quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Um ano para ficar na memória

Texto escrito por José de Souza Castro:
Há dois dias li na “Folha de S. Paulo” artigo de Jairo Marques, um jornalista cadeirante, que me fez pensar. “Por todos os lados”, diz ele, “tenho escutado em coro ‘Acaaaaba, 2015’, o ano mais terrível de todos, o ano das desgraceiras nas mais diversas áreas, o ano em que ficamos mais pobres, o ano em que políticos e empresários ficaram nus, o ano em que Minas chorou barro e o ano em que um bebê sírio deitado de morte na praia arrancou pedaços de corações em todo mundo”.
Apesar de tudo, ele gostaria que o ano continuasse. Porque foi em 2015 que nasceu, há sete meses, a filha Elis. Ele não queria perder um dia sequer de um ano que lhe trouxe, e à família, tanta felicidade elisiana.
“Minha filha me faz valorizar mais o tempo que tenho agora e projetar com mais calma e menos ansiedade o amanhã. Faz eu refletir sobre o que tenho e não sobre o que não tenho”, diz Marques – chefe da minha filha Cristina na Agência Folha, quando ela começava sua carreira em São Paulo.
Eu tenho mais motivos para pensar como ele. Foi em 2015 que nasceram Felipe, Luiz e Matheus – meus netos mais recentes. Só isso, para mim e todos em minha família, supera as dificuldades vividas por nós durante o ano.
É uma questão de foco, diriam. Sim, mas não só. Há muitas maneiras de se repensar o ano que terminou. Como eu venho de longe, como dizia Leonel Brizola, já vi muitas coisas misteriosas, muitas desgraceiras, em minha vida. Nascido em plena Segunda Guerra Mundial, cuja importância só vim a perceber uns 15 anos depois, vivi um tempo em que não faltou, no Brasil e no mundo, um ano que parecia o mais terrível de todos.
No entanto, sobrevivi a todos eles. Por isso, vivo dizendo à Cristina que precisamos ser otimistas. E, em 2015, quase me cansei de repetir isso ao jornalista Acílio Lara Resende, meu chefe durante 16 anos no "Jornal do Brasil" e que, nos últimos meses, tem-se revelado extremamente pessimista com a situação do país, em seus artigos no jornal “O Tempo”.
Na mesa dele, na sucursal do JB, havia uma plaquinha de acrílico sobre uma base de madeira, com uma frase – “Isso também passa” – para a qual apontava silenciosamente sempre que um de nós levava a ele um problema que no momento parecia insuperável, insuportável.
Passa sim, como passou a ditadura de Salazar em Portugal, derrubada por um golpe militar no mesmo dia em que nasceu meu filho mais velho, o Henrique. Como passou a última ditadura militar brasileira. E como passará, estou certo (sou um otimista), a armação da direita para implantar nova ditadura no Brasil, desesperançada que ela parece estar de ganhar o poder pelo voto.
Sim, 2015 não será esquecido tão cedo. Há muitas lições a se tirar desses 365 dias. Sobretudo para nós, jornalistas. Se eu tivesse que fazer uma retrospectiva da imprensa – como fez a Cristina com os livros e filmes lidos e assistidos por ela durante o ano – o resultado não seria otimista. Por isso, não faço, pois estou muito velho para me tornar pessimista. E acho que todos nós saberemos tirar proveito dessa lição. Quem de nós não sofreu na pele as consequências dos erros da imprensa que contribuíram para jogar o país na depressão? Mas, felizmente, ainda não na ditadura...
 (fonte: blog da KikaCastro)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A semana no Café Historia

[1] Café História TV:
 Minha Pesquisa
Acabamos de publicar mais um vídeo exclusivo da seção "Minha Pesquisa", do Café História TV, o canal de vídeos do Café História. Desta vez, conversamos com a historiadora Anita Lucchesi, que falou de sua pesquisa sobre história digital e história pública, realizada na Universidade de Luxemburgo.  [Confira]
[2] Mural do Historiador: 
Igrejas do Brasil
A Brasiliana Fotográfica oferece a seus leitores uma seleção de fotografias de igrejas católicas em algumas das principais cidades do Brasil.  E mais: O Museu do Futebol, localizado no Estádio do Pacaembu em São Paulo, lançou a sua mais nova exposição virtual na Plataforma Google Cultural Institute, sobre a história do futebol feminino no Brasil.  [Confira]
[3] Notícia em destaque:
 Hitler
Proibido de ser comercializado na Alemanha desde a derrota dos nazistas na Segunda Guerra Mundial, há 70 anos, “Mein kampf” (ou "Minha luta"), de Adolf Hitler, vai voltar para as prateleiras das livrarias do país. No próximo mês, será lançada uma edição revista com comentários críticos, fruto de um trabalho de anos capitaneado por um instituto financiado com recursos públicos. [Veja]
[4] Acadêmico:
 Ciências da Religião
Acaba de ser publicada mais uma edição da revista “Horizonte”, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, da PUC-MG.  [Clique aqui]

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Efeitos perversos da mineração



Antônio de Paiva Moura


A mineração só é prejudicial a quem não é dono.

Ferrum sacra fames

            Parodiando o verso do poeta romano Virgílio (70 a 19 a C), (auri sacra fames) no poema “Eneida”, no qual ele condena a execrável fome de ouro, ou a ambição desmedida, dirigimos nosso foco para a demanda de ferro nos países emergentes de hoje. Como o ouro simbolizava ou representava dinheiro, Max Weber disse que, para se situar bem no capitalismo, tanto trabalhadores quanto empregadores devem radiantemente assumir a “auri sacra fames”, a fome de ganhar dinheiro. 

            As atividades extrativistas minerais sempre foram desastrosas tanto do ponto de vista social quanto ecológico. Isso é um fenômeno mundial e histórico.  A economia das regiões mineradoras no Brasil nunca se diversificou substancialmente para além da atividade extrativa.  Minas Gerais, Goiás, Maranhão e Pará têm em comum a herança de velhos problemas causados por mineradoras de grande porte. 

            A mineração da época colonial, contando com mão de obra escrava, nada deixava nessas regiões, senão a pobreza e a degradação da natureza. Muito conhecida na história a fábula dos metais e pedras preciosas extraídas na América Latina e que fizeram ingentes fortunas na Europa. No século XIX, o capital e a tecnologia especializada na exploração de ouro e diamantes eram de domínio estrangeiro. Somente parcos tributos ficavam no tesouro da união e da província de Minas Gerais. Uma das críticas dos liberais revoltosos de 1842 foi sobre a forma gratuita como os estrangeiros extraiam ouro na Mina de Morro Velho, em Nova Lima. No século XX a situação passou por algumas alterações, mas os estados mineradores continuam sendo apenas locais dos maiores depósitos de rochas com grande teor de hematita, própria para a fabricação de ferro e aço. 

            Muito conhecida na história, na literatura e na filmografia, os relatos de crueldade no Distrito Diamantino para que os diamantes não tomassem rumos diferentes que os domínios portugueses. Na região da mineração de ouro, os confiscos de bens e as matanças de inocentes deixavam a população sempre em pânico. Felipe dos Santos, em 1720, só porque reivindicou melhores relações do governo com os mineradores, acabou sendo atado vivo à coalheira de um cavalo e arrastado até a morte. Muitos de seus liderados foram assassinados e tiveram suas casas queimadas. 

            Além dos distúrbios sociais, a história da mineração está repleta de exemplos de desastres, mortes e mutilações em milhares de operários. Na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, ocorreram diversos graves acidentes nos dois séculos passados. Em 1884, uma enorme rocha desabou e fechou a entrada da mina, soterrando e matando mais de uma centena de operários.  Em 1887, num incêndio no interior da mina, mais de uma dezena de operários morreu asfixiada. Na mineração diamantífera, há caso de rompimento de barragem de sacos de areia, feita para desviar o curso do Rio Jequitinhonha. Seu rompimento, no início dos século XIX causou a morte de garimpeiros que trabalhavam abaixo da referida barragem.   

            Nas décadas de 1980 e 1990, a Companhia Tejucana, de capital sul-africano, instalou enormes dragas, do tipo alcatraz, no meio da calha do Rio Jequitinhonha, em Diamantina, A gigantesca máquina retirava montanhas de areia e cascalho do leito do rio, para extrair diamantes.  Em seguida a empresa Rio Novo, subsidiária da Andrade Gutiérrez, continuou com as dragas na localidade de Mendanha. Essa atividade provocou uma enorme turvulência no rio em toda a sua extensão, matando todos os seus peixes e as matas ciliares. Ninguém sabia como saiam e nem para onde iam os diamantes ali extraídos. A mineração autorizada e também a clandestina, nos afluentes do Jequitinhonha, provocou a diminuição de seu volume de água.  Isso é que se chama custo ecológico. 

            Os casos de Nova Lima (2001), Cataguases (2003) e Miraí (2007), na Zona da Mata, e de Itabirito (2014), todos ocorridos em Minas Gerais, mostraram que Mariana, em 2015, era um acontecimento anunciado. Tragédias com essa magnitude costumam revelar segredos empresariais criminosamente omitidos das populações direta e indiretamente atingidas por suas atividades. E o Estado, articulado com o capital em todas suas esferas de ação (federal, estadual, municipal), é o cúmplice ativo destes crimes de lesa humanidade porque seus órgãos de fiscalização sofrem de uma deficiência crônica e proposital e porque não são poucas as artimanhas que cria para penalizar intervenções pequenas ao mesmo tempo em que facilita e agiliza a emissão de “licenciosidades” ambientais para projetos de vulto. (PINASSI, 2015)
           
Mineroduto 

            Em 2007 foi dado início a execução do projeto Minas-Rio, cujo objeto é construir o mineroduto de Conceição do Mato Dentro ao porto Açu, município de São João da Barra, estado do Rio de Janeiro, para exportar minério de ferro bruto, sem nenhum tipo de beneficiamento. Para impulsionar o minério nos dutos, o processo vai levar de Conceição do Mato Dentro cerca dois mil e quinhentos metros cúbicos de água por hora, privando o município de uma de suas vitais riquezas. 

            Para que o projeto fosse autorizado sem resistências locais e no âmbito do estado de Minas Gerais, a mineradora do empresário Eike Batista instalou no município uma empresa de falso caráter pecuário para facilitar as desapropriações. A Borba Gato  Pastoril SA chegou em Conceição, em 2007 procurando comprar terras para criação de cavalos. Esse subterfúgio acabou evitando que o verdadeiro objeto da mineradora causasse resistência à venda das propriedades. (ZHOURI, 2014) Até então, a base da economia de Conceição do Mato Dentro era a agricultura familiar e o ecoturismo. Segundo Zhouri, esse processo foi interrompido quando o governo de Minas, juntamente com algumas empresas, decidiu que sua “vocação” era ser cidade mineradora. 

            Após o início das atividades da empresa, córregos e rios passaram a apresentar qualidades impróprias para uso. Produtores rurais tiveram inviabilizado o plantio de alimentos, fabricação de queijos e doces e viram seus animais adoecerem e morrerem. Em 2014, abaixo da barragem de rejeitos da empresa, no córrego Passa Sete, ocorreu uma grande mortandade de peixes. O projeto Minas-Rio defendido como desenvolvimento pela empresa e pelo governo de Minas, reforça a subordinação do Brasil ao Mercado internacional, como mero fornecedor de matéria prima bruta. 

            Em 2008 o projeto foi vendido para a Anglo American, que tem sede em Londres e que, no ano de 2012, teve um faturamento de U$ 28,7 bilhões de dólares. Essa empresa tem uma longa história de conflitos com a classe trabalhadora nos países em que atua. Em Conceição do Mato Dentro não é diferente. Em audiência pública na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em 2013, o promotor público estadual, Marcelo Mata Machado listou os conflitos na região que incluem: violação de direitos trabalhistas; grilagem de terras; assoreamento de córregos e rios; coação da população no sentido de não transitar nas estradas; destruição do meio ambiente; poluição dos mananciais; invasão de terras pela empresa; destruição de casas de moradias; agravamento do problema de moradia, saúde, escola e segurança. Em 2013, um incêndio oportunizou o aumento dos protestos de oitocentos trabalhadores da Anglo American, em face das más condições de trabalho e não pagamento de horas extras. Uma subsidiária da Anglo foi denunciada por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, incluindo cerca de cem haitianos. 

            A questão fundiária passa por uma esperteza e demonstração de força da Anglo American. A empresa negocia a posse da terra com alguns membros da família. Sem concordância de todos os herdeiros. A partir daí proíbe a entrada dos moradores e herdeiros nos terrenos e o acesso a caminhos tradicionais. 

            Do ponto de vista ambiental, a Anglo conseguiu todas as licenças requeridas, inclusiva algumas não previstas na legislação, como, por exemplo, a divisão do licenciamento em fases. Com a aquiescência do governo mineiro, foi inventada a fórmula: “vamos por etapas”. Na análise de Zhouri, isso indica que houve forte interesse de pessoas dentro dos órgãos ambientais de Minas, para que o projeto fosse aprovado. Estranha-se o fato de Daniel Medeiros de Souza, superintendente de regulamentação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente ter-se demitido para assumir alto cargo de licenciamento na Anglo American. Apesar de condições nada favoráveis e divergências nos órgãos de licenciamento ambiental, em outubro de 2014, o projeto foi aprovado.

            A proposta de Minas Gerais e do município de Conceição do Mato Dentro de construção de ferrovia para transportar minério de ferro, foi preterida. Minas Gerais foi derrotada em sua perspectiva de desenvolvimento e não consegue evitar o desastroso ato de economia insustentável. A água que injeta o minério nos dutos vai de graça para o mar. Sendo a água um mineral, sobre ela não recai nenhum tributo. A água que escoa no mineroduto escasseia o abastecimento da população. A mineração é uma das atividades mais lucrativas porque emprega pouca gente. Máquinas gigantescas operadas por uma só pessoa. Os poucos empregos que oferecem são mal remunerados e instáveis. 

            Quanto mais lucro entra nos caixas das empresas mineradoras, maior é a pobreza e os problemas sociais no entorno das jazidas. Há muita denúncia de trabalho escravo; doenças decorrentes de trabalho; conflitos de terras e luta por moradia. Em Carajás, no Pará, somente em 2015, foram registrados 125 conflitos de terras e onze trabalhadores assassinados. No trágico acontecimento de Mariana, o que os meios de comunicação mostraram com abundância de imagens, foi que as pessoas atingidas pela lama são muito pobres. Relata Ângela Carrato que em Conceição do Mato Dentro há concentração de amônia nos dois cursos d’água, barulho e trepidação nas proximidades do mineroduto; o número de mães solteiras aumentou, assim como a prostituição e a criminalidade.

Referência
CARRATO, Ângela. Minas Ltda. Caros Amigos. São Paulo, n. 224, Nov. 2015.
PINASSI, Maria Orlanda. Brasil: hora de repensar a mineração. Disponível em http://outraspalavras.net/brasil - acesso em 20 de dezembro de 2015.
ZHOURI, Andréa (e outros). O projeto Minas-Rio: negociando os direitos... dos outros!. Le Monde diplomatique Brasil. São Paulo, n. 88, novembro de 2014. 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Revista de Ciências Humanas

Está disponível online o novo número da Revista de Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina.


Acesse aqui: https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Chomsky desnuda a “Guerra ao Terror”


Como Washington continua a alimentar – mesmo após atentados de Paris – grupos extremistas que simula combater. Qual o papel da Rússia. Por que candidatura presidencial de Bernie Sanders importa

Entrevista a C.J. Polychroniou, no Truthout | Imagem: Anthony Freda, Perpetual War | Tradução: Camila Teicher

A “guerra ao terror” agora se transformou em uma implacável campanha bélica global. Enquanto isso, as verdadeiras causas do surgimento e da expansão de organizações assassinas como o ISIS continuam sendo convenientemente ignoradas.

Após o massacre de Paris, em novembro, importantes países ocidentais, como França e Alemanha, estão se unindo aos Estados Unidos na luta contra o terrorismo fundamentalista islâmico. A Rússia também se prontificou a se juntar ao clube, por ter suas próprias preocupações quanto à propagação do fundamentalismo islâmico. Na verdade, os russos vêm travando sua própria “guerra ao terror” desde o colapso do Estado soviético. Paralelamente, alguns dos fortes aliados dos EUA, como a Arábia Saudita, o Catar e a Turquia, estão apoiando direta ou indiretamente o ISIS, porém esta realidade também é convenientemente ignorada pelas forças ocidentais que combatem o terrorismo internacional. Só a Rússia ousou recentemente classificar a Turquia de “cúmplice dos terroristas” por ter abatido um caça russo que teria violado o seu espaço aéreo. (Vale lembrar que os caças turcos violam o espaço aéreo grego frequentemente há anos: 2.244 vezes somente em 2014.)

A “guerra ao terror” faz sentido? É uma política eficaz? E qual é a diferença entre a sua fase atual e as duas anteriores, ocorridas durante os mandatos de Ronald Reagan e George W. Bush? Além disso, quem realmente se beneficia com a “guerra ao terror”? E qual é a relação entre o complexo militar-industrial americano e a produção da guerra? Noam Chomsky, crítico mundialmente renomado à política externa dos Estados Unidos, expôs seus pontos de vista sobre essas questões em uma entrevista exclusiva com C.J. Polychroniou.

Obrigado por conceder esta entrevista. Gostaria de começar escutando sua opinião sobre os últimos acontecimentos na guerra contra o terrorismo, uma política que vem desde os anos do governo Reagan e que foi transformada subsequentemente em uma doutrina de “cruzada” [islamofóbica] por George W. Bush, com um custo inestimável de vidas inocentes e efeitos profundos no direito internacional e na paz mundial. A guerra contra o terrorismo parece estar iniciando uma fase nova e talvez mais perigosa, à medida que outros países entram na briga com agendas e interesses políticos distintos daqueles dos EUA e de alguns de seus aliados. Em primeiro lugar, você concorda com essa avaliação da evolução da guerra contra o terrorismo e, se sim, quais são as prováveis consequências econômicas, sociais e políticas de uma guerra global e permanente ao terror, especialmente para as sociedades ocidentais?
Noam Chomsky: As duas fases da “guerra ao terror” são bem diferentes, exceto em um aspecto crucial. A guerra de Reagan degenerou rapidamente em conflitos terroristas e homicidas, e essa é precisamente a razão pela qual foi “desaparecida”. Suas guerras terroristas tiveram consequências terríveis na América Central, no sul da África e no Oriente Médio. A América Central, o alvo mais direto, até hoje não se recuperou, e essa é uma das principais razões – raramente mencionada – para a atual crise de refugiados. O mesmo vale para a segunda fase, redeclarada por George W. Bush 20 anos depois, em 2001. Os ataques diretos devastaram grandes regiões e o terror tomou novas formas, especialmente com a campanha global de execuções (com drones) de Obama, que rompe novos recordes nos anais do terrorismo e — assim como outros exercícios similares — provavelmente mais gera terroristas devotos do que mata suspeitos.


A opinião pública mundial vê os Estados Unidos como a maior ameaça à paz por uma ampla margem.
O alvo da guerra de Bush era a Al-Qaeda. Uma série de intevenções militares — no Afeganistão, Iraque, Líbia, entre outros – conseguiu difundir o terror jihadista, antes restrito a uma pequena área tribal no Afeganistão, a praticamente todo o mundo, do oeste da África ao Oriente Médio e seguindo até o sudeste da Ásia. Foi um dos feitos políticos mais notáveis da História… Paralelamente, a Al-Qaeda foi substituída por elementos muito mais cruéis e destrutivos. Atualmente, o ISIS (Estado Islâmico) é o recordista em brutalidades monstruosas, mas os outros candidatos ao título não ficam muito atrás. Essa dinâmica, que vem já de vários anos, foi estudada em um importante trabalho do analista militar Andrew Cockburn, em seu livro Kill Chain [“Cadeia de Mortes”]. Ele documenta como, ao matar um líder sem resolver a raiz e as causas do fenômeno, essa figura costuma ser substituída muito rapidamente por alguém mais jovem, mais competente e mais cruel.
Uma das consequências dessas façanhas é que a opinião pública mundial vê os EUA como a maior ameaça à paz por uma ampla margem. Muito atrás, em segundo lugar, está o Paquistão, provavelmente engrandecido pela opinião dos indianos. Outros acontecimentos desse tipo já registrados podem até mesmo criar uma guerra mais generalizada com um mundo islâmico inflamado, enquanto as sociedades ocidentais se sujeitam à repressão interna e à redução dos seus direitos civis e se colocam sob o fardo de enormes gastos, realizando assim os maiores sonhos de Osama Bin Laden e agora do ISIS.

