A
mineração só é prejudicial a quem não é dono.
Ferrum
sacra fames
Parodiando o verso do poeta romano
Virgílio (70 a 19 a C), (auri sacra
fames) no poema “Eneida”, no qual ele condena a execrável fome de ouro, ou
a ambição desmedida, dirigimos nosso foco para a demanda de ferro nos países
emergentes de hoje. Como o ouro simbolizava ou representava dinheiro, Max Weber
disse que, para se situar bem no capitalismo, tanto trabalhadores quanto
empregadores devem radiantemente assumir a “auri sacra fames”, a fome de ganhar
dinheiro.
As atividades extrativistas minerais
sempre foram desastrosas tanto do ponto de vista social quanto ecológico. Isso
é um fenômeno mundial e histórico. A
economia das regiões mineradoras no Brasil nunca se diversificou
substancialmente para além da atividade extrativa. Minas Gerais, Goiás, Maranhão e Pará têm em
comum a herança de velhos problemas causados por mineradoras de grande porte.
A mineração da época colonial,
contando com mão de obra escrava, nada deixava nessas regiões, senão a pobreza
e a degradação da natureza. Muito conhecida na história a fábula dos metais e
pedras preciosas extraídas na América Latina e que fizeram ingentes fortunas na
Europa. No século XIX, o capital e a tecnologia especializada na exploração de
ouro e diamantes eram de domínio estrangeiro. Somente parcos tributos ficavam
no tesouro da união e da província de Minas Gerais. Uma das críticas dos
liberais revoltosos de 1842 foi sobre a forma gratuita como os estrangeiros
extraiam ouro na Mina de Morro Velho, em Nova Lima. No século XX a situação
passou por algumas alterações, mas os estados mineradores continuam sendo
apenas locais dos maiores depósitos de rochas com grande teor de hematita,
própria para a fabricação de ferro e aço.
Muito conhecida na história, na
literatura e na filmografia, os relatos de crueldade no Distrito Diamantino
para que os diamantes não tomassem rumos diferentes que os domínios
portugueses. Na região da mineração de ouro, os confiscos de bens e as matanças
de inocentes deixavam a população sempre em pânico. Felipe dos Santos, em 1720,
só porque reivindicou melhores relações do governo com os mineradores, acabou
sendo atado vivo à coalheira de um cavalo e arrastado até a morte. Muitos de
seus liderados foram assassinados e tiveram suas casas queimadas.
Além dos distúrbios sociais, a
história da mineração está repleta de exemplos de desastres, mortes e mutilações
em milhares de operários. Na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, ocorreram
diversos graves acidentes nos dois séculos passados. Em 1884, uma enorme rocha
desabou e fechou a entrada da mina, soterrando e matando mais de uma centena de
operários. Em 1887, num incêndio no
interior da mina, mais de uma dezena de operários morreu asfixiada. Na
mineração diamantífera, há caso de rompimento de barragem de sacos de areia,
feita para desviar o curso do Rio Jequitinhonha. Seu rompimento, no início dos
século XIX causou a morte de garimpeiros que trabalhavam abaixo da referida
barragem.
Nas décadas de 1980 e 1990, a
Companhia Tejucana, de capital sul-africano, instalou enormes dragas, do tipo
alcatraz, no meio da calha do Rio Jequitinhonha, em Diamantina, A gigantesca
máquina retirava montanhas de areia e cascalho do leito do rio, para extrair
diamantes. Em seguida a empresa Rio
Novo, subsidiária da Andrade Gutiérrez, continuou com as dragas na localidade
de Mendanha. Essa atividade provocou uma enorme turvulência no rio em toda a
sua extensão, matando todos os seus peixes e as matas ciliares. Ninguém sabia
como saiam e nem para onde iam os diamantes ali extraídos. A mineração
autorizada e também a clandestina, nos afluentes do Jequitinhonha, provocou a diminuição
de seu volume de água. Isso é que se
chama custo ecológico.
Os casos de Nova Lima (2001),
Cataguases (2003) e Miraí (2007), na Zona da Mata, e de Itabirito (2014), todos
ocorridos em Minas Gerais, mostraram que Mariana, em 2015, era um acontecimento
anunciado. Tragédias com essa magnitude costumam revelar segredos empresariais
criminosamente omitidos das populações direta e indiretamente atingidas por
suas atividades. E o Estado, articulado com o capital em todas suas esferas de
ação (federal, estadual, municipal), é o cúmplice ativo destes crimes de lesa
humanidade porque seus órgãos de fiscalização sofrem de uma deficiência crônica
e proposital e porque não são poucas as artimanhas que cria para penalizar
intervenções pequenas ao mesmo tempo em que facilita e agiliza a emissão de
“licenciosidades” ambientais para projetos de vulto. (PINASSI, 2015)
Mineroduto
Em
2007 foi dado início a execução do projeto Minas-Rio, cujo objeto é construir o
mineroduto de Conceição do Mato Dentro ao porto Açu, município de São João da
Barra, estado do Rio de Janeiro, para exportar minério de ferro bruto, sem
nenhum tipo de beneficiamento. Para impulsionar o minério nos dutos, o processo
vai levar de Conceição do Mato Dentro cerca dois mil e quinhentos metros
cúbicos de água por hora, privando o município de uma de suas vitais
riquezas.
Para
que o projeto fosse autorizado sem resistências locais e no âmbito do estado de
Minas Gerais, a mineradora do empresário Eike Batista instalou no município uma
empresa de falso caráter pecuário para facilitar as desapropriações. A Borba
Gato Pastoril SA chegou em Conceição, em 2007 procurando comprar
terras para criação de cavalos. Esse subterfúgio acabou evitando que o
verdadeiro objeto da mineradora causasse resistência à venda das propriedades.
(ZHOURI, 2014) Até então, a base da economia de Conceição do Mato Dentro era a
agricultura familiar e o ecoturismo. Segundo Zhouri, esse processo foi
interrompido quando o governo de Minas, juntamente com algumas empresas,
decidiu que sua “vocação” era ser cidade mineradora.
Após
o início das atividades da empresa, córregos e rios passaram a apresentar
qualidades impróprias para uso. Produtores rurais tiveram inviabilizado o
plantio de alimentos, fabricação de queijos e doces e viram seus animais
adoecerem e morrerem. Em 2014, abaixo da barragem de rejeitos da empresa, no
córrego Passa Sete, ocorreu uma grande mortandade de peixes. O projeto
Minas-Rio defendido como desenvolvimento pela empresa e pelo governo de Minas,
reforça a subordinação do Brasil ao Mercado internacional, como mero fornecedor
de matéria prima bruta.
Em
2008 o projeto foi vendido para a Anglo American, que tem sede em Londres e
que, no ano de 2012, teve um faturamento de U$ 28,7 bilhões de dólares. Essa
empresa tem uma longa história de conflitos com a classe trabalhadora nos
países em que atua. Em Conceição do Mato Dentro não é diferente. Em audiência
pública na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em 2013, o promotor público
estadual, Marcelo Mata Machado listou os conflitos na região que incluem:
violação de direitos trabalhistas; grilagem de terras; assoreamento de córregos
e rios; coação da população no sentido de não transitar nas estradas;
destruição do meio ambiente; poluição dos mananciais; invasão de terras pela
empresa; destruição de casas de moradias; agravamento do problema de moradia,
saúde, escola e segurança. Em 2013, um incêndio oportunizou o aumento dos
protestos de oitocentos trabalhadores da Anglo American, em face das más
condições de trabalho e não pagamento de horas extras. Uma subsidiária da Anglo
foi denunciada por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão,
incluindo cerca de cem haitianos.
A
questão fundiária passa por uma esperteza e demonstração de força da Anglo
American. A empresa negocia a posse da terra com alguns membros da família. Sem
concordância de todos os herdeiros. A partir daí proíbe a entrada dos moradores
e herdeiros nos terrenos e o acesso a caminhos tradicionais.
Do
ponto de vista ambiental, a Anglo conseguiu todas as licenças requeridas,
inclusiva algumas não previstas na legislação, como, por exemplo, a divisão do
licenciamento em fases. Com a aquiescência do governo mineiro, foi inventada a
fórmula: “vamos por etapas”. Na análise de Zhouri, isso indica que houve forte
interesse de pessoas dentro dos órgãos ambientais de Minas, para que o projeto
fosse aprovado. Estranha-se o fato de Daniel Medeiros de Souza, superintendente
de regulamentação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente ter-se demitido para
assumir alto cargo de licenciamento na Anglo American. Apesar de condições nada
favoráveis e divergências nos órgãos de licenciamento ambiental, em outubro de
2014, o projeto foi aprovado.
A
proposta de Minas Gerais e do município de Conceição do Mato Dentro de
construção de ferrovia para transportar minério de ferro, foi preterida. Minas
Gerais foi derrotada em sua perspectiva de desenvolvimento e não consegue
evitar o desastroso ato de economia insustentável. A água que injeta o minério
nos dutos vai de graça para o mar. Sendo a água um mineral, sobre ela não recai
nenhum tributo. A água que escoa no mineroduto escasseia o abastecimento da
população. A mineração é uma das atividades mais lucrativas porque emprega
pouca gente. Máquinas gigantescas operadas por uma só pessoa. Os poucos
empregos que oferecem são mal remunerados e instáveis.
Quanto
mais lucro entra nos caixas das empresas mineradoras, maior é a pobreza e os problemas
sociais no entorno das jazidas. Há muita denúncia de trabalho escravo; doenças
decorrentes de trabalho; conflitos de terras e luta por moradia. Em Carajás, no
Pará, somente em 2015, foram registrados 125 conflitos de terras e onze
trabalhadores assassinados. No trágico acontecimento de Mariana, o que os meios
de comunicação mostraram com abundância de imagens, foi que as pessoas
atingidas pela lama são muito pobres. Relata Ângela Carrato que em Conceição do
Mato Dentro há concentração de amônia nos dois cursos d’água, barulho e
trepidação nas proximidades do mineroduto; o número de mães solteiras aumentou,
assim como a prostituição e a criminalidade.
Referência
CARRATO, Ângela. Minas
Ltda. Caros Amigos. São Paulo, n. 224, Nov. 2015.
PINASSI, Maria Orlanda. Brasil: hora de repensar a
mineração. Disponível em http://outraspalavras.net/brasil - acesso em 20 de dezembro de 2015.
ZHOURI,
Andréa (e outros). O projeto Minas-Rio: negociando os direitos... dos
outros!. Le Monde diplomatique Brasil. São Paulo, n. 88, novembro de
2014.
Artigo publicado na edição de 29 de janeiro de 2016 do jornal "Brasil de Fato" MG.
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