segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Estudos sobre a corrupção





Antônio de Paiva Moura

             Três trabalhos publicados em alguns órgãos de circulação nacional apresentam nova e bem fundamentada análise acerca das falácias sobre o fenômeno corrupção. O primeiro é de autoria de Fernando Filgueiras, professor da UFMG; o segundo de Maira Matias, do Rio de Janeiro e o terceiro de Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas. O valor de tais ensaios é o de fomentar o debate em alto nível sobre a questão da corrupção. A palavra corrupção está presente em páginas de periódicos, programas de televisão, propaganda política e até nos púlpitos das igrejas. Nesses enfoques, não faltam cartéis formados por empresas para fraudar licitações, superfaturamento de obras, pagamento de propina, lavagem de dinheiro, contas secretas mantidas em paraísos fiscais. 

            Para além do esquema de apropriação indébita de dinheiro público, a corrupção sinaliza a forte presença de interesses privados no Estado. Para empresários dos diversos setores da economia, não basta o lucro e a acumulação de riquezas, mas querem, ainda, carrear para seus cofres grandes valores do tesouro público. Essas práticas são tão velhas e comuns, que acabam se incorporando a uma ideologia que aprova tais atos anormais e ilícitos. Em março de 2015 veio à tona o esquema de corrupção em conselho ligado ao Ministério da Fazenda, através da operação Zelotes, com perda de 19 bilhões de reais da receita pública, em benefício de grandes empresas. A imprensa que acompanhou o fato não considera esse fato como escândalo. Por outro lado, outros fatos insignificantes, tornaram-se “escandalosos” para a mídia. Da mesma forma, o banco britânico HSBC foi denunciado por manter 8.700 contas irregulares na filial da Suíça, com valores que chegam a 19 bilhões de reais, frutos de esquemas de evasão de divisas e sonegação fiscal. Apesar da existência de uma CPI para apurar o esquema, os nomes dos sonegadores não foram revelados. A grande mídia brasileira não toca nesse assunto. O dispositivo constitucional de que “todos são iguais perante a lei”, é apenas um ideal. As oligarquias, as elites e agentes do establishment sempre tiveram tratamento discricionário na justiça e nos meios de comunicação. 

            Fernando Filgueiras (2006) reconhece que em cada momento histórico, a corrupção tem uma conotação com o interesse capitalista. De 1950 a 1970 predominou uma abordagem funcionalista relacionando corrupção a práticas políticas típicas de sociedades tradicionais, como clientelismo, nepotismo e fisiologismo. Os analistas do fenômeno indagavam se a corrupção seria funcional, fator de desenvolvimento, por poder lubrificar as relações políticas entre o governo e os empresários. Nesse caso a corrupção é admitida como instrumento para romper a burocracia estatal e abrir caminhos para empreendimentos. O empresariado usa a corrupção como meio de aumentar lucro e acumular riquezas. Quando alguns esquemas são denunciados, os setores competentes do empresariado usam o poder de comunicação que detém, para imputar culpa somente aos agentes públicos. Na década de 1990, com a nova onda liberalizante, foi revista a questão do custo do benefício, mas a corrupção continua sendo vista unicamente como fenômeno econômico. A partir daí a corrupção estaria ligada ao tamanho do Estado, grande demais, gerando a ineficiência do serviço público. 

Conforme lembra Maira (2015), nas manifestações do dia 12 de abril de 2015, ficou cristalizada a imagem de um cartaz que dizia que “sonegação não é corrupção”. A opinião comum de que o empresariado brasileirão é obrigado a sonegar impostos se não quiser fechar as portas, contraria as informações reveladas pelas investigações. As empresas envolvidas e os agentes de suborno acumulam fortunas fabulosas, longe da situação de falência. 

            Na opinião de Fonseca (2011) os mitos existentes, na forma de entender o que é corrupção, redundam em formas ideológicas. Esses mitos têm a função de encobrir o entendimento da corrupção como fenômeno político; mascaram a desigualdade social histórica; tamponam a utilização do Estado pelas e para as elites. Uma dessas faces ideológicas diz que não há remédio para esse mal, porque ele vem desde os tempos coloniais. De ordem ideológica também, é o argumento que se baseia na suposta inferioridade da cultura e dos povos ibéricos. O caldeirão das raças no Brasil teria contribuído para a inferioridade cultural. Daí a mentalidade do “jeitinho”, do levar vantagem, mesmo que seja em prejuízo da coletividade. Além disso, há a mentalidade do moralismo seletivo, que atribui a determinados grupos que chegam ao poder, deformidades de caráter incorrigíveis, enquanto outros estariam “a salvo desse mal”. Há quem acredite que a solução para eliminar a mentalidade corrupta estaria no estabelecimento de uma educação de qualidade. Essa premissa é falsa. Empresários e altos executivos que praticam atos ilícitos são os que passaram pelas melhores escolas no país e no exterior.

Referências
FILGUEIRAS, Fernando. A corrupção na política. Juiz de Fora, 2006. Disponível em www.cis.puc_rio.br/cedes

FONSECA, Francisco. Corrupção como fenômeno político. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, set. 2011.

MATHIAS, Maira. Outros focos da corrupção. Brasil de Fato. São Paulo, n. 643, 1º de jun. 2015.


Nenhum comentário:

Postar um comentário