cartolas da Fifa atendendo a um pedido de cooperação judicial dos EUA. Às vésperas da eleição que colocaria Joseph Blatter para liderar por mais quatro anos a Fifa, as autoridades desembarcaram nas primeiras horas da manhã no luxuoso hotel Baur au Lac, em Zurique, para proceder com as prisões.

Suspeitos de corrupção por décadas em uma série de escândalos, os cartolas são acusados de fraude, lavagem de dinheiro e uma série de crimes financeiros. Os policiais exigiram da recepção do hotel as chaves dos quartos e iniciaram uma série de prisões. Os nomes dos suspeitos, por enquanto, não foram revelados.
Mais de dez cartolas, porém, seriam denunciados, num duro golpe contra Joseph Blatter e seus aliados. Entre os suspeitos estão Jeff Webb, presidente da Concacaf e representante das Ilhas Cayman, além de Eugenio Figueiredo, até pouco tempo presidente da Conmebol.

As investigações foram lideradas pela procuradora americana Loretta Lynch, que pediu a colaboração das autoridades suíças.

Grande parte do escândalo envolveria cartolas da América Central e América do Norte, uma das bases de Blatter nas eleições.

Com reservas de US$ 1,5 bilhão e tendo lucrado mais de US$ 5 bilhões com a Copa do Mundo no Brasil em 2014, a Fifa parecia ser até pouco tempo uma potencia paralela, blindada da Justiça.

A operação, liderada por cerca de uma dúzia de policiais, se transforma no maior escândalo já vivido pela entidade mergulhada em crises e casos de corrupção.

Atualização do DCM: segundo a BBC, José Maria Marin, ex-presidente da CBF e atual vice, está entre os detidos.
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/as-vesperas-de-eleicoes-policiais-prendem-cartolas-da-fifa-na-suica-marin-esta-entre-os-detidos/)

Nísia Floresta Brasileira Augusta: o feminismo revolucionário no século XIX




João Telésforo, do brasilem5.org

 Um dos traços evidentes da herança colonial brasileira é o quanto desconhecemos ou menosprezamos intelectuais do Brasil, da América Latina e do “Sul” global. Como consequência, o vício eurocêntrico de reproduzir acriticamente modelos, projetos e discursos pouco enraizados na história do nosso país. 

Sem consciência do sangue negro, indígena e feminino que escorre do "moinho de gastar gentes" que formou o capitalismo e o Estado no Brasil, nos perderemos enfrentando moinhos de vento. Sem conhecimento das lutas e dos pensamentos que se articularam para enfrentar esse “moinho” real, dificilmente teremos capacidade de formular um projeto alternativo, de caráter libertador.

O governo fala em "Pátria Educadora", mas qual é o conteúdo de sua noção de Pátria e de seu projeto de Educação? Para nos armarmos de referenciais da nossa história para refletir sobre essa questão, convido o/a leitor/a a conhecer, então, uma grande intelectual nordestina do século XIX, que pensou o Brasil a partir das lutas de mulheres, abolicionistas e indígenas, e pôs em prática uma pedagogia feminista libertadora. Causas que permanecem, hoje, no centro de qualquer projeto revolucionário que mereça esse nome.

No litoral do Rio Grande do Norte, uma "fértil e charmosa" terra tropical, que nos acolhe com sua quentura úmida, abriga hoje o município de Nísia Floresta. As aspas são do relato de Dionísia Pinto Lisboa, escritora que nasceu ali em 1809 e se tornaria conhecida pelo nome que adotou para si: Nísia Floresta Brasileira Augusta. A exuberância natural do lugar, na região metropolitana de Natal, contrasta com a sua paisagem social. Para citar somente um dado, perversa ironia para a cidade que leva o nome de uma paladina Brasileira da educação: quase um quarto da população do município com mais de 15 anos de idade não é alfabetizada (Censo 2010 do IBGE). Nísia Floresta compreendia as razões para isso. No Opúsculo Humanitário (1853), explica que sem uma “educação esclarecida”, “mais facilmente os homens se submetem ao absolutismo de seus governantes”.

A Brasileira Augusta lutou, em especial, pela educação para as mulheres. Não se contentou com a tradução livre, aos 22 anos, do livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens“. Insatisfeita com a falta de acesso, a má qualidade e a perspectiva patriarcal do ensino para as meninas, criou em 1838 uma escola para elas. Enquanto outras escolas para mulheres preocupavam-se basicamente com costura e boas maneiras, a de Nísia ensinava línguas, ciências naturais e sociais, matemática e artes, além de desenvolver métodos pedagógicos inovadores. Uma afronta à ideologia dominante de que esses saberes caberiam somente aos homens, restando às mulheres aprenderem os cuidados do “lar” e as virtudes morais de uma boa mãe e esposa…
Tal insubordinação rendeu a Nísia não somente críticas pedagógicas, mas também ataques à sua vida pessoal. Artigos nos jornais tentaram desqualificá-la como promíscua nas relações com homens e até mesmo com suas alunas. Mas essa Brasileira não era de baixar a cabeça para as estratégias atávicas do patriarcado. Já no nome que adotou para si e deu à escola, um grito de autonomia contra a moral sexual machista: "Colégio Augusto", homenagem ao seu companheiro Manoel Augusto, com quem corajosamente viveu e teve dois filhos, enquanto era acusada de adúltera pelo ex-marido, com quem fora obrigada a se casar – tendo-se separado dele no primeiro ano de casamento, aos 13 anos de idade.

