sábado, 30 de janeiro de 2016

Homens que odeiam mulheres

Os mais indignados com atentado contra “nossas mulheres” em Colônia são aqueles que, nos outros 364 dias do ano, acham que elas são pedaços de carne, a ser usadas segundo a vontade dos machos
Por Nuno Ramos

Vivemos num mundo hipócrita de meias-tintas. A Amazon alemã comercializou, com grande sucesso, um CD com o hino do Pegida (Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente), organização racista alemã. O fato provocou escândalo e protestos de alguns consumidores. Receando o efeito comercial da questão, a empresa multinacional resolveu comunicar que ia dar uma percentagem dos seus lucros nessa venda para apoio aos refugiados. Se o exemplo frutifica, teremos as empresas que fabricam bombas a dar uma percentagem simbólica dos seus lucros milionários às vítimas de mais de dez anos de bombardeamentos no Oriente Médio, que já mataram, só no Iraque, milhões de pessoas.

O mesmo mecanismo de hipocrisia funcionou com a polícia alemã, que pouco fez em relação a uma multidão que roubava e agredia sexualmente mulheres em Colônia, e que manteve esse crime escondido no congelador porque parte dos seus autores seriam indivíduos que requeriam o estatuto de refugiado na Alemanha.

A ideia de que uma vítima de bombardeamento é necessariamente uma boa pessoa é simplesmente imbecil. O laxismo das autoridades revela uma má consciência ocidental que está mal dirigida: os países que mandam no mundo deviam abster-se de tentar impor o seu regime liberal a golpes de míssil, nos países do Terceiro Mundo; não deviam colaborar com ditaduras e regimes fundamentalistas, como a Arábia Saudita; e deviam deixar de ser permissivos e laxistas com determinados crimes.

Lamento desiludir os racistas, mas os crimes sexuais não se esgotam nos refugiados muçulmanos. Mulheres bósnias muçulmanas foram alegremente violadas por croatas e sérvios que eram cristãos (católicos e ortodoxos) sem que a sua suposta boa-fé os tivesse impedido de massacrar e violar. Há muitos bispos da Igreja Católica acusados de violar crianças. Existem milhares de crimes sexuais por toda a Europa que não escolhem raça nem preferência religiosa. Têm apenas uma coisa em comum: são perpetrados por gente que odeia as mulheres e acha que elas são objetos para serem usados a seu bel-prazer.

O mais fascinante do assunto é que as pessoas que mais se indignaram com o atentado contra “as nossas mulheres”, em Colônia, são aquelas que, nos outros 364 dias do ano, acham que elas são pedaços de carne sem cérebro, próprias para serem usadas segundo a vontade dos machos. A jornalista alemã Sabrina Hoffmann, responsável das redes sociais, a propósito do sucedido na Alemanha recenseava algumas declarações educativas sobre os dias normais e comentários habituais nas redes sociais:

“Bom, se elas vestem calças justas e um top, estão pedindo”; “As garotas de 15 anos são perfeitamente conscientes do impacto que têm no sexo oposto. Não são nada inocentes”; “Se realmente violaram uma mulher, lamento muito, mas onde começa a violação?”, e outras declarações com o mesmo grau de inteligência.

Ora, um crime não lava outros crimes, apenas nos permite perceber melhor a razão do sucedido e as formas de impedir que venha a repetir-se. O excelente jornalista João Carlos Barradas escreveu um artigo que coloca algumas questões importantes: “Entre os migrantes chegados à UE contam-se essencialmente homens (66% dos registros de entradas em 2015 na Grécia e Itália), mais de 20% são menores não acompanhados e, entre eles, 90% do sexo masculino. Uma migração predominantemente masculina e juvenil, além de degradar ainda mais o estatuto das mulheres nas sociedades de origem e limitar hipóteses de reunião familiar, é fator de assinalável distorção das proporções de homens e mulheres entre jovens adultos nos países de acolhimento.” É preciso combater em toda a gente, e nos refugiados, culturas que menosprezem a mulher. É preciso castigar os criminosos. Mas sobretudo é necessário impedir que tenhamos um mundo a duas velocidades: um espaço fechado, com condições, e uma selva bombardeada para 90% da população.
A solução do problema dos refugiados passa por normalizar a vida nos países de origem.

Nesta mesma Alemanha onde houve os crimes de Colônia, a polícia distribuiu a crianças refugiadas lápis de cor e papel para elas desenharem. Um deles, oferecido a um policial por uma menina, tinha uma família em fuga retalhada pelas bombas, com uma mãe a esvair-se em sangue, e um agradecimento a quem a acolheu. É preciso não fechar os olhos a nada.
(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/homens-que-odeiam-mulheres/)

Quarenta anos de procrastinação interesseira

Como as grandes petroleiras transnacionais souberam, desde 1977, dos efeitos dramáticos da queima de CO² — e vêm lutando desde então para escondê-los das sociedades
Por Neela Banerjee, Lisa Song e David Hasemyer, no InsideClimate News | Tradução: Gilberto Schittini