Nas discussões sobre as políticas norte-americanas relacionadas à “guerra ao terror”, a diferença entre as operações oficiais e as operações clandestinas quase desapareceu. Enquanto isso, a identificação de grupos terroristas e a seleção de atores ou Estados que apoiam o terrorismo não só parece ser totalmente arbitrária; em alguns casos, os acusados identificados questionam se a “guerra ao terror” é realmente uma guerra contra o terrorismo ou se, na verdade, é uma cortina de fumaça para justificar políticas de conquista global. Por exemplo, embora a Al-Qaeda e o ISIS sejam indiscutivelmente organizações terroristas e assassinas, o fato de que alguns aliados dos EUA, como a Arábia Saudita e o Catar, e até mesmo países-membros da OTAN, como a Turquia, tenham apoiado ativamente o grupo é ignorado ou muito minimizado tanto pelos decisores políticos quanto pela grande mídia dos EUA. O que você opina sobre isso?
Tudo isso também se aplica às versões de Reagan e Bush da “guerra ao terror”. Para Reagan foi um pretexto para intervir na América Central, no que o bispo salvadorenho Rivera y Damas, sucessor do arcebispo assassinado Oscar Romero, descreveu como “uma guerra de extermínio e genocídio contra uma população civil indefesa”. Foi ainda pior na Guatemala e muito grave em Honduras. A Nicarágua era o único país que contava com um exército para se defender dos terroristas de Reagan; nos outros países, as próprias forças de segurança pública eram os terroristas.
No sul da África, a “guerra ao terror” foi o pretexto para apoiar crimes do regime de Pretória em seu país e no resto da região, com um saldo de vítimas terrível. Afinal, tínhamos que defender a civilização contra o que chamávamos de “um dos principais grupos terroristas” do mundo, o Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela… O próprio Mandela permaneceu até 2008 na lista de terroristas criada pelos EUA. No Oriente Médio, o conceito de “guerra ao terror” levou ao apoio à invasão assassina do Líbano por Israel e muito mais. Com Bush, foi o pretexto para invadir o Iraque. E assim por diante.
O que está acontecendo na “história de horror síria” é indescritível. As principais forças de oposição ao ISIS em terra parecem ser os curdos, assim como no Iraque, onde figuram na tal lista americana de terroristas. Em ambos os países, eles são o principal alvo dos ataques da aliada norte-americana da OTAN, a Turquia, que também apoia a célula da Al-Qaeda na Síria, a Frente Al-Nusra. Isso tudo parece ser quase igual para o ISIS, embora eles estejam empreendendo uma disputa de território. O apoio dos turcos à Al-Nusra é tão extremo que, quando o Pentágono enviou algumas dezenas de soldados que havia treinado, a Turquia teria alertado a Al-Nusra, que os aniquilou instantaneamente. A Al-Nusra e seu íntimo aliado, o Ahrar al-Sham, também recebem apoio da Arábia Saudita e do Catar, aliados dos EUA, e, ao que parece, é possível que estejam recebendo armamento de última geração da CIA. Há registros de que eles usaram armas antitanque TOW, fornecidas pela agência norte-americana de inteligência, para causar importantes derrotas ao exército de Assad, possivelmente incitando os russos a intervirem. Além disso, a Turquia parece continuar permitindo que os jihdistas transitem por suas fronteiras com a Síria.
A Arábia Saudita, particularmente, é uma das maiores apoiadoras dos movimentos jihadistas extremistas há anos, não só financiando-os, mas também difundindo suas doutrinas islâmicas radicais com escolas corânicas, mesquitas e clérigos wahhabistas. Com muita imparcialidade, Patrick Cockburn descreve a “wahhabização” do islamismo sunita como um dos aspectos mais perigosos desta era. A Arábia Saudita e os Emirados têm forças militares imensas e sofisticadas, porém quase não se envolvem na guerra contra o ISIS. Atuam no Iêmen, onde estão gerando uma enorme catástrofe humanitária e, muito provavelmente, como dito antes, estão gerando futuros terroristas para serem nossos alvos na “guerra ao terror”. Enquanto isso, essa região e sua população estão sendo dizimadas.
Para a Síria, a única pequena esperança parecem ser as negociações entre os vários elementos envolvidos, exceto o ISIS. Isso inclui pessoas muito terríveis, como o presidente do país, Bashar al-Assad, que não vão cometer suicídio político espontaneamente e, portanto, deverão estar envolvidas nas negociações, caso a espiral rumo à autodestruição nacional seja contida. Em Viena, passos estão sendo dados – embora com hesitação – nessa direção. Há mais coisas que podem ser feitas em terra, mas, para isso, é fundamental a mudança para o caminho da diplomacia.

O papel da Turquia na chamada guerra global contra o terrorismo deve ser visto como um dos gestos mais hipócritas nos anais modernos da diplomacia. Vladimir Putin não mediu palavras depois que o caça russo foi abatido, taxando a Turquia de “cúmplice dos terroristas”. O petróleo é a razão pela qual os EUA e seus aliados ocidentais fazem vista grossa ao apoio de certas nações do golfo pérsico a organizações terroristas como o ISIS, mas qual é a razão para não questionar o apoio da Turquia ao terrorismo fundamentalista islâmico?
A Turquia sempre foi um importante aliado da OTAN, de enorme relevância geoestratégica. Durante os anos 1990, quando realizou algumas das maiores atrocidades de que se tem conhecimento em sua guerra contra a população curda, tornou-se o principal receptor de armas norte-americanas (além de Israel e Egito, uma categoria à parte). Essa relação passou por alguns momentos de conflito, especialmente em 2003, quando o governo acatou a posição de 95% da população e se recusou a se juntar aos EUA no ataque ao Iraque. A Turquia foi energicamente condenada por essa incapacidade de entender o significado de “democracia”. Paul Wolfowitz, aclamado pela mídia como “o idealista-chefe” do governo Bush, repreendeu as forças militares turcas por permitirem que o governo adotasse essa posição indecorosa e exigiu que se desculpassem. No entanto, em geral, essa relação se manteve bem próxima. Recentemente, os dois países chegaram a um acordo sobre a guerra conta o ISIS: a Turquia concedeu aos EUA acesso às suas bases militares próximas à Síria e, em troca, prometeu atacar o grupo – mas, em vez disso, atacou seus inimigos curdos.

Embora este talvez não seja um ponto de vista aceito por muitos, a Rússia, ao contrário dos EUA, parece conter-se no uso da força. Supondo que você concorda com essa afirmação, na sua opinião, qual seria a razão disso?
Eles são a parte mais fraca. Não têm 800 bases militares em todo o mundo, não poderiam intervir em todos os lugares como os EUA vêm fazendo ao longo dos anos nem realizar algo como a campanha global de execuções de Obama. Também foi assim durante toda a Guerra Fria. Eles podiam usar as forças militares perto de suas fronteiras, mas não poderiam ter realizado algo como as guerras na Indochina, por exemplo.

A França parece ter se tornado o alvo preferido dos terroristas fundamentalistas islâmicos. Como isso se explica?
Na verdade, são muitos mais os africanos mortos pelo terrorismo islâmico. O Boko Haram está acima do ISIS, no ranking das organizações terroristas globais. Na Europa, a França tem sido o principal alvo em grande medida por razões que remetem à guerra da Argélia.

O terrorismo fundamentalista islâmico como o promovido pelo ISIS foi condenado por organizações como Hamas e Hezbollah. O que ISIS deseja realmente, e o que o diferencia o das outras chamadas organizações terroristas?
Devemos ser cuidadosos com o que chamamos de “organizações terroristas”. Os partidários do antinazismo usaram o terror, assim como o exército de George Washington, tanto que uma grande parte da população fugiu por medo do seu terror – sem falar na comunidade indígena, para a qual ele era o “destruidor de cidades”. É difícil encontrar um movimento de liberação nacional que não tenha usado o terror. O Hezbollah e o Hamas foram formados em resposta à ocupação e aos ataques de Israel. No entanto, independentemente do critério que usemos, o ISIS é bem diferente. Eles estão tentando cunhar um território para controlar e fundar um califado islâmico. Isso é muito diferente do que fizeram os demais.

Após o massacre de Paris em novembro deste ano, Obama afirmou, em uma coletiva de imprensa com François Hollande, o presidente da França, que “o ISIS deve ser destruído”. Você acha que isso é possível? Se sim, como? Se não, por que não?
É claro que as potencias ocidentais têm a capacidade de matar todas as pessoas que estão nas áreas controladas por eles, mas nem isso destruiria o ISIS ou outro movimento ainda mais cruel que possivelmente se desenvolveria em seu lugar, devido à dinâmica que já mencionei. Um dos objetivos do ISIS é levar os “cruzados” a uma guerra com todos os muçulmanos. Nós podemos contribuir com essa catástrofe ou podemos tentar atacar as causas do problema e ajudar a criar condições nas quais a sua monstruosidade seja vencida pelas forças da própria região.
A intervenção estrangeira é uma praga há muito tempo e provavelmente continuará sendo. Existem propostas sensatas de como proceder nesse sentido, como, por exemplo, a de William Polk, um excelente acadêmico do Oriente Médio com uma vasta experiência não só na região como também nos mais altos níveis de planejamento governamental dos EUA. Seu projeto tem respaldo significativo das mais cuidadosas pesquisas sobre o poder de atração do ISIS, principalmente a de Scott Atran. Infelizmente, as probabilidades de que essas recomendações sejam ouvidas são mínimas.

A economia política bélica dos EUA parece estar estruturada de tal forma que as guerras seriam quase inevitáveis, algo de que o presidente Dwight Eisenhower aparentemente estava muito consciente quando alertou, em seu discurso de despedida, sobre os perigos de um complexo militar-industrial. A seu ver, o que será necessário para que os EUA se afastem do jingoísmo militarista?
Certamente, alguns setores da economia se beneficiam com o “jingoísmo militarista”, mas não acho que essa seja a causa principal. Há considerações geoestratégicas e relativas à economia internacional muito importantes. Os benefícios econômicos – somente um dos fatores – foram discutidos na imprensa empresarial de maneiras interessantes durante o início do período pós-Segunda Guerra Mundial. Eles entenderam que os gastos governamentais maciços tinham salvado o país da Grande Depressão e muitos temiam que, se esses gastos fossem restringidos, o país afundaria novamente na crise. Uma discussão informativa na revista Business Week (12 de fevereiro de 1949) reconheceu que os gastos com o social poderiam ter o mesmo efeito “propulsor” observado com os gastos militares, mas afirmava que, para os empresários, “há uma enorme diferença social e econômica entre a propulsão do bem-estar e a propulsão das forças armadas”. Isso “não altera de fato a estrutura da economia”. Para o empresário, é só mais um negócio. Mas os gastos com bem-estar e obras públicas “alteram a economia: geram novos canais próprios; criam novas instituições; redistribuem a renda”. E podemos dizer ainda mais: os gastos militares quase não envolvem a população, mas os gastos com o social sim, além de terem um efeito democratizador. Por razões como essas, os gastos militares são muito mais priorizados.

Aprofundando um pouco mais nessa questão da relação entre a cultura política dos EUA e o militarismo, qual é a probabilidade de que o aparente declínio da supremacia norte-americana na arena global transforme seus futuros presidentes em belicistas?
Os EUA atingiram o auge do seu poder após a Segunda Guerra Mundial, mas o declínio veio rapidamente; primeiro com a “perda da China” e, mais tarde, com o ressurgimento de outras potências industriais e o processo agonizante de descolonização e, nos últimos anos, com outras formas de diversificação do poder. As reações podem tomar muitos contornos. Um é o triunfalismo e a agressividade ao estilo Bush. Outro é a reticência ao uso de forças terrestres ao estilo Obama. E existem muitas outras possibilidades. O sentimento popular, que é algo que podemos ter a esperança de influenciar, é muito pouco considerado.

A esquerda deveria apoiar Bernie Sanders nas prévias do Partido Democrata?
Sim. Sua campanha está tendo um efeito benéfico. Levantou questões importantes que normalmente são omitidas e deslocou ligeiramente os democratas a uma direção mais progressista. As chances de que ele vença em nosso sistema de eleições compradas não são grandes e, mesmo que chegasse a ser eleito, seria extremamente difícil para ele fazer qualquer mudança significativa nas políticas. Os republicanos não vão desaparecer e, graças à divisão arbitrária dos distritos eleitorais e a outras táticas, eles provavelmente controlarão o Congresso com uma minoria de votos por alguns anos e é possível que tenham uma forte presença no Senado. É certo que vão bloquear qualquer pequeno passo em uma direção mais progressista, ou mesmo mais racional. É importante reconhecer que esse já não é um partido político normal.
Como bem observaram os respeitados analistas políticos do American Enterprise Institute, o antigo Partido Republicano agora é uma “insurgência radical” que abandonou a política parlamentar por motivos interessantes que não podemos explorar aqui. Os democratas também se deslocaram para a direita e sua essência hoje não se distingue da dos republicanos moderados do passado – apesar de que algumas das políticas de Einsenhower o colocariam mais ou menos onde está Sanders no espectro político. Sanders, portanto, provavelmente não teria muito apoio do congresso e teria pouquíssimo apoio no âmbito estatal.
Nem preciso dizer que as hordas de lobistas e doadores abastados dificilmente seriam seus aliados. Até os ocasionais passos de Obama em uma direção mais progressista foram bloqueados em sua maioria, embora possa haver outros fatores envolvidos, talvez racismo; não é fácil explicar em outros termos a ferocidade do ódio que ele evocou. Mas, em geral, no caso improvável de Sanders ser eleito, suas mãos estariam atadas – ao menos, ao menos… (aquilo que sempre interessa no fim das contas) ao menos que os movimentos populares se desenvolvessem, criando uma onda que ele poderia surfar e que poderia (e deveria) impeli-lo para além de onde ele é capaz de ir sozinho.
Isso nos leva, acho eu, à parte mais importante da candidatura de Sanders: a mobilização de um número enorme de pessoas. Se essas forças puderem se manter para além da eleição, em vez de se dissiparem depois que o show terminar, poderiam se tornar o tipo de força popular de que o país tanto precisa para lidar de forma construtiva com os enormes desafios que vêm pela frente.
Esses comentários dizem respeito às políticas domésticas, que são as áreas em que ele tem se concentrado. Suas concepções e propostas de política externa me parecem muito similares às ideias convencionais dos democratas liberais. Nada particularmente novo é proposto, a meu ver, e nisso incluo alguns pressupostos que, na minha opinião, deveriam ser seriamente questionados.

Uma última pergunta: o que você diria àqueles que mantêm a visão de que acabar com a “guerra ao terror” é ingênuo e equivocado?
Fácil: por quê? E uma pergunta ainda mais importante: por que vocês acham que os EUA deveriam continuar fazendo enormes contribuições para o terrorismo global a pretexto de uma “guerra ao terror”?
__
C.J. Polychroniou é economista político/cientista político; lecionou e trabalhou em universidades e centros de pesquisa da Europa e dos Estados Unidos. Seus principais campos de interesse são a integração econômica europeia, a globalização, a economia política dos Estados Unidos e a desconstrução do projeto político-econômico do neoliberalismo. Colabora regularmente com Truthout, de cujo projeto Public Intellectual é membro. Tem vários livros publicados e artigos divulgados em diversos periódicos, revistas, jornais e websites populares de notícias. Muitas de suas publicações foram traduzidas a idiomas, como croata, francês, grego, italiano, português, espanhol e turco.

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/chomsky-desnuda-a-guerra-ao-terror/)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O espírito natalino de um juiz: incluam-se os jovens com deficiência, desde que paguem

Por Fernando Brito

O juiz federal Alcides Vetorazzi  da 2a. Vara Federal de Florianópolis é um bom exemplo da casta de meritocratas que, aprovado num concurso público – parabéns, doutor! – e recebendo um polpudo salário, complementado com inúmeros penduricalhos, acha que o mundo pertence aos que, como ele,vivem na fartura.
No dia 11 deste mês, certamente já sob a influência do espírito de Natal e da confraternização humana, decidiu, por liminar, anular a lei federal de inclusão e facultar ao Sindicato das Escolas de Santa Catarina cobrar mensalidades “diferenciadas” para as pessoas portadoras de deficiências que estejam cursando o ensino superior, mas num decisão que abre a porteira para que o mesmo seja feito nos demais ciclos educacionais.
Eles devem pagar o que as escolas arbitrarem como custos “extras” pelo atendimento de suas necessidades.
Pagar mais pela superação que os levou até ali, cujo prêmio é o castigo financeiro, seu e de seus pais.
O Doutor Vetorazzi é “bonzinho”.
Não quer que os alunos “não deficientes” paguem pelos infortunados.
Ele não quer o “socialismo” nas mensalidades.
Imagina uma escola com 500 alunos, “450 não deficientes e 50 deficientes”, onde o “sadio” custa R$ 1 mil mensais e o “doente” custa R$ 3 mil (de onde o senhor tirou esta conta, Doutor?). Um pelo outro, a mensalidade seria de R$ 1,2 mil e não é justo que os “anormais” tenham um “desconto” de R$ 1.800 à custa dos “normais”. Contraditoriamente, quer que isso seja arcado apenas pelo Estado, o que, afinal, significa apenas ratear pelos miseráveis o “subsídio” que ficava ali mais justamente distribuído.
Eu também não acho justo, Doutor, ter de pagar imposto para sustentar o farto salário privilegiado de um juiz assim impiedoso como o senhor, mas entendo que é vasta a fauna humana também no Judiciário.
Mas o seu raciocínio é pior do que esse.
Porque não lhe interessa, Dr. Vetorazzi, se os que o senhor considera “anormais” e “caros” poderão estar ali, estudando, sem isso.
Ah, não, por favor, não se debulhe em lágrimas pelas dificuldades em que vivem os donos das faculdades particulares, não doutor? Quase às migalhas, farroupilhos, quem sabe até recebendo um bolsa-família para dar de comer aos filhos…
Aliás, com muita propriedade – ou seriam muitas propriedades? – trata o senhor de alunos como “consumidores” em sua sentença…
Não lhe dou o nome que o senhor mereceria, Doutor, porque isso talvez me custasse não poder pagar as mensalidades escolares de um belo, esperto e desenvolvido guri que está tinindo de bacana, ainda que até escolas ditas “inclusivas” o tenham rejeitado, anos atrás.
Sabe, ele talvez tenha sido “recusado” ali porque ia custar o mesmo “preço” que os “normais”, por algo que não tem preço: o desenvolvimento de um ser humano.
Porque o que faz um ser humano, doutor, não é nem o canudo de doutor e nem a toga, é o sentimento de humanidade.
Quem sabe o senhor não aproveita o desconto dado aos portadores de deficiência de sentimentos humanos? Ah, que pena, não é cadeira do Direito torto que o senhor aprecia, não é?

(fonte:  http://tijolaco.com.br/blog/o-espirito-natalino-de-um-juiz-incluam-se-as-criancas-com-deficiencias-desde-que-paguem/)

domingo, 20 de dezembro de 2015

Fotos do lançamento do meu romance

Fotos do lançamento do meu romance "O amor nos tempos do AI-5",  no sábado 19/12, na Livraria da Usina (Cine Belas Artes).
Aos que moram em BH e não puderam comparecer, aviso que o livro continua à disposição na mesma Livraria.
Aos que moram em outras cidades, estados, podem pedir aos seus livreiros de confiança que peçam exemplares na Editora Novo Século, ou então podem comprar pela Amazon.
Obrigado a todos e todas que compareceram!

Visão geral - fotos: Ricardo Morato



Prof. Antônio Moura, nosso colaborador

Colega de Fafich, ex-deputado, Amilcar Viana Martins

Professora Maria de Lourdes Caldas

Ex-aluna, professora Daniela Freitas

Professor Marco Antônio Silveira, da UFOP

Colega professor Adhemar Marques e Ana Maria

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Aquecimento global: um estranho evento em Paris

Cúpula do Clima foi, ao mesmo tempo, avanço e desastre. Formou-se consenso inédito sobre gravidade da ameaça. Mas lobbies bloquearam as medidas indispensáveis para enfrentá-la
Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho

Comparado com aquilo que poderia ter sido, é um milagre. Comparado com o que deveria ter sido, é um desastre.
Dentro dos estreitos limites em que se deram as negociações, o desenho do acordo sobre o clima na ONU, em Paris, é um grande sucesso. O alívio e autocongratulação com que o texto final foi saudado reconhece o fracasso em Copenhague, há seis anos, quando as negociações correram descontroladamente durante algum tempo, até desmoronar. O acordo de Paris ainda espera a adoção formal, mas sua aspiração ao limite de 1,5ºC para o aquecimento global, depois de tantos anos de rejeição dessa meta, pode ser vista no quadro de uma vitória retumbante. Nesse e em outros sentidos, o texto final é mais forte do que foi antecipado pela maioria das pessoas.
Fora desse quadro, contudo, ele parece outra coisa. Duvido que qualquer um dos negociadores acredite que, como resultado desse acordo, o aquecimento global não irá superar 1,5ºC. Como o preâmbulo do documento reconhece, em vista das débeis promessas que os governos levaram a Paris, mesmo 2ºC seria loucamente ambicioso. Ainda que algumas nações tenham negociado de boa fé, é provável que os resultados reais nos levem a níveis de colapso climático que serão perigosos para todos e letais para alguns. Os governos falam em não onerar as futuras gerações com dívidas. Mas acabam de concordar em sobrecarregar nossos filhos e netos com um legado muito mais perigoso: o dióxido de carbono produzido pela queima contínua de combustíveis fósseis, e os impactos de longo prazo que isso irá exercer sobre o clima global.
Com 2ºC de aquecimento, grandes partes da superfície do mundo irão se tornar menos habitáveis. Os habitantes dessas regiões provavelmente enfrentarão extremos climáticos selvagens: secas piores em alguns lugares, enchentes mais devastadoras em outros, tempestades mais fortes e, potencialmente, graves impactos no abastecimento de alimentos. Ilhas e cidades costeiras correm o risco de desaparecer sob as ondas, em muitas partes do mundo.
A combinação de mares acidificados, morte de corais e derretimento do Ártico pode significar o colapso de toda a cadeia alimentar marinha. Em terra, as florestas tropicais tendem a ser reduzidas, os rios podem minguar e os desertos, aumentar. Extinção em massa será provavelmente a marca da nossa era. Essa é a cara do que os alegres delegados à conferência de Paris enxergaram como sucesso.

Os próprios termos do documento final poderão fracassar? Também é possível. Embora os primeiros rascunhos especificassem datas e percentuais, o texto final visa apenas “alcançar o pico global de emissão de gases de efeito de estufa o mais rápido possível”. É algo que pode significar qualquer coisa e nada.
Para ser justo, o fracasso não deve ser debitado às conversações de Paris, mas a todo o processo. Um aquecimento máximo de 1,5ºC, meta improvável a que agora se aspira, era plenamente realizável quando da primeira conferência sobre mudança climática da ONU em Berlim, em 1995. Houve duas décadas de procrastinação, causadas por lobbies – abertos, encobertos e frequentemente sinistros. Além disso, os governos relutaram em explicar a seus eleitorados que a fixação pelo curto prazo tem custos a longo prazo. O resultado é que três quartos da janela de oportunidade agora se fecharam. As negociações de Paris são as melhores que jamais tivemos. E isso é um sinal terrível.
O resultado, avançado em comparação a todos os anteriores, deixa-nos com um acordo quase comicamente distorcido. Enquanto as negociações sobre quase todos os outros riscos globais buscam enfrentar ambos os lados do problema, o processo climático da ONU preocupa-se inteiramente com consumo de combustíveis fósseis, enquanto ignora sua produção.
Em Paris, os delegados concordaram solenemente em cortar a demanda de petróleo e carvão, mas em casa busca-se maximizar a oferta. O governo do Reino Unido impôs até mesmo a obrigação legal de “maximizar a recuperação econômica” do petróleo e gás do país, com a Lei de Infraestrutura de 2015. A extração de combustíveis fósseis é um fato duro. Mas não faltam fatos suaves ao acordo de Paris: promessas escorregadias e que podem ser desfeitas. Até que resolvam manter os combustíveis no solo, os governos continuarão a sabotar o acordo que acabam de fazer.
É o melhor que se poderia conseguir, nas condições atuais. Nos EUA, nenhum provável sucessor de Barack Obama demonstrará o mesmo compromisso. Em países como o Reino Unido, grandes promessas no exterior são minadas por orçamentos domésticos esquálidos. Seja o que for que aconteça agora, não seremos bem-vistos pelas gerações que nos sucederem.
Então está bem, deixe que os delegados se congratulem por um acordo melhor do que poderia ser esperado. E que o temperem com um pedido de desculpas a todos aqueles a quem a conferência irá trair.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/aquecimento-global-um-evento-estranho-em-paris/)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Esta semana, no Café Historia

[1] Videoconferência sobre o
 Brasil Contemporâneo
Não perca nossa próxima videoconferência, desta vez com o historiador Carlos Fico (UFRJ). O papo acontece hoje, dia 14 de dezembro, 20h, na rede social Café História. O professor Fico acaba de lançar o livro "História do Brasil Contemporâneo - da morte de Vargas aos dias atuais", pela Editora Contexto. O evento será transmitido a partir da rede social Café História. Não é preciso pagar ou se cadastrar em nada. Até mais tarde!  [Confira]
[2] Especialização Gratuita
Com 20 vagas, o curso de Especialização em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde, promovido pela Casa de Oswaldo Cruz (COC), está com inscrições abertas. O objetivo é formar especialistas que possam fazer a mediação entre a ciência, a tecnologia e a sociedade, tanto no campo profissional prático quanto no de pesquisa científica. [Confira]
[3] Livros: Ensino de História, Mulheres e Amazônia 
Do mundo feminino no Rio de Janeiro do século XIX ao Ensino de História, passando pela Amazônia Indígena. Confira as novidades na historiografia brasileira[Veja]
[4] Café História TV:
 Conheça nosso canal no Youtube
Quer acompanhar entrevistas, notícias, conferências e outros vídeos produzidos exclusivamente pelo Café História? Então, torne-se assinante de nosso canal de vídeos. Não custa nada, apenas um clique.  [Clique aqui]

sábado, 12 de dezembro de 2015

E não se esqueçam!


Convite para lançamento de livro

Matéria da Memória – a cidade e seus símbolos é uma série de livros escritos por Maria de Lourdes Caldas Gouveia, doutora em Filosofia pela Universidade Complutense de Madrid, que há mais de 20 anos pesquisa e escreve sobre os símbolos da cidade de Belo Horizonte. Com foco em núcleos patrimoniais urbanos, o primeiro volume da série, O Cemitério do Bonfim como símbolo da cidade, será na Academia Mineira de Letras no mês do aniversário de fundação de Belo Horizonte. O livro retrata o Cemitério do Bonfim que se constitui no maior acervo de esculturas e monumentos de Belo Horizonte a céu aberto.

Na noite do lançamento, será realizada a palestra da autora intitulada Matéria da Memória seguida de sessão de autógrafos.

Lançamento do livro e palestra com Maria de Lourdes Caldas Gouveia
Quarta-feira, 16 de dezembro
Horário: 19h30
Entrada gratuita mediante lotação do espaço.

Finlândia prepara-se para a Renda Cidadã

País planeja redistribuir a cada cidadão 800 euros mensais, sem contrapartida em trabalho. Benefício substituirá medidas caritativas. Autor da proposta debate seu caráter transformador
Por Sirin Kale, na Vice

A Finlândia planeja se desfazer de seus benefícios de assistência social e os substituir por uma renda básica universal disponível para todos os finlandeses – independentemente de quanto eles ganhem.
Apesar de os detalhes ainda não estarem acertados, um plano piloto pagaria 550 euros [quase R$ 2.250] aos finlandeses por mês (junto com outros benefícios). Se o piloto tiver sucesso e o esquema for aplicado nacionalmente, os finlandeses receberão 800 euros [R$ 3.270] por mês sem impostos, substituindo vários outros benefícios que recebem atualmente.

No Reino Unido, uma renda básica foi proposta pelo Partido Verde em seu Manifesto das Eleições Gerais de 2015, afirmando que isso pouparia ao país 163 milhões de libras [R$ 920 milhões] anualmente, em termos de benefícios.

No entanto, antes de começar a planejar sua mudança para a Finlândia, vale apontar que a proposta de renda básica só será preparada oficialmente pelo governo finlandês em novembro de 2016; então, isso ainda está longe de acontecer, segundo a imprensa local.

Apesar de ser socialmente liberal, a Finlândia vem sofrendo economicamente nos últimos anos com um aumento do desemprego e crescimento limitado. Isso pode parecer contraintuitivo, mas alguns economistas argumentam que dar a todo mundo uma renda básica – mesmo para aqueles sem necessidade – pouparia dinheiro dos contribuintes a longo prazo.

A VICE conversou com o professor Guy Standing, especialista em economia da Universidade de Londres. Cofundador da Basic Income Earth Network, ele está fazendo consultoria para essa proposta do governo finlandês.

Por que as pessoas querem uma renda básica? Não é mais fácil dar benefícios apenas para pessoas que precisam?
Guy Standing: O que você está descrevendo é uma verificação dos meios de sobrevivência, e há muitos sinais de que é um processo frágil. Você precisa medir a renda das pessoas e comprová-la, o que produz todo tipo de erro. Por exemplo, as pessoas não sabem o que contar como renda, ou sua renda da última semana pode ser diferente da média dos últimos três meses.

Quem mais se beneficiaria com a introdução de uma renda básica?
Primeiro, as pessoas que geralmente têm desvantagem nas verificações de meios de sobrevivência, porque não sabem como operar esse sistema. Ou seja, pessoas vulneráveis – migrantes, por exemplo. Segundo, a classe dos precários. Aquelas pessoas que as políticas da assistência social não conseguem alcançar. Pessoas que fazem trabalhos casuais, cuja renda flutua o tempo todo. Fornecendo uma renda básica, você dá a elas algum grau de estabilidade.

Se você der dinheiro para todo mundo, as pessoas não vão simplesmente ficar em casa assistindo à TV o dia inteiro?
Evidências mostram que uma renda básica aumenta o incentivo para trabalhar. Quando você tem verificações de meios de sobrevivência e só oferece os benefícios a quem tiver uma renda baixa, quem eleva sua renda com trabalhos extra acaba perdendo o que o Estado lhe paga. Logo, as pessoas ficam presas num ciclo de pobreza.
Quando uma renda básica, você remove esse ciclo e incentiva as pessoas a obter  mais renda, já que elas ficam com o dinheiro extra.

Além de poupar dinheiro da assistência social, quais são os outros benefícios?
Uma pesquisa na Índia descobriu que benefícios assim reduzem custos na saúde pública, pois as pessoas têm acesso a uma nutrição melhor. Quando você repassa mais dinheiro para grupos de renda baixa, eles gastam em bens e serviços básicos que estimulam o crescimento econômico. Assim, você aumenta a receita dos impostos.

Não é estranho dar a pessoas de alta renda financiamento do Estado que elas não precisam?
É mais fácil para o governo dar dinheiro a todos universalmente em vez de tentar descobrir quem é pobre e quem não é. Em contrapartida, você pode tributar mais intensamente aqueles com renda maior.

Quais são os pontos negativos?
Bom, há sempre o custo inicial para a introdução de grandes reformas de assistência social. Nesse caso, quando você introduz um sistema integrado de taxa de benefício, há certos custos envolvidos na administração eletrônica de tal sistema. Outro argumento que já ouvi no passado – particularmente de sindicatos – é que, se as pessoas têm uma renda básica, elas não podem fazer pressão para que os empregadores aumentem os salários.

É possível ver outros países introduzindo uma renda básica, como a Finlândia?
Se você me perguntasse isso dez anos atrás, eu diria que os custos da transição tornariam isso difícil, particularmente em países maiores como os EUA. Hoje em dia, isso custa menos. Sabemos de tentativas na África e na Índia, e há uma discussão sobre a introdução da proposta no Canadá. E já há projetos assim em Utrecht, Holanda.
Houve uma mudança marcante nos últimos anos, com mais países colocando propostas de renda básica na mesa em sentido legislativo. A esperança é que introduzir rendas básicas tenha um efeito emancipatório: isso vai ajudar mais pessoas a se sentirem no controle de suas vidas.

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=242831)