Texto escrito por José de Souza Castro:
Leio no Observatório da Imprensa
artigo afirmando que “a publicidade governamental destina-se a
favorecer as maiores corporações de mídia do país, em montantes cada vez
maiores, não importa o quanto elas tenham ou não pensamento único; não
importa o quanto elas falem mal ou não do Brasil; desprezem ou não as
instituições e a democracia; não importa o quanto elas eduquem ou
deseduquem e propaguem solidariedade ou intolerância. Não importa,
sequer, o quanto elas estejam em decadência nos hábitos de consumo de
informação, cultura e entretenimento dos brasileiros. Não é a propaganda
que é a alma do negócio. É o negócio que é a alma da propaganda, mesmo a
governamental”.
Uma
denúncia que interessa ao país, mas que não teve até agora, passados
alguns dias de sua publicação, no dia 15 de julho, qualquer repercussão.
E o autor não é um joão-ninguém. É Antonio Lassance, doutor em Ciência
Política pela Universidade de Brasília, especialista em comunicação e
políticas públicas. Mais: pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado. Foi
chefe de gabinete da Secretaria de Comunicação e Assuntos Estratégicos
da Presidência da República entre 2003 e 2005 e assessor do Gabinete
Pessoal do Presidente da República, de 2007 a 2010.
É
compreensível que o artigo seja ignorado pela imprensa controlada por
meia dúzia de famílias dedicada há algum tempo a fazer oposição ao
governo, como foi admitido, em 2010, pela presidente da Associação
Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, executiva da "Folha de
S.Paulo".
Lassance,
porém, não deve ser ignorado pelos governantes, tendo em vista o
conteúdo de sua denúncia. “Gasta-se muito e gasta-se mal em comunicação
de governo, em todos os governos. Nos estaduais e municipais costuma ser
pior do que no Governo Federal. Ainda assim, é inadmissível que um
governo eleito e reeleito com a pauta da democratização dos meios de
comunicação e com um discurso de que faz ‘mídia técnica’ não tenha
feito, até hoje, nem uma coisa, nem outra”, escreveu o doutor em Ciência
Política do Ipea, órgão ligado ao Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão.
Lassance
desmonta a alegação de que o governo Dilma Rousseff tem um critério
justo – a audiência de cada veículo – para a distribuição da verba
publicitária.
Segundo
Lassance, a mais recente “Pesquisa brasileira de mídia”, feita
justamente por quem deveria segui-la à risca, com o objetivo de aferir
os hábitos de consumo de mídia da população brasileira para orientar os
gastos em publicidade do Governo Federal, “mostra que a tal mídia
técnica está mais para bordão propagandístico do que para justificativa
criteriosa para o gasto com publicidade”.
A pesquisa de 2015 já está disponível no portal da Secom.
Ela mostra que, de cada 100 brasileiros, 95 têm o hábito de assistir
tevê; 55 ouvem rádio, 48 navegam pela internet, 21 leem jornais
impressos e 13, as revistas impressas.
“Se
o Governo Federal realmente empregasse critérios técnicos, utilizaria
sua própria pesquisa como parâmetro para remunerar a publicidade em cada
mídia. Nada mais razoável, tecnicamente falando, do que gastar
proporcional e parcimoniosamente de acordo com o peso exato de cada
mídia nesses hábitos de consumo”, pondera Lassance. E acrescenta:
“Considerando
que a maioria dos brasileiros tem o hábito de “consumir” mais de uma
mídia, os valores proporcionais seriam os seguintes:
No
entanto, os gastos de publicidade da Secom e das estatais não refletem
tais hábitos, desmentindo a “fábula da mídia técnica”. Do total gasto no
ano passado, a televisão ficou com 72,2%, o rádio com 6,9%, a internet
com 9,1%, os jornais impressos com 6,7% e as revistas impressas com 5,1%
aproximadamente.
“A
televisão, que é a mídia mais cara, mais concentrada e menos plural de
todas recebe mais de 70% da publicidade federal, quando não deveria
receber mais do que 41%. Mídias mais regionalizadas, mais plurais, mais
segmentadas recebem bem menos do que deveriam”, afirma Lassance.
Segundo
ele, o gráfico a seguir demonstra visualmente a distância (distorção)
entre o que se paga e o que se deveria pagar por mídia se fossem
obedecidos os hábitos de consumo dos brasileiros:
Ou
seja, o que o governo gasta em tevê é muito mais do que deveria e, em
rádio e internet, bem menos. Com base nesses dados, jornais e revistas
não teriam do que reclamar – não fosse a concentração das verbas em
poucos veículos.
O
curioso é que embora tenha perdido audiência, a tevê passou a receber
mais dinheiro, em termos absolutos e relativos, do que recebia no
passado. Detalhe irônico, aponta Lassance: “Calculando-se essa distorção
de 30% que premiou todos os veículos de tevê em mais de uma década de
governos de esquerda, dos 6,2 bilhões recebidos pela Rede Globo, cerca
de 1,8 bi foram para o bolso dos Marinho de mão beijada. Quem sabe,
pelos serviços prestados – não se sabe exatamente a quem”.
Prossegue
o autor: “Importante dizer que o gasto com outras mídias, mesmo sendo
bem menor, não destoa da preferência governamental por veículos que
fazem parte do cartel das grandes corporações. Rádio, internet, jornais e
revistas têm gastos muito concentrados em velhos conhecidos, como O
Globo, Folha, Estadão; revistas como Veja e Época; rádios como CBN, Band
News e suas afiliadas.”
O
gasto com publicidade em internet vem crescendo, mas ele se concentra
em duas multinacionais, o Google e o Facebook. “Com o tempo, os governos
irão, no máximo, trocar um cartel por outro”, critica Lassance. E
conclui:
“Moral
da história: a tal mídia técnica não passa de um eufemismo ou, melhor
dizendo, uma fábula, em todos os sentidos: um desperdício de dinheiro
público com uma publicidade ineficiente, contraproducente, que premia
veículos tidos como grandes, mas que de fato são bem menores do que os
olhos generosos da publicidade os enxergam.
Mídia
técnica é um tipo de propaganda enganosa feita para encobrir a farra
com dinheiro público que patrocina o conluio das agências de publicidade
com os veículos de comunicação cartelizados, feita com chapéu alheio – o
do governo. Está nas mãos dessas agências programar as campanhas
veiculadas na mídia privada, recebendo, em troca, a chamada bonificação
de volume (BV). Quanto mais se investe em um veículo, mais BV esse
veículo paga para a agência camarada.”
Não
se defende aqui que o governo – qualquer que seja ele – passe a
controlar politicamente a publicidade para punir os veículos mais
oposicionistas e premiar os que lhe são favoráveis. Isso foi feito muito
no passado, principalmente nos períodos ditatoriais. O que se quer é
que não se gaste tanto com publicidade, sem qualquer benefício para a
população (e nem para o governo, como demonstrado), para enriquecer a
uns poucos com o dinheiro dos contribuintes.
(fonte: blog da KikaCastro)
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