Antônio de Paiva Moura
Três trabalhos publicados em alguns órgãos de
circulação nacional apresentam nova e bem fundamentada análise acerca das
falácias sobre o fenômeno corrupção. O primeiro é de autoria de Fernando Filgueiras,
professor da UFMG; o segundo de Maira Matias, do Rio de Janeiro e o terceiro de
Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas. O valor de tais ensaios é o de
fomentar o debate em alto nível sobre a questão da corrupção. A palavra
corrupção está presente em páginas de periódicos, programas de televisão,
propaganda política e até nos púlpitos das igrejas. Nesses enfoques, não faltam
cartéis formados por empresas para fraudar licitações, superfaturamento de
obras, pagamento de propina, lavagem de dinheiro, contas secretas mantidas em
paraísos fiscais.
Para além do esquema de apropriação
indébita de dinheiro público, a corrupção sinaliza a forte presença de
interesses privados no Estado. Para empresários dos diversos setores da
economia, não basta o lucro e a acumulação de riquezas, mas querem, ainda,
carrear para seus cofres grandes valores do tesouro público. Essas práticas
são tão velhas e comuns, que acabam se incorporando a uma ideologia que aprova
tais atos anormais e ilícitos. Em março de 2015 veio à tona o esquema de
corrupção em conselho ligado ao Ministério da Fazenda, através da operação
Zelotes, com perda de 19 bilhões de reais da receita pública, em benefício de
grandes empresas. A imprensa que acompanhou o fato não considera esse fato como
escândalo. Por outro lado, outros fatos insignificantes, tornaram-se
“escandalosos” para a mídia. Da mesma forma, o banco britânico HSBC foi
denunciado por manter 8.700 contas irregulares na filial da Suíça, com valores
que chegam a 19 bilhões de reais, frutos de esquemas de evasão de divisas e
sonegação fiscal. Apesar da existência de uma CPI para apurar o esquema, os
nomes dos sonegadores não foram revelados. A grande mídia brasileira não toca
nesse assunto. O dispositivo constitucional de que “todos são iguais perante a
lei”, é apenas um ideal. As oligarquias, as elites e agentes do establishment sempre tiveram tratamento
discricionário na justiça e nos meios de comunicação.
Fernando Filgueiras (2006) reconhece
que em cada momento histórico, a corrupção tem uma conotação com o interesse
capitalista. De 1950 a 1970 predominou uma abordagem funcionalista relacionando
corrupção a práticas políticas típicas de sociedades tradicionais, como
clientelismo, nepotismo e fisiologismo. Os analistas do fenômeno indagavam se a
corrupção seria funcional, fator de desenvolvimento, por poder lubrificar as
relações políticas entre o governo e os empresários. Nesse caso a corrupção é
admitida como instrumento para romper a burocracia estatal e abrir caminhos
para empreendimentos. O empresariado usa a corrupção como meio de aumentar
lucro e acumular riquezas. Quando alguns esquemas são denunciados, os setores
competentes do empresariado usam o poder de comunicação que detém, para imputar
culpa somente aos agentes públicos. Na década de 1990, com a nova onda
liberalizante, foi revista a questão do custo do benefício, mas a corrupção
continua sendo vista unicamente como fenômeno econômico. A partir daí a
corrupção estaria ligada ao tamanho do Estado, grande demais, gerando a
ineficiência do serviço público.
Conforme lembra Maira (2015), nas
manifestações do dia 12 de abril de 2015, ficou cristalizada a imagem de um
cartaz que dizia que “sonegação não é corrupção”. A opinião comum de que o
empresariado brasileirão é obrigado a sonegar impostos se não quiser fechar as
portas, contraria as informações reveladas pelas investigações. As empresas
envolvidas e os agentes de suborno acumulam fortunas fabulosas, longe da
situação de falência.
Na opinião de Fonseca (2011) os
mitos existentes, na forma de entender o que é corrupção, redundam em formas
ideológicas. Esses mitos têm a função de encobrir o entendimento da corrupção
como fenômeno político; mascaram a desigualdade social histórica; tamponam a
utilização do Estado pelas e para as elites. Uma dessas faces ideológicas diz
que não há remédio para esse mal, porque ele vem desde os tempos coloniais. De
ordem ideológica também, é o argumento que se baseia na suposta inferioridade
da cultura e dos povos ibéricos. O caldeirão das raças no Brasil teria
contribuído para a inferioridade cultural. Daí a mentalidade do “jeitinho”, do levar
vantagem, mesmo que seja em prejuízo da coletividade. Além disso, há a mentalidade
do moralismo seletivo, que atribui a determinados grupos que chegam ao poder,
deformidades de caráter incorrigíveis, enquanto outros estariam “a salvo desse
mal”. Há quem acredite que a solução para eliminar a mentalidade corrupta
estaria no estabelecimento de uma educação de qualidade. Essa premissa é falsa.
Empresários e altos executivos que praticam atos ilícitos são os que passaram
pelas melhores escolas no país e no exterior.
Referências
FILGUEIRAS,
Fernando. A corrupção na política. Juiz de Fora, 2006. Disponível em www.cis.puc_rio.br/cedes
FONSECA,
Francisco. Corrupção como fenômeno político. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, set. 2011.
MATHIAS,
Maira. Outros focos da corrupção. Brasil
de Fato. São Paulo, n. 643, 1º de jun. 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário