segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Palmas para o movimento #VaiTerShortinhoSim.

Por Nathalí Macedo

Eu era uma menina de 18 anos veterana na faculdade.
As aulas dele – o meu professor que só queria ser engraçado, mas era, no fundo, um grandessíssimo machista incoerente – aconteciam nas manhãs de sábado, no calor quase insuportável da Bahia.
Eu ia a todas as aulas de shorts. Não me interessava se minhas pernas eram grossas ou finas, se eram atraentes ou não, se os homens saberiam ou não lidar com isso: eu sentia calor. E era sábado, afinal. Depois de cinco dias ininterruptos usando calça social no trabalho e na faculdade, por que não os meus shorts no sábado?
Eu percebia os olhares meio cínicos que ele, o meu professor incoerente, me dirigia – muito mais do que os meus colegas, acostumados com minhas pernas, com minhas roupas e com a minha mania de liberdade.
E eis que num dia não tão belo – ao menos não para ele – ele resolveu se manifestar:
– E esse shortinho tirando a concentração dos colegas?
Me aproximei o suficiente para olhar nos olhos dele e ser o mais incisiva possível.
– Professor, a concentração do senhor e dos meus colegas é um problema de vocês, não meu.
Ele riu, desconcertado, e disse que era só uma brincadeira – daquelas brincadeiras que, sabemos, reproduzem opressões e preconceitos. Sorri de volta, despreocupada. O meu recado fora dado.
Eu não imaginei que, tão pouco tempo depois, eu veria adolescentes gaúchas criarem um movimento pelo direito de se vestirem como quiserem. Eu não imaginei – nem no meu melhor sonho – que meninas de 15 ou 16 anos perceberiam, tão cedo, que são donas de seus corpos e que o olhar do outro não pode determinar como elas se vestirão.
E eu confesso: quando tomei conhecimento do movimento #VaiTerShortinhoSim, senti uma inveja ligeira delas que, ainda no colegial, podem se dar ao luxo de se libertarem. E de compreenderem que ensinar as mulheres a esconderem suas pernas é um erro – quando se deve, na verdade, ensinar aos homens que nenhuma roupa, por mais permissiva que seja, é um convite.
E que nós não escolhemos nossas vestimentas com base no que os homens pensarão de nós: nós também sentimos calor, nós também queremos estar confortáveis em uma manhã ensolarada de sábado.
E que qualquer discurso que contrarie a ideia de que nós podemos nos vestir exatamente como quisermos é incoerente – se as bermudas masculinas num sábado ensolarado não traduzem sensualidade, por que shorts femininos a traduziriam?
E, se querem saber, eu aposto que elas vencerão. E que todos eles – alunos e professores – engolirão a seco e aprenderão, por bem ou por mal, que terão de superar, sozinhos, o desejo por pernas desnudas de adolescentes de 16 anos, porque esta definitivamente não é uma responsabilidade nossa.
Nós não vamos tirar os nossos shorts. Eles é que vão tirar as suas regras dos nossos corpos.

(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/palmas-para-o-movimento-vaitershortinhosim-por-nathali-macedo/)

Por que carros de luxo estão sendo destruídos nas ruas de Berlim


Publicado no site Outra Cidade. Por Ubiratan Leal

Na última semana, 28 carros foram destruídos nas ruas de Berlim. Dois Mercedes e dois BMWs foram queimados, enquanto os demais foram vandalizados. Um dia depois, outros 20 veículos foram atacados. A quantidade de automóveis destruídos em 24 horas chamou a atenção, mas ver carros queimados na rua se tornou estranhamente comum na capital alemã, em uma prática que já misturou protesto social com oportunismo de vândalos.

Klaus-Jürgen Rattay era um dos milhares de jovens da Berlim Ocidental que, insatisfeitos com o aumento de preços dos imóveis na cidade, passaram a ocupar edifícios abandonados. Em setembro de 1981, a polícia berlinense fez uma ação coletiva de desocupação desses imóveis, muitos deles indústrias desativadas. Protestos se espalharam pela cidade e, durante uma investida dos policiais, Rattay foi fatalmente atropelado por um ônibus. Tinha 18 anos.

Mais de 34 anos depois, seu nome volta a aparecer com força nos debates sobre moradia em Berlim, já uma cidade unificada. Na semana do Carnaval, 48 veículos (28 no sábado e outros 20 no domingo) foram destruídos pelo grupo de extrema-esquerda Comando da Bicicleta da Social Democracia Popular, que assumiu a autoria em uma carta assinada (veja aqui, em alemão) pelo Comando Klaus-Jürgen Rattay.

Protestavam contra a gentrificação de diversos bairros da cidade, que está se tornando inacessível a uma parcela cada vez maior da população. Um ataque violento, mas que está longe de ser inesperado pelas autoridades berlinenses.

No início do ano, o grupo havia prometido destruir € 1 milhão em propriedade privada a cada tentativa da polícia de desocupar algum imóvel invadido por sem-teto ou manifestantes. Entre 19 e 24 de janeiro, as autoridades realizaram diversas operações desse tipo, prendendo mais de cem pessoas. Então, era questão de tempo para aparecerem carros incendiados ou vandalizados. E o Comando atingiu seu objetivo, pois o prejuízo causado no Carnaval foi estimado em € 1,1 milhão.

A região atingida no sábado foi em torno da Potsdamer Platz, uma das mais importantes da cidade. Nos últimos anos, os imóveis da região valorizaram quase 500%, com o metro quadrado chegando a € 5,5 mil. O ataque do domingo ocorreu no bairro de Neukölln.

Para entender o ataque da última semana, é importante ressaltar que não se trata de uma prática incomum na relação entre manifestantes antigentrificação e as autoridades na capital alemã. Desde 2008, são mais de 200 veículos incendiados por ano. Só em 2011 foram 403. De acordo com a própria polícia, nem todos os casos têm motivação política. Para as autoridades, vândalos com diversas motivações se aproveitam da onda criada por manifestantes para atear fogo em mais automóveis e aumentar o caos.

A natureza desses ataques dificulta seu combate. Os ativistas agem na madrugada, colocando bandejas de papel alumínio com carvão embebido em combustível sob os veículos. O carro demora alguns minutos a pegar fogo em relação ao momento em que o fogo é aceso. Isso dá ao incendiário tempo de sobra para deixar o local e ficar virtualmente impossível de ser identificado. Até porque a Alemanha é reticente em adotar a vigilância eletrônica nas ruas com a mesma intensidade de Reino Unido e Estados Unidos.

De qualquer forma, esses “protestos” estão longe de atingir seu objetivo. A opinião pública é favorável a medidas que controlem os altos e baixos do mercado imobiliário, mas tem sido pouco receptivas aos incêndios de carros em bairros nobres.
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-carros-de-luxo-estao-sendo-destruidos-nas-ruas-de-berlim/)

História da virgindade

Será que a virgindade perdeu mesmo o valor nos dias de hoje? Mesmo com a liberação sexual, a questão se mantém em todas as culturas e parece ainda ter um papel simbólico considerável. Por tudo isso e muito mais, falar de virgindade ainda é muito atual.
Nesta obra, a historiadora francesa Yvonne Knibiehler mostra o percurso da virgindade feminina, da Antiguidade greco-romana ao século XXI.

  História da Virgindade
  Yvonne Knibiehler
 
Será que a virgindade “já era” mesmo?
Em nosso tempo de sexualidade triunfante, a virgindade parece ter perdido, no Ocidente, todo o significado e valor. Nesta obra, a historiadora francesa Yvonne Knibiehler mostra, dentro de uma perspectiva histórica,
que não é bem assim, uma vez que a virgindade ainda
é moeda de troca em muitos grupos sociais e religiosos.

Preço: 49,90

Compras podem ser feitas no site da editora Contexto.

http://editoracontexto.com.br/HistoriadaVirgindade/YvonneKnibiehler

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Invasões bárbaras

MARCELO GRUMAN*

“Papai, ‘odeio’ é uma palavra feia, não é?”.
“Sim, filho. É uma palavra muito forte”.
“Então eu odeio o carnaval”.
“Mas por que, meu filho?”
“Porque tem muito barulho e eu não consigo achar os meus amigos (no bloco de rua)”.