Nísia participou das campanhas abolicionista e republicana ao longo de praticamente toda a sua vida. Denunciou também a devastadora opressão colonial contra os povos indígenas, em livros como "A lágrima de um caeté”, de 1849, poema épico de 39 páginas que em sua segunda parte tem como pano de fundo a Revolução Praieira (Pernambuco, 1848-50).

Ao migrar para a Europa, onde morou por quase duas décadas, Nísia continuou escrevendo e publicando livros de literatura e de resistência política. Foi amiga, admiradora e correspondente do filósofo positivista Auguste Comte, mas não absorveu seu determinismo racista. Sempre ostentou o orgulho de sua origem – ressaltada no próprio nome que se deu – e nunca abandonou o compromisso de se somar às lutas pela libertação dos setores oprimidos que formam a maioria social do povo brasileiro.
________

João Telésforo vive em Brasília desde 2005, quando iniciou o curso de Direito na UnB, onde também realiza mestrado. Militante de direitos humanos, pesquisa o novo constitucionalismo latino-americano.

No Café Historia desta semana

[1] Artigo:
 No círculo íntimo de Hitler
Bruno Leal, fundador do Café História, acaba de inaugurar a coluna "Sobre história". Nesta estréia, ele discute uma nova "tendência" no mercado editorial: livros sobre Hitler a partir da perspectiva de pessoas que estiveram ao seu redor [Leia]
[2] Mural: 
Comissão Nacional da Verdade
Você sabia que a Comissão Nacional da Verdade já lançou o seu relatório final? O material pode ser baixado gratuitamente desde dezembro de 2014 no site da organização. E mais: o Programa de Pós-Graduação em História e o Departamento de História, da Universidade Estadual de Maringá apresentam o VII Congresso Internacional de História, o Encuentro de Geohistoria Regional e a XX Semana de História[Confira]
[3] Notícia:
 Ditadura e Memória
Entidades querem transformar prédio DOI-Codi em memorial das vítimas da ditadura. [Leia mais]
[4] Acadêmico:
 Violência Urbana
A violência no Rio de Janeiro voltou a ganhar destaque no noticiário nacional na última semana. Para compreender melhor este importante fenômeno histórico e sociológico, indicamos a leitura do artigo “Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro”, da pesquisadora Márcia Pereira Leite. [Leia mais]
[5] Fórum:
 Cursos livres em história
Acabamos de criar um novo fórum com uma nobre missão: reunir dicas e oportunidades de cursos livres em história, sejam estes gratuitos ou pagos, online ou presenciais. Sabe de alguma coisa legal? Quer ver que cursos estão acontecendo no momento? [Clique aqui]

terça-feira, 26 de maio de 2015

Democracia e humanismo



Antônio de Paiva Moura
           
          Como todos os regimes políticos, as democracias são mortais. As democracias representativas consistem em um conjunto de instituições políticas, jurídicas, econômicas e culturais. Segundo Keucheyan (2015) há um princípio que parece característico das democracias representativas: o sufrágio universal, isto é, o direito de qualquer pessoa adulta escolher seus representantes ou pronunciar-se em um plebiscito. Para que um cidadão possa exercer esse direito é necessário que ele tenha plena liberdade de consciência, de expressão, de reunião e de organização. 

            O direito ao voto teve uma longa caminhada histórica desde seu surgimento na Antiguidade clássica até nossos dias. Sempre que foi conquistado ou concedido, foi com a condição de não redundar em perigo ou ameaça às classes dominantes, o establishment. Basta lembrar que na cidadania democrática de Atenas antiga abrangia somente homens, filhos de pais e mães atenienses, livres e maiores de 21 anos. Escravos e estrangeiros eram excluídos da participação política. Na Revolução Francesa, a Assembléia Legislativa foi eleita em 1791 com um sufrágio censitário de dois graus: voto masculino e eleitor só com renda fixa. A resistência contra o voto feminino era tão forte que Olimpe de Gauges (1748-1793) foi guilhotinada porque reivindicava igualdade de direitos com os homens. O patriarcalismo impedia que as mulheres tivessem rendas, exatamente para que elas não tivessem nenhum poder ou direito. O sufrágio universal só foi adotado nos países ocidentais após a segunda guerra mundial. Mesmo assim, sofreu restrições em sua forma e retirada de poder dos eleitos. Muitas vezes, quando as classes trabalhadoras assumem o poder executivo, adota-se o parlamentarismo como forma de controle político. O regime militar no Brasil não extinguiu o voto universal, mas diminuiu o poder dos eleitos. Havia impedimento de candidaturas por discriminação ideológica e cassação de mandatos de políticos contrários ao regime. O direito a voto universal não foi adquirido por dádiva das camadas superiores da sociedade. Foi a pressão das classes trabalhadoras e segmentos subalternos da sociedade que o conquistou. A ideologia ou estereótipo da resistência das classes abastadas, chamadas elites, contra o voto universal e contra todas as formas de pressão democrática, é a de que “só os ricos são capazes de governar pelo interesse geral”. 

         O voto universal não é o único instrumento de exercício da democracia. A democracia é, também, um fenômeno cultural. Essa cultura se manifesta na educação, no modo de viver em sociedade. A necessidade e o espírito de luta são os motores que movem os indivíduos a se engajarem em grupos de pressão. O neoliberalismo tem sido uma força no sentido de impedir as conquistas sociais e democráticas. Muitas conquistas sociais do século vinte começaram a ruir. 

