por Najar Tubino
O povo Huni Kuin, do rio Jordão no Acre lançou o Livro da Cura, reunindo
109 plantas medicinais da Amazônia e seus usos – uma parceria com o
Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Editora
Dantes. A tradução de Huni Kuin é o povo verdadeiro e eles formam 33
aldeias no rio Jordão com mais de sete mil habitantes e também vivem no
Peru. Mas a verdade é que das 30 mil plantas catalogadas da Amazônia,
sendo duas mil espécies medicinais e outras 1.250 aromáticas apenas 2%
foram analisadas. O Brasil importa 85% da matéria-prima usada na
produção de medicamentos, um setor que no ano passado faturou R$67,5
bilhões no país. O professor aposentado da UNICAMP, Lauro Barata,
especialista em botânica, ressalta que apenas as madeiras fazem parte da
pauta de exportação da região Norte. As madeireiras já detonaram 3,5
milhões de árvores, sendo que 72% da madeira serrada são de baixo valor
agregado.
O Brasil é o país do agronegócio, dos transgênicos das
multinacionais, das tecnologias de medicamentos importados, e até mesmo
dos fitoterápicos, cuja matéria-prima também é importada – um mercado
de R$500 milhões. O faturamento da indústria farmacêutica beira o US$1
trilhão de dólares no mundo e as avaliações são que 7% desse mercado são
abastecidos pelos fitoterápicos e pelas plantas medicinais. Desde 2006,
o governo federal tenta implantar as metas da Política Nacional de
Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Entretanto, os brasileiros estão
viciados em drogas químicas, segundo uma pesquisa do Datafolha sobre
saúde e medicalização, realizada em 132 municípios brasileiros, 54% da
população toma algum medicamento regularmente – de vitamina a
antidepressivo. A consultoria internacional IMS Health avalia que em
2016 seremos o quarto mercado consumidor de medicamentos no planeta.
O Congresso votou pelo saque do patrimônio genético
Além
disso, a indústria de higiene, perfumaria e cosméticos faturou em 2014,
R$101 bilhões. O Brasil possui 50 mil espécies de plantas, 30 mil na
Amazônia, 16 mil na Mata Atlântica e sete mil no cerrado. Nunca
desenvolvemos medicamentos usando matéria-prima nativa. A exceção
ocorreu em 2005, quando o Laboratório Aché produziu um anti-inflamatório
da planta “Cordia Verbenácea”, que está sendo registrado nos Estados
Unidos e na Europa. Em 2008, um grupo de pesquisadores lançou um
documento em prol da ciência e tecnologia da Amazônia, onde era
reivindicado a criação de três novos institutos técnico científicos e
três novas universidades, entre outras coisas, um investimento de R$30
bilhões em 10 anos. Pelo menos uma universidade foi criada, a
Universidade Federal do Oeste do Pará, com sede em Santarém.
Mas
isso não é nada perto do tamanho e a importância da Amazônia. Enquanto a
biopirataria saqueia nossas riquezas, assistimos o Congresso Nacional
votar uma lei de biodiversidade que privatizaria o patrimônio genético
brasileiro. Só não ocorreu o pior porque a presidenta Dilma Rousseff
vetou cinco pontos da nova lei. A única coisa que nem os políticos, nem a
burocracia oficial, que enquadra o uso de plantas medicinais e produção
de fitoterápicos como qualquer outro medicamento – obrigatoriedade de
testes de todos os tipos, análise clínica e por aí vai-, conseguiram
derrubar é a iniciativa dos povos e comunidades tradicionais, que
continuam usando as plantas brasileiras para curar suas doenças. Sem
contar que a população pobre não tem dinheiro para comprar químicos.
Falta vontade política
Sempre tem uma banca de ervas
em alguma esquina do cerrado, do norte, e do nordeste, além dos mercados
públicos do sul e do sudeste, que comercializam plantas, xaropes,
pomadas, cremes etc. O pesquisador Juan Revilla, do INPA, também
especialista em botânica e representante da região norte junto ao
Ministério da Saúde, diz que a inclusão das plantas medicinais e os
medicamentos fitoterápicos não é incluída na Atenção Básica do SUS por
falta de vontade política. Ele coordena um projeto chamado “Farmácia
Viva”, no município de Manaquiri, a 50 km de Manaus, que desde 2006
incentiva à população a usar as plantas medicinais da região. O viveiro
conta com mais de 50 mil mudas de 120 espécies produzidas em 150
hectares.
Desde esta época a ANVISA recomenda que os estados e
municípios façam inventários, criem grupos de trabalho, estudem sua
flora local para incentivar o uso de plantas medicinais e fitoterápicos.
A questão para o Brasil deveria ser estratégica, não somente porque
temos um território de mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Nos
regiões distantes, onde vive a população pobre, os médicos brancos
brasileiros não querem trabalhar. Foi o cubano Javier Lopez Salazar, por
exemplo, que reintroduziu o uso de plantas medicinais na aldeia Kumenê,
do povo Palikur, onde são atendidas 1576 indígenas, a 590 km de Macapá –
mais sete horas de barco de Oiapoque.
Há 30 anos, uma missão
evangélica destruiu os conceitos dos indígenas e implantou os do
cristianismo ocidental, e acabou com o uso das plantas medicinais. Foi
Javier quem convenceu as lideranças da aldeia e o pessoal de saúde que
era importante retomar o uso das plantas locais. O exemplo dele está
sendo divulgado pela Organização Pan-americana de Saúde e a OMS num
vídeo reportagem, que faz parte de uma série sobre a atividade dos
profissionais do Programa Mais Médicos. O professor Juan Revilla diz que
95% dos problemas do município onde foi implantado o projeto “Farmácia
Viva” poderiam ser resolvidos pela Atenção Básica do SUS com as plantas
da região. Por sinal, o primeiro curso de Saúde Coletiva, da
Universidade Estadual do Amazonas, formará a primeira turma com 22
alunos em 2016.
O sonho do pajé
A história do pajé Agostinho Manduca
Ika Muru, do povo Huni Kuin é mais uma iniciativa fora da mediocridade
da política brasileira. Por 30 anos, ele anotou em pequenos cadernos as
informações sobre as plantas da região e seus usos, consultando outros
pajés e os mais velhos. O pesquisador botânico Alexandre Quinet, do Rio
de Janeiro encontrou com o pajé em uma de suas viagens e ficou sabendo
do seu sonho de fazer um livro, que seria útil para os aprendizes de
pajé. Em 2011, eles conseguiram reunir uma equipe de especialistas,
incluindo taxonomistas – identificam as plantas – e 22 pajés durante 15
dias. Poucos dias depois Agostinho morreu. No ano passado foi lançado o
Livro da Cura, com três mil exemplares, sendo mil produzidos com um
material especial, feito a partir de PET, que é impermeável, para
distribuição nas aldeias. Das 351 espécies descritas pelos pajés, os
pesquisadores coletaram 196 e 109 estão no livro. As amostras
devidamente identificadas estão no herbáreo do Jardim Botânico, no Rio
de Janeiro.
O saque continua
O IBAMA tem um
cálculo antigo que a biopirataria rouba do Brasil em torno de US$6
bilhões por ano em plantas, animais ou fósseis. São clássicos os casos
de registros de frutas como o cupuaçu no exterior. Uma substância do
veneno da jararaca brasileira, conhecida como captopril, foi sintetizada
pelo laboratório americano Bristol Myers Squibb e usada no medicamento
Capoten, um regulador da pressão arterial, garantindo vendas de US$5
bilhões no mundo. O pau-rosa é usado como fixador de perfumes desde a
década de 1930, e entra na composição do Chanel nº5. Castanhas como a
andiroba e o óleo de copaíba estão sendo registrados em várias regiões
do mundo. Assim como fizeram com o Curare, que os indígenas usam para
amortecer as presas nas caçadas, ou com o ayahuasca, o cipó alucinógeno
da Amazônia.
A verdade é que em pleno século XXI, da era
digital, do celular ligado 24 horas, a Amazônia continua sendo saqueada,
como foi nos séculos passados, e por desinformação total, o povo
brasileiro adotou o método químico para cuidar de seus males, ajudando a
indústria farmacêutica e química mundial, que querem a todo custo se
apoderar desse patrimônio.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Amazonia-verdades-que-nao-se-curam/3/34049)
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