Até que enfim vejo alguém com autoridade para confirmar o que eu pensava: aumentar juros, não! aumentar compulsório dos bancos, sim! É assim que sairemos da crise, mas haverá Banco Central sem medo de cutucar os bancos?
Texto escrito por José de Souza Castro:
Não
posso dizer que entendo de economia, embora tenha sido editor dessa
área no jornal “Estado de Minas” e tenha feito muitas reportagens no
“Jornal do Brasil” e no “Globo” sobre assuntos econômicos. No curso de
jornalismo da UFMG, tive quatro semestres de economia, com ênfase no
estudo dos “Fundamentos de Análise Econômica”, de Paul A. Samuelsen,
publicado em 1947. Por isso, sempre que escrevo contra os juros altos
praticados no Brasil, desde quando Delfim Neto era ministro da Economia,
fico com uma pulga atrás da orelha: será que estou errado? E já escrevi
muito sobre isso.
Foi
com alívio, portanto, que li o artigo de Paulo Kliass, doutor em
economia pela Université de Paris 10 (Nanterre/França) e integrante da
carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
do governo federal. Ver AQUI. Ele pensa como eu, salvo engano.
“As
pressões inflacionárias não serão resolvidas apenas pelo aumento da
Selic, cuja alta compromete a própria tentativa de conter gastos
públicos. Uma alternativa curiosamente pouco lembrada nos meios do
sistema financeiro e na imprensa, mas que poderia ser mais eficaz, é o
aumento da alíquota do depósito compulsório”, diz Kliass.
Não
vou tentar resumir o artigo, escrito em linguagem clara, entendida por
quem não é economista. “Apesar de todas as dificuldades para cumprir com
os objetivos de redução de despesas do Orçamento da União, permanece a
intenção oficial de atingir os 1,1% do PIB como valores assegurados para
o pagamento dos juros da dívida pública”, diz ele.
O
raciocínio atrás dessa decisão é retirar recursos do mercado para
reequilibrar os preços de uma forma geral e evitar a inflação. Além
disso, a elevação dos juros orientaria recursos que não iriam para o
consumo, sendo direcionados à poupança, em busca da maior rentabilidade
oferecida pelos títulos no mercado financeiro. Mas não é o que acontece
no mundo real. E, defende Kliass, alguns aumentos de preços não devem
ser combatidos por juros altos.
A
alternativa à elevação da taxa de juros para obter o mesmo resultado de
redução da pressão da demanda sobre a oferta é o aumento da alíquota do
depósito compulsório sobre os depósitos à vista, atualmente de 44%. No
primeiro semestre de 2003, primeiro ano do governo Lula, estava em 60%.
Em 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso, oscilou entre 65% e 75%.
Ninguém no governo ou na imprensa pensa nisso, mas se o governo Dilma
Rousseff pretende endurecer a política monetária, ele pode aumentar o
compulsório, ao invés de elevar a Selic. O efeito sobre a redução da
demanda agregada será no mesmo sentido. O impacto sobre o nível de
preços será da mesma magnitude. Quem diz é Kliass.
Resta
ao governo explicar por que optou pela elevação das taxas de juros,
sendo que os atuais 13,75% comprometem a tentativa de conter gastos
públicos, pois cada ponto percentual de aumento da taxa de juros
corresponde a uma elevação de despesas com serviços da dívida de R$ 25
bilhões anuais. Ou seja, apenas com os aumentos praticados ao longo de
2015, os gastos federais já teriam subido por volta de R$ 38 bilhões.
Não é pouca coisa. E explica por que os bancos no Brasil que emprestam preferencialmente ao governo lucram tanto.
Pensando
bem, explica também por que há tanta desigualdade no mundo, apesar de
todas as promessas de governos. Para examinar isso, recorro a Leonardo
Boff e à análise dele a encíclica do papa Francisco. É certo, diz Boff –
e o papa – que o sistema mundial é insustentável sob vários pontos de
vista porque deixamos de pensar os fins do agir humano e nos perdemos na
construção de meios destinados à acumulação ilimitada à custa da
injustiça ecológica (degração dos ecossistemas) e da injustiça social
(empobrecimento das populações). A humanidade simplesmente “defraudou a
esperança divina”, conclui.
Não
vou me estender, porque li há pouco que Boff é um idiota. E o papa,
certamente. Porque só um idiota – e talvez Jesus – poderia ter escrito
isso, na tradução portuguesa da encíclica:
“Nalguns
lugares, rurais e urbanos, a privatização dos espaços tornou difícil o
acesso dos cidadãos a áreas de especial beleza; noutros, criaram-se
áreas residenciais ‘ecológicas’ postas à disposição só de poucos,
procurando-se evitar que outros entrem a perturbar uma tranquilidade
artificial. Muitas vezes encontra-se uma cidade bela e cheia de espaços
verdes e bem cuidados nalgumas áreas ‘seguras’, mas não em áreas menos
visíveis, onde vivem os descartados da sociedade.”
Ou isso:
“A
desigualdade não afecta apenas os indivíduos mas países inteiros, e
obriga a pensar numa ética das relações internacionais. Com efeito, há
uma verdadeira ‘dívida ecológica’, particularmente entre o Norte e o
Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito
ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efectuado
historicamente por alguns países. As exportações de algumas
matérias-primas para satisfazer os mercados no Norte industrializado
produziram danos locais, como, por exemplo, a contaminação com mercúrio
na extracção minerária do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre.
De modo especial é preciso calcular o espaço ambiental de todo o planeta
usado para depositar resíduos gasosos que se foram acumulando ao longo
de dois séculos e criaram uma situação que agora afecta todos os países
do mundo. O aquecimento causado pelo enorme consumo de alguns países
ricos tem repercussões nos lugares mais pobres da terra, especialmente
na África, onde o aumento da temperatura, juntamente com a seca, tem
efeitos desastrosos no rendimento das cultivações. A isto acrescentam-se
os danos causados pela exportação de resíduos sólidos e líquidos
tóxicos para os países em vias de desenvolvimento e pela actividade
poluente de empresas que fazem nos países menos desenvolvidos aquilo que
não podem fazer nos países que lhes dão o capital: ‘Constatamos
frequentemente que as empresas que assim procedem são multinacionais,
que fazem aqui o que não lhes é permitido em países desenvolvidos ou do
chamado primeiro mundo. Geralmente, quando cessam as suas actividades e
se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o
desemprego, aldeias sem vida, esgotamento dalgumas reservas naturais,
desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local,
crateras, colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que
já não se pode sustentar.”
O
bom de ler a encíclica, para quem não acha que o papa é um tolo, é que
nosso problema com os juros altos se torna quase irrelevante. E podemos
assim, tolos que somos e descartado esse problema menor, dormir o sono
dos justos.
(fonte: blog da KikaCastro)
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