Em uma reunião na sede da Exxon Corporation, um cientista sênior chamado James F. Black dirigiu-se a um grupo de poderosos homens do petróleo. Falando sem texto enquanto passava por slides detalhados, Black transmitiu uma séria mensagem: o dióxido de carbono oriundo do uso mundial de combustíveis fósseis iria aquecer o planeta e poderia eventualmente colocar a humanidade em perigo.
“Em primeiro lugar, existe um consenso científico geral de que a maneira mais provável pela qual a humanidade estaria influenciando o clima global seria pelo dióxido de carbono liberado na queima de combustíveis fósseis”, Black disse ao Comitê Gerencial da Exxon, segundo uma versão escrita que ele registrou mais tarde.
Era julho de 1977 quando os líderes da Exxon receberam essa avaliação contundente, bem antes de o resto do mundo ouvir falar sobre a crise climática iminente.
Um ano depois, Black, um especialista técnico do topo da divisão de Pesquisa e Engenharia da Exxon, levou uma versão atualizada da sua apresentação para uma audiência maior. Ele alertou os cientistas e gerentes da Exxon de que pesquisadores independentes haviam estimado que uma duplicação da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera elevaria a temperatura média global em 2 a 3 graus Celsius (4 a 5 graus Fahrenheit), e poderia chegar a 10 graus Celsius (18 graus Fahrenheit) nos polos. As chuvas ficariam mais fortes em algumas regiões, e outros lugares se tornariam desertos.
“Alguns países se beneficiariam, mas outros teriam sua produtividade agrícola reduzida ou destruída”, Black disse, conforme o resumo escrito de sua apresentação de 1978.
Essas apresentações refletiam a incerteza que permeava os meios científicos sobre os detalhes das mudanças climáticas, como, por exemplo, o papel desempenhado pelos oceanos na absorção de emissões. Ainda assim, Black previu que ações rápidas eram necessárias. “De acordo com o conhecimento atual”, ele escreveu no resumo de 1978, “estima-se que o homem tenha uma janela de cinco a dez anos antes que a necessidade de que decisões duras sobre mudanças nas estratégias energéticas se tornem críticas”
A Exxon respondeu rapidamente. Em meses a companhia lançou sua própria pesquisa extraordinária sobre o dióxido de carbono dos combustíveis fósseis e seu impacto na Terra. O programa ambicioso da Exxon incluía tanto amostragem empírica de CO2 quanto modelagem climática rigorosa. Ela reuniu um grupo de especialistas que iria dedicar mais de uma década aprofundando o conhecimento da companhia sobre esse problema ambiental que oferecia um risco de vida ao ramo do petróleo.
Então, ao final da década de 1980, a Exxon reduziu sua pesquisa sobre o dióxido de carbono. Ao invés disso, nas décadas que se seguiram, a Exxon trabalhou na linha de frente da negação climática (climate denial). A empresa dedicou a sua musculatura para sustentar esforços na produção de dúvidas sobre a realidade do aquecimento global que seus próprios cientistas um dia constataram. Ela articulou politicamente esforços para bloquear ações federais e internacionais de controle de emissões de gases de efeito estufa. Ela ajudou a construir um vasto edifício de desinformação que se mantém de pé até o dia de hoje.
Esse capítulo não contado da história da Exxon, o dia em que uma das maiores companhias energéticas do mundo se dedicou ativamente para entender os danos causados pelos combustíveis fósseis, emergiu de uma investigação de oito meses de duração feita pela InsideClimate News. Os jornalistas da ICN entrevistaram antigos empregados da Exxon, cientistas, agentes federais, e consultaram centenas de páginas de documentos internos da Exxon, muitos deles escritos entre 1977 e 1986, durante o auge do inovador programa de pesquisa sobre clima da empresa. A ICN passou um pente fino em milhares de documentos de arquivos incluindo aqueles tombados na Universidade de Texas-Austin, no Instituto de Tecnologia de Massachussets-MIT e na Associação Americana para o Avanço da Ciência.
Os documentos registraram pedidos de orçamento, prioridades de pesquisa, e debates sobre as descobertas, e revelaram o arco das atitudes internas da Exxon, seu trabalho sobre clima e quanta atenção os resultados receberam.
Teve significância particular um projeto lançado em agosto de 1979, quando a companhia equipou um superpetroleiro com instrumentos customizados. A missão desse projeto foi de coletar amostras de dióxido de carbono na atmosfera e nos oceanos ao longo de uma rota que partiu do Golfo do México até o Golfo Pérsico.
Em 1980, a Exxon reuniu um time de especialistas em modelagem climática que investigou questões fundamentais sobre a sensibilidade do clima ao aumento da concentração de dióxido de carbono no ar. Trabalhando em conjunto com cientistas da universidade e com o Departamento de Energia dos Estados Unidos, a Exxon lutou para estar na ponta das investigações sobre o que então era conhecido como efeito estufa.
A determinação inicial da Exxon em entender os níveis crescentes de dióxido de carbono surgiu de uma cultura corporativa com visão de longo prazo, disseram antigos empregados. Eles descreveram uma companhia que continuamente examinava riscos até o final da linha, inclusive os fatores ambientais. Nos anos 1970s, a Exxon espelhou sua divisão de pesquisa nos Laboratórios Bell, contratando cientistas e engenheiros altamente qualificados.
Em uma resposta escrita a questões sobre a história de suas pesquisas, o porta-voz da ExxonMobil Richard D. Keil disse que “desde o tempo em que as mudanças climáticas surgiram pela primeira vez como tópico para estudos e análises científicas, no final dos anos 1970s, a ExxonMobil se comprometeu com a análise científica, baseada em fatos sobre esse importante tema”.
“Sempre”, ele disse, “as opiniões e conclusões dos nossos cientistas e pesquisadores nesse assunto estiveram solidamente inseridas nos consenso geral da opinião científica do período e nosso trabalho tem sido guiado pelo princípio fundamental de seguir para onde a ciência nos levar. O risco de mudança climática é real e exige ação”.
No início das suas investigações climáticas, há quase quatro décadas atrás, muitos executivos da Exxon, gerentes e cientistas se imbuíram de um senso de urgência e de missão.
Um gerente do setor de pesquisa da Exxon, Harold N. Weinberg, compartilhou seus “pensamentos grandiosos” sobre o papel potencial da Exxon na pesquisa climática em um memorando interno da companhia, em março de 1978, onde se lia: “Esse pode ser o tipo de oportunidade que nós estávamos esperando para colocar os recursos de tecnologia, gestão e liderança da Exxon no contexto de um projeto que visa o bem da humanidade”.
Seus sentimentos ganharam eco em Henry Shaw, o cientista que liderou o nascente esforço de da companhia na pesquisa sobre dióxido de carbono.
“A Exxon precisa desenvolver um time científico de credibilidade que possa avaliar criticamente as informações geradas sobre o tema e que seja capaz de dar más notícias, se houver, para a corporação”, Shaw escreveu para seu chefe Edward E. David, o presidente setor de Engenharia e Pesquisa da Exxon em 1978. “Este time precisa ser reconhecido por sua excelência pela comunidade científica, pelo governo e internamente pela administração da Exxon”.
Irreversível e Catastrófico
A Exxon destinou mais de 1 milhão de dólares em três anos para o projeto do petroleiro para medição de quão rápido os oceanos estavam absorvendo CO2. Isso era apenas uma pequena fração do orçamento anual de 300 milhões de dólares da Exxon Pesquisas, mas a questão que os cientistas abordaram era uma das maiores incertezas na ciência do clima: quão rápido poderiam as profundezas oceânicas absorver o CO2 atmosférico? Se a Exxon pudesse encontrar a resposta, a empresa poderia saber quanto tempo ainda demoraria até que a acumulação de CO2 na atmosfera exigisse uma transição no sentido de abandonar o uso dos combustíveis fósseis.
A Exxon também contratou cientistas e matemáticos para desenvolver modelos climáticos melhores e publicar os resultados de pesquisa em jornais acadêmicos. Até 1982, os cientistas da própria companhia, colaborando com pesquisadores de fora, criaram modelos climáticos rigorosos – programas de computador que simulam o funcionamento do clima para avaliar o impacto de emissões na temperatura global. Eles confirmaram o consenso científico emergente: que o aquecimento poderia ser até pior do que Black havia alertado cinco anos antes.
A pesquisa da Exxon estabeleceu as bases para uma cartilha corporativa de 1982 sobre dióxido de carbono e mudança climática preparada por seu escritório de assuntos ambientais. Marcada com “não deve ser distribuída externamente”, a cartilha continha informações que “tiveram grande circulação na administração da Exxon”. Nela a companhia reconhecia que, apesar dos aspectos desconhecidos persistentes, para se prevenir o aquecimento global “seriam necessárias reduções massivas na queima de combustíveis fósseis”.
Caso isso não ocorresse, “há eventos catastróficos em potencial que precisam ser considerados”, seguiu a cartilha, citando especialistas independentes. “Quando os efeitos se tornarem mensuráveis, poderão não mais ser reversíveis”.
