quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Relendo “Capitães da areia”.


Antônio de Paiva Moura


O livro de Jorge Amado, Capitães da Areia, lançado em 1937, em forma de ficção, retrata a vida de um grupo de menores abandonados que, diante da repulsa da sociedade e da indiferença do Estado, acabam por recorrer a diversos tipos de crime para sobreviver. Costumeiramente, a literatura romântica e idealista da primeira metade do século vinte, só tomava como personagens heróicas, crianças bem sucedidas na vida, inteligentes e bem comportadas no meio social. A publicação de “Capitães da areia” foi chocante ao ponto de ser considerado pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, como propaganda comunista. Foi a primeira e única vez que o público brasileiro deparou-se com um garoto de rua assumindo o papel de protagonista de uma obra literária. Trazia à tona questões como a desigualdade social e o abandono, bem como as violências delas decorrentes. Os pequenos marginais são elevados à condição de heróis da trama. O autor consegue levar o leitor a se desfazer de julgamentos maniqueístas. Os personagens são órfãos miseráveis, menores abandonados de favelas e de famílias desestruturadas. São pessoas literalmente carentes e desprovidas de acessos aos bens indispensáveis para a vida. Além do sofrimento pela carência, são violentados pelas instituições coercitivas do Estado e desprezados pela sociedade. Desta forma, restam-lhes os meios ilícitos para assegurar a única coisa que sobrou que é a vida. 

Passados quase oitenta anos da publicação da referida obra, a situação dos meninos de ruas das grandes cidades brasileiras continuam inalterada. Os arrastões ocorrem exatamente nos meios de circulação das classes altas. Os assaltos nas ruas das regiões mais nobres ganham protagonistas nas manchetes dos jornais e nas redes sociais. Como diz Gavião (2015), nesse cenário, a revolta dos desfavorecidos, que nada têm a perder, a violência é a única linguagem com a qual estão habituados, desde a infância.  Percebe-se que a carência de educação e conscientização política não se limita aos 
desprivilegiados. Atinge igualmente uma fatia relevante das camadas da sociedade brasileira, composta por elementos orgulhosos de seus diplomas, mas analfabetos políticos, incapazes de ultrapassar o senso comum. Na verdade, os diplomados e os “bem herdados”, têm canais de comunicação para expressarem seus desejos de repressão a meninos de rua.  Quando o discurso de 
repressão não funciona, pregam a vingança pessoal e o “fazer justiça com as próprias mãos”. Os “bem herdados” querem levar a vida no gozo sem limite, sem serem incomodados pelos capitães da areia de nossos dias.

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