terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Resenha do romance "O amor nos tempos do AI-5"



Agradeço ao nosso emérito colaborador a resenha do meu romance.


O amor nos tempos do AI-5

Ricardo de Moura Faria, o autor de “O amor nos tempos do AI-5”, nasceu em Dores do Indaiá, cidade do Centro-Oeste de Minas Gerais. Sua formação acadêmica foi na área de história, na UFMG. Sua experiência profissional tem continuidade no campo da história, no ensino superior. O tempo de estudante e o tempo de magistério superior ocorreram, em grande parte, na vigência do período ditatorial no Brasil (1964-1984). Do relacionamento amistoso e profissional nesse período, Ricardo extraiu os elementos básicos para tipificar os personagens e tecer a trama do romance.
A historiografia formal ainda não havia avaliado as consequências da mudança do sistema de cátedra acadêmica para o sistema departamental nas universidades brasileira. Ricardo percorre os meandros burocráticos da universidade através dos diálogos e debates dos personagens, mostrando como os detentores do poder manipulam dados e alteram resultados, salvando seus interesses. Paralelamente à anatomia das instituições de ensino, o autor desenvolve a questão do erotismo entre alunos e professores. Ao contrário de telenovelas e outros programas que exibem a libido máxima dos personagens e participantes reais, “O amor nos tempos do AI-5” trata a sexualidade como uma forma de crescimento mental e progresso cultural. De um lado, os mentores e atores do regime ditatorial se caracterizavam pelo falso moralismo e do outro, intelectuais, artistas, poetas e prosadores procurando tornarem-se extrovertidos em suas relações sexuais.
Os personagens de “O amor nos tempos do AI-5” não ambicionam riquezas financeiras, como os personagens dos romances de Honoré de Balzac, mas buscam o enriquecimento intelectual. Foi a fome de saber que atraiu Afonso e Haydée para encontros na biblioteca. Em seguida os encontros para estudos tornam-se simples pretextos para encontros amorosos. Mas há uma identidade com Balzac: o detalhismo de situações e de objetos no entorno dos personagens.            
            A literatura é documento, pois corre em sintonia com os momentos históricos.  Ficher  esclarece a ligação entre a história e a literatura, dizendo que o escritor revela o mundo em que ele vive. O que é histórico e o que é social não podem estar ausentes da obra de arte. Nesse sentido, vale lembrar “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marques, que com narrativa ficcional, redunda em excelente documentário histórico.
            Kant achava que tanto os sentidos quanto a razão eram muito importantes para a nossa experiência de mundo. Os racionalistas atribuíam uma importância exagerada à razão. Nunca seremos capazes de saber com toda a certeza, como as coisas são em si. Só podemos saber como elas se mostram a nós e como são percebidas pela razão. Os tratados teóricos e pesquisas nas ciências sociais tendem à redução do social ao objetivo. O conhecimento produzido pela literatura parte da subjetividade para entender o mundo pela sensibilidade.
Se um historiador, um sociólogo ou antropólogo tentassem abordar cientificamente o erotismo no âmbito das universidades, não sairia da quantificação, apontando percentuais de professores que se envolvem com alunas; de professores com professoras e de funcionários com suas colegas. Falariam da frequência de professores e professoras que se desfazem de seus casamentos para viver uma nova aventura amorosa nos intramuros da universidade. Provavelmente, não geraria interesse de estudiosos, além de depreciar o comportamento sexual da comunidade acadêmica.
“O amor nos tempos do AI-5” traz à vista o que é comum e normal na vida de um casal, mas que na boca de moralistas é perversão sexual. Se quiser saber, na verdade, o que é perversão leia o livro “Os 120 dias de Sodoma” de Marques de Sade. O que Ricardo de Moura Faria diz, através das palavras e ações dos quatro personagens principais, é que o conhecimento e a consciência proporcionam a liberdade e o respeito, sem os quais os atos sexuais são indignos.

Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2016.


Antônio de Paiva Moura

Nenhum comentário:

Postar um comentário