terça-feira, 10 de novembro de 2015

Esta matança tem que acabar

Por Jaime Pinsky, historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros


Juliana Cristina da Silva, 28 anos, loira (ao que parece, falsa loira), motorista que bebeu bastante antes de pegar no volante (o índice de álcool era de quase três vezes o considerado aceitável), transitava na zona norte de São Paulo depois da meia noite. Muito provavelmente por conta do seu estado etílico, e a despeito da sinalização existente no local, entrou na faixa de ciclistas que estava sendo pintada no local, atropelou os quatro operários que lá trabalhavam, feriu dois e matou dois. Não satisfeita, fugiu do local, nem cogitando socorrer os trabalhadores. Pessoas que estavam no local perseguiram seu carro e a alcançaram três quilômetros depois. O bafômetro comprovou que Juliana estava bêbada (desculpem, alcoolizada. Bêbado é coisa de pobre). Ela foi levada à delegacia, presa em flagrante.
Juliana Cristina da Silva pagou uma merreca de fiança e foi solta. Beber e matar gente é, supostamente, crime inafiançável no Brasil. Mas, pelo visto, esta é mais uma lei que não pegou. Afinal a moça é branca, loira (falsa loira, mas loira), tem “boa aparência” (eufemismo para designar pessoas que não fazem parte do povão e tomam certo cuidado no vestir) e teve como pagar uma fiança.

Curioso, a lei parece dizer que crimes devem ser punidos. Dizem ainda que alguns crimes são inafiançáveis. Em abril de 2011, a Segunda Turma do STF, aprovou por unanimidade o parecer do relator, ministro Ricardo Lewandowski, em que ele dizia que dirigir embriagado é crime, independente de o motorista ter causado dano ou não (vejam bem, crime, não infração sujeita apenas a multa). O ministro disse que “basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor apresentando uma concentração de álcool no sangue superior a 0,6 decigramas por litro de sangue para ser configurado como crime”. Dois anos depois, em abril de 2013, o mesmo ministro, com o apoio da mesma Turma, rejeitou um pedido de habeas corpus dizendo que “ao dirigir embriagado (o motorista) assumiu o risco de matar, configurando dolo eventual”.

Esta foi a definição clara do ministro do Supremo Tribunal Federal, criando jurisprudência à qual todos os magistrados em instâncias mais baixas teriam que se submeter. Ao que parece a jurisprudência não alcança loiras falsas de boa aparência, mesmo que elas matem duas pessoas trabalhando em área sinalizada. Não posso acreditar, mas tenho que arriscar hipóteses: foi porque ela tinha curso superior e eles não? Ela era mais rica do que eles (enquanto ela voltava de alguma festa os trabalhadores, oriundos do Piauí, estavam trabalhando)? Ou simplesmente a decisão do ministro Lewandowski não vale para loiras, mesmo falsas, desde que tenham boa aparência? Nesse caso ele teria que colocar um adendo em seu parecer incluindo essa espécie de motorista também…

Os dados não são precisos, mas estima-se que mais de 40 mil pessoas morrem em acidentes de trânsito no Brasil por ano, pelos menos outros tanto ficam inválidos e entre 8 e 15 mil são mortos por atropelamento. Ou seja, a cada 5 minutos alguém perde a vida ou fica inválido por conta de veículos automotores (as motos já desempenham um triste papel de destaque nesta estatística). Mesmo assim as pessoas continuam dirigindo sem se preocupar com o álcool, responsável por parte importante da estatística macabra. Basta ver a quantidade de automóveis estacionados na região dos barzinhos nas cidades brasileiras, e não só nas maiores. Encher a cara e sair dirigindo é uma prática corriqueira entre nós. “O álcool não me afeta, tenho boa resistência”, diz um; “um bom café após as cervejas, e pronto, estou zero bala”, diz outro. “Uso um aplicativo no celular que me avisa sobre os locais onde está a fiscalização”, garante um terceiro, que nem se preocupa em justificar o álcool ingerido, apenas em não ser pego alcoolizado ao volante.

Essa matança tem que acabar. Afinal não somos nenhuma Síria, não estamos em guerra. Ou estamos?

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