quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Governador Valadares sob emergência hídrica



Reportagem na periferia de cidade atingida por lama da Vale. Torneiras incertas. Água turva e malcheirosa. Alergias e coceiras, em que se atreve a um banho. Dura disputa pelas garrafas PET
Por Débora Lopes |

“Que Deus ajude nossa cidade a voltar a ser o que era antes”, clama um voluntário que, na última sexta-feira (19), distribuía água mineral no Morro do Querosene, ponto conhecido pelo alto número de homicídios e tráfico de drogas na cidade de Governador Valadares, Minas Gerais.

A morte apocalíptica do Rio Doce – provocada pelo rompimento das barragens em Mariana – unia voluntários e moradores da comunidade, que, de mãos dadas e debaixo de chuva, viviam o luto da principal fonte de abastecimento de água da região. Nesse momento, a apelação final era Deus, já que a Vale, empresa responsável pela atrocidade ambiental cometida em Mariana, pouco tem feito para reparar o estrago que causou no meio-ambiente e na vida de milhares de pessoas.

A ação que acompanhamos era encabeçada pelos grupos Trupe do Bem e S.O.S. Rio Doce, que, nos últimos dias, têm, incansavelmente, distribuído doações de garrafas, galões e fardos de água pela cidade. O trajeto da noite percorreu também a Comunidade do Carapina e o bairro de Monte Carmelo – locais de difícil acesso por conta da hostilidade do tráfico, disseram os voluntários. E a chuva, tão incomum nos céus do município nos últimos meses, não deu trégua.

DESTA ÁGUA NÃO BEBEREI

Recentemente, os valadarenses passaram quase uma semana sem ver uma gota de água sequer caindo de suas torneiras. Mas a reviravolta haveria de chegar. E chegou quando, munida de um copo plástico, a prefeita Elisa Maria Costa (PT) apareceu em um programa de TV ao vivo saboreando a água recém-tratada que voltou a circular pelo município na última segunda-feira (16) desde que o Rio Doce se foi. “A água já está em condições de ser bebida e não existem metais tóxicos”, afirmou em sua página oficial no Facebook. “Não precisam ter receios.”

Partindo do princípio químico e linguístico que afirma que a água não possui cor, cheiro ou sabor, parte dos moradores de Governador Valadares discorda do que foi confirmado pela Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) e reiterado pela prefeita. De acordo com relatos ouvidos pela VICE, a água encanada possui cheiro forte, apresenta coloração amarelada e provoca coceiras e alergias. “Não estamos bebendo. Não temos coragem”, afirma Kênia Rodrigues, moradora da comunidade do Carapina que se recusa a degustar tal líquido.

É através de doações de água mineral que chegam de diversas partes do país, assim como da Prefeitura de Governador Valadares e da Vale, empresa responsável pelas barragens rompidas em Mariana, que os habitantes das regiões mais pobres da cidade têm conseguido se manter.

Comprar garrafas ou galões de água ficou ainda mais difícil quando comerciantes triplicaram o valor dos produtos. Um galão que, normalmente, custaria R$ 10 passou a ser vendido por R$ 30. A Polícia Militar mineira afirmou à VICE que, após receber denúncias, chegou a prender comerciantes por infringir a Lei 1.521 – contra a economia popular.

Não fossem as doações, a periferia – desprovida de poços artesianos, mais comuns entre a classe média-alta e campestre – não teria outra escolha senão enfrentar o que lhes é ofertado através da torneira: uma água insólita. O futuro dos moradores é incerto: não se sabe quando a situação da água será resolvida, quiçá por quanto tempo as doações serão disponibilizadas.

Para entender melhor a situação da periferia de Governador Valadares, a VICE conversou com algumas pessoas que enfrentaram a água caindo do céu para garantir um fardo de água mineral dentro de casa.

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=235835)

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