Cúpula do Clima foi, ao mesmo tempo, avanço e desastre. Formou-se consenso inédito sobre gravidade da ameaça. Mas lobbies bloquearam as medidas indispensáveis para enfrentá-la
Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho
Comparado com aquilo que poderia ter sido, é um milagre. Comparado com o que deveria ter sido, é um desastre.
Dentro dos estreitos limites em que se deram as negociações, o
desenho do acordo sobre o clima na ONU, em Paris, é um grande sucesso. O
alívio e autocongratulação com que o texto final foi saudado reconhece o
fracasso em Copenhague, há seis anos, quando as negociações correram
descontroladamente durante algum tempo, até desmoronar. O acordo de
Paris ainda espera a adoção formal, mas sua aspiração ao limite de 1,5ºC
para o aquecimento global, depois de tantos anos de rejeição dessa
meta, pode ser vista no quadro de uma vitória retumbante. Nesse e em
outros sentidos, o texto final é mais forte do que foi antecipado pela
maioria das pessoas.
Fora desse quadro, contudo, ele parece outra coisa. Duvido que
qualquer um dos negociadores acredite que, como resultado desse acordo, o
aquecimento global não irá superar 1,5ºC. Como o preâmbulo do documento
reconhece, em vista das débeis promessas que os governos levaram a
Paris, mesmo 2ºC seria loucamente ambicioso. Ainda que algumas nações
tenham negociado de boa fé, é provável que os resultados reais nos levem
a níveis de colapso climático que serão perigosos para todos e letais
para alguns. Os governos falam em não onerar as futuras gerações com
dívidas. Mas acabam de concordar em sobrecarregar nossos filhos e netos
com um legado muito mais perigoso: o dióxido de carbono produzido pela
queima contínua de combustíveis fósseis, e os impactos de longo prazo
que isso irá exercer sobre o clima global.
Com 2ºC de aquecimento, grandes partes da superfície do mundo irão se
tornar menos habitáveis. Os habitantes dessas regiões provavelmente
enfrentarão extremos climáticos selvagens: secas piores em alguns
lugares, enchentes mais devastadoras em outros, tempestades mais fortes
e, potencialmente, graves impactos no abastecimento de alimentos. Ilhas e
cidades costeiras correm o risco de desaparecer sob as ondas, em muitas
partes do mundo.
A combinação de mares acidificados, morte de corais e derretimento do
Ártico pode significar o colapso de toda a cadeia alimentar marinha. Em
terra, as florestas tropicais tendem a ser reduzidas, os rios podem
minguar e os desertos, aumentar. Extinção em massa será provavelmente a
marca da nossa era. Essa é a cara do que os alegres delegados à
conferência de Paris enxergaram como sucesso.
Os próprios termos do documento final poderão fracassar? Também é
possível. Embora os primeiros rascunhos especificassem datas e
percentuais, o texto final visa apenas “alcançar o pico global de
emissão de gases de efeito de estufa o mais rápido possível”. É algo que
pode significar qualquer coisa e nada.
Para ser justo, o fracasso não deve ser debitado às conversações de
Paris, mas a todo o processo. Um aquecimento máximo de 1,5ºC, meta
improvável a que agora se aspira, era plenamente realizável quando da
primeira conferência sobre mudança climática da ONU em Berlim, em 1995.
Houve duas décadas de procrastinação, causadas por lobbies –
abertos, encobertos e frequentemente sinistros. Além disso, os governos
relutaram em explicar a seus eleitorados que a fixação pelo curto prazo
tem custos a longo prazo. O resultado é que três quartos da janela de
oportunidade agora se fecharam. As negociações de Paris são as melhores
que jamais tivemos. E isso é um sinal terrível.
O resultado, avançado em comparação a todos os anteriores, deixa-nos
com um acordo quase comicamente distorcido. Enquanto as negociações
sobre quase todos os outros riscos globais buscam enfrentar ambos os
lados do problema, o processo climático da ONU preocupa-se inteiramente
com consumo de combustíveis fósseis, enquanto ignora sua produção.
Em Paris, os delegados concordaram solenemente em cortar a demanda de
petróleo e carvão, mas em casa busca-se maximizar a oferta. O governo
do Reino Unido impôs até mesmo a obrigação legal de “maximizar a
recuperação econômica” do petróleo e gás do país, com a Lei de
Infraestrutura de 2015. A extração de combustíveis fósseis é um fato
duro. Mas não faltam fatos suaves ao acordo de Paris: promessas
escorregadias e que podem ser desfeitas. Até que resolvam manter os
combustíveis no solo, os governos continuarão a sabotar o acordo que
acabam de fazer.
É o melhor que se poderia conseguir, nas condições atuais. Nos EUA,
nenhum provável sucessor de Barack Obama demonstrará o mesmo
compromisso. Em países como o Reino Unido, grandes promessas no exterior
são minadas por orçamentos domésticos esquálidos. Seja o que for que
aconteça agora, não seremos bem-vistos pelas gerações que nos sucederem.
Então está bem, deixe que os delegados se congratulem por um acordo
melhor do que poderia ser esperado. E que o temperem com um pedido de
desculpas a todos aqueles a quem a conferência irá trair.
(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/aquecimento-global-um-evento-estranho-em-paris/)
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