         A democracia representativa, por si só, não proporciona liberdade pessoal e política, sem que as instituições da sociedade civil estejam presentes. As três principais instituições brasileiras, Executivo, Legislativo e Judiciário são operadas por segmentos que impedem conquistas sociais e o aperfeiçoamento da democracia. No Executivo, o partido que vence as eleições tem que dividir o poder com outros que defendem não o bem geral, mas seus próprios interesses e suas facções. No Legislativo são formados grupos de classes como bancada ruralista, bancada evangélica, setor industrial e outros tantos. Por meio de conchavos, os grandes grupos controlam o sistema político e dele se apropriam para submetê-lo a seus interesses privados. No Judiciário, os magistrados saem das classes privilegiadas. É visível a tendência da justiça em proteger os mais ricos e penalizar somente os mais pobres, embora dentro da legalidade. 

   O naturalista alemão, Hermann Burmeister, que esteve no Brasil em 1852, observou que o estudo da estratificação social da província de Minas devia começar pela cor da pele, visto que a posição de cada um e seu nível de vida dependia grandemente desta circunstância. Os proprietários de terra e minas eram na quase totalidade, brancos. Burmeister entendia que a legislação era muito refinada, mas que a sociedade não se ajustava ao texto da lei, mantendo um comportamento subcultural diante dela. O poder judiciário merecia pouca confiança da população, de vez que todos sabiam que boas relações pessoais e dinheiro conseguiam vencer mesmo os maiores obstáculos. Tal lacuna não se devia tanto ao funcionalismo e nem aos jurados que não recebiam vencimentos. O hábito inveterado das decisões injustas fez com que ninguém se preocupasse mais com o direito. Desta forma, o mais rico ganhava do mais pobre; o branco do homem de cor e, no caso de processo entre brancos, vencia o que tivesse mais prestígio ou posição social, ou mais riquezas. Todos os três poderes valorizavam as pessoas mais ricas, cujas, fortunas provinham, na maioria dos casos, de fraudes.  Em Lagoa Santa, MG, Burmeister presenciou o seguinte acontecimento: Por uma das janelas da cadeia, viu um grupo de pessoas trajadas, sentadas atrás da grade, entretidas em animada conversa e bebendo vinho com visível satisfação. Ao indagar do que se tratava, informaram que certo cidadão muito rico, que já tinha várias contas a ajustar, fora finalmente preso como suspeita de um assassinato. Seus vizinhos tinham ido então visitá-lo para manifestar seu pesar, e o preso banqueteava-os na própria cadeia. Embora ninguém duvidasse de sua culpa, todos estavam certos de sua absolvição e receavam sua vingança. Por isso, lá foram visitá-lo, dando assim prova de sua opinião, considerando-o inocente.  

O conceito clássico de democracia, “governo do povo para o povo” é utópico, pois, na verdade, os privilégios existentes na sociedade não permitem que as decisões políticas sejam exercidas pelo povo.  Grande parte da sociedade brasileira não tem força para defender seus direitos. Os projetos de reformas políticas em tramitação no Congresso, seguindo o interesse das classes ricas e médias, podem sofrer um retrocesso do ponto de vista humanista. Uma involução democrática.

Referências:
BURMEISTER, Hermann. Viagem ao Brasil, através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. [1853] Tradução de Manoel Salvaterra. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.

KEUCHEYAN, Razmig. Democracias perecíveis. Le Monde Diplomatique, Brasil. São Paulo, n. 94, mai. 2015.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

O ‘mico’ da ‘coluna Aécio’



Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa.

A Folha de S. Paulo anuncia em nota na sua primeira página, na edição de sexta-feira (22/5): “Grupos anti-Dilma dizem que PSDB e Aécio são traidores”. O Estado de S. Paulo, em reportagem interna sobre o mesmo tema, informa: “Grupos se dizem traídos por tucanos”.

A imagem que ilustra o texto do Estado mostra doze – isso, exatamente uma dúzia – de manifestantes que caminham pela Rodovia Anhanguera, com destino a Brasília, onde pretendem fazer sua pregação em favor do impeachment da presidente da República. Quando saíram de São Paulo, no fim de abril, os integrantes da marcha foram estimulados por líderes do PSDB, que imaginavam uma espécie de “coluna Prestes” invertida, a recolher, pelo caminho, milhares de cidadãos descontentes com o governo, numa chegada triunfal à rampa do Planalto. Mas, como no poema de Hesíodo, as relações entre os homens e os deuses devem se submeter ao crivo da verdade, e esta nem sempre se manifesta como desejam os humanos.

Entre o fim de abril e esta última semana de maio, a expectativa do grupo de manifestantes, estimulada por discursos inflamados do senador que perdeu a eleição presidencial em 2014, não foi justificada pelos fatos.

O descompasso entre os trabalhos políticos e os dias de marcha acaba por produzir a ruptura entre os doze aloprados que imaginam reverter a decisão das urnas e os oportunistas que os apadrinharam.

Por sugestão do jurista Miguel Reale Jr., convocado a emitir parecer sobre a proposta do impeachment, os líderes do PSDB acharam melhor ingressar com processo contra a presidente Dilma Rouseff na Justiça comum, talvez confiantes na ação dos julgadores que o poeta grego chama de “comedores de presentes”. Mas o Judiciário, já embaraçado com a interferência do Congresso em suas atribuições, não dá sinais de que irá acolher tal petição.

Representantes dos grupos que pedem a interrupção do mandato da presidente da República teriam ouvido na semana passada, na capital federal, promessas de parlamentares do PSDB e de outros partidos de oposição de que entrariam com o pedido formal de impeachment assim que os marchadores alcançassem a Praça dos Três Poderes. Desde quarta-feira (20/5), a uma semana da chegada da marcha a Brasília, prevista para o dia 27, a página do Movimento Brasil Livre, um dos grupos que organizam o protesto, exibe um quadro dizendo que o senador Aécio Neves traiu a causa.

Ignorância política

Segundo o Estado de S.Paulo, líderes do PSDB avaliam, reservadamente, rever a estratégia de apoiar explicitamente a marcha, quebrando a promessa de dar um caráter apoteótico à sua chegada a Brasília.

O ex-deputado federal Francisco Graziano, assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, disse à Folha de S. Paulo que entende a frustração dos que querem o impeachment, mas considera que “atacar Aécio, FHC ou o PSDB mostra ignorância política”. De repente, os tucanos descobrem que meteram a mão em cumbuca.

Restará aos protestadores, certamente, o apoio do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e talvez a presença do deputado Paulo Pereira da Silva (SDD-SP), cujas biografias não justificam os cuidados que precisam ter os líderes do PSDB.

O principal partido de oposição embarcou na aventura dos golpistas pela mão do senador Aécio Neves, que foi demovido do plano de impeachment pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na semana passada. Agora, precisa de um discurso consistente para evitar o constrangimento de se haver associado aos aloprados que seguem para Brasília.

Não se pode prever o que irá ocorrer na capital federal na quarta-feira (27/5), mas certamente não será a grande festa cívica que esperavam os organizadores do protesto. Nesse período, o núcleo principal das propostas de ajuste econômico já terá sido aprovado, ou uma nova agenda estará acertada entre o Executivo e o Congresso Nacional.

Analistas acreditados pela imprensa já registram uma redução das tensões entre os poderes, que vêm sendo estimuladas pela mídia desde a posse da presidente Dilma Rousseff em segundo mandato.

A decisão da presidente, de elevar a alíquota da Contribuição Social sobre o lucro líquido dos bancos, tende a reconciliá-la com parte de seu eleitorado, pela simbologia da medida, combinada com a manutenção da carência de um mês para pagamento de abono salarial, que beneficia os trabalhadores.

Tudo de que os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, não precisam, neste momento, é barulho de manifestantes. O “mico” do impeachment fica com o PSDB, que vai ter que explicar, daqui para a frente, se considera que eleição é para valer ou se, nas próximas disputas, caso venham a ser derrotados novamente, os tucanos irão outra vez mobilizar a “coluna Aécio”.

O líder "fantasma" dos golpistas



Por Altamiro Borges

Na quarta-feira passada (20), o portal G1 – da famiglia Marinho – postou uma curiosa notícia. Um dos líderes do movimento "Vem pra rua", que organiza marchas fascistas e panelaços pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, é um notório picareta. Armando Fontoura, o jovem golpista, inclusive foi demitido do cargo que ocupava na Câmara Municipal de Vitória (ES) por "burlar o ponto" – ou seja, o moleque que bravateia contra a corrupção era um funcionário "fantasma". A denúncia só veio à tona agora porque o rapaz – que também se diz apartidário para enganar os ingênuos – foi eleito secretário-geral do diretório municipal do PSDB. Desmascarado, ele já renunciou ao cargo.
Segundo a reportagem, assinada pela jornalista Viviane Machado, "o secretário-geral do PSDB de Vitória, Armando Fontoura, escolhido nas eleições do diretório municipal do partido, no domingo (17), não vai assumir o cargo, segundo informações do novo presidente Wesley Goggi. Armando, de 23 anos, foi flagrado em um vídeo batendo ponto na Câmara de Vitória e, em seguida, deixando a sede do legislativo municipal. O caso ocorreu em 2013, quando Armando era funcionário do vereador Luiz Emanuel. O jovem foi exonerado no mesmo ano". No vídeo hilário, o probo assessor aparece vestindo uma bermuda. Alguém comenta ao fundo que ele está gordinho e pronto para ir à praia!
Tudo indica que a difusão do vídeo ocorreu devido as sangrentas bicadas no ninho tucano capixaba. A chapa de Armando Fontoura derrotou o grupo apoiado pelos nomes mais tradicionais do PSDB do Espírito Santo, como o ex-deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas, o vice-governador do Estado, César Colnago, e o deputado estadual Sérgio Majeski. Diante da repercussão do vídeo, o jovem líder do "Vem pra rua" caiu em desgraça e foi forçado a deixar o cargo. Nas redes sociais, ele alegou que "estou tomando a decisão de renunciar ao posto de secretário-geral ao qual fui eleito no domingo na executiva municipal do PSDB... Continuarei contribuindo dentro da executiva do PSDB de Vitória, não com a investidura de cargos e sim como um humilde soldado e militante".
Numa outra versão, tudo indica mais verdadeira, o presidente eleito Wesley Goggi afirmou ao jornal "A Gazeta" que "em decisão conjunta do diretório, definimos que ele não vai mais ocupar nenhum cargo na direção executiva". Triste fim para o jovem líder dos paneleiros. Nas próximas marchas dos golpistas ele poderá até participar fantasiado de "funcionário fantasma" ou de "tucano disfarçado" de apartidário e independente. Ele até poderá exibir a carteirinha da curta e aprazível carreira de assessor parlamentar do PSDB – nomeado de 9 de janeiro de 2013 e exonerado em 20 de março de 2013. Pelo jeito, ele seguiu as lições do cambaleante Aécio Neves – eleito senador, mas frequentador assíduo das belas praias do Rio de Janeiro.
 
(fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/05/o-lider-fantasma-dos-golpistas.html#more)

As táticas da mídia para abafar a Zelotes


Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:

A Folha se tornou um jornal muito esquisito.

Fui dar uma olhada na capa do portal. Sem surpresa: só dá Lava Jato, Dirceu, o de sempre.

A manchete é sobre a prisão de um empresário que tinha feito pagamentos a Dirceu, pelos serviços de consultoria que o ex-ministro prestava, sem esconder isso de ninguém.

Claro, quando interessa, o sujeito não é mais empresário: vira “lobista”, “operador”.

A linguagem é muito importante para estabelecer a narrativa.

Sergio Moro incluiu no texto o seu estilo barbosiano: diz que acha “suspeito” que alguém tenha contratado Dirceu.

O empresário em questão já declarou em juízo que Dirceu prestou serviços prospectando negócios no exterior.

Não adianta.

Moro escreveu aquele texto de Rosa Weber, que condenou Dirceu usando a famigerada frase: “Não tenho provas contra Dirceu, mas a literatura me permite condená-lo”.

Parece que Moro continua pensando do mesmo jeito.

Prende as pessoas porque acha “estranho”. É como se Dirceu tivesse se tornado um vampiro. Qualquer pessoa que tenha contratado seus serviços, se torna também vampiro aos olhos de Moro – e da mídia.

É uma maneira de um setor radicalizado da oposição se vingar dos empresários que não se juntaram ao coro midiático do “delenda Dirceu”.

Mas eu queria falar de outra coisa.

Logo abaixo da manchete, vemos uma chamadinha ultra discreta para a Operação Zelotes, que envolve valores bem mais altos que a Lava Jato, e não corresponde a nenhuma obra, nenhuma refinaria, plataforma, hidrelétrica. É a corrupção pura, aquela que talvez Merval Pereira chamasse “corrupção do bem”.

A chamada: “PT quer inflar Zelotes.”

Ah, bom!

O PSDB não quer “inflar a Lava Jato”, nunca quis “inflar o mensalão”, mas o PT quer “inflar a Zelotes”.

A matéria, assinada por Leonardo Souza, é completamente esquizofrênica, porque o seu teor, o seu tom, a sua linha editorial, confirmam exatamente o que o texto procura denunciar como “delírio” do deputado Paulo Pimenta (PT-RS): o de que a mídia quer abafar esse escândalo.

Ora, os últimos dias trouxeram várias novidades sobre a Zelotes. Paulo Pimenta trouxe os delegados responsáveis pela investigação, que deram depoimentos ricos em informação. Houve um debate interessante na Câmara sobre as insuficiências do sistema para reprimir os crimes tributários.

Foi criada uma CPI no Senado, há somente dois dias!

Não falta assunto.

O que a Folha podia fazer: entrevistar especialistas em direito tributário; ativistas pela justiça fiscal; pesquisar como é feito o combate ao crime tributário em outros países; correr atrás da repercussão da Zelotes na sociedade civil, política e empresarial.

Nada disso. A Folha não agrega informação nenhuma. Não ataca os sonegadores. Não repercute a denúncia do procurador e do deputado, de que o juiz da Zelotes não está ajudando.

Ao invés disso, a Folha publica um texto contra o parlamentar que lidera, há tempos, uma luta solitária contra os grandes esquemas de sonegação no país.

É muito cinismo.

E confirma que o Brasil, se quiser lutar contra a corrupção fiscal, não poderá contar com esta mídia que aí está: vendida, partidária, e, mais que nunca, golpista.

Ah, e sonegadora também.

2015, o ano que já acabou

por Antonio Lassance

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, teve a infeliz tarefa de ser o porta-voz do que foi mais que o anúncio de contingenciamento... foi a lavratura do atestado de óbito do que o governo pretendia fazer no ano de 2015.

O governo revelou, nesta sexta (22), o que pretende deixar de fazer, retendo recursos em caixa. O governo pretende guardar R$ 69,9 bilhões. Alguém que já foi vendedor de loja de varejo deve ter dado a dica do R$1,99: 70 bilhões seria um número muito redondo e ainda mais feio.

A previsão de receitas da União para este ano caiu em 5,3%, dado o ritmo de desaceleração. A retração do PIB foi agora reavaliada em -1,2%.

Os gastos serão cortados não nas áreas corretas, mas nas erradas. O PAC, isso mesmo, o programa do qual a presidente era a mãe, sofreu um corte na carne da ordem de R$ 25,9 bilhões. O Ministério das Cidades e as áreas de saúde e educação serão as mais penalizadas.

O que o ex-desenvolvimentista e atual ministro do Planejamento fez, em nome de toda a equipe econômica (Levy e Tombini estavam presentes ao anúncio “em espírito”), foi mais do que divulgar uma notícia ruim.

Barbosa transformou esta sexta-feira em uma “Black Friday”. A economia do país está em liquidação, e o governo transformou alguns de seus artigos mais preciosos, como as obras do PAC e o orçamento da Saúde e da Educação, em sucata.

As consequências políticas a serem colhidas no segundo semestre deste ano e nas eleições de 2016 tendem a ser dramáticas para um governo já bastante fragilizado.

Todos sabem que o ajuste era necessário. Mas o governo “errou na mão”, tanto no tamanho do ajuste quanto, principalmente, no endereço de quem deveria pagar a conta.

Com isso, essa equipe econômica perdeu a chance de evitar a recessão, de manter o desemprego em patamares baixos e de fugir do risco de que o desempenho da economia seja equiparado em mediocridade ao período de Fernando Henrique Cardoso.

Quem sabe, em se tratando dessa equipe econômica, esse não seja um problema; talvez seja esse mesmo o plano.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/2015-o-ano-que-ja-acabou/4/33557)

sábado, 23 de maio de 2015

Sonegação dos ricos rouba 200 bi em cinco meses

por Antônio Lassance

Número estará estampado pelos painéis do Sonegômetro espalhados pelo País. Valor supera todos os escândalos de corrupção mais conhecidos e ultrapassa até o que seria necessário para o ajuste fiscal em discussão no Congresso (R$80 bi).

Situação causou revolta em servidores do Ministério da Fazenda. Procuradores acusam:

“Estamos diante de uma batalha bastante desigual, onde um único Procurador da Fazenda Nacional, sem carreira de apoio, atua em processos complexos envolvendo grandes devedores, normalmente defendidos pelas maiores bancas de advogados do país.”

No ano passado, não foi diferente. Os procuradores bradavam:

“Como se não bastasse, vemos uma elite muito bem acomodada e grandes corporações abonando a continuidade desse sistema anacrônico, enquanto surrupiam o erário público por meio da sonegação fiscal. E assim, em apenas 5 meses, o painel digital Sonegômetro já registra um rombo de 200 bilhões.”

Leia o artigo do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional.

O Sonegômetro, a Lavanderia Brasil e a Esquizofrenia Fiscal

Subir juros que já habitavam a estratosfera, aumentar a carga tributária como se estivéssemos mais para Bélgica do que para Índia, encarecer tarifas de energia, combustíveis e mudar regras de benefícios sociais, como se a culpa de toda a desordem administrativa do país fosse dos trabalhadores, aposentados e pensionistas.

Por mais que se tente explicar o ajuste fiscal promovido pelo governo, não dá para entender e muito menos para aceitar. Ou melhor, dá para desconfiar. Pois se a União espera cortar R$ 80bi de seu orçamento e arrecadar mais 0,48% de tributos em relação a 2014, como esse mesmo governo deixa escoar pelo ralo da sonegação mais R$ 500 bi ao ano?

Essa postura não condiz com o discurso de quem pretende “reverter a deteriorização fiscal”, nas palavras do Ministro da Fazenda Joaquim Levy. Não por acaso, essa justificativa do arrocho sobre os pobres e classe média é igualmente defendida por pessoas e instituições que nunca têm nada a perder. Ou melhor, que sempre têm muitos bilhões a lucrar, surfando nas altas ondas do mercado financeiro.

Transitando com desenvoltura nesse mar de insensatez, sonegadores e corruptos seguem curtindo o sol e o céu da impunidade. Sim, pois à exceção de casos midiáticos como as operações Lava Jato e Zelotes, envolvendo acordos de delação premiada, nenhuma medida efetiva tem sido tomada para a estancar a sangria da sonegação.

Para ficar bem claro, é importante ressaltar que dos 500 bilhões sonegados em 2014, mais de R$ 400 bilhões passaram por operações sofisticadas de lavagem de dinheiro. Isso representa 3546 vezes o valor declarado do Mensalão (R$141 milhões); 240 vezes o custo da operação Lava-Jato (R$2,1 bilhões) e 26 vezes o que até agora se descobriu na operação Zelotes (até agora avaliado em R$19 bilhões).

E o rombo poderia ser ainda maior, não fosse o trabalho diuturno dos Procuradores da Fazenda Nacional (PFNs), que somente nos últimos quatro anos evitaram a perda de mais de R$1 trilhão em contestações tributárias e arrecadaram mais de R$60 bilhões em créditos inscritos na dívida Ativa da União. Isto, apesar do quadro de desvalorização da Carreira e de sucateamento estrutural da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Vale dizer que estamos diante de uma batalha bastante desigual, onde um único PFN, sem carreira de apoio, atua em processos complexos envolvendo grandes devedores, normalmente defendidos pelas maiores bancas de advogados do país.

O governo sabe que para cada R$1,00 investido na PGFN há um retorno de R$20,96 à sociedade. Mas, estranhamente, prefere deixar de cobrar de quem deve e pode pagar, optando pela comodidade de repassar a conta ao cidadão em forma de impostos.

O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ) entende que a defesa dos interesses da Carreira de PFN se confunde com a defesa da Justiça Fiscal. Por isso segue em frente promovendo campanhas de conscientização tributária, apresentando o painel Sonegômetro e a Lavanderia Brasil, denunciando, criticando e ampliando o debate por um sistema tributário mais justo para todos.