A Certeza da Incerteza
Assim como outros na comunidade científica, os pesquisadores da Exxon reconheceram as incertezas em torno de muitos aspectos da ciência do clima, especialmente na área de modelagem preditiva.
“Modelos são controversos”, escreveram Roger Cohen, chefe de ciências teóricas dos Laboratórios Corporativos de Pesquisa da Exxon, e seu colega, Richard Werthamer, conselheiro sênior de tecnologia na Corporação Exxon, num relatório em maio de 1980 sobre o estado do programa de Exxon de modelagem climática. “Portanto, existem oportunidades de pesquisa para nós”.
Quando pesquisadores da Exxon confirmavam informações que a companhia poderia achar perturbadoras, eles não as escondiam debaixo do tapete.
“Ao longo dos últimos anos um nítido consenso científico emergiu”, Cohen escreveu em setembro de 1982, relatando sobre as análises da própria Exxon sobre os modelos climáticos. A duplicação da concentração de dióxido de carbono na atmosfera produziria um aquecimento médio global de 3 graus Celsius, mais ou menos 1,5 grau C (igual a 5 graus Fahrenheit mais ou menos 1,7 grau F).
“Há uma unanimidade na comunidade científica de que um aumento na temperatura dessa magnitude produziria mudanças significativas no clima da Terra”, ele escreveu, “inclusive sobre a distribuição das chuvas e com alterações da biosfera”.
Ele alertou que a publicação dessas conclusões da companhia iria atrair atenção da mídia, por causa da “conexão entre o principal negócio da Exxon e o papel da queima de combustíveis fósseis na contribuição para o aumento no CO2 atmosférico”.
Mesmo assim, ele recomendou a publicação.
“Nossa responsabilidade ética é de permitiu a publicação de nossa pesquisa na literatura científica”, Cohen escreveu. “De fato, fazer o contrário seria uma ruptura com o posicionamento público da Exxon e sua crença ética na honestidade e na integridade”.
A Exxon seguiu seu conselho. Entre 1983 e 1984 seus pesquisadores publicaram seus resultados em ao menos três artigos científicos nas revistas Journal of the Atmosferic Sciences e American Geophysical Union Monograph.
David, chefe de pesquisa da Exxon, disse em uma conferência sobre aquecimento global financiada pela Exxon em 1982 que “poucas pessoas tem dúvidas de que o mundo tenha entrado numa transição enérgica que se afasta da dependência de combustíveis fósseis e avança para uma combinação de recursos renováveis que não vai gerar problemas de acumulação de CO2”. A única dúvida, ele disse, era quão rápido isso aconteceria.
Mas o desafio não o atemorizava. “Eu geralmente sou otimista sobre as chances de sairmos bem desse que é o mais aventureiro dentre todos os experimentos humanos com o ecossistema”, David disse.
A Exxon se considerava única entre as corporações devido às suas pesquisas sobre dióxido de carbono e clima. A companhia ostentou em um relatório de janeiro de 1981, “Estudo Abrangente sobre CO2”, que nenhuma outra companhia aparentava estar conduzindo pesquisas domésticas similares sobre o dióxido de carbono, e ela rapidamente ganhou reputação entre pessoas externas como tendo uma expertise genuína no assunto.
“Nós estamos muito satisfeitos com as intenções de pesquisa da Exxon sobre a questão do CO2. Isso representa uma ação muito responsável, que esperamos servir como modelo para outras contribuições do setor corporativo a pesquisas”, disse David Slade, gerente do programa de pesquisa sobre dióxido de carbono do Departamento de Energia do governo federal, em uma carta a Shaw em maio de 1979. “Isso é realmente um serviço nacional e internacional”.
Imperativos dos negócios
No início dos anos 1980s pesquisadores da Exxon costumavam repetir que sua ciência não-enviesada daria à empresa legitimidade para ajudar e dar forma a leis relacionadas ao clima que afetariam sua lucratividade.
Ainda assim, executivos corporativos permaneceram cautelosos ao falar com acionistas da Exxon sobre o aquecimento global e a influência desempenhada pelo petróleo na sua causa, segundo mostra uma revisão de arquivos federais.
Também não há menção nesses arquivos de que a preocupação com o CO2 estivesse começando a influenciar as decisões de negócios que a empresa estava tomando.
Ao longo dos anos 1980s, a companhia esteve preocupada com o desenvolvimento de um enorme campo de gás na costa da Indonesia, por causa da grande quantidade de CO2 que esse reservatório incomum iria liberar.
A Exxon também estava preocupada com relatórios que apontavam que óleo sintético feito à base de carvão, areia betuminosa e gás de xisto poderiam impulsionar significativamente as emissões de CO2. A companhia estava investindo em combustíveis sintéticos para atender ao crescimento futuro da demanda, num mundo no qual ela acreditava que estava ficando sem óleo convencional.
No meio dos anos 1980s, após um inesperado excesso de óleo que fez os preços colapsar, a Exxon fez cortes severos no seu pessoal para economizar dinheiro, incluindo muitas pessoas que estavam trabalhando com o clima. Mas o problema da mudança climática persistiu, e estava se tornando uma parte mais proeminente do cenário político.
“O Aquecimento Global Começou, Especialistas Dizem ao Senado”, declarou uma manchete de junho de 1988 de um artigo do New York Times que descreveu o depoimento ao Congresso de James Hansen da Nasa, um eminente especialista em clima. As declarações de Hansen compeliram o Senador Tim Wirth (Democrata, Colorado) a declarar durante a oitiva que “o Congresso precisar começar a considerar como nós iremos reduzir ou interromper esse padrão de aquecimento”.
Com as sirenes de alarme repentinamente tocando, a Exxon começou a financiar esforços para amplificar as dúvidas acerca do estado da ciência do clima.
A Exxon ajudou a fundar e liderar a Coalizão Climática Global, uma aliança entre algumas das maiores companhias do mundo que buscava deter os esforços governamentais de redução das emissões oriundas de combustíveis fósseis. A Exxon usou o American Petroleum Institute, um think tank de direita, contribuições de campanha e seu próprio lobby para impor uma narrativa de que a ciência climática era incerta demais para que se exigissem reduções em emissões de combustíveis fósseis.
Enquanto a comunidade internacional se movimentava em 1997 para dar o primeiro passo na redução de emissões via Protocolo de Kyoto, o presidente e CEO da Exxon, Lee Raymond, defendeu a sua interrupção.
“Concordemos que há muito que nós ainda não sabemos realmente sobre como o clima irá mudar no século XXI e além”, Raymond disse em seu discurso à frete do Congresso Mundial de Petróleo em Pequim, em outubro de 1997.
“Nós precisamos entender melhor essa questão e, felizmente, nós temos tempo”, ele disse. “É altamente improvável que a temperatura no meio do próximo século seja significativamente alterada se as políticas forem adotadas agora ou daqui a 20 anos”.
Ao longo dos anos, vários cientistas da Exxon que haviam confirmado o consenso climático durante as pesquisas iniciais, incluindo Cohen e David, foram para o lado de Raymond, disseminando visões que andavam na contramão do mainstream científico.
Pagando o Preço
A meia-volta da Exxon sobre a mudança climática rendeu o desprezo da comunidade científica que ela antes havia cortejado.
Em 2006, a Royal Society, a academia de ciências do Reino Unido, enviou uma dura carta à Exxon acusando-a de ser “imprecisa e enganadora” na questão sobre incerteza climática. Bob Ward, o gerente sênior da Academia para comunicação sobre políticas públicas, exigiu que a Exxon interrompesse o repasse de dinheiro para dúzias de organizações que ele disse que estavam ativamente distorcendo a ciência.
Em 2008, sob uma pressão crescente de acionistas ativistas, a companhia anunciou que iria encerrar o apoio a alguns grupos proeminentes como aqueles que Ward tinha identificado.
Ainda assim, os milhões de dólares que a Exxon gastou desde os anos 1990s em negacionistas da mudança climática há muito ultrapassou o que ela uma vez investiu na pesquisa de ponta a bordo do Esso Atlantic.
“Eles gastaram tanto dinheiro e eles eram a única companhia que fez esse tipo de pesquisa, até onde eu sei” Edward Garvey, que foi um pesquisador chave no projeto do petroleiro da Exxon, disse em uma entrevista recente ao InsideClimate News e Frontline. “Aquela foi uma oportunidade não apenas para garantir um lugar à mesa, mas para liderar, em muitos aspectos, um pouco da discussão. E o fato de que eles escolheram não fazer isso no futuro é um tanto triste”.
Michael Mann, diretor do Centro de Ciências do Sistema da Terra da Universidade Estadual da Pensilvânia, que tem sido um alvo frequente de negacionistas climáticos, disse que inação, assim como ação, tem consequências. Quando ele falou ao InsideClimate News, ele ainda não sabia desse capítulo da história da Exxon.
“Tudo o que um eminente CEO de combustíveis fósseis precisava saber era que isso é mais importante do que lucros de acionistas, se trata do nosso legado”, ele disse. “Mas agora, por causa do custo da inação – o que eu chamo “penalidade da procrastinação” – nós enfrentamos uma batalha muito mais dura”.

