Agradeço ao nosso emérito colaborador a resenha do meu romance.
O amor nos tempos do AI-5
Ricardo de Moura Faria, o autor de “O
amor nos tempos do AI-5”, nasceu em Dores do Indaiá, cidade do Centro-Oeste de
Minas Gerais. Sua formação acadêmica foi na área de história, na UFMG. Sua
experiência profissional tem continuidade no campo da história, no ensino
superior. O tempo de estudante e o tempo de magistério superior ocorreram, em
grande parte, na vigência do período ditatorial no Brasil (1964-1984). Do
relacionamento amistoso e profissional nesse período, Ricardo extraiu os elementos
básicos para tipificar os personagens e tecer a trama do romance.
A historiografia formal ainda não havia
avaliado as consequências da mudança do sistema de cátedra acadêmica para o sistema
departamental nas universidades brasileira. Ricardo percorre os meandros burocráticos
da universidade através dos diálogos e debates dos personagens, mostrando como
os detentores do poder manipulam dados e alteram resultados, salvando seus
interesses. Paralelamente à anatomia das instituições de ensino, o autor desenvolve
a questão do erotismo entre alunos e professores. Ao contrário de telenovelas e
outros programas que exibem a libido máxima dos personagens e participantes
reais, “O amor nos tempos do AI-5” trata a sexualidade como uma forma de
crescimento mental e progresso cultural. De um lado, os mentores e atores do
regime ditatorial se caracterizavam pelo falso moralismo e do outro,
intelectuais, artistas, poetas e prosadores procurando tornarem-se
extrovertidos em suas relações sexuais.
Os personagens de “O amor nos tempos do
AI-5” não ambicionam riquezas financeiras, como os personagens dos romances de
Honoré de Balzac, mas buscam o enriquecimento intelectual. Foi a fome de saber
que atraiu Afonso e Haydée para encontros na biblioteca. Em seguida os encontros
para estudos tornam-se simples pretextos para encontros amorosos. Mas há uma
identidade com Balzac: o detalhismo de situações e de objetos no entorno dos
personagens.
A literatura é documento, pois corre
em sintonia com os momentos históricos. Ficher esclarece a ligação entre a história e a
literatura, dizendo que o escritor revela o mundo em que ele vive. O que é
histórico e o que é social não podem estar ausentes da obra de arte. Nesse
sentido, vale lembrar “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marques, que com
narrativa ficcional, redunda em excelente documentário histórico.
Kant achava que tanto os sentidos
quanto a razão eram muito importantes para a nossa experiência de mundo. Os
racionalistas atribuíam uma importância exagerada à razão. Nunca seremos
capazes de saber com toda a certeza, como as coisas são em si. Só podemos saber como elas se mostram a nós e como são percebidas pela razão. Os tratados
teóricos e pesquisas nas ciências sociais tendem à redução do social ao
objetivo. O conhecimento produzido pela literatura parte da subjetividade para
entender o mundo pela sensibilidade.
Se um historiador, um sociólogo ou
antropólogo tentassem abordar cientificamente o erotismo no âmbito das
universidades, não sairia da quantificação, apontando percentuais de
professores que se envolvem com alunas; de professores com professoras e de
funcionários com suas colegas. Falariam da frequência de professores e
professoras que se desfazem de seus casamentos para viver uma nova aventura
amorosa nos intramuros da universidade. Provavelmente, não geraria interesse de
estudiosos, além de depreciar o comportamento sexual da comunidade acadêmica.
“O amor nos tempos do AI-5” traz à vista
o que é comum e normal na vida de um casal, mas que na boca de moralistas é
perversão sexual. Se quiser saber, na verdade, o que é perversão leia o livro
“Os 120 dias de Sodoma” de Marques de Sade. O que Ricardo de Moura Faria diz,
através das palavras e ações dos quatro personagens principais, é que o
conhecimento e a consciência proporcionam a liberdade e o respeito, sem os
quais os atos sexuais são indignos.
Belo Horizonte, 26 de janeiro de 2016.
Antônio de Paiva Moura
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