Fonte: Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional
http://www.quantocustaobrasil.com.br/artigos/o-sonegometro-a-lavanderia-brasil-e-a-esquizofrenia-fiscal

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Para ampliar a campanha contra publicidade infantil



Por Desirée Ruas*

A proteção da criança aos apelos publicitários tem respaldo legal há quase 25 anos. Desde sua criação, o Código de Defesa do Consumidor estabelece, no artigo 37, que é abusiva e ilegal a publicidade que “se aproveita da deficiência de experiência e julgamento da criança”. Também desrespeita a legislação vigente toda publicidade discriminatória, que desrespeita valores ambientais, incita à violência, explora o medo ou a superstição, ou que induza o consumidor a se comportar de maneira prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Mas, como determinar a infração concreta a estas normas, em imagens ou palavras nos milhares de comerciais que chegam às pessoas diariamente, no país?

Há pouco mais de um ano, em de abril de 2014, entrou em vigor a resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que explicita os critérios para determinar o que é uma publicidade infantil e como ela tenta convencer a criança para o consumo. E o que há para comemorar nesse período? Para quem defende a reflexão sobre a infância e o consumo, a resolução inaugurou um debate importante, mas não gerou medidas concretas por falta de fiscalização e punição para os que desrespeitam a medida. E a dúvida persiste: até quando a criança vai continuar sendo alvo de mensagens comerciais nos diversos meios de comunicação?



É natural que quem sempre fez publicidade para crianças não aceite a mudança de bom grado. O que não é natural é que, mesmo após um ano da resolução em vigor, o mercado não se esforce para encontrar caminhos para anunciar seus produtos sem se valer da desigual relação entre publicidade e infância. Não dá para entender. Vão continuar na tecla do “é inconstitucional”, “o Conanda não tem competência para tal” e outros argumentos assim. É importante lembrar que a Constituição Federal, no artigo 227, estabelece a responsabilidade de todos em proteger a infância de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e também de exploração.

O cuidado com a infância de forma integral passa necessariamente pelos conteúdos da mídia que são oferecidos para as crianças, assim como pelo incentivo ao consumo e os valores que estão embutidos na publicidade. Sabemos que nenhuma criança vai ficar imune à publicidade. Mesmo sem a publicidade direcionada para a criança, continuaremos tendo os demais comerciais, as ações nos pontos de venda, os encartes promocionais, os outdoors, a influência dos amigos da escola que também afetam meninas e meninos. Não há uma tentativa de se isolar a criança do mundo do consumo mas entender que a publicidade infantil, aquela que faz uso dos elementos listados na resolução 163 do Conanda, tem um impacto muito grande sobre as crianças. Ela é feita com o objetivo de persuadir e cristalizar um modo de ver o mundo que não é nem saudável nem sustentável. Os movimentos em defesa da infância e contra a publicidade infantil, que aglutinam pais, mães, educadores, profissionais de saúde e de outras áreas, repudiam estratégias de convencimento específicas para as crianças e não a publicidade em geral.

Sabemos que toda criança tem direito ao consumo, o que significa ter acesso a alimentação, vestuário e produtos e serviços necessários ao seu desenvolvimento. Mas isso não significa que a criança tenha condições de decidir o que quer consumir ou que possa consumir qualquer tipo de alimento, produto ou conteúdo. O processo de construção da autonomia da criança não pode ser confundido com a pressão para que as crianças se tornem consumidoras. Crianças não são consumidoras porque não têm condições de estar numa relação de consumo. A escolha dos itens que serão consumidos é uma responsabilidade da família. Mas se o mercado cria mecanismos que fazem com que a persuasão para o consumo recaia sobre a criança, e não sobre os adultos, estamos diante de uma prática abusiva.

O Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade do consumidor, parte mais frágil da relação de consumo, e que por isso tem que ser protegida. Se o adulto é vulnerável, segundo o CDC, a criança é ainda mais vulnerável. Por isso ela não pode ser tratada como um miniadulto que vai ser alvo de estratégias de marketing, como é feito com o restante da sociedade.

É uma conversa muito desigual. De um lado temos neuropsicólogos, pedagogos, publicitários e diversos especialistas em marketing reunidos em uma sala, por semanas ou até meses, para chegar ao produto “perfeito” e à campanha perfeita que serão usados para persuadir a criança para o consumo. Quem aprova este bate-papo entre especialistas e nossos filhos por meio de peças de comunicação com bichinhos fofinhos e cenários repletos de magia?

Não importam o produto, o veículo ou o estilo. Se a publicidade fala com a criança, que não tem condições de fazer uma leitura crítica da mensagem, ela é abusiva e ilegal. Além de abusiva, por ser direcionada para a criança, a publicidade que induza o consumidor ao erro, por divulgar informações falsas, é uma publicidade enganosa, também ilegal segundo o CDC, como brinquedos que parecem se movimentar sozinhos. Apesar dos lindos cenários e da comovente atuação das crianças, a publicidade com apelo infantil deveria sair de cena. É o caminho a seguir pela proteção ampla da infância e por uma sociedade mais responsável, sustentável e ética.

*Jornalista,especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e Integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc

(fonte: http://outraspalavras.net/blog/2015/05/20/para-ampliar-campanha-contra-publicidade-infantil/)

quarta-feira, 20 de maio de 2015

A Europa e os náufragos da esperança (I)

por Eric Nepomuceno

Agora em maio, e depois de 17 anos, voltei a Lisboa. A cidade mudou muito, e para melhor. A luz é a mesma de sempre, belíssima nesta época do ano. Mas a paisagem humana é outra: os homens já não são taciturnos, as moças são mais belas. Lisboa é uma cidade arejada, que se modernizou sem exageros, sem perder a serena melancolia de sempre, só que agora mesclada com cores juvenis. Por onde andei em Portugal, tropecei com estrangeiros. Lisboa, Porto, Braga, eles estão em todo lado, e são multidão.