No sítio do InsideClimate News há elos para a Parte II da reportagem, com o registro das pesquisas iniciais da Exxon sobre clima; Parte III, uma revisão dos esforços da Exxon em modelagem climática; Parte IV, um mergulho no projeto da Exxon sobre o campo de gás Natuna; Parte V, uma visão sobre os esforços da Exxon na promoção de combustíveis sintéticos; Parte VI, um registro das ênfases da Exxon nas incertezas da ciência sobre clima.
Também participaram dessa reportagem os membros da equipe do ICN Zahra Hirji, Paul Horn, Naveena Sadasivam, Sabrina Shankman e Alexander Wood.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/quarenta-anos-de-procrastinacao/)

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Resenha do romance "O amor nos tempos do AI-5"



Agradeço ao nosso emérito colaborador a resenha do meu romance.


O amor nos tempos do AI-5

Ricardo de Moura Faria, o autor de “O amor nos tempos do AI-5”, nasceu em Dores do Indaiá, cidade do Centro-Oeste de Minas Gerais. Sua formação acadêmica foi na área de história, na UFMG. Sua experiência profissional tem continuidade no campo da história, no ensino superior. O tempo de estudante e o tempo de magistério superior ocorreram, em grande parte, na vigência do período ditatorial no Brasil (1964-1984). Do relacionamento amistoso e profissional nesse período, Ricardo extraiu os elementos básicos para tipificar os personagens e tecer a trama do romance.
A historiografia formal ainda não havia avaliado as consequências da mudança do sistema de cátedra acadêmica para o sistema departamental nas universidades brasileira. Ricardo percorre os meandros burocráticos da universidade através dos diálogos e debates dos personagens, mostrando como os detentores do poder manipulam dados e alteram resultados, salvando seus interesses. Paralelamente à anatomia das instituições de ensino, o autor desenvolve a questão do erotismo entre alunos e professores. Ao contrário de telenovelas e outros programas que exibem a libido máxima dos personagens e participantes reais, “O amor nos tempos do AI-5” trata a sexualidade como uma forma de crescimento mental e progresso cultural. De um lado, os mentores e atores do regime ditatorial se caracterizavam pelo falso moralismo e do outro, intelectuais, artistas, poetas e prosadores procurando tornarem-se extrovertidos em suas relações sexuais.
Os personagens de “O amor nos tempos do AI-5” não ambicionam riquezas financeiras, como os personagens dos romances de Honoré de Balzac, mas buscam o enriquecimento intelectual. Foi a fome de saber que atraiu Afonso e Haydée para encontros na biblioteca. Em seguida os encontros para estudos tornam-se simples pretextos para encontros amorosos. Mas há uma identidade com Balzac: o detalhismo de situações e de objetos no entorno dos personagens.            
            A literatura é documento, pois corre em sintonia com os momentos históricos.  Ficher  esclarece a ligação entre a história e a literatura, dizendo que o escritor revela o mundo em que ele vive. O que é histórico e o que é social não podem estar ausentes da obra de arte. Nesse sentido, vale lembrar “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marques, que com narrativa ficcional, redunda em excelente documentário histórico.
            Kant achava que tanto os sentidos quanto a razão eram muito importantes para a nossa experiência de mundo. Os racionalistas atribuíam uma importância exagerada à razão. Nunca seremos capazes de saber com toda a certeza, como as coisas são em si. Só podemos saber como elas se mostram a nós e como são percebidas pela razão. Os tratados teóricos e pesquisas nas ciências sociais tendem à redução do social ao objetivo. O conhecimento produzido pela literatura parte da subjetividade para entender o mundo pela sensibilidade.
Se um historiador, um sociólogo ou antropólogo tentassem abordar cientificamente o erotismo no âmbito das universidades, não sairia da quantificação, apontando percentuais de professores que se envolvem com alunas; de professores com professoras e de funcionários com suas colegas. Falariam da frequência de professores e professoras que se desfazem de seus casamentos para viver uma nova aventura amorosa nos intramuros da universidade. Provavelmente, não geraria interesse de estudiosos, além de depreciar o comportamento sexual da comunidade acadêmica.
“O amor nos tempos do AI-5” traz à vista o que é comum e normal na vida de um casal, mas que na boca de moralistas é perversão sexual. Se quiser saber, na verdade, o que é perversão leia o livro “Os 120 dias de Sodoma” de Marques de Sade. O que Ricardo de Moura Faria diz, através das palavras e ações dos quatro personagens principais, é que o conhecimento e a consciência proporcionam a liberdade e o respeito, sem os quais os atos sexuais são indignos.

Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2016.


Antônio de Paiva Moura

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Um muro para dividir a América

Dois pré-candidatos do Partido Republicano à Casa Branca querem separar seu país do México e de toda América Latina. Por que a ideia, mais que xenófoba, é uma encenação?
Por Camila Balthazar, no Calle2

Uma pequena multidão enfileirou-se em frente ao Flynn Center, em Burlington, a maior cidade do estado americano de Vermont, mesmo com pouco mais de 40 mil habitantes. Nesse dia gelado do inverno no hemisfério norte, 7 de janeiro de 2016, apoiadores e manifestantes disputavam um lugar entre os 1,4 mil assentos na plateia que assistiria ao discurso do pré-candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, de 69 anos.

Às 19h30, quando o empresário de ambições políticas subiu ao palco, com seu terno bem cortado, gravata vermelha – que vez ou outra se reveza com uma versão azul –, e sua vasta cabeleira loura esbranquiçada, os aplausos vieram apenas de apoiadores. Votantes indecisos ou manifestantes foram devidamente impedidos de entrar, segurando cartazes do lado de fora com dizeres como “Deporte Trump!” e “Não se entregue ao medo racista. Refugiados são bem-vindos aqui”.

Do lado de dentro, Donald Trump, conhecido por ser o apresentador da versão estadunidense do reality show “O Aprendiz”, tranquilizava os ouvintes ao repetir sua declaração controversa e um tanto xenófoba. “Não se preocupem. Nós vamos construir o muro”, disse o pré-candidato, seguido por mais aplausos e gritos eufóricos. Ao perceber a animação da plateia, ele prosseguiu: “Esperem um minuto…. E quem vai pagar pelo muro?”, questionou, ouvindo um uníssono “México!” como resposta. Claro que o presidente mexicano Enrique Peña Nieto já se manifestou, dizendo que a afirmação reflete a ignorância, a irresponsabilidade e o desconhecimento de Trump sobre a realidade.

Uma das principais frentes da campanha do bilionário do setor imobiliário, cujo slogan é “Make America Great Again” (algo como “Faça a América grande de novo”), é construir um muro que divide a fronteira sul do país com o México. O assunto não tem nada de inédito. Memórias afiadas devem se lembrar dos anos de 2006 e 2007 e do governo de George W. Bush, quando o então presidente assinou um decreto que autorizava a construção de 1,1 mil quilômetros de proteção ao longo da fronteira de 3,1 mil quilômetros.

Cercas de concreto foram erguidas, câmaras de vigilância e sensores que detectam calor foram instalados. Emigrantes criaram novas rotas, cavaram novos túneis. O relatório para o ano fiscal de 2016 do U.S. Department of Homeland Security, que protege o território de ataques terroristas e age em caso desastres naturais, prevê um gasto de US$ 3,7 bilhões para manter 21 mil agentes na fronteira e US$ 3,2 bilhões para os 23 mil inspetores nos portos. A região é uma das mais vigiadas do mundo, se considerarmos que se trata de dois países que vivem oficialmente em paz, sem guerras.

Agora Trump pretende fechar qualquer fresta de entrada, preenchendo a fronteira de leste a oeste. No meio dessa obra faraônica, uma imponente porta seria construída para receber “os mexicanos do bem”. “Será um muro com uma porta linda e grandiosa porque queremos que os imigrantes legalizados voltem para o nosso país”, afirmou o pré-candidato. Seu projeto também inclui a deportação dos 11 milhões de ilegais que atualmente moram e trabalham nos Estados Unidos.

Concorrendo à vaga do Partido Republicano com outros 11 candidatos, o nova-iorquino lidera as pesquisas mais recentes e parece ter uma chance real de disputar a corrida pela Casa Branca. De acordo com a CNN, Trump aparecia com 39% das intenções de votos no final de dezembro de 2015, seguido de Ted Cruz (18%), Ben Carso (10%) e Marco Rubio (10%). Seu principal oponente, o senador do Texas, Ted Cruz, também prega a construção do muro e a deportação dos ilegais. Na campanha do segundo colocado, nem os “bonzinhos” terão a chance de voltar. A revelação do candidato oficial do partido só será feita na convenção de Cleveland, marcada para a terceira semana de julho de 2016.

O professor mexicano Javier Urbano Reyes, formado em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma do México, não tem dúvidas de que a história do muro não passa de um grande teatro entre os dois países. Durante uma entrevista em seu escritório na Cidade do México, o especialista em temas de cooperação internacional e migração destacou que o problema migratório é mais complexo do que se imagina.
“Pense: são 11 milhões de ‘indocumentados’, recebendo a metade ou menos de um salário regular pago nos Estados Unidos. Se você calcula por hora, há uma economia de muito dinheiro por dia, por trabalhador. Multiplique esse número por 11 milhões. A isso se chama subsídio econômico. Os Estados Unidos são subsidiados por essa mão-de-obra barata. Já no caso do México, recebemos mais de 24 bilhões de dólares por ano em remessas – dinheiro que só perde para o petróleo e o turismo. Se há uma regularização, os trabalhadores deixarão de enviar dinheiro ao México”, observa.

Com três livros publicados sobre o assunto e experiência com pesquisas de campo na fronteira norte do México, Javier aponta que o imigrante sem documentos e desprotegido da lei é conveniente para os dois países. “México e Estados Unidos brincam com um discurso. Eu finjo que me indigno e fico brabo porque violam os direitos dos emigrantes mexicanos e eles, EUA, fingem que colocam barreiras. O discurso do muro é uma mensagem para eleitores republicanos. Se houvesse interesse em modificar o fenômeno, já teriam feito há muito tempo. A grande potência mundial não pode parar a imigração? Claro que pode”.

A história humana guarda outros muros passados e presentes. Chineses, alemães, israelenses e tantos outros povos do Oriente Médio e do Norte da África, que se protegem com barreiras físicas de inimigos, imigrantes e terroristas. Para o professor Javier, nenhum deles se compara ao que acontece na fronteira sul dos Estados Unidos.
 (fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=262971)

Em livro Papa aborda temas polêmicos como a homossexualidade e a corrupção

por Cristina Fontenele

Intitulado "O nome de Deus é misericórdia” ("El nombre de Dios es misericordia”, título em espanhol), o primeiro livro do Papa foi lançado mundialmente neste mês de janeiro, no Instituto Agostiniano, em Roma [Itália]. A obra foi apresentada pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin e pelo premiado ator italiano Roberto Benigni, em encontro moderado pelo diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi.
infobae Produzido pelo jornalista italiano Andrea Tornielli, a partir de entrevistas com o Papa Francisco em sua residência, a Casa Santa Marta, o livro tem como tema central a misericórdia, uma referência ao "Ano Santo” do Jubileu da Misericórdia, decretado pelo Sumo pontífice em 08 de dezembro de 2015.
Produzido pelo jornalista italiano Andrea Tornielli, a partir de entrevistas com o Papa Francisco em sua residência, a Casa Santa Marta, o livro tem como tema central a misericórdia, uma referência ao "Ano Santo” do Jubileu da Misericórdia, decretado pelo Sumo pontífice em 08 de dezembro de 2015.