Quando eu era pequeno, na longínqua década de 1980, lembro que carnaval era sinônimo de desfile de escolas de samba na passarela da Marquês de Sapucaí. Brincar o carnaval, como se diz, resumia-se aos bailes dos clubes, a maior parte deles restritos a adultos, e à própria passarela do samba. De lá para cá, as coisas mudaram. O espaço público foi retomado pela população carioca a partir do início dos anos 2000, que passou a ser invadido, durante o período momesco, por dezenas de blocos carnavalescos de rua. Para termos uma ideia, em 2011 desfilaram pelas ruas da cidade, da zona norte à zona sul, 476 blocos, número que alcançou, neste ano de 2016, inacreditáveis 505 agremiações. E há para todos os gostos e faixas etárias. Para os pequenos, por exemplo, a diversão é garantida no “Cordão umbilical” e no “Largo do Machado, mas não largo do suquinho”.
O carnaval de rua faz a economia local girar, principalmente o segmento de bebidas alcoólicas, consumidas aos milhares de litros desde cedo, antes do meio-dia (horário limite extraoficial que os pinguços de plantão estabelecem para “iniciar os trabalhos”), afinal de contas, em algum lugar do planeta, já é de tarde. Eu mesmo, admito, faço parte desde grupo de beberrões diurnos. Também aproveitam para ganhar um dinheiro extra os pipoqueiros, os vendedores daquela espuma em aerossol insuportável que leva ao desespero a oftalmologista pediátrica do meu filho, o vendedor de algodão doce e muitos outros ambulantes que oferecem de tudo a preços não tão convidativos, inflacionados pela imensa demanda de foliões.
O carnaval também é a época do ano em que transgredimos determinadas regras sociais que, antes ou depois, são punidas, minimamente, com a marginalização social. Pelo segundo ano, saio pela porta da frente do meu prédio vestido de bailarina, de cabeça erguida, com os pelos do peito à mostra. Os porteiros não fazem troça, pelo menos não na minha frente, sabem que é parte do ethos carnavalesco a inversão de papéis sociais, não me consideram um louco. É curioso que seja mais comum homens se travestirem de mulher do que o contrário. Minha esposa gosta de sair de Branca de Neve. A maioria dos blocos toca tradicionais marchinhas de carnaval, cujas letras o público, em geral, já sabe de cor e salteado. Dificilmente vê-se qualquer tipo de confusão, empurra-empurra, há um clima de alegria.
E meu filho “odeia” o Carnaval. Eu o entendo.
A quantidade de foliões cresceu exponencialmente, e muitos blocos de rua ficam superlotados porque passam por ruas estreitas ou, simplesmente, porque o espaço em que ficam parados não comporta a multidão que resolver brincar o carnaval ali. Muitas vezes não é possível ouvir o som da banda, de tão longe que ela fica dos retardatários, transformado num barulho incompreensível.
Se o barulho ficasse restrito ao “horário comercial”, estendido, digamos, até às onze horas da noite, uma colher de chá, vá lá. Mas a desordem é total. Entretido num dos meus sonhos, sou acordado às duas horas da manhã com sons de bumbos e trompetes e a cantoria de dezenas de pessoas que passavam na frente do meu prédio. Aparentemente, não foram incomodados pela polícia. Este não foi um caso isolado, um amigo que mora próximo também se espantou quando começou a ouvir sons de instrumentos musicais próximo de meia-noite.
O que dizer da sujeira? As toneladas de lixo que se acumulam pelas calçadas mostram a (des)consideração e o (des)respeito que o cidadão carioca e também os turistas têm pela cidade. Ok, a quantidade de caçambas de lixo e de lixeiras pode não ser suficiente, mas a quantidade de dejetos de todo tipo, o rastro de imundície que os blocos de rua deixam é tamanha que fica difícil acreditar que apenas o poder público tem responsabilidade sobre o caos urbano rotineiro que se instala durante o carnaval. O pior é o dia seguinte aos cortejos, mesmo após a passagem da ala dos bravos garis da companhia de limpeza urbana, que fazem o possível para entregar o espaço público mais ou menos inteiro para mais um dia de folia, quando os moradores do entorno sentem aquele odor nauseabundo de chorume misturado com restos de cerveja, urina e outros líquidos indecifráveis, odor este potencializado em dias de sol forte. Pior ainda para as crianças do meu prédio que, se quiserem jogar bola, andar de bicicleta ou skate na praça em frente, têm de colocar capacete, joelheiras e tornozeleiras para evitar que as dezenas de cacos de vidro carinhosamente deixados no dia, noite e madrugada anteriores não lhes cause cortes mais ou menos profundos. Alalaô!!!
Na sexta-feira anterior ao carnaval, ao sair do trabalho, no centro da cidade, passei por vários prédios protegidos por tapumes de madeira ou metal. A princípio, imaginei que fossem obras, mas, logo em seguida, lembrei que, por ali, passariam diversos blocos de carnaval. Os condomínios estavam, isso sim, protegendo-se dos foliões por medo de danos ao patrimônio público e privado. Em lugares civilizados, este tipo de proteção física faz sentido quando a cidade se prepara para eventos climáticos, como tufões e maremotos. Na cidade maravilhosa, a preparação não é contra a fúria da natureza e sim contra os animais humanos mesmo. Pela cidade, canteiros de plantas são cercados para evitar a destruição por parte dos “mais exaltados”, na praça em frente ao meu prédio a fonte de água centenária também teve de ser cercada por estruturas de ferro. Nossos bárbaros são distintos daqueles enfrentados pelos romanos, os nossos vêm do interior de nossas fronteiras, são habitantes da cidade, são nossos vizinhos de porta que, aparentemente, não se incomodam em viver no meio do lixo, afinal, a rua não é de ninguém.
O professor Micael Herschmann, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreveu um interessante artigo em que analisa o crescimento do carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro no início do século XXI. Ele cita, em determinado momento, a presidente da Sebastiana, a Associação Independente dos Blocos da Zona Sul, Centro e Santa Teresa, Rita Fernandes, que credita, dentre os fatores para o boom sem precedentes do carnaval de rua o aumento da autoestima do carioca que, na visão do professor, é mais consequência do que causa da “retomada dos cortejos de rua”.
Fico me perguntando que carioca em sã consciência se orgulha do chiqueiro em que parte da cidade se transforma em apenas quatro dias, como que arrasada por um furacão. Nos estertores do carnaval, um grupo fazia um churrasco improvisado dentro do parquinho infantil localizado na praça em frente de casa, debaixo do nariz da guarda municipal e de fiscais da gloriosa Secretaria Especial de Ordem Pública. Casais de jovens sentavam-se na mureta do parquinho, já com vários tijolos destruídos, bebendo cerveja em garrafas delicadamente descartadas sobre as plantas que circundam o espaço.
Vai além da minha compreensão o comportamento destes bárbaros modernos que, apesar de habitarem a cidade, insistem em maltratá-la, em envergonhá-la. O carnaval não pode servir de salvo-conduto para tamanha afronta à cidadania. Mas quem se importa, não é mesmo? As Olimpíadas vêm aí. Pão e circo, pra variar.

Referências bibliográficas
HERSCHMANN, Micael. Apontamentos sobre o crescimento do Carnaval de rua no Rio de Janeiro no início do século 21. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun., São Paulo, v. 36, n. 2, p. 267-289,Dec. 2013.
* MARCELO GRUMAN é Doutor em Antropologia Social (PPGAS/MN/UFRJ).

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2016/02/20/invasoes-barbaras/)

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Piketty: Sanders desafia a Era da Desigualdade

Eu sou muito cético com relação à possibilidade de algum candidato às eleições dos EUA realizar aquilo que promete. Se os leitores recordam, quando Obama foi eleito, eu disse a mesma coisa. Perante a euforia de um negro ocupar a presidência, havia muita esperança de mudança. O que se viu? Nada de essencial, pois o maior problema, que eram as guerras no Oriente Médio, agravou-se, em vez de se encerrar. Veremos, caso Sanders se eleja, se ele consegue enfrentar o "complexo industrial-militar"...

Crescimento, nos EUA, do candidato que quer redistribuir riqueza terá repercussão global: ele mostra que é possível reagir à aristocracia financeira
Por Thomas Piketty | Tradução: Inês Castilho

Como podemos interpretar o incrível sucesso do candidato “socialista” Bernie Sanders nas primárias dos EUA? O senador de Vermont está agora à frente de Hillary Clinton entre eleitores de tendência democrata com menos de 50 anos de idade, e é apenas graças à geração mais velha que Clinton consegue manter-se à frente nas pesquisas.
Sanders pode não vencer a competição, por estar enfrentando a máquina dos Clinton, assim como o conservadorismo da velha mídia. Mas já foi demonstrado que um outro Sanders – possivelmente mais jovem e menos branco – poderia num futuro próximo vencer as eleições presidenciais e mudar a fisionomia do país. Em vários aspectos, estamos testemunhando o fim do ciclo político-ideológico iniciado com a vitória de Ronald Reagan nas eleições de 1980.
Vamos dar uma olhada pra trás, por um instante. Dos anos 1930 aos 1970, os Estados Unidos estiveram na vanguarda de uma série de ambiciosas políticas com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. Em parte para evitar qualquer semelhança com a Velha Europa, vista então como extremamente desigual e contrária ao espírito democrático norte-americano, o país inventou no entre-guerras uma tributação altamente progressiva sobre a renda e o patrimônio, e instituiu níveis de progressividade nunca utilizados no outro lado do Atlântico. De 1930 a 1980 – durante meio século – o percentual para a tributação da renda mais alta dos EUA (acima de 1 milhão de dólares anuais) era em média de 82%. Chegou a 91% entre os anos 1940 e 1960 (de Roosevelt a Kennedy); e era ainda de 70% quando da eleição de Reagan, em 1980.

Essa política não afetou, de forma alguma, o forte crescimento da economia norte-americana do pós-guerra. Certamente, porque não faz muito sentido pagar a super gestores 10 milhões de dólares, quando US$ 1 milhão dá conta. Os impostos sobre patrimônio eram igualmente progressivos. As alíquotas chegaram a 70% a 80% sobre as maiores fortunas durante décadas (elas quase nunca excederam 30% a 40%, na Alemanha ou na França) e reduziram enormemente a concentração do capital norte-americano, sem a destruição e as guerras que a Europa teve de enfrentar.

A restauração de um capitalismo mítico

Nos anos 1930, muito antes dos países da Europa, os EUA instituíram um salário mínimo federal. No fim dos anos 1960 valia 10 dólares a hora (no valor do dólar em 2016), de longe o mais alto naqueles tempos.
Tudo isso foi obtido quase sem desemprego, pois tanto o nível de produtividade quanto o sistema educacional possibilitavam. Esse é também o período em que os EUA finalmente colocam um fim na antidemocrática discriminação racial legal ainda em vigor no Sul, e lançam novas políticas sociais.
Toda essa mudança detonou uma oposição musculosa, particularmente entre as elites financeiras e os setores reacionários do eleitorado branco. Humilhados no Vietnã, os EUA dos anos 1970 estavam mais preocupados com o fato de que os derrotados da Segunda Guerra Mundial (liderados pela Alemanha e pelo Japão) ganhavam terreno em alta velocidade. Os EUA sofreram inclusive com crise do petróleo, a inflação e a sub-indexação das tabelas dos impostos. Surfando nas ondas de todas essas frustrações, Reagan foi eleito em 1980 com um programa cujo objetivo era restaurar o capitalismo mítico existente no passado.
O ápice deste novo programa foi a reforma fiscal de 1986, que pôs fim a meio século de um sistema de impostos progressivos e reduziu a 28% a alíquota sobre as rendas mais altas.
Os democratas nunca desafiaram de fato essa escolha, nos anos dos governos Clinton (1992-2000) e Obama (2008-2016), que estabilizaram a alíquota de impostos em cerca de 40% (duas vezes mais baixa do que o nível médio no período 1930-1980). Isso detonou uma explosão de desigualdade, ao lado de salários incrivelmente altos para aqueles que podiam consegui-los, e uma estagnação da renda para a maioria dos norte-americanos. Tudo isso foi acompanhado de baixo crescimento (num nível ainda pouco mais alto que o da Europa, lembremos, pois o Velho Mundo encontrava-se atolado em outros problemas).

Uma possível agenda progressista

Reagan decidiu também congelar o valor do salário mínimo federal, que desde 1980 foi sendo lenta, porém seguramente corroído pela inflação (pouco mais de 7 dólares por hora em 2016, contra perto de 11 dólares em 1969). Também nesse caso, esse novo regime político-ideológico foi apenas mitigado nos anos Clinton e Obama.
O sucesso de Sanders, hoje, mostra que a maioria dos norte-americanos está cansada do aumento da desigualdade e dessas falsas mudanças políticas, e pretende reviver tanto uma agenda progressista quanto a tradição norte-americana de igualitarismo. Hillary Clinton, que posicionou-se à esquerda de Barack Obama em 2008, em questões como seguro de saúde, aparece agora como defensora do status quo, como apenas mais uma herdeira do regime politico de Reagan-Clinton-Obama.
Sanders deixa claro que deseja restaurar a progressividade dos impostos e aumentar o salário mínimo (para 15 dólares por hora). A isso acrescenta assistência de saúde e educação universitária gratuitas, num país onde a desigualdade no acesso à educação alcançou níveis sem precedentes, e destacando assim o abismo permanente que separa as vidas da maioria dos norte-americanos dos tranquilizadores discursos meritocráticos pronunciados pelos vencedores do sistema.
Enquanto isso, o Partido Republicano afunda-se num discurso hiper-nacionalista, anti-imigrante e anti-Islã (ainda que o Islã não seja uma grande força religiosa no país) e o enaltecimento sem limites da fortuna acumulada pelos brancos ultra-ricos. Os juízes nomeados sob Reagan e Bush derrubaram qualquer limitação legal da influência do dinheiro privado na política, o que dificulta muito a tarefa de candidatos como Sanders.
Contudo, outras formas de mobilização política e crowdfunding podem prevalecer e empurrar os Estados Unidos para um novo ciclo político. Estamos longe das tétricas profecias sobre o fim da história.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/piketty-sanders-desafia-a-era-da-desigualdade/)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Bomba atômica social: automação, acumulação e desigualdade

É óbvio que a computação eletrônica trouxe grandes benefícios para a vida humana e para a natureza de um modo geral. Mas ela é bem de capital, que gera riqueza a quem a possuiu e alto custo a quem dela necessita.

Por Antônio de Paiva Moura,

No alvorecer do corrente século surgiram muitos estudos sobre o aumento progressivo da desigualdade e da acumulação de renda no mundo. As grandes empresas comerciais, industriais, financeiras e prestadoras de serviços só permanecem atuantes se houver perspectiva de altos lucros. Qualquer sinal de queda no nível da lucratividade, elas paralisam ou diminuem o nível de produção. Muitas vezes, o capital desviado do setor de produção vai para a área financeira legal ou clandestina.

Segundo Chiavenato, a performance econômica das empresas é analisada pelos investimentos e retornos que são registrados, processados e medidos em termos de dinheiro; a busca de obtenção de lucros, índice de rentabilidade. Para obtenção de resultados a empresa seleciona ao máximo o quadro de servidores, deixando somente aqueles que se revelam como talentos, e substituem ao máximo o trabalho humano por instrumentos automáticos.

A automação microeletrônica provocou transformações rápidas no sistema econômico mundial, com reflexo imediato nas performances das empresas e na degradação social. Além do desemprego, a automação provoca a desclassificação de trabalhadores.

Apenas um exemplo para ilustrar essa questão: a empresa de transporte Gontijo, fundada em 1943, já na década de 1990 era dona de linhas que percorriam todos os estados do Brasil. Na agência de Belo Horizonte a empresa empregava seis bilheteiros. Com o uso do computador para emitir passagens, apenas um bilheteiro faz todo o serviço. O serviço mecânico para a frota é terceirizado.

Não é coincidência o fato de a empresa ter chegado ao domínio de mais de 100 linhas interestaduais e transporte de sete milhões de passageiros por ano, contudo, diminuindo o número de empregados nos serviços de apoio.

É necessário chamar a atenção para o fato de que esse é um exemplo entre milhares de situações. Nas duas últimas décadas, as empresas mineradoras encontraram forma tecnológica de multiplicar a extração de minérios e transportá-los com o mínimo de ocupação humana. É óbvio que a computação eletrônica trouxe grandes benefícios para a vida humana e para a natureza de um modo geral. Mas ela é bem de capital, que gera riqueza a quem a possuiu e alto custo a quem dela necessita.

Em janeiro de 2016 Winnie Byanyma, diretor geral da Oxfam Internacional, compareceu ao Fórum Econômico Mundial de Davos para demonstrar os efeitos da 4ª Revolução Industrial desencadeada pelo avanço tecnológico. O pleno emprego de força humana é o melhor meio de dinamizar a circulação monetária e, em consequência, a circulação das mercadorias.  

Em 2012 o prêmio Nobel de Economia, o norte-americano Joseph Stiglitz publicou o livro intitulado “O preço da desigualdade”, tendo tido para tal obra a colaboração do economista italiano Mauro Gallegati. Nessa obra, ele afirma que a classe de 1% mais rica do mundo não é muito afeita ao consumo. Mesmo que o fosse não contribuiria com o desenvolvimento industrial e com o PIB. Somente uma classe média bem-sucedida e favorecida pela distribuição de renda tende a consumir todos ou quase todos os seus recursos, sustentando o PIB do próprio país e a economia de modo geral.

O enunciado científico de Stiglitz e Gallegati é o seguinte: "quando o 1% mais rico da população concentra 25% da renda a bomba atômica econômica explode, isto é, o capitalismo entra em crise".

Eles demonstram que isso aconteceu em 1929, 1998 e de 2003 a 2008. A descoberta de Stiglitz e Gallegati demonstra que a desigualdade corrói o PIB até matá-lo, não só por causa da queda do consumo, mas também porque o sistema de concentração é ineficiente. Segundo Bernabucci, este foi o maior ataque teórico e científico ao neoliberalismo.

Com base no enunciado de Stiglitz a perspectiva é de agravamento da crise do sistema econômico mundial com prejuízo para as classes trabalhadoras, com tendência a aumentar e se agravar. Conforme dados divulgados pela Oxfam, a riqueza de 1% da população mundial supera a do restante 99% no balanço de 2015. Diz uma nota da Agência Brasil que o fosso entre a parcela mais rica e o resto da população aumentou de forma dramática durante o ano de 2015. Apenas 62 pessoas no mundo possuem mais bens que a metade de toda a população do mundo.

O estopim da bomba atômica social já está aceso. Ele é visível no aumento da violência interpessoal, nos conflitos de grupos, nos atos terroristas, guerras e multidões de refugiados perambulando pelo mundo. Basta ver sob as marquises e viadutos das cidades o aumento da população de sem tetos. Só na cidade de New York são mais de 80 mil moradores de rua. A superpopulação carcerária também é um forte componente da bomba atômica social.

Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.
(fonte: enviado pelo autor, publicado originalmente no Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/node/34169)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Francisco volta a provocar hierarquia católica



Em discurso surpreendente aos bispos mexicanos, Papa amplia polêmica contra Cúria romana e fustiga conservadorismo, fascínio pela riqueza e espírito burocrático encravados na igreja
Por Mauro Lopes, editor do site Caminho pra Casa

O discurso do Papa para os bispos mexicanos neste sábado foi surpreendente — mas Francisco não se cansa de surpreender. A chave de leitura para compreender o que ele disse ao episcopado mexicano é o seu duríssimo discurso à Cúria romana no fim de dezembro de 2014 quando denunciou as 15 doenças curiais (mexericos, carreirismo, oportunismo, acúmulo de riquezas, indiferença em relação às pessoas, perda do “primeiro amor” pelo seguimento do Cristo, Alzheimer espiritual e outras). Se quiser lembrar ou conhecer um discurso histórico e inédito de um Papa à burocracia vaticana, clique no link clicando aqui.

