Antônio de Paiva Moura
O humanismo é justificável, se o
homem não é o único ser vivente da terra?
Pensar sobre a validade do humanismo não significa excluir a necessidade
de refletir sobre os demais seres vivos da fauna e da flora.
Desde que adquiriu a fala e a razão, o
homem passou a ter noção de sua finitude. Saber que tem um tempo de vida e que
a morte é inevitável é extremamente angustiante. Tanto assim, que para amenizar
esse sofrimento foi criada a idéia de vida após a morte, só para o ser
humano. Com o uso da palavra os humanos
vivem ofendendo seus semelhantes. O sofrimento por ofensas verbais é constante
e intenso. Tão intenso que, muitas vezes, culmina em morte dos ofensores. Como
o homem teme perder a vida, mais que qualquer outra coisa, uma das piores
ofensas é dizer ao outro que deseja sua morte ou que vai matá-lo.
Com a aquisição da técnica, o homem
tornou-se imensamente poderoso e capaz de exterminar milhões de seus
semelhantes em questão de minuto. Quando o dinheiro passou a representar os
bens reais e tornou-se o centro de todas as coisas, a dominação de poucos sobre
muitos, tornou-se mais efetiva. A civilização criou condições para o domínio de
poucos sobre muitos e aumento das desigualdades sociais. A força bélica, a lei,
a religião, as armas e os preconceitos contribuíram para o aumento da dominação
de uns sobre os outros. A vida humana tem momentos de prazer, mas nunca sem o
sacrifício de seus semelhantes e dos demais seres vivos.
Einstein e Freud contribuíram para o
desenvolvimento dessa epistemologia do humanismo. Em 1931 a Liga das Nações
criou um programa para promover a troca de correspondências entre intelectuais,
em busca de explicação à freqüência de guerras no mundo. Einstein escreveu carta
a Freud iniciando o debate. Freud já havia publicado algo relacionado ao
assunto, em 1930, no trabalho intitulado “O mal-estar na civilização”. Em um
dos parágrafos da carta de Einstein ele diz:
O
insucesso, malgrado sua evidente sinceridade, de todos os esforços, durante a
última década, no sentido de alcançar essa meta, não deixa lugar à dúvida de
que estão em jogo fatores psicológicos de peso que paralisam tais esforços.
Alguns desses fatores são mais fáceis de detectar. O intenso desejo de poder,
que caracteriza a classe governante em cada nação, é hostil a qualquer
limitação de sua soberania nacional. Essa fome de poder político está acostumada
a medrar nas atividades, de outro grupo, cujas aspirações são de caráter
econômico, puramente mercenário. Refiro-me especialmente a esse grupo reduzido,
porém decidido, existente em cada nação, composto de indivíduos que,
indiferentes às condições e aos controles sociais, consideram a guerra, a
fabricação e venda de armas simplesmente como uma oportunidade de expandir seus
interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal.
Sem aprofundar muito no mérito
da resposta de Freud a Einstein, percebe-se que ele foi ao centro da questão. O
direito como garantia do exercício do poder e da dominação.
O
senhor começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de
que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas, permita-me
substituir a palavra ‘poder’ pela palavra mais nua e crua, a violência.
Atualmente, direito e violência se nos afiguram como antíteses. No entanto, é
fácil mostrar que uma se desenvolveu da outra e, se nos reportarmos às origens
primeiras e examinarmos como essas coisas se passaram, resolve-se o problema
facilmente. Perdoe-me se, nessas considerações que se seguem, eu trilhar chão familiar
e comumente aceito, como se isto fosse novidade; o fio de minhas argumentações
o exige.
É,
pois, um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são
resolvidos pelo uso da violência. É isto o que se passa em todo o reino animal,
do qual o homem não tem motivo por que se excluir. No caso do homem, sem dúvida
ocorrem também conflitos de opinião que podem chegar a atingir as mais raras
nuanças da abstração e que parecem exigir alguma outra técnica para sua
solução. Esta é, contudo, uma complicação a mais. No início, numa pequena horda
humana, era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse
das coisas ou quem fazia prevalecer sua vontade. A força muscular logo foi
suplementada e substituída pelo uso de instrumentos: o vencedor era aquele que
tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo. A
partir do momento em que as armas foram introduzidas, a superioridade
intelectual já começou a substituir a força muscular bruta; mas o objetivo final
da luta permanecia o mesmo — uma ou outra facção tinha de ser compelida a
abandonar suas pretensões ou suas objeções, por causa do dano que lhe havia
sido infligido e pelo desmantelamento de sua força. Conseguia-se esse objetivo
de modo mais completo se a violência do vencedor eliminasse para sempre o
adversário, ou seja, se o matasse. Isto tinha duas vantagens: o vencido não
podia restabelecer sua oposição, e o seu destino dissuadiria outros de seguirem
seu exemplo. Ademais disso, matar um inimigo satisfazia uma inclinação
instintual, que mencionarei posteriormente. À intenção de matar opor-se-ia a
reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de serviços úteis,
se fosse deixado vivo e num estado de intimidação. Nesse caso, a violência do vencedor
contentava-se com subjugar, em vez de matar, o vencido. Foi este o início da
idéia de poupar a vida de um inimigo, mas a partir daí o vencedor teve de
contar com a oculta sede de vingança do adversário vencido e sacrificou uma
parte de sua própria segurança.
O debate Einstein Freud constata que
o discurso sem a prática não produz efeito. Eles viram o melancólico fim da
Liga das Nações. A Organização das Nações Unidas, ONU, criada no fim da Segunda
Guerra Mundial, é dominada, exatamente pelas nações mais poderosas do globo. O
interesse das potências é que prevalece. A ONU não consegue evitar que Israel
avance sobre a Palestina; Não conseguiu evitar a invasão do Iraque pelos EUA.
Os naufrágios de embarcações conduzindo refugiados de guerra da África não
comovem a ninguém. Nas calçadas das grandes cidades do mundo inteiro, os bem
situados na vida tropeçam em mendigos e moradores de rua, sem jamais refletirem
sobre o sofrimento de seus semelhantes.
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