Nas entrevistas, o Papa aborda questões como a homossexualidade, a corrupção no Vaticano e os divorciados que tornam a se casarem, assuntos polêmicos que têm sido acolhidos por Francisco, mas dividido os representantes da Igreja Católica. Reflete também sobre o conceito de perdão e reconciliação. "A misericórdia é o primeiro atributo de Deus. É o nome de Deus. Não existem situações das quais não podemos sair, não estamos condenados a nos afundar em areias movediças”, afirma Francisco em uma das suas declarações. Na obra, ele recorda ainda episódios da sua juventude, anedotas pessoais, curiosidades, além de suas experiências enquanto padre.

O livro deve ser publicado em mais de 86 países, em colaboração com 17 editoras, sendo disponibilizado nas versões italiano, inglês, francês, alemão, espanhol e português. Dividido em nove capítulos, o livro traz na capa o título escrito à mão pelo próprio Pontífice.

Ficha Técnica
Título: O nome de Deus é misericórdia
Autor: Papa Francisco
Ano: 2016
Editora: Grupo Planeta
Páginas: 120
Clique aqui para adquirir a versão digital em espanhol.
 (fonte: http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&cod=87840&lang=PT)

Salários de juízes e de professores, uma aberração da cultura brasileira


Texto escrito por José de Souza Castro:
Uma esperança para os professores estaduais paulistas. O governador Geraldo Alckmin, do PSDB, nomeou o desembargador José Renato Nalini secretário da Educação. O novo secretário sabe da importância de uma boa remuneração para o exercício correto da profissão.
Pelo menos, a dos juízes. Diz ele, nesse vídeo que agora está bombando na Internet, ao defender o auxílio-moradia para os juízes, que ele serve para que “o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC etc.”
Se não mudou de opinião no novo cargo, o desembargador talvez use os mesmos argumentos (ou parte deles, porque os professores dispensam a parte que fala de ir a Miami para comprar ternos) para defender o reajuste dos salários dos mestres.
O governo federal reajustou no dia 16 deste mês de janeiro o piso salarial dos professores da rede pública de ensino no país. Com o reajuste de 11,36% em relação ao ano passado, o piso sobe para R$ 2.135 por mês. Mas governadores tentam evitar que o piso entre em vigor agora.
Se entrar, um professor, com o novo piso, vai ganhar 11 vezes menos que um juiz, sem contar os vários benefícios e gratificações extras -- como o auxílio-moradia --, que são recebidos por todos os juízes. No tribunal do Rio de Janeiro, “entre proventos e benefícios, há juízes recebendo 150 mil mensais”, diz a jornalista e escritora brasileira Cláudia Wallin. Ela mora na Suécia, e escreveu um artigo para um site comparando o comportamento – e os salários – dos juízes suecos e brasileiros. Trecho:
“Em nenhuma instância do Judiciário sueco, magistrados têm direito a carro oficial e motorista pago com o dinheiro do contribuinte. Sem auxílio-aluguel e nem apartamento funcional, todos pagam do próprio bolso por seus custos de moradia.
Para viver em um país que tem um dos mais altos impostos do mundo, e um dos custos de vida mais elevados do planeta, os juízes suecos têm salários que variam entre 50 mil e 100 mil coroas suecas – o equivalente a cerca de R$ 16,5 mil e R$ 33 mil, respectivamente.
Para ficar no exemplo dos vencimentos máximos de um magistrado sueco: descontados os impostos, um juiz da Suprema Corte da Suécia, que tem um salário de 100 mil coroas, recebe em valores líquidos o equivalente a cerca de R$ 18,2 mil por mês.
No Brasil, um juiz federal recebe salário de 25,2 mil, e os ministros do STF – que ganham atualmente 29,4 mil – aprovaram proposta para aumentar os próprios salários para 35,9 mil. Isso sem contabilizar os diferentes benefícios e gratificações extras disponíveis para as diferentes categorias do Judiciário (...)
Também não há Excelências entre os magistrados suecos. Assim me lembra Göran Lambertz, juiz do Supremo Tribunal da Suécia, quando pergunto a ele sobre suas impressões acerca dos recentes benefícios reivindicados pela Corte brasileira.
'Claudia, mais uma vez peço a você que me chame de Göran. Estamos na Suécia', ele diz, quando o chamo mais uma vez de 'Sr. Lambertz'. E prossegue: 'É realmente inacreditável saber que juízes se empenham na busca de tais privilégios. Nós, juízes, somos pagos com o dinheiro dos impostos do contribuinte, e temos que ser responsáveis. Juízes devem ser elementos exemplares em uma sociedade, porque é deles que depende a ordem em um país. E é particularmente importante que não sejam gananciosos.'”
Pergunta-se: qual a justiça mais respeitada por seus cidadãos: a brasileira ou a sueca? Sem esperar pela resposta, por óbvio, acrescento: quem é mais respeitado no Brasil, um professor que ganha R$ 2.135 por mês ou um juiz que ganha R$ 150 mil?
Dado o caráter dos brasileiros, acostumados a séculos de subjugação pelos poderosos daqui e de além, não me animo a garantir que a resposta seja “o pobre professor”. E nem deveria, pois sou um defensor de melhores salários para o professor. E não creio nessa conversa de que o mestre, por exercer uma profissão missionária, não precisa ganhar bem.
Por semear saberes, o professor precisa ser dignamente remunerado. Até mesmo para que não seja desrespeitado dentro da sala de aulas por um aluno cujo pai ganha bem mais que o professor. Aluno que cresceu numa uma cultura como a desse desembargador defensor dos privilégios da casta a que pertence e que, dificilmente, vai se rebaixar a defender com denodo uma casta que deve julgar bem inferior – a dos professores.
Para concluir, corrijo então a primeira frase do artigo: a nomeação do desembargador não renova a esperança dos professores da rede pública no Estado mais rico do país. Em São Paulo, conforme essa notícia de junho de 2015, eles tinham remuneração por hora de R$ 15,10 e salário-base de R$ 2.415,89. Menor, quem diria, que Minas Gerais (R$ 15,16 e R$ 2.425,50). Minas, como já foi afirmado aqui no blog, destaca-se entre os Estados que pagam os piores salários aos professores.
(fonte: blog da Kika Castro)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Uma semana curta, mas por bons motivos...

Esta semana foi curta, pois fiquei ausente de terça a sexta feira. O motivo? Olhem só!







todas as fotos: Ricardo de Moura Faria


















Mais do que justificado, não? Hotel Fazenda Recanto dos Fonda. Uma família da Eslovênia cujos herdeiros gerenciam esta Hotel Fazenda, perto de Caeté, onde se pode viver no silêncio, ouvindo o canto dos pássaros, curtindo uma paisagem belíssima, etc, etc, etc... Fica a dica!

Riqueza de 1% da população supera a de 99% em 2015, mostra Oxfam

Para mostrar o agravamento da desigualdade nos últimos anos, a organização estima que "62 pessoas têm tanto capital como a metade mais pobre da população mundial", quando, há cinco anos, era a riqueza de 388 pessoas que estava equiparada a essa metade.
18/01/2016
Da Agência Brasil

A riqueza acumulada por 1% da população mundial, os mais ricos, superou a dos 99% restantes em 2015, um ano mais cedo do que se previa, informou hoje (18) a organização não governamental (ONG) Oxfam, a dois dias do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça.
 
  
"O fosso entre a parcela dos mais ricos e o resto da população aumentou de forma dramática nos últimos 12 meses", diz relatório da ONG britânica intitulado Uma economia a serviço de 1%.
"No ano passado, a Oxfam estimava que isso fosse ocorrer em 2016. No entanto, aconteceu em 2015, um ano antes", destaca no texto.
Para mostrar o agravamento da desigualdade nos últimos anos, a organização estima que "62 pessoas têm tanto capital como a metade mais pobre da população mundial", quando, há cinco anos, era a riqueza de 388 pessoas que estava equiparada a essa metade.
A dois dias do Fórum Econômico Mundial de Davos, onde vão se encontrar os líderes políticos e representantes das empresas mais influentes do mundo, a Oxfam pede a ação dos países em relação a essa realidade.
"Não podemos continuar a deixar que milhões de pessoas tenham fome, quando os recursos para ajuda estão concentrados, no mais alto nível, em tão poucas pessoas", afirma Manon Aubry, diretora dos Assuntos de Justiça Fiscal e Desigualdades da Oxfam na França, citada pela agência de notícias France Presse (AFP).
Segundo a ONG, "desde o início do século 21 a metade mais pobre da humanidade se beneficia de menos de 1% do aumento total da riqueza mundial, enquanto a parcela de 1% dos mais ricos partilharam metade do mesmo aumento".
Para combater o crescimento dessas desigualdades, a Oxfam pede o fim da "era dos paraísos fiscais", acrescentando que nove em dez empresas que figuram entre "os sócios estratégicos" do Fórum Econômico Mundial de Davos "estão presentes em pelo menos um paraíso fiscal".
"Devemos abordar os governos, as empresas e as elites econômicas presentes em Davos para que se empenhem a fim de acabar com esta era de paraísos fiscais, que alimenta as desigualdades globais", diz Winnie Byanyima, diretor-geral da Oxfam International, que estará em Davos.
No ano passado, vários economistas contestaram a metodologia utilizada pela Oxfam. A ONG defendeu o método utilizado no estudo de forma simples: o cálculo do patrimônio líquido, ou seja, os ativos menos a dívida.
A pequena localidade suíça de Davos vai acolher, a partir da próxima quarta-feira (20), líderes políticos e empresários para debater a 4ª Revolução Industrial.
Esta 46ª edição do fórum, que termina em 23 de janeiro, ocorre no momento em que o medo da ameaça terrorista e a falta de respostas coerentes para a crise de refugiados na Europa se juntam às dificuldades que a economia mundial encontra para voltar a crescer e à forte desaceleração das economias emergentes.
Segundo o presidente do fórum, Klaus Schwab, a "4ª revolução industrial refere-se à fusão das tecnologias", principalmente no mundo digital, que "tem efeitos muito importantes nos sistemas político, econômico e social".
(fonte: http://brasildefato.com.br/node/33929?utm_source=phplist835&utm_medium=email&utm_content=HTML&utm_campaign=Boletim+Semanal+-+Riqueza+de+1%+da+população+supera+a+de+99%+em+2015mostra+Oxfam

São Francisco de Assis e Dom Helder Camara

WALTER PRAXEDES*
 
A figura de São Francisco de Assis há mais de oito séculos vem cativando a admiração e o respeito não apenas entre os católicos, mas também em artistas, cineastas, escritores, acadêmicos e até fiéis de outras confissões religiosas.
Essa reverência a Francisco também parece crescer na medida em que se tornam praticamente inacessíveis as fontes com informações seguras sobre a vida, os pensamentos e as ações do santo que nasceu em Assis (Itália) em 1181 ou 1182 com o nome de Giovanni Bernardone, e faleceu em Porciúncula, em 1226, um ano depois de compor o seu famoso Cântico do irmão sol, sendo canonizado pelo Papa Gregório IX apenas dois anos depois da sua morte.
Mas como enfatizou o historiador Jacques Le Goff, toda a trajetória de Francisco passou por inúmeras revisões por parte dos seus seguidores, membros da Ordem religiosa que fundou e da própria Santa Sé católica, recebendo versões mais rigorosas, no sentido da observância aos votos de pobreza e simplicidade, ou mais espiritualistas, a depender dos pontos de vistas e até interesses dos revisores, a tal ponto que a historiografia franciscana pode ser dividida em duas tendências:
De um lado, os rigoristas, que exigiam dos Frades Menores, a prática de uma pobreza total, coletiva e individual, a recusa a todo o aparato na liturgia dos ofícios da Ordem, assim nas igrejas e nos conventos, e a guardar distância da Cúria romana, suspeita de pactuar muito facilmente com o século. De outro lado os moderados, convencidos da necessidade de adaptar o ideal da pobreza à evolução de uma Ordem de frades cada vez mais numerosa, de não repelir, por uma recusa a toda a influência exterior, as multidões sempre mais densas que se voltavam para os Frades Menores, e da necessidade de ver na Santa Sé a fonte autêntica da verdade e da autoridade numa Igreja de que a Ordem era uma parte integrante. Onde situar o verdadeiro Francisco? (Le Goff, 2001, p. 48-49).
Talvez a melhor resposta para a pergunta apresentada pelo historiador – Onde situar o verdadeiro Francisco? – não seja nem a procura obsessiva por fontes que atestem o modo de vida e o pensamento do Francisco histórico, e nem uma tentativa de desconstrução do mito franciscano, mas a adoção da forma de interpretação figural de São Francisco proposta pelo crítico literário Erich Auerbach, interpretação esta que poderia prevalecer mesmo se contássemos com o acesso às fontes fidedignas sobre a vida do santo de Assis, uma vez que adotamos o modo de representar um acontecimento do passado como prenúncio de acontecimentos posteriores, considerando o fato anterior como anunciador e precursor de um acontecimento que ocorreu depois, ou este como realização e preenchimento de uma figura que o anunciava no passado.
O conceito de figura proposto por Auerbach é uma forma de interpretação tipológica da história e da realidade que dominou a Idade Média europeia e que chegou até o presente através do cristianismo, “que estabelece uma relação entre dois acontecimentos, ambos históricos, na qual um deles se torna significativo não apenas em si mesmo mas também para o outro, que, por sua vez, enfatiza e completa o primeiro. Nos exemplos clássicos, o segundo é sempre a encarnação de Cristo e dos acontecimentos ligados à encarnação que levaram à libertação e ao renascimento do homem…” (Auerbach, 1997, p. 79). Assim, a vida de São Francisco é considerada como uma imitação da vida humilde de Cristo. E foi assim que “nenhum outro estilo de vida, voz ou comportamento” da Idade Média teve tanta repercussão ao longo da história como a representação construída e difundida sobre a vida de São Francisco. “Sua personalidade sobressai em virtude de seus muitos contrastes. Sua piedade, ao mesmo tempo solitária e popular, seu caráter, ao mesmo tempo doce e austero, e seu comportamento, ao mesmo tempo humilde e áspero, tornaram-se inesquecíveis” (Auerbach, 1997, p. 65).
É precisamente esta figura de Francisco de Assis que inspirou o romancista grego Nikos Kazantzakis a reescrever a sua biografia no livro O pobre de Deus. Adotando como foco narrativo do ponto de vista de Frei Leão, o mais próximo seguidor de Francisco, Kazantzakis narra como o futuro santo buscava a coerência com a vida de Cristo, mesmo em meio aos maiores sofrimentos, provações e angústias.
Também José Saramago não resistiu à figura de Francisco quando escreveu a peça A segunda vida de Francisco de Assis, enfatizando como a prática de muitos de seus continuadores e da própria Ordem que fundou adotaram práticas que seriam inaceitáveis aos olhos do santo. Adotando a figura da reencarnação de Francisco, Saramago discute na peça como seria constrangedor para o santo presenciar as ações temporais de sua Ordem.
Essa ideia de Saramago nos inspira a pensar como São Francisco se sentiria infeliz e frustrado vendo como a sua Ordem se tornou uma grande proprietária de escravos na época do Brasil colonial. Mas só podemos ter esse raciocínio comparativo sobre a prática da Ordem Franciscana no Brasil em relação à pregação da humildade, da pobreza, da igualdade e da dignidade humana por São Francisco, porque temos como parâmetro a sua figura exemplar.
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No livro que o meu querido professor e amigo Nelson Piletti e eu escrevemos sobre a vida do inesquecível Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Camara: o profeta da paz, dedicamos um capítulo para tratar da identificação de Dom Helder com a figura de São Francisco. (Piletti; Praxedes, 2009, p. 123-130)
Para Dom Helder viver segundo o Evangelho significava encarnar a origem popular do cristianismo, que tornava a ética da humildade e o estilo de vida simples e despojado, em elementos importantes do ideal de santidade cristã que incorporara desde jovem. Por isso a figura de São Francisco, com o seu casamento com a pobreza, é aceita por Helder como guia para a vida terrena que antecipa a vida celestial. O Francisco de Assis representava, assim, a encarnação da plenitude que conduziria à presença de Cristo.
Inspirado em São Francisco de Assis, Dom Helder concebe para si a missão de profetizar o retorno a uma Igreja Servidora e Pobre, de acordo com os princípios que orientaram o famoso “Pacto das Catacumbas”, no qual participa da celebração com um grupo de padres e bispos no final do Concilio Vaticano II, na Igreja de Santa Domitila, em 16 de novembro de 1965.
A presença de São Francisco no mundo foi um acontecimento histórico interpretado pelos seus seguidores e por Dom Helder como prenuncio de outros acontecimentos históricos concretos. Por isso, em seu apostolado ele buscava colocar em pratica os ensinamentos de Francisco, encarnando a verdade anunciada pelo santo de Assis.
Considerando Francisco como um precursor, encarnando-o em sua vida através de sua palavra e da sua ação, Dom Helder se legitimava dentro e fora da instituição católica para trabalhar em defesa dos pobres. Da perspectiva de muitos dos seus colaboradores, dos fiéis católicos e dos admiradores de todas as religiões espalhados pelo Brasil e pelo mundo Dom Helder preenche a demanda que muitas vezes sentimos por uma força messiânica, que encarne na vida real a figura de um líder religioso e até político com uma espiritualidade profunda e com um senso de realidade histórica para anunciar que um novo mundo é possível, inspirando e mobilizando muitos que estão insatisfeitos com o mundo existente.
Referências
AUERBACH, Erich. Figura. São Paulo, Ática, 1997.
KAZANTZAKIS, Nikos. O pobre de Deus. São Paulo, Círculo do Livro, s/d.
LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro, Record, 2001.
PILETTI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom Helder Camara – o profeta da paz. São Paulo, Contexto, 2008.
SARAMAGO, José. “A segunda vida de Francisco de Assis”. In: Que farei com este livro?. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
* WALTER PRAXEDES é Cientista Social, Mestre e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e professor associado do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (PR). Blog: https://walterpraxedes.wordpress.com/

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2016/01/23/sao-francisco-de-assis-e-dom-helder-camara/)

sábado, 23 de janeiro de 2016

Não podemos desistir de lutar pela democracia

Do Swiss Info

Por Mirela Tavares, São Paulo

Em meio a uma das maiores crises política e econômica em que se encontra o Brasil, a frase acima do advogado, jurista, escritor e professor aposentado Fábio Konder Comparato serve de motivação. Ela se refere a seus esforços e de outros brasileiros que incansavelmente tentam contribuir para mudanças concretas em pró da democracia no País. Uma luta que ele alerta ser difícil e demorada até porque, como salienta, a democracia no Brasil nunca existiu na prática.

Sua afirmação é sustentada por uma realidade histórica mantida, sob sua ótica, nas mãos de uma dominação política e econômica oligárquica. E exemplifica como isso torna claramente difícil, senão impossível, para o povo exercer sua soberania, fator essencial para a democracia.
Seus argumentos se tornam ainda mais fortes quando descortina manobras políticas que se repetem em uma espécie de jogo contra das próprias instituições. Pouco divulgadas pela grande imprensa, tais manipulações de representantes públicos impedem as pessoas de entenderem e se manifestarem eficientemente contra um sistema que só aumenta essa concentração de poder.
Ainda assim, ele não esmorece na busca de soluções. Entre elas, atua fortemente em projetos como o pela iniciativa popular (direito dos cidadãos de proporem projetos de lei para a apreciação do Poder Legislativo) e a disseminação de massa de informações claras sobre política e economia. Para ele, romper a barreira do desconhecimento do que está por trás de certas ações dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário é um passo fundamental para esclarecer a população, jogando luz sobre o que são práticas democráticas e buscando de fato a soberania do povo brasileiro. 
swissinfo.ch: Qual a realidade da crise política e econômica do Brasil e como está relacionada à democracia do País?
 Fábio Konder Comparato: Estamos com a probabilidade de um colapso econômico, o que certamente repercute muito fortemente no campo político. Este cenário é resultado de uma fase de desindustrialização em que entrou o Brasil e, com isso, de não crescimento econômico. Teremos este ano e certamente o ano que vem dois anos de recesso econômico, ou seja, de crescimento negativo. Isso só ocorreu na história do Brasil nos anos de 1930 e 1931, em consequência da crise de 1929. Então, precisamos saber qual é a causa disso. A meu ver a causa está no fato de a classe dominante atual não ser mais composta de industriais, e sim de banqueiros. Os banqueiros, ou melhor, o próprio sistema financeiro não é produtor de riquezas; quando muito auxilia a produção do crescimento econômico. O que acontece também é que a mentalidade dominante, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, é de ganhar dinheiro com especulação financeira ou simplesmente com investimentos em papéis que dão renda. Os antigos industriais se transformaram em rentistas. Estamos passando da fase do capitalismo industrial para a do capitalismo financeiro.
swissinfo.ch: Um caminho que parece irreversível?
FKC: Isso não vai ser resolvido pelo Brasil. Tem de ser decidido e mudado no mundo todo. Mas com o provável colapso econômico no País, vai se tentar uma mudança superficial no campo poliítico: sai fulano, entra beltrano; faz-se outra coligação partidária etc. Mas isso não muda a origem da doença, que é o fato de que a classe dominante, composta de banqueiros, não tem condição de mudar a regra do jogo.
 swissinfo.ch: O que o cidadão comum pode fazer para tentar mudar essa realidade?
FKC: Nós temos que procurar mudanças institucionais. É por isso que faço parte de um pequeno grupo de advogados, juristas, economistas e cientistas políticos, que decidiu entrar em contato com alguns deputados federais para tentar abrir uma fresta, um buraco nessa muralha oligárquica, que existe desde sempre entre nós. Nossa oligarquia é composta de potentados econômicos privados, intimamente associados aos principais agentes estatais.
swissinfo.ch: Esse cenário já não é resultado da falta de conhecimento das pessoas sobre os próprios direitos?
FKC: Podemos conhecer nossos direitos, mas não podemos exigir o cumprimento deles, porque tudo depende de um poder de dominação; poder, como eu disse, composto de potentados econômicos privados, ou seja, de grandes empresários, agora sobretudo do sistema financeiro e dos principais agentes estatais, tanto do Legislativo, quanto do Executivo e do Judiciário.
swissinfo.ch: Como está atuando nesse grupo do qual mencionou?
FKC: Entramos em contato com a deputada Luiza Erundina, que reuniu em Brasília cerca de 30 deputados federais, ocasião em que expus a ideia de que precisamos deixar de cuidar apenas dos sintomas econômicos e políticos para tratar a doença na sua causa principal, que é a dominação oligárquica e a desigualdade social.
swissinfo.ch: É possível mudar?
FKC: Sim, mas obviamente não é uma mudança a ser feita da noite para o dia. Vai levar muito tempo, sobretudo porque é preciso atuar sobre a opinião pública, que ignora tudo isso e é permanentemente deformada pelo poder ideológico exercido pelos líderes capitalistas. Numa sociedade de massas, como a atual, a opinião pública sofre a influência decisiva dos meios de comunicação de massa. Estima-se que o tempo médio de acompanhamento de televisão no Brasil é de três horas diárias. Então, veja: a grande imprensa, o rádio e a televisão estão nas mãos de quem? De empresários e políticos. Há um número considerável de políticos que têm rádios locais, ou então estão ligados a redes de televisão, o que chegou a ser denunciado pela Unesco em um relatório de 2010. Temos de tentar, como eu disse, abrir brechas nessa muralha, o que requer projetos de lei específicos.
swissinfo.ch: Poderia exemplificar?
FKC: Foi aprovado por unanimidade, no Senado Federal, um projeto de lei que regula o direito de resposta no rádio e na televisão. Ele foi para a Câmara dos Deputados, onde o Presidente Eduardo Cunha vem impedindo a sua tramitação regular. Ele mesmo disse que só se conseguirá aprovar na Câmara um projeto de lei sobre meios de comunicação social, passando por cima do seu cadáver. Pois bem, esse grupo de 30 parlamentares vai tentar desbloquear esse projeto, sem ter que passar, evidentemente, por cima do cadáver do Cunha. Outro ponto importante diz respeito à iniciativa popular legislativa. Até hoje nenhum projeto de iniciativa popular foi aprovado no Congresso Nacional. Fala-se muito do projeto de Ficha Limpa para as candidaturas ao Congresso, mas ele não foi aprovado como projeto de iniciativa popular. Ele acabou sendo transformado em projeto de lei de alguns deputados.
swissinfo.ch: Por quê?
FKC: Por uma exigência absurda, imposta pela direção da Câmara dos Deputados: a conferência de todas as assinaturas. Veja, nós temos hoje cerca de 150 milhões de eleitores. A Constituição exige que o projeto de iniciativa popular seja apresentado por 1% do eleitorado, o que perfaz, em boa matemática, 1,5 milhão de eleitores. Ora, a Câmara dos Deputados não tem organização para fazer a conferência de 1,5 milhão de assinaturas, nem em um ano ou mesmo dois. Por isso que estou preparando um anteprojeto de lei sobre iniciativa popular que dispense a conferência de assinaturas.
swissinfo.ch: O povo, então, está engessado?
FKC: É óbvio. Na verdade, temos duas constituições em vigor. Uma, oficial, saudada como “Constituição-cidadã” e que é apenas uma fachada. Por trás dela, vigora outra constituição pela qual os interesses dos grupos dominantes são preservados. Por exemplo, a Constituição oficial prevê como manifestações da soberania popular o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular. Já disse que a iniciativa popular é impossível, porque os oligarcas impuseram a exigência de se conferirem todas as assinaturas, exigência essa que não está na Constituição, nem na lei de 1998, que regula a matéria.
swissinfo.ch: Imposições que cerceiam o poder popular?
FKC: Claro. O que se quer é mostrar para o mundo que somos um país civilizado, dotado de uma constituição democrática, na qual se declara que a soberania popular se manifesta, não só pela iniciativa direta de leis, mas também por plebiscitos e referendos. Acontece que a Constituição Brasileira, em seu artigo 49, inciso XV, declara ser da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito. Os parlamentares, como sabido, se intitulam representantes ou mandatários do povo. O mandatário, como ninguém ignora, deve agir segundo a vontade do mandante. Mas o mandato político que aqui vigora é sui generis, pois o povo mandante só pode manifestar sua vontade, quando seus representantes o permitirem.
swissinfo.ch: E o povo está, de certa forma, alheio a isso?
FKC: De que maneira a população se informa dos assuntos públicos? Basicamente através do rádio e da televisão. Mas esses meios de comunicação social são controlados neste país pelos grupos oligárquicos. Então, o que podemos tentar fazer para superar esse impasse é uma aliança com determinados blogs, como o "Conversa Afiada" do Paulo Henrique Amorim, para que eles deem ao povo as informações sonegadas pelos grupos que controlam os meios de comunicação de massa.
swissinfo.ch: O antigo problema dos meios de comunicação no País.
FKC: A Constituição tem vários dispositivos importantes sobre meios de comunicação social. O artigo 220, parágrafo 5º, diz que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. Por outro lado, o artigo 221, inciso I, determina que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deem preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. A Constituição foi promulgada em 1988. Até hoje, passados mais de um quarto de século, o Legislativo não regulamentou isso. Então, em 2011, eu ajuizei no Supremo Tribunal Federal, em nome de um partido político e de uma confederação nacional de trabalhadores, uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Em 2011!
swissinfo.ch: Em que pé está isso?
FKC: Não está em pé nenhum. Está debaixo do braço da ministra Rosa Weber.
swissinfo.ch: Por que é tão difícil o cidadão exercer a prática democrática no Brasil?
FKC: Exatamente porque o povo não tem poder nenhum. Qual é o poder do povo? Eleger representantes? Todo mundo sabe que as eleições são decididas pelo poder econômico, em ligação com os políticos profissionais.
swissinfo.ch: É bastante desanimador.
FKC: Eu, porém, não perco a esperança. É preciso é conhecer a profundidade da moléstia e saber como atuar. Por exemplo, o tal ajuste fiscal, proposto pelo ministro Joaquim Levy, acabará por afundar ainda mais o setor industrial. O que vamos propor ao grupo de deputados a que me referi é chamar representantes da indústria e saber como é possível relançar a industrialização do País. A partir daí, apresentar projetos de lei, mas sabendo que os banqueiros, que são atual classe dominante, estão ligados intimamente ao pessoal do Congresso, do Executivo e também do Judiciário. Por exemplo, sobre a questão do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, a OAB entrou (em 2014) com uma ação de inconstitucionalidade da lei que permite isso. Aberto o processo no Supremo Tribunal Federal, seis ministros votaram pela procedência da ação. Foi então que o Ministro Gilmar Mendes – quando a matéria já estava decidida, pois o Supremo tem 11 ministros – pediu vista antecipada dos autos, e o presidente do Supremo concedeu. O que ele fez? Segurou os autos e não os devolveu até hoje. Coincidentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, logrou aprovar irregularmente naquela Casa uma emenda constitucional, oficializando o financiamento empresarial de campanhas eleitorais.
swissinfo.ch: Como se deu a manobra?
FKC: Na primeira votação ele perdeu. O que diz a Constituição? Emenda Constitucional rejeitada só poderá ser reapresentada na sessão legislativa seguinte. Portanto, ele teria de esperar 2016. Contudo, no dia seguinte à recusa dessa proposta de emenda constitucional, Cunha apresentou outra do mesmo teor, manobrou e conseguiu sua aprovação em 24 horas. Então, 61 deputados entraram com um mandado de segurança no Supremo, que foi distribuído para a Ministra Rosa Weber. Ela negou a medida liminar de suspensão da tramitação na Câmara, deixando a entender, com isso, que vai votar no mérito contra esse mandado de segurança. Ora, se tudo isso fosse explicado para o povo, já seria um enfraquecimento do poder oligárquico. Por que não sai a notícia nas grandes redes de televisão, da imprensa e de rádio? Porque elas estão nas mãos do grupo oligárquico.
swissinfo.ch: E aí voltamos para o motivo dessa entrevista, a questão da democracia brasileira.
FKC: A nossa democracia não existe. Democracia é soberania do povo. O soberano decide diretamente as grandes questões nacionais, como a aprovação de uma Constituição e suas emendas, sem se limitar a eleger representantes. Há até alguns países, como os Estados Unidos, onde em 15 Estados o eleitorado tem o poder de destituir aqueles que elegeu. É o chamado recall.
swissinfo.ch: A Suíça também, mas há quem diga que a democracia só funciona lá por ser um país pequeno.
FKC: Não é por isso. É pelo fato de que na Suíça existe uma classe média tradicionalmente forte, não havendo a terrível desigualdade social que sempre existiu no Brasil. Na Suíça, agora, é tradicionalmente a classe média que tem a maioria e que decide em última instância sobre emendas à Constituição, por exemplo. A Constituição Suíça desde sempre é de democracia direta. Os povos daquela região se uniram em uma confederação na qual os povos dos diferentes cantões decidem diretamente as grandes questões de interesse geral.
swissinfo.ch: O que poderia ter sido feito também no Brasil?
FKC: Claro. Não vale esse argumento de a Suíça ser pequena. O problema todo do Brasil é que o povo nunca teve soberania. Quando é que começou realmente o Estado do Brasil? Depois das capitanias hereditárias, que eram feudos autônomos. Em 1549, chegou ao Brasil o primeiro Governador Geral, Tomé de Souza, acompanhado de 1200 funcionários, civis, militares e um punhado de jesuítas, liderados pelo Padre Manuel da Nóbrega. Ele trouxe o Regimento Geral de Governo, que era uma espécie de constituição. Tudo nele estava previsto. Nessa organização política havia, porém, uma lacuna: não havia povo. A população indígena autóctone não o formava, pois os índios não tinham direitos. Tampouco formava o conjunto de cidadãos a massa crescente de escravos trazidos da África. Ora, esses administradores que para cá vinham como representantes do rei de Portugal só tinham um pensamento: enriquecer no Brasil e voltar em seguida para a metrópole. E de que maneira senão aliando-se aos senhores de engenho, aos grandes proprietários rurais ou então se tornando eles próprios senhores de engenho, tendo parentes com testas de ferro. Isso perdurou durante todo o Brasil Colônia.
swissinfo.ch: E continuou.
FKC: Depois nos tornamos um país independente, dotado de uma Constituição do mesmo nível das que vigoravam nos principais países europeus e nos Estados Unidos. O esquema de governo, no entanto, continuou o mesmo. Os grandes políticos, com o poder centralizado na Corte, o Rio de Janeiro, permaneceram intimamente ligados aos coronéis do interior. E o povo? Ora, o povo! O povo elegia seus representantes indiretamente até o final do Império. Havia eleições em dois turnos. Primeiro, elegiam-se os chamados grandes eleitores, os quais em seguida elegiam os membros da Assembleia Geral do Império. O Senado não era composto de representantes do povo, mas sim de pessoas nomeadas pelo Imperador. Aí, chegamos à República, quando se estabeleceu basicamente o que existe até hoje: o único poder do povo é eleger representantes no Legislativo e os chefes de Executivo. A Constituição é feita pelos membros do Congresso Nacional, cuja eleição é decidida, em sua quase totalidade pelo dinheiro ou pelo poder político local. É por isso que precisamos começar por demolir essa barreira oligárquica.
swissinfo.ch: O senhor tem exemplos práticos?
FKC: Em 2004, eu apresentei em nome da OAB um projeto de lei regulando plebiscito, referendo e iniciativa popular. Obviamente ele continua lá na Câmara até hoje, sem ter sido votado. É por isso que estou insistindo em iniciativa popular legislativa e no desbloqueio dos meios de comunicação social. É indispensável, por exemplo, liberar o funcionamento das rádios comunitárias. A Globo conseguiu, de início, que a criação de rádios comunitárias fosse tipificada como um crime. Agora essas rádios são permitidas, mas com tantas restrições que praticamente não funcionam. Para mudar tudo isso, é preciso dar poder efetivo ao povo e tentar demolir o poder ideológico exercido pela oligarquia através dos meios de comunicação social. Mas, como eu disse, não é um trabalho fácil, ou que se faça em pouco tempo.
(fonte: enviado por email pela leitora Sandra Araújo)