Um leitura combinada das duas manifestações do Papa indica claramente seu antagonismo com a hierarquia da Igreja, que, a partir da cúria romana, insurgiu-se contra o espírito do Vaticano II desde o primeiro momento, ainda nos anos 1960. Tal espirito foi contido por Paulo VI – João Paulo I acompanhava o passo de João XXIII e Paulo VI, mas sua morte, 33 dias depois de eleito (em agosto de 1978) interrompeu o caminho do espírito conciliar.

O conservadorismo prevalecente na cúpula da Igreja no Vaticano e, de uma maneira geral, ao redor do planeta, com exceções que confirmam a regra (como a Alemanha e, agora, a Espanha) não foi obra do acaso ou apenas do “espírito da época”.  Durante mais de 30 anos, as nomeações de bispos e cardeais obedeceram a três lógicas: 1) rigorismo (seguimento às regras e normas e não ao espírito do Evangelho); 2) conservadorismo político e social (afastamento dos pobres); e 3) visão institucional da Igreja (olhar para dentro e submissão à burocracia eclesial). A atual cúpula da Igreja é obra de construção metódica e obstinada, feita por corações e mentes alinhados com uma visão particular do cristianismo.



Isto faz com que Francisco tenha ao seu redor uma grande massa de bispos e cardeais que respiram o espírito de contrarreforma e comportam-se como os burocratas nos governos: ficam quietos, às vezes encenam concordância com o “chefe” — e esperam pelo próximo Papa.  O Papa governa com um pequeno mas aguerrido núcleo de bispos e cardeais sintonizados com a retomada dos valores originais da Igreja e o espírito do Concílio Vaticano II. Os padres têm um papel de baixa relevância nesse processo, pois com o espírito conservador dos últimos anos, tiveram seu protagonismo praticamente liquidado. De fato, o processo dominante dos últimos anos formou milhares de padres preocupados com suas roupas, em encontrar uma paróquia “rica”, em oposição à ideia do serviço cristão.

Neste cenário adverso, Francisco navega com coragem e descortino que animam os cristãos e as pessoas de bem de todo o mundo. Como disse o bispo mexicano Raul Vera há um “efeito Francisco”  nas pessoas, “mas ainda não na Igreja. Somos nós, os bispos e sacerdotes os que temos que nos converter à integridade do Evangelho”. Vera é um desses lideres da Igreja sintonizados por Francisco e que sofreu enormes perseguições por parte de seus pares mexicanos. Leia a entrevista dele aqui.

Qual a possibilidade de uma reforma na cúpula da Igreja? O Papa instituiu o Grupo dos 9, cardeais fiéis ao espírito do Vaticano II e que estão finalizando o novo desenho da organização do Vaticano. O coordenador do grupo é o valente e inspirado cardeal de Tegucigalpa, Óscar Tegucigalpa. É um caminho. Mas os cristãos que vivem no espírito original do Evangelho e das primeiras comunidades devem rezar por um papado de mais uns bons anos à frente, para que Francisco consiga modificar o panorama da hierarquia católica. Pessoas de todos os credos e mesmo ateus parecem rezar ou torcer por isso.

Francisco tirou a Igreja da irrelevância a que tinha se encolhido nos últimos anos e recolocou-a no centro do mundo -mas a partir das margens, dos pobres. Este é o espírito de seu papado e assim deve ser lido seu discurso aos bispos mexicanos.

A Igreja mexicana é hoje dominada por uma cúpula conservadora que persegue leigos, padres e bispos vinculados aos pobres do país. O México é o berço do grupo clerical de direita, os milionários Legionários de Cristo, que se envolveu num grande escândalo — seu fundador, e idolatrado no grupo, Marcial Maciel, era pedófilo, teve filhos com várias mulheres, era dependente químico e, claro, perseguia todas as pessoas que não seguissem o “código moral” conservador…

No discurso aos bispos mexicanos, Francisco colocou o dedo na ferida logo de cara: “Vigiai para que os vossos olhares não se cubram com as penumbras da névoa do mundanismo; não vos deixeis corromper pelo vulgar materialismo nem pelas ilusões sedutoras dos acordos feitos por baixo da mesa; não ponhais a vossa confiança nos “carros e cavalos” dos faraós de hoje, porque a nossa força é a “coluna de fogo” que irrompe separando em duas as águas do mar, sem fazer grande rumor (Ex 14, 24-25).”

O tema das intrigas e do carreirismo, que ele abordara no discurso contra a cúpula do Vaticano, voltou no México: “Assim, não percais tempo e energias nas coisas secundárias, nas críticas e intrigas, em projetos vãos de carreira, em planos vazios de hegemonia, nos clubes estéreis de interesses ou compadrios. Não vos deixeis paralisar pelas murmurações e maledicências.”

O esquecimento do “primeiro amor” ao seguimento de Cristo, que fora uma crítica central aos cardeais curiais em 2014 também foi destacado hoje: “Se o nosso olhar não dá testemunho de ter visto Jesus, então as palavras que recordamos d’Ele não passam de figuras retóricas vazias. Talvez expressem a nostalgia daqueles que não podem esquecer o Senhor, mas, em todo o caso, são apenas o balbuciar de órfãos junto do sepulcro. No fim de contas, são palavras incapazes de impedir que o mundo fique abandonado e reduzido ao próprio poder desesperado.”

O clericalismo e a indiferença, também objeto do discurso em Roma, esteve presente no México:  “Por isso nós, pastores, precisamos vencer a tentação da distância e do clericalismo, da frieza e da indiferença, do triunfalismo e da auto-referencialidade. Guadalupe ensina-nos que Deus é familiar no seu rosto, que a proximidade e a condescendência podem fazer mais do que a força.”

Uma crítica que esteve ausente em Roma foi relativa à pastoral — que não inexiste na burocracia vaticana. No México, Papa acusou o olhar superior dos que se julgam acima dos pobres: “Por isso, sede bispos capazes de imitar esta liberdade de Deus, escolhendo o que é humilde para manifestar a majestade do seu rosto e copiar esta paciência divina ao tecer, com o fio sútil da humanidade que encontrais, aquele homem novo que o vosso país espera. Não vos deixeis levar pela vã pretensão de mudar o povo, como se o amor de Deus não tivesse força suficiente para o mudar.”

O conservadorismo foi alvo de uma crítica direta do Papa: “Peço-vos para não cairdes na estagnação de dar velhas respostas às novas questões. O vosso passado é um poço de riquezas por escavar, que pode inspirar o presente e iluminar o futuro. Ai de vós se vos deixais adormentar sobre os louros! É preciso não desperdiçar a herança recebida, guardando-a com um trabalho constante. Estais sentados aos ombros de gigantes: bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos fiéis «até ao fim», que deram a vida para a Igreja poder cumprir a sua missão. Do alto de tal pódio, sois chamados a alongar o olhar sobre o campo do Senhor para programar a sementeira e esperar a colheita.”

Impressionante a coragem de Francisco ao apontar o fascínio pela riqueza e grandiosidade que larva na cúpula da Igreja mexicana (como em outras ao redor do planeta) como “perda da sacralidade do sentido da vida humana e do respeito pelo planeta e, portanto, uma insurreição ainda que silenciosa aos termos da encíclica Laudato Si. O trecho é impressionante: “A Igreja, mesmo quando se reúne numa majestosa catedral, não poderá deixar de considerar-se como uma «casita» onde os seus filhos se sintam à vontade. Diante de Deus, pode-se permanecer apenas se se é pequeno, se se é órfão, se se é mendicante. (…) O fato de nos termos esquecido de «tirar as sandálias» para entrar não estará porventura na raiz da perda do sentido da sacralidade da vida humana, da pessoa, dos valores essenciais, da sabedoria acumulada ao longo dos séculos, do respeito pela natureza? Sem recuperar, na consciência dos homens e da sociedade, estas raízes profundas, incluindo o generoso empenho em prol dos legítimos direitos humanos, faltará a seiva vital que só pode vir dum manancial que a humanidade não poderá jamais dar-se por si mesma.”

No estertor do discurso, o Papa atacou diretamente o espírito de “realeza” que toma conta da Igreja e que nada tem a ver com o Reino de Deus. Falou claramente dos “príncipes” que povoam a hierarquia católica e fez um apelo por sua reconversão. O Papa advertiu a cúpula mexicana a não encalhar a barca da Igreja local. O texto chega a ser estonteante: “Não há necessidade de «príncipes», mas de uma comunidade de testemunhas do Senhor. Cristo é a sua única luz; é a fonte da água viva; da sua respiração, sai o Espírito que estende as velas da barca eclesial. Em Cristo glorificado, que os membros deste povo gostam de honrar como Rei, acendei juntos a luz, enchei-vos da sua presença que não Se extingue; respirai a plenos pulmões o ar bom do seu Espírito. Compete-vos semear Cristo no território, manter acesa a sua luz humilde que ilumina sem ofuscar, garantir que nas suas águas se sacie a sede do vosso povo; levantar as velas de modo que o sopro do Espírito as impulsione e não encalhe a barca da Igreja no México.”

Qual será a repercussão de mais um discurso sem precedentes e que chacoalha não só a cúpula mexicana mas carrega uma mensagem a atravessar a hierarquia católica em quase todo o planeta? Difícil dizer, mas que o Papa está cada dia mais decidido a enfrentar abertamente aqueles que traíram a Igreja das origens e os compromissos do Vaticano II não resta dúvida.

(fonte: http://outraspalavras.net/blog/2016/02/15/francisco-volta-a-provocar-hierarquia-catolica/)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Economia: por que perdura risco do colapso global


Desde 2008, nenhuma das políticas “contra a crise” ousou questionar papel dos bancos e aristocracia financeira. Reforçados, eles ameaçam provocar novos desastres. Há alternativas 
Por Joseph E. Stiglitz | Tradução: Inês Castilho |

Sete anos depois de irromper a crise financeira global, em 2008, a economia mundial continuou a tropeçar, em 2015. Conforme o relatório da ONU Situação e Perspectivas da Economia Mundial 2016 , a taxa média de crescimento nas economias desenvolvidas teve queda de mais de 54% desde a crise. Cerca de 44 milhões de pessoas estão desempregadas em países desenvolvidos, algo como 12 milhões a mais do que em 2007, enquanto a inflação alcançou seu nível mais baixo desde o início da crise.
Mais preocupante, as taxas de crescimento dos países avançados também tornaram-se mais voláteis. Isso é surpreendente, porque, como economias desenvolvidas, com contas de capital totalmente abertas, elas deveriam ter-se beneficiado do livre fluxo de capital e participação internacional nos riscos – e portanto, experimentado pequena volatilidade macroeconômica. Além disso, os investimentos sociais, incluindo os auxílios aos desempregados, deveriam ter permitido às famílias estabilizar seu consumo.
Mas as políticas dominantes durante o período pós-crise – redução de impostos e flexibilização quantitativa (quantitative easing, ou QE, na sigla em inglês) [1] pelos principais bancos centrais – ofereceu pouco apoio para estimular o consumo das famílias, os investimentos, e o crescimento. Ao contrário, estas medidas tenderam a tornar as coisas piores.
Nos Estados Unidos, a flexibilização quantitativa não estimulou o consumo e o investimento, em parte porque o volume maior de liquidez adicional retornava aos cofres dos bancos centrais em forma de excesso de reservas. A Lei de Desregulamentação dos Serviços Financeiros de 2006, que autorizou o Federal Reserve (banco central norte-americano) a pagar juros sobre as reservas necessárias e em excesso, prejudicou, assim, o principal objetivo do QE.
Em 2008, com o setor financeiro dos EUA à beira do colapso, a Lei de Estabilização Econômica Emergencial ampliou, para três anos, o prazo para que o Tesouro pagasse juros sobre suas reservas. Como resultado, o excesso de reservas controladas pelo Fed disparou, de uma média de 200 bilhões de dólares no período de 2000 a 2008 para 1,6 trilhões durante 2009-2015. As instituições financeiras preferiram manter seu dinheiro com o banco central (Federal Reserve, ou Fed, nos EUA), ao invés de emprestá-lo para a economia real. Lucraram perto de 30 bilhões de dólares – completamente livres de riscos – durante os últimos cinco anos.
Equivale a um subsídio generoso – e bem escondido – do Fed ao setor financeiro. Em consequência da alta da taxa de juros norte-americanos, no mês passado, o subsídio irá aumentar cerca de 13 bilhões de dólares, este ano.
Incentivos perversos são apenas uma das razões por que os esperados benefícios de baixas taxas de juros não se materializaram. Dado que o QE conseguiu manter as taxas de juros próximas de zero por quase sete anos, isso deveria ter encorajado os governos nos países desenvolvidos a emprestar e investir em infra-estrutura, educação e área social. O aumento das transferências sociais durante o póscrise teria impulsionado a demanda agregada e sustentado os padrões de consumo.
Ademais, o relatório da ONU mostra claramente que, por todo o mundo desenvolvido, o investimento privado não cresceu como se esperava, diante das taxas de juros ultra baixas. Em 17 das 20 maiores economias desenvolvidas, o crescimento dos investimentos permaneceu mais baixo durante o período pós 2008 do que nos anos anteriores à crise; cinco delas viveram um declínio do investimento durante 2010-2015.
Globalmente, os títulos da dívida emitidos por corporações não-financeiras – supostamente para realizar investimentos fixos – aumentou significativamente durante o mesmo período. Consistente com outras evidências, isso implica que várias corporações não-financeiras tomaram emprestado, aproveitando-se das taxas de juros baixas. Mas, ao invés de investir, usaram o dinheiro para comprar de volta suas próprias ações ou adquirir outros ativos financeiros. Assim, o QE estimulou aumentos acentuados na alavancagem, capitalização do mercado e lucratividade do setor financeiro.
Mas, de novo, nada disso foi de muita ajuda para a economia real. Claramente, manter as taxas de juros próximo de zero não necessariamente leva a níveis mais altos de crédito ou investimento. Quando é dada aos bancos liberdade de escolher, eles escolhem lucro sem risco ou até mesmo especulação financeira, em vez de empréstimos que dariam suporte ao objetivo mais amplo de crescimento da economia.
Por contraste, quando o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional emprestam dinheiro barato aos países em desenvolvimento, impõem condições sobre o que pode ser feito com os recursos. Para alcançar o efeito desejado, o QE teria de ter sido acompanhado não apenas de esforços oficiais para restaurar canais de empréstimo prejudicados (especialmente aqueles dirigidos a empreendimentos pequenos e médios), mas também por metas específicas de empréstimos para os bancos. Ao invés de incentivar de forma eficaz os bancos a não emprestar, o Fed deveria estar penalizando os bancos por manter reservas em excesso.
Se as taxas de juros ultra baixas ofereceram poucos benefícios para os países desenvolvidos, eles impuseram custos significativos às economias emergentes e em desenvolvimento. Uma consequência acidental, mas não inesperada, da flexibilização da política monetária tem sido o forte aumento nos fluxos de capital transfronteiriços. O fluxo total de capital para países em desenvolvimento aumentou de cerca de 20 bilhões de dólares em 2008 para 600 bilhões em 2010.
Diversos países emergentes tiveram dificuldades para gerir a repentina explosão de fluxo de capital. Parte muito pequena dele foi para investimentos fixos. Na verdade, o crescimento dos investimentos nos países em desenvolvimento desacelerou significativamente durante o período pós crise. Neste ano, espera-se que o conjunto dos países em desenvolvimento registrem seu primeiro ano de fuga de capital líquido – um total de 615 bilhões de dólares – desde 2006.
Nem a política monetária, nem o setor financeiro estão fazendo o que devem. Parece que a enchente de liquidez foi destinada, desproporcionalmente, à criação de riqueza financeira e a inflar bolhas de ativos, em vez de fortalecer a economia real. Apesar das fortes quedas nos preços das ações em todo o mundo, permanece alta a capitalização do mercado, em percentual do PIB mundial. O risco de outra crise financeira não pode ser ignorado.
Outras políticas, de sentido oposto, poderiam restaurar um crescimento sustentável e inclusivo. Para começar, é preciso reescrever as regras da economia de mercado para assegurar maior igualdade, buscar mais planejamento de longo prazo, e colocar rédeas no mercado financeiro, com regulação efetiva e estruturas adequadas de incentivo.
Mas também será necessário um grande aumento do investimento público em infra-estrutura, educação e tecnologia. Este terá de ser financiado, ao menos em parte, pela criação de impostos ambientais — inclusive sobre a emissão de carbono — e de impostos sobre o monopólio e outras rendas não ligadas à produção — que se disseminaram na economia de mercado e contribuem enormemente com a desigualdade e o crescimento fraco.

[1] Trata-se de um processo de injeção maciça de dinheiro nas economias dos EUA e União Europeia, por iniciativa coordenada de seus governos e bancos centrais. Estes liquidaram antecipadamente grandes quantidades de recursos públicos — ou seja, pagaram em dinheiro aos aplicadores –, num esforço para combater a recessão pós-2008 ampliando o estoque de moeda disponível. No entanto, como explica Stiglitz a seguir, fizeram-no beneficiando os extratos mais ricos. Tais grupos, ao invés de movimentar a economia, ampliando o consumo ou investimento, utilizaram os recursos para novas aplicações financeiras ou aquisição de empresas já existentes — inclusive no exterior. O quantitative easing favoreceu, entre outros processos, a ultra-valorização do real brasileiro, entre 2009 e 2014. [Nota da Tradução]

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/stiglitz-por-que-continuamos-a-beira-de-colapso-global/)

Os ingleses

Arrogantes ou educados? Descolados ou formais? Como são os ingleses, que já foram donos de um império em que o sol nunca se punha?
Junte-se a Peter Burke e Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke (ele inglês, ela brasileira), embarque nessa viagem e conheça um dos mais cativantes povos do Velho Mundo: Os Ingleses.
Aproveite a promoção de lançamento*, que vai somente até o dia 18/02.

  Os Ingleses
  Peter Burke
Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke



Lords e hooligans; gentlemen e gente do povo; chá da tarde formal e pubs nem tanto; família real e tabloides escandalosos; táxis e ônibus de dois andares trafegando pela esquerda... Esses ícones nos parecem muito familiares, assim como o futebol, que nos foi apresentado pelos ingleses. Mas será que conhecemos tão bem os habitantes da “terra da rainha”?
A dupla de historiadores Peter Burke e Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke (ele inglês, ela brasileira) nos apresenta novas faces desse povo fascinante. Para além da fama do Big Ben, os ingleses legaram para a humanidade a Magna Carta – documento de 1215 que estabeleceu as bases da democracia moderna – e transformaram o mundo com sua Revolução Industrial – embora Londres tenha 8 milhões de árvores, o que faz dela a maior “floresta urbana” do planeta; isto em um país em que a jardinagem é uma obsessão nacional.
Enfim, um país único, com fortes tradições, mas também aberto ao novo – inclusive à imigração. Os ingleses, com suas virtudes e defeitos, sua história e suas manias estão aqui de corpo inteiro. Uma leitura imperdível.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Crise mundial: petróleo derrete, republicanos celebram o carvão

por Najar Tubino

O capitalismo esclerosado está em convulsão mais uma vez. As maiores petrolíferas do mundo demitiram mais de 100 mil pessoas em 2015, 30 mil somente na Noruega. O gás de xisto, considerada a última maravilha do neoliberalismo dá sinais de falência literal – as empresas prestadoras de serviço como Saipem, Schlumberger, Weatherford, Baker and Hughes e Halliburton foram responsáveis por quase 50 mil demissões. Isso no ano passado e o setor de petróleo e gás se prepara para a segunda onda de demissões, corte de investimentos e fechamentos de poços em 2016. Em 10 anos, os bancos dos Estados Unidos emprestaram US$1 trilhão para estas empresas. Como forma de multiplicar os lucros, fatiaram os negócios e venderam ao mercado. As agências de classificação como Standard & Poors e Moody’s rebaixaram as notas de empresas como Chevron e Shell, além de outras dez menos conhecidas. A ExxonMobil, maior petrolífera do mundo está ameaçada de perder o AAA.

Incluindo a BP, do Reino Unido, todas estão cortando despesas, tiveram queda no faturamento e reduziram os lucros, desde o ano passado. A Exxon em 20%, a Shell em 57%, a Chevron em 30%. A redução de investimentos alcançará mais de 75 bilhões de dólares – em 2015 foi de US$595 bilhões e a previsão para 2016 é que não passe de US$520 bilhões. Mas este ainda não é o maior problema, além da redução histórica nos preços do barril do petróleo. Os contratos na Bolsa Mercantil de Nova York com vencimento em março apontam para uma cotação do petróleo leve (WTI) a US$27,94 e o Brent, usado como referência na Europa, a US$30,51.

Bolsas já perderam US$15 trilhões

As petrolíferas precisam de dinheiro até abril para pagar US$31 bilhões em dividendos aos seus acionistas, principalmente fundos de pensão, aposentados e fundos especulativos que têm nas ações da Exxon, Shell, BP, Crevron e Conocophilips uma garantia de renda anual. A Exxon aumenta os dividendos há 33 anos seguidos e a Shell desde 1945 não deixa de pagá-los. Entretanto, os títulos e ações do setor de petróleo e gás se arrastam no tufão que tomou conta das bolsas no mundo inteiro, em 2016 já perderam US$15 trilhões. O setor do fracking dos Estados Unidos tem um déficit de US$169 bilhões – em 2010 era de US$81 bilhões.

Existem mais de um milhão de poços de exploração de gás de xisto nos Estados Unidos – a rocha sedimentar que tem entre 5 e 10% de betume, que a criatividade industrial suga através da injeção de água misturada com areia e fluídos de hidrocarbonetos como benzeno, tolueno e etil benzeno, ou até mesmo óleo diesel. São 240 bilhões de litros de água poluídas que saem desses poços, sem contar o metano liberado na atmosfera.

Sim, nós mandamos

Para coroar a convulsão perfeita do mercado, a Suprema Corte dos Estados Unidos, numa contagem de 5 a 4 – cinco conservadores, segundo a mídia – trancou o Plano de Energia Limpa do presidente Barack Obama, que está ameaçado de entrar para a história como o maior demagogo do planeta, ao anunciar na COP 21 que os Estados Unidos cortariam 32% das emissões de gases das usinas de eletricidade, a maioria movida a carvão até 2030. O refrão “sim, nós podemos”, virou “sim, nós mandamos” dos republicanos como Paul Ryan, presidente da Câmara dos Deputados que pretende enterrar definitivamente a pretensão de Obama.

“- Essa regulação deve ser derrubada de forma permanente, antes que a indústria de carvão seja completamente destruída e os consumidores americanos sejam condenados a pagar mais caro pela energia”, disse ele, depois do anúncio da Suprema Corte, que ainda passará por uma revisão em junho num Tribunal de Recursos do Distrito de Colúmbia.

Ninguém sabe o que acontecerá em 2016

O poder conservador mostra que não está nem aí para o aquecimento global ou o que o restante da humanidade pensa sobre o grave problema que afeta os sete bilhões de habitantes. Foi uma decisão inusitada, a toque de caixa, para repercutir na campanha presidencial, e mostrar ao mundo que os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados em abrir mão do seu estilo – carro, sanduíche gorduroso, obesidade e prepotência.

Mesmo assim o mercado continua derretendo. A briga entre Arábia Saudita e Irã é apenas uma face do problema. No rolo atual todos estão jogando mais petróleo no mercado, o Iraque vende a 25 dólares o barril para a Ásia, Noruega e Canadá vendem a 22 dólares. Não há mais parâmetro. Nenhum banco consegue prever petróleo custando mais do que 60 dólares durante 2016. A Agência Internacional de Energia prevê um milhão de barris dia a mais no mercado este ano e considera que o ponto de equilíbrio entre oferta e demanda ocorrerá em 2019.

Fracking é a última bolha especulativa

A questão é que as previsões são viciadas, na verdade ninguém está entendendo o que acontece. Desde 2012, a AIE anuncia uma previsão de consumo acima de 90 milhões de barris/dia no mundo. Em 2015 deveria ser 92 milhões de barris/dia. Não há informação de quanto foi consumido no ano passado, com a queda no consumo da China e a recessão na Europa e nos países emergentes. Pior: a previsão da Agência Internacional de Energia é para um consumo de 120 milhões de barris/dia em 2020, ou seja, daqui quatro anos. Na realidade as previsões escondem as intenções do mercado de continuar vendendo petróleo, combustível, carros, ou seja, perpetuando o ciclo do combustível fóssil, que os 195 países presentes na COP 21 recentemente fizeram juras para mudar, depois de 2020.

O “milagre” americano do fraturamento hidráulico é a última bolha especulativa do capitalismo esclerosado, os últimos estudos de várias universidades americanas apontam para a queda na produção antes de 2020. O analista da Moody’s, Terry Marshall declarou ao Financial Times “que o mercado de capitais tem sido tão forte e tão aberto para as empresas de petróleo e gás que muitas delas acabaram criando um monte de dívidas”. O filme é o mesmo de 2008, agora azar é de quem ficou com o mico nas mãos, no caso os títulos fatiados dos empréstimos das empresas do setor que vão virar pó. O diretor de pesquisa de Commodities do Citi Group na mesma matéria do FT disse:

“- Assim como o mercado de capitais guiou a indústria a um crescimento espetacular, o setor financeiro vai conduzi-la à consolidação e a contração”.
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Meio-Ambiente/Crise-mundial-petroleo-derrete-republicanos-celebram-o-carvao/3/35484)

Debate sobre a Base Nacional Comum Curricular


A ANPUH MG está participando dos debates em torno dos conteúdos de História presentes na BNCC.

No próximo dia 17/02 a entidade irá promover a Jornada de Ensino de História da ANPUH MG "A Base Nacional Comum Curricular em Debate".

A programação e demais informações estão disponíveis em nossa página: http://goo.gl/IkLlXq

O evento será gravado e os vídeos disponibilizados no canal do YouTube da ANPUH Nacional.

Att,

ANPUH MG
Gestão 2014/2016

--
Associação Nacional de História - ANPUH
Seção Minas Gerais

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Mudar Guantánamo — mas só de endereço…

Para salvar imagem, Obama pode transferir presos encarcerados na base infame. Planeja, porém, mantê-los na condição de condenados eternos, sem julgamento ou direito à defesa
Por Luis Matías López | Tradução: Inês Castilho

Barack Obama não quer passar para a história como um presidente cheio de boas intenções, algumas conquistas importantes (reforma da saúde, normalização das relações com Cuba, acordo nuclear com o Irã…), mas com a coluna de créditos do seu balanço mais curta do que o saldo devedor (incapacidade de impedir a emergência do Estado Islâmico, internacionalização do terrorismo jihadista, guerras de Bush falsamente encerradas, graves tensões com a Rússia…).

No afã do presidente norte-americano para salvar seu legado há uma questão de alto valor simbólico, porque supõe o sonoro e midiático descumprimento da promessa de fechar o cárcere vergonhoso de Guantánamo, na base de mesmo nome localizada em Cuba. Sua ocupação resulta do direito colonial rançoso, anterior à revolução cubana, e não do livre acordo entre aliados –, já que Havana não desistiu de sua reivindicação estéril para recuperar essa parte do país.

Além do alto valor estratégico de manter forte presença militar num país vizinho que os EUA não conseguiram submeter, em 57 anos, Guantánamo brindou tanto Bush como Obama com uma saída perfeita para reter, em condições frequentemente sub-humanas e já há 14 anos, centenas de combatentes inimigos, sem ter de reconhecer o direito de serem considerados inocentes até prova em contrário.

Obama sustenta que a culpa não é sua, mas de um Congresso dominado pelos republicanos que boicotou, sistematicamente, todas as tentativas de fechar a prisão atípica e vergonhosa. Não lhe falta parte da razão, mas, se é bem certo que o sistema de equilíbrio de poderes limita suas atribuições presidenciais, não é menos verdadeiro que deixa ampla margem ao Executivo quando este demonstra uma clara vontade política de batalhar contra a resistência do Legislativo. Trata-se tanto de poder como de querer, e não está claro se Obama deseja fechar Guantánamo a ponto de assumir, por essa questão, o desgaste de um conflito aberto com o Congresso.

Uma prova evidente de como o presidente relativiza o assunto é que, em que pesem suas advertências em contrário, ele terminou aceitando, em novembro, um orçamento de defesa que proíbe o traslado aos Estados Unidos de prisioneiros aprisionados na base. Enviá-los para território norte-americano suporia, entre outras coisas, reconhecer seu direito a um julgamento justo. Se se aceitasse este princípio, a grande maioria dos detidos ilegalmente – contra os quais não há provas sustentáveis diante de um tribunal imparcial – deveriam ser colocados em liberdade. Isso suporia reconhecer um dos maiores ultrajes legais cometidos pelos Estados Unidos em seus quase dois séculos e meio de história. E, num país onde os advogados florescem como cogumelos, poderia multiplicar as exigências de reparação pelos danos físicos e morais à multidão de encarcerados durante esses 14 anos.

Esse perigo parece distante, sem dúvida. De fato, o secretário de Defesa, Ashton Carter, anunciou que apresentará, ao Congresso, de um plano que, se colocado em prática, implica mudança da localização dos prisioneiros – de Guantánamo aos Estados Unidos –, sem alterar necessariamente seu status. Hoje, eles não podem ser transferidos a outros países; nem julgados (por falta de provas), nem libertados (porque continuam sob suspeita de terrorismo). Uma aberração legal, mas que não seria a mais grave perpetrada na “guerra contra o terror” empreendida por Bush desde 11 de Setembro, e que também aprisionou Obama, mais preocupado em salvar a própria pele do que com que se faça justiça.

Obama não é exatamente igual a Bush, e fez, sim, alguma coisa. Por exemplo, proibiu as torturas – ainda que persista tratamento degradante – que tiveram inclusive cobertura legal (embora secreta), e que foram praticadas de forma rotineira durante o mandato de seu predecessor. Reduziu o némero de presos aos 93 atuais, dos 245 que havia quando assumiu a presidência (há sete anos!), e um número muito distante dos 680 que Guantánamo chegou a ter no seu ápice, em 2003.

Dos 93 que continuam lá aprisionados, 34 estão tão “limpos” que se admite transferi-los a outros países – se houver quem aceite acolhê-los; três foram condenados pelas “comissões militares” que substituem os tribunais civis; sete estão sendo julgados por esses mesmos órgãos; e os 49 restantes, classificados como “combatentes ilegais”, estão retidos em caráter indefinido e sem indícios de culpabilidade que permitam serem processados com as mínimas garantias legais que deveriam ver reconhecidas.

As irracionalidades abundam. É claro que o sistema penitenciário, capaz de aprisionar o autor do atentado da maratona de Boston e o rei do narcotráfico, Chapo Guzmán – se for finalmente extraditado do México –, não teria problemas em deter, com garantias, um punhado de supostos terroristas. O problema é que, se chegarem aos Estados Unidos, fora já do limbo legal de Guantánamo, demonstrar sua culpabilidade, caso exista, seria questão quase impossível. E a propaganda dos republicanos, amplificada em pleno ano eleitoral, somada às reticências nos Estados onde se encontram as eventuais prisões receptoras, reafirma que haveria um grave risco à segurança nacional se, finalmente, a maioria desses reclusos acabassem em liberdade. Difícil imaginar maior exercício de hipocrisia num país que dá lições de democracia e respeito aos direitos individuais ao mundo todo.

Mas ainda tem mais. Pois Obama está preso à sua sonora promessa de fechar Guantánamo, e descumpri-la o colocaria em evidência. Por isso continuará esforçando-se para realizá-la, ainda que isso suponha pouco mais que maquiagem. Diversas organizações defensoras dos direitos humanos (como Anistia Internacional e a União de Liberdades Civis Americanas) temem que o eventual transporte dos prisioneiros para os Estados Unidos não inclua mudança em seu status atual de “presos indefinidos”.

A Anistia Internacional, por exemplo, sustenta, através da diretora do Programa de Segurança e Direitos Humanos nos Estados Unidos, Naureen Shah: “A única coisa que a proposta de Obama (realocação dos prisioneiros, conservando-os em detenção indefinida nos Estados Unidos) conseguiria seria mudar o código postal de Guantánamo (…) O certo seria por fim à detenção indefinida sem ressalvas, não mudá-la de lugar (…); os que não podem ser transferidos a outros países considerados seguros devem ser acusados diante de um tribunal federal ou postos em liberdade”. A Anistia exige, além disso, que os EUA assumam “a responsabilidade pelos abusos cometidos no passado” e que “sejam ampliadas as investigações sobre denúncias de tortura e outras violações dos direitos humanos.” Enquanto isso, a advogada novaiorquina Tina Foster, que representa vários prisioneiros, sustenta que o fechamento da prisão seria principalmente uma medida de relações públicas, sem nenhum significado real.

De outro lado, exportar para outros países os prisioneiros de Guantánamo não garantiria que estejam seguros e com seus direitos fundamentais a salvo, algo que exigiria um mecanismo de controle para garantir que não estão mudando de uma prisão para outra, igualmente injusta e arbitrária. Um exemplo: o marroquino Yunus Chekuri, transferido encapuzado e algemado a seu país após 14 meses detido na base norte-americana sem que houvesse nenhuma acusação contra ele, e sem que a CIA e o FBI o considerassem uma ameaça, continua aprisionado próximo a Rabat. E seu caso não é o único.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/mudar-guantanamo-mas-so-de-endereco/)

Fisk: os ventos de 1914 sopram na Síria

Tudo mudou: ISIS já não é invencível. Governos saudita e turco, contrariados, podem intervir. EUA ameaçam. Como às vésperas da I Guerra, uma fagulha pode deflagrar conflito global
Por Robert Fisk | Tradução: Inês Castilho |

Depois de perder mais de 60 mil soldados em cinco anos de luta, o exército sírio conquistou de repente sua maior vitória na guerra – ao abrir caminho para Aleppo, arrasando a Jabhat al-Nusra [filial da Al Quaeda na Síria, principal aliada do ISIS] e outras forças combatentes, e selar o destino desta batalha, enquanto a Rússia fazia operações de ataque aéreo fora da cidade.

As linhas de abastecimento dos combatentes, da Turquia para Aleppo, foram cortadas, mas isso não significa o fim da história. Durante vários meses, as próprias autoridades militares do regime — juntamente com dezenas de milhares de civis, inclusive muitos cristãos — ficaram presos em Aleppo, à mercê dos bombardeios e morteiros dos membros al-Nusra que os cercavam, até que o exército abriu a estrada principal para o sul.

Durante esse período, o único caminho para Aleppo era por avião, porque o exército ocupava uma pequenina península do território no caminho até aeroporto. Voei por lá uma noite, num avião militar lotado de soldados sírios feridos.

Mas o vento mudou. Agora, é o próprio Jabhat al-Nusra que está cercado, junto com dezenas de milhares de civis daquela parte da cidade – mas sem aeroporto para lhes dar sustentação. Com base em outras tantas batalhas desta guerra horrenda, é improvável que haja qualquer ofensiva para o centro dessa cidade que é a maior da Síria. Ao contrário, será necessário um lento e tortuoso cerco para forçar os combatentes a se render.

Numa irônica virada na história recente, os dois povoados xiitas, Nub e Zahra – cuja população esteve cercada e durante três anos passou fome, alimentada somente por víveres lançados de pára-quedas  –, foram retomados pelos militares sírios. Os xiitas, entre os quais incluiu-se o ramo alauíta, origem do presidente Bashar al-Assad, têm sido encurralados em vários povoados da região, embora sua dor tenham sido amplamente silenciada.

Agora os moradores da parte de Aleppo mantida em mãos dos rebeldes vão sentir a mesma sensação de isolamento – e, sem dúvida, o fogo da artilharia dos sitiadores. Sempre houve movimentação de pessoas entre as duas áreas da cidade. Serão essas passagens fechadas, agora? E o que dizer do fluxo de milhares de civis para o norte, em direção à Turquia?

A própria cidade de Aleppo demorou a entrar na guerra. Por uma espécie de milagre histórico, manteve-se desvinculada do conflito até 2012, quando os combatentes – pensando estar na rota de Damasco – conseguiram infiltrar-se na velha cidade. Suas ruas ficaram então em chamas, em meses de luta. Agora, parece ser a primeira grande cidade da Síria a voltar, efetivamente, para as mãos do regime. O que virá a seguir? A retomada da cidade romana de Palmira? A desobstrução das terras em torno de Deraa (famosas por causa de Lawrence da Arábia)?

E, muito mais drástico, quando irá o exército sírio, junto com o do Hezbollah e com seus aliados da força aérea russa, tomar seu rumo em direção à “capital” do ISIS, Raqqa?

O ISIS, que domina [a cidade romana histórica de] Palmira, deve estar acompanhando os extraordinários acontecimentos das últimas horas com profunda preocupação. O eterno “Califado Islâmico” sunita na Síria não parece mais tão eterno. Será por isso que os sauditas sunitas ofereceram tropas terrestres à Síria, repentinamente? E a razão por que os turcos estão tão perturbados? Duvido que haja alguém chorando no Irã xiita.

Os militares sauditas já estão com seus pés atolados na vergonhosa guerra do Iêmen. Mas se a Turquia enviar seus próprios soldados – que fazem parte da OTAN – através da fronteira síria, irá arriscar-se a vê-los atacados pelos russos. Este é um pesadelo que deve ser evitado, tanto por Washington como por Moscou. Do contrário, iremos nos encontrar em outro momento Gavrilo Princip [1]. E todos sabemos o que aconteceu em 1914.

[1] Referência ao estudante sérvio que assassinou, em 28/6/1914, em Sarajevo (Bósnia), o arquiduque Francisco Ferdinando, possível herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro. Em resposta, o império lançou um ultimato afrontoso à Sérvia e em seguida invadiu-a militarmente, deflagrando um conflito que rapidamente envolveria Rússia, Alemanha e França e Inglaterra, convertendo-se na I Guerra Mundial. Suas causas foram, é claro, muito mais profundas. As tensões entre os países envolvidos eram graves e crescentes — como parecem ser, hoje, os riscos de confrontos no Oriente Médio e em outras partes do mundo. O gesto de Princip foi a fagulha, num barril de gasolina. Ler também, a respeito, “Depois da Ponte”, de José Luís Fiori [Nota da Tradução].

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/fisk-os-ventos-de-1914-sopram-na-siria/)

Como sair da crise


Por Jaime Pinsky

A privatização do dinheiro público – para usar um eufemismo - promovida pelo mensalão e pelo saque à Petrobrás vem sendo apontada como responsável por mudanças no comportamento do brasileiro nos últimos tempos. Não que alguém possa justificar a instrumentalização do Estado a favor de um grupo, mesmo que sob o falso argumento de dar conta de um ideal distributivista. Parece, contudo que, animados por sua própria retórica, muitos colunistas estão confundindo alhos com bugalhos, chegando ao cúmulo de erigir torturadores como paladinos da democracia e explicar a falta de solidariedade da sociedade contemporânea como decorrência de atitudes de políticos e de empresários responsáveis por grandes obras. Isto não é verdade. A irresponsabilidade de grande parcela do povo brasileiro com relação ao coletivo tem a ver, antes, com o pecado original ainda não superado, aquele que opõe povo e Estado, um não se sentindo representado pelo outro e o outro não se sentindo responsável pelo um...

Além disso fomos atingidos em cheio – por não termos desenvolvido defesas apropriadas – pela globalização, da forma como ela se deu: criando necessidades de consumo em escala mundial (todos “precisamos” ter iPhones de última geração, automóveis superequipados, jeans de marca, etc, do contrário seremos infelizes, muito infelizes).

A mudança de valores vem ocorrendo paulatinamente, mas com nitidez, para quem quer enxergar. A cultura do ter, o culto ao produto novo, está presente em todos, no mundo todo. O compromisso com o país, a “responsabilidade” para com os menos privilegiados, é coisa do passado, de uma sociedade que acreditava na utopia, gente dos anos 70, no máximo 80. Em vez dos estudantes que queriam mudar o mundo e se recusavam a tomar refrigerantes de multinacionais, hoje os universitários se manifestam pelo direito de fazer festinhas no campus, de celebrar  acordos com indústrias de cerveja, que aproveitam a falta de idealismo dos jovens para criar novas gerações de dependentes de álcool. O Zé Dirceu tem culpa disso?

No período das eleições os ânimos se acirram, notadamente quando as pessoas, por conta da facilidade que as mídias sociais propiciam. Ao contrário do que seria aconselhável, lê-se pouco e se escreve muito, o que equivale a pensar pouco e falar bastante. Na verdade, nem se lê tão pouco: Lê-se mal, notas rápidas, superficiais, mal construídas, sem causas nem consequências, e, frequentemente, acredita-se nelas. Como -já dizia minha tia Ana - quem fala o que quer ouve o que não quer: amizades reais são desfeitas por plataformas virtuais, colegas brigam via facebook, famílias se desestruturam via twiter, namorados fazem caretas pelo instagram. Claro, há posições inconciliáveis, por vezes e bom conhecer melhor o que pensam as pessoas próximas, mas o clima de torcida organizada não esclarece nada, rotula todo mundo, exagera defeitos dos adversários e virtudes dos partidários. Não superaremos a crise no Brasil ofendendo os outros. Só faremos isso construindo algo novo. Com uma reforma educacional corajosa que não fique no papel, com apoio a quem produz e emprega, com mudanças nas relações trabalhistas de origem fascista que ainda mantemos, com a modernização e manutenção de portos, aeroportos, estradas. Mas nada disso acontecerá sem que se supere a crise política.

E crise política só se supera politicamente. Mas como acreditar na possibilidade disso acontecer no Brasil de hoje? Estará escondida no Congresso uma geração de deputados e senadores, obnubilada pelas velhas raposas, disposta a realizar no seu âmbito o trabalho que jovens promotores e juízes estão realizando de forma desassombrada, a ponto de provocar a admiração da maioria da população? Estarão aguardando o desenrolar dos acontecimentos para dar sinal de vida estes futuros condutores da nação, desde já dispostos a, efetivamente lutar pelo país, não por seus interesses pessoais?

Que apareçam. Que mostrem mãos limpas, dispostas a assim permanecer. Que estejam dispostos a viver confortavelmente, mas sem luxos excessivos, que se satisfaçam com aviões de carreira, com carros sem motoristas (ou com motoristas compartilhados), que não se sintam obrigados a resolver os problemas econômicos das duas gerações seguintes, que sejam dotados de espírito público.

Vocês existem? Então apareçam. E ousem.

Vocês terão nosso apoio.
 (historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros)
(

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Violências contra a mulher: os homens franceses no banco dos réus

Hollande concede a graça presidencial a uma condenada pela morte do marido. Na França, de dois em dois dias uma mulher morre nas mãos de um marido violento


Leneide Duarte-Plon, de Paris*

Os imigrantes são violentos e estupradores em potencial, alegam os que querem fechar as portas da Europa aos refugiados. Na França e na Alemanha, a extrema-direita tenta asssimilar os imigrantes a todos os perigos que vão do terrorismo à violência contra mulheres.

Quem não tomou conhecimento do fato que 800 mulheres procuraram a polícia depois do réveillon, na cidade de Colônia, para denunciar abuso sexual e estupro da parte de pessoas que elas disseram ser imigrantes?

O marido de Jacqueline Sauvage era um francês autêntico, “de souche”, como dizem os que distinguem os verdadeiros franceses dos “metecos” que foram chegando com as diferentes ondas migratórias do século XX.

Norbert Marot bateu em sua mulher Jacqueline e abusou sexualmente de suas filhas por longos anos. Até que em 2012, num momento de desespero, um ato considerado legítima defesa por aqueles que a defenderam mas contestado pela acusação, madame Sauvage o matou. Em dezembro de 2015, Jacqueline Sauvage, de 68 anos, foi  condenada a dez anos de prisão.

O caso emocionou grande número de franceses, chocados ao tomar conhecimento das estatísticas: no país dos direitos humanos, de dois em dois dias uma mulher morre nas mãos de um marido violento. São entre 120 e 130 casos por ano. Essas mesmas estatísticas mostram que apenas 10% das mulheres que sofrem de violência conjugal vão à polícia denunciar os maridos ou companheiros violentos.

Ao conceder a graça presidencial, François Hollande quis que madame Sauvage voltasse ao seio de sua família. Suas filhas depuseram a favor da mãe e comemoraram sua próxima libertação, depois da graça concedida pelo presidente no último dia de janeiro, um recurso que François Hollande só usara uma vez antes desse caso.  A condenação de Jacqueline Sauvage mobilizou mais de 400 mil pessoas que assinaram a petição solicitando a graça presidencial. Jamais uma petição de apoio a uma causa obteve tantas assinaturas em tão pouco tempo.

Entre essas assinaturas, havia muitos homens políticos como Jean-Luc Mélenchon, líder e fundador do Parti de Gauche, além de Daniel Cohn-Bendit, o ex-enfant terrible de Maio de 1968.

A prefeita socialista de Paris, Anne Hidalgo também assinou a petição, assim como outras personalidades do mundo político, de direita como de esquerda.

Jacqueline Sauvage chegou a ser levada duas vezes ao hospital, em 2007 e 2012, depois de ser agredida por seu marido, violento e alcoólatra.

Advogados franceses pretendem defender uma lei para introduzir a noção de “légitime défense différée” para a reação que não se dá num momento de risco iminente de vida. O risco de morte é permanente para as mulheres que sofrem de maus tratos, alegam.

Norbert Marot acordara sua mulher que fazia a sesta dando-lhe socos e ela o eliminou com um fuzil quando ele lhe deu as costas. As filhas do casal deram apoio à mãe durante todo o processo. Duas das três filhas sofreram abuso sexual por parte do pai por longos anos.

* Leