Publicado na bbc brasil. O autor, Adam Smith, é um blogueiro britânico que passou seis meses no Brasil.
Pouco depois de chegar a São Paulo, fui a uma loja na Vila Madalena
comprar um violão. O atendente, notando meu sotaque, perguntou de onde
eu era. Quando respondi “de Londres”, veio um grande sorriso de
aprovação. Devolvi a pergunta e ele respondeu: ‘sou deste país sofrido
aqui’.
Fiquei surpreso. Eu – como vários gringos que conheço que ficaram um
tempo no Brasil – adoro o país pela cultura e pelo povo, apesar dos
problemas. E que país não tem problemas? O Brasil tem uma reputação
invejável no exterior, mas os brasileiros, às vezes, parecem ser cegos
para tudo exceto o lado negativo. Frustração e ódio da própria cultura
foram coisas que senti bastante e me surpreenderam durante meus 6 meses
no Brasil. Sei que há problemas, mas será que não há também exagero (no
sentido apartidário da discussão)?
Tem uma expressão brasileira, frequentemente mencionada, que parece
resumir essa questão: complexo de vira-lata. A frase tem origem na
derrota desastrosa do Brasil nas mãos da seleção uruguaia no Maracanã,
na final da Copa de 1950. Foi usada por Nelson Rodrigues para descrever
“a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face
do resto do mundo”.
E, por todo lado, percebi o que gradualmente comecei a enxergar como o
aspecto mais ‘sofrido’ deste país: a combinação do abandono de tudo
brasileiro, e veneração, principalmente, de tudo americano. É um
processo que parece estrangular a identidade brasileira.
Sei que é complicado generalizar e que minha estada no Brasil não me
torna um especialista, mas isso pode ser visto nos shoppings, clones dos
‘malls’ dos Estados Unidos, com aquele microclima de consumismo frígido
e lojas com nomes em inglês e onde mesmo liquidação vira ‘sale’. Pode
ser sentido na comida. Neste “país tropical” tão fértil e com tantos
produtos maravilhosos, é mais fácil achar hot dog e hambúrguer do que
tapioca nas ruas. Pode ser ouvido na música americana que toca nos
carros, lojas e bares no berço do Samba e da Bossa Nova.
Pode ser visto também no estilo das pessoas na rua. Para mim, uma das
coisas mais lindas do Brasil é a mistura das raças. Mas, em Sampa, vi
brasileiras com cabelo loiro descolorido por toda a parte. Para mim
(aliás, tenho orgulho de ser mulato e afro-britânico), dá pena ver o
esforço das brasileiras em criar uma aparência caucasiana.
Acabei concluindo que, na metrópole financeira que é São Paulo, onde o
status depende do tamanho da carteira e da versão de iPhone que se
exibe, a importância do dinheiro é simplesmente mais uma, embora a mais
perniciosa, importação americana. As duas irmãs chamadas Exclusividade e
Desigualdade caminham de mãos dadas pelas ruas paulistanas. E o Brasil
tem tantas outras formas de riqueza que parece não exaltar…
Um dos meus alunos de inglês, que trabalha em uma grande empresa
brasileira, não parava de falar sobre a América do Norte. Idealizou os
Estados Unidos e Canadá de tal forma que os olhos dele brilhavam cada
vez que mencionava algo desses países. Sempre que eu falava de algo que
curti no Brasil, ele retrucava depreciando o país e dando algum exemplo
(subjetivo) de como a América do Norte era muito melhor.
O Brasil está passando por um período difícil e, para muitos
brasileiros com quem falei sobre os problemas, a solução ideal seria ir
embora, abandonar este país para viver um idealizado sonho americano.
Acho esta solução deprimente. Não tenho remédio para os problemas do
Brasil, obviamente, mas não consigo me desfazer da impressão de que,
talvez, se os brasileiros tivessem um pouco mais orgulho da própria
identidade, este país ficaria ainda mais incrível. Se há insatisfação,
não faz mais sentido tentar melhorar o sistema?
Destaco aqui o que vejo como um uma segunda colonização do Brasil, a
colonização cultural pelos Estados Unidos, ao lado do complexo de
vira-latas porque, na minha opinião, além de andarem juntos, ao mesmo
tempo em que existe um exagero na idealização dos americanos, existe um
exagero na rejeição ao Brasil pelos próprios brasileiros. É preciso
lutar contra o complexo de vira-latas. Uma divertida, porém inspiradora,
lição veio de um vendedor em Ipanema. Quando pedi para ele botar um
pouco mais de ‘pinga’ na caipirinha, ele respondeu: “Claro, (mermão) meu irmão. A miséria tá aqui não!” Viva a alma brasileira!
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/brasileiro-parece-cego-para-tudo-exceto-o-lado-negativo-as-impressoes-de-um-blogueiro-ingles-depois-de-6-meses-no-brasil/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário