terça-feira, 6 de outubro de 2015

Humanismo



Antônio de Paiva Moura

            O humanismo é justificável, se o homem não é o único ser vivente da terra?   Pensar sobre a validade do humanismo não significa excluir a necessidade de refletir sobre os demais seres vivos da fauna e da flora.
Desde que adquiriu a fala e a razão, o homem passou a ter noção de sua finitude. Saber que tem um tempo de vida e que a morte é inevitável é extremamente angustiante. Tanto assim, que para amenizar esse sofrimento foi criada a idéia de vida após a morte, só para o ser humano.  Com o uso da palavra os humanos vivem ofendendo seus semelhantes. O sofrimento por ofensas verbais é constante e intenso. Tão intenso que, muitas vezes, culmina em morte dos ofensores. Como o homem teme perder a vida, mais que qualquer outra coisa, uma das piores ofensas é dizer ao outro que deseja sua morte ou que vai matá-lo.
Com a aquisição da técnica, o homem tornou-se imensamente poderoso e capaz de exterminar milhões de seus semelhantes em questão de minuto. Quando o dinheiro passou a representar os bens reais e tornou-se o centro de todas as coisas, a dominação de poucos sobre muitos, tornou-se mais efetiva. A civilização criou condições para o domínio de poucos sobre muitos e aumento das desigualdades sociais. A força bélica, a lei, a religião, as armas e os preconceitos contribuíram para o aumento da dominação de uns sobre os outros. A vida humana tem momentos de prazer, mas nunca sem o sacrifício de seus semelhantes e dos demais seres vivos.
Einstein e Freud contribuíram para o desenvolvimento dessa epistemologia do humanismo. Em 1931 a Liga das Nações criou um programa para promover a troca de correspondências entre intelectuais, em busca de explicação à freqüência de guerras no mundo. Einstein escreveu carta a Freud iniciando o debate. Freud já havia publicado algo relacionado ao assunto, em 1930, no trabalho intitulado “O mal-estar na civilização”. Em um dos parágrafos da carta de Einstein ele diz:
O insucesso, malgrado sua evidente sinceridade, de todos os esforços, durante a última década, no sentido de alcançar essa meta, não deixa lugar à dúvida de que estão em jogo fatores psicológicos de peso que paralisam tais esforços. Alguns desses fatores são mais fáceis de detectar. O intenso desejo de poder, que caracteriza a classe governante em cada nação, é hostil a qualquer limitação de sua soberania nacional. Essa fome de poder político está acostumada a medrar nas atividades, de outro grupo, cujas aspirações são de caráter econômico, puramente mercenário. Refiro-me especialmente a esse grupo reduzido, porém decidido, existente em cada nação, composto de indivíduos que, indiferentes às condições e aos controles sociais, consideram a guerra, a fabricação e venda de armas simplesmente como uma oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade pessoal.
                Sem aprofundar muito no mérito da resposta de Freud a Einstein, percebe-se que ele foi ao centro da questão. O direito como garantia do exercício do poder e da dominação.
O senhor começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas, permita-me substituir a palavra ‘poder’ pela palavra mais nua e crua, a violência. Atualmente, direito e violência se nos afiguram como antíteses. No entanto, é fácil mostrar que uma se desenvolveu da outra e, se nos reportarmos às origens primeiras e examinarmos como essas coisas se passaram, resolve-se o problema facilmente. Perdoe-me se, nessas considerações que se seguem, eu trilhar chão familiar e comumente aceito, como se isto fosse novidade; o fio de minhas argumentações o exige.
É, pois, um princípio geral que os conflitos de interesses entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. É isto o que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo por que se excluir. No caso do homem, sem dúvida ocorrem também conflitos de opinião que podem chegar a atingir as mais raras nuanças da abstração e que parecem exigir alguma outra técnica para sua solução. Esta é, contudo, uma complicação a mais. No início, numa pequena horda humana, era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a posse das coisas ou quem fazia prevalecer sua vontade. A força muscular logo foi suplementada e substituída pelo uso de instrumentos: o vencedor era aquele que tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo. A partir do momento em que as armas foram introduzidas, a superioridade intelectual já começou a substituir a força muscular bruta; mas o objetivo final da luta permanecia o mesmo — uma ou outra facção tinha de ser compelida a abandonar suas pretensões ou suas objeções, por causa do dano que lhe havia sido infligido e pelo desmantelamento de sua força. Conseguia-se esse objetivo de modo mais completo se a violência do vencedor eliminasse para sempre o adversário, ou seja, se o matasse. Isto tinha duas vantagens: o vencido não podia restabelecer sua oposição, e o seu destino dissuadiria outros de seguirem seu exemplo. Ademais disso, matar um inimigo satisfazia uma inclinação instintual, que mencionarei posteriormente. À intenção de matar opor-se-ia a reflexão de que o inimigo podia ser utilizado na realização de serviços úteis, se fosse deixado vivo e num estado de intimidação. Nesse caso, a violência do vencedor contentava-se com subjugar, em vez de matar, o vencido. Foi este o início da idéia de poupar a vida de um inimigo, mas a partir daí o vencedor teve de contar com a oculta sede de vingança do adversário vencido e sacrificou uma parte de sua própria segurança.
            O debate Einstein Freud constata que o discurso sem a prática não produz efeito. Eles viram o melancólico fim da Liga das Nações. A Organização das Nações Unidas, ONU, criada no fim da Segunda Guerra Mundial, é dominada, exatamente pelas nações mais poderosas do globo. O interesse das potências é que prevalece. A ONU não consegue evitar que Israel avance sobre a Palestina; Não conseguiu evitar a invasão do Iraque pelos EUA. Os naufrágios de embarcações conduzindo refugiados de guerra da África não comovem a ninguém. Nas calçadas das grandes cidades do mundo inteiro, os bem situados na vida tropeçam em mendigos e moradores de rua, sem jamais refletirem sobre o sofrimento de seus semelhantes.


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