Aliás, esse insólito fluxo de turistas – o número de estrangeiros visitando Portugal mais que dobrou em menos de cinco anos – é essencial para ajudar a agüentar o duro preço da crise, imposto pelas medidas da União Européia.  Em 2014, cerca de 16 milhões de estrangeiros deixaram 28 milhões de euros por dia no país. Dez bilhões de euros, o suficiente para cobrir 80% do déficit da balança comercial de bens do país.

Estrangeiros também são especialmente bem-vindos na vizinha Espanha, um dos campeões mundiais de turismo. Em 2014, 65 milhões de estrangeiros deixaram uns 63 bilhões de euros. O número de turistas superou, com folga, a população do país, que ronda a casa dos 45 milhões de habitantes. Aliás, esses visitantes são responsáveis por mais de 10% do PIB espanhol.  

Na Europa, só a França recebe mais estrangeiros que a Espanha: 84 milhões em 2014, que asseguraram ao país o título de campeão mundial de turismo.

A Itália é outro país que não pode se queixar: 45 milhões de visitantes estrangeiros no ano passado. Também lá, o turismo responde por 10% do PIB, além de propiciar empregos diretos e indiretos a dois milhões de italianos. É o quinto país mais visitado do mundo.

Há outros países, é claro, que adoram receber estrangeiros, como a Alemanha e a Inglaterra, que ocupam a sétima e a oitava posição entre os campeões mundiais de turismo.

Somados os estrangeiros que em 2014 visitaram essa meia dúzia de países, deixando bilhões e bilhões de euros, chega-se a uma população maior que a do Brasil.

Existe, porém, outro tipo de estrangeiro, que vem ocupando espaço cada vez maior nas iniciativas dos governos europeus: os que se lançam, desesperados, às águas do Mediterrâneo, fugindo da fome, da miséria, da violência, do desespero. Fugindo da guerra, fugindo da morte.

E aí, a história muda. É gente que vem da Síria em guerra, da Líbia esfacelada, de países em turbilhão. A maioria chega e pede asilo. Mas também se contam aos milhares os que entram clandestinos e clandestinos ficam, na esperança não de uma vida melhor, mas de uma vida.

Há os que não conseguem jamais pisar terras européias: naufragam no Mediterrâneo em embarcações precárias, atopetadas de gente. Suas esperanças ficam enterradas, para sempre, nas águas.

Só nos primeiros meses de 2015 mais de dois mil morreram na travessia. Suas mortes foram tantas, que a União Européia resolveu tomar medidas urgentes. Afinal, não é nada agradável ver isso acontecer na frente das mesmas praias que daqui a pouco, no verão europeu, receberão aqueles outros estrangeiros, os tão bem-vindos turistas.

Atônitos diante da chegada crescente desses estrangeiros desclassificados – não querem turismo, querem fugir do horror e da morte – os governos europeus resolveram tomarmedidas urgentes.

Num primeiro momento, foi feita uma divisão, estabelecendo as cotas de asilados que cada país integrante da União Européia deverá receber. E começou a confusão.

A Inglaterra, por exemplo, oitavo país a mais receber turistas em todo o mundo, disparou, veloz: não receberá um único asilado. Outros países foram logo dizendo que já fazem muito esforço para acolher refugiados, e que novas cotas terão de ser cuidadosamente estudadas.

Acontece uma assombrosa tragédia nas águas do Mediterrâneo, com dezenas de milhares de pessoas arriscando o que lhes resta de vida em busca de alguma esperança, atopetando embarcações precárias, e os países europeus discutem porcentagens.

Há, enquanto isso, outro foco de perversidade: os refugiados, os desesperados, abandonam o litoral africano e entregam seus destinos nas mãos de quadrilhas de contrabandistas de gente. Os preços cobrados pelos bucaneiros da esperança variam de acordo com o grau de desespero de quem quer fugir do inferno. Custa caro fazer a viagem que tanto poderá levar para a terra da promissão como para o fundo eterno das águas.
A primeira medida concreta adotada pelos humanistas da União Européia foi dirigida precisamente contra os donos dessas embarcações. Na segunda-feira, 18 de maio, foi aprovada a criação, com urgência, de uma operação naval para combater o que se chamou de ‘tráfico de pessoas’ pelo Mediterrâneo. Alemanha, França, Itália, Espanha e o solene Reino Unido se comprometeram a enviar navios de guerra.

O primeiro passo da operação será estruturar um serviço de inteligência para detectar as rotas e os responsáveis pelo tal ‘tráfico de pessoas’ no norte da África. O segundo, inspecionar as embarcações. O terceiro: destruir todas elas.

Parece que não se pensou no óbvio: quanto menos embarcações houver, mais pessoas lotarão as que sobrarem. Se agora as que navegam já estão atopetadas, é fácil calcular como estarão as que conseguirem escapar da tal operação naval.

Mas essa questão – a dos desesperados –, fica para outra discussão, a das tais cotas.

O importante agora é correr contra o tempo: afinal, vem aí o verão europeu. É quando engrossam de maneira formidável os contingentes daquele outro tipo de estrangeiro, o ansiosamente esperado: o dos turistas.

Para esta Europa de hoje, um turista é um estrangeiro especial. Já um refugiado é um estrangeiro indesejável.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-Europa-e-os-naufragos-da-esperanca-I-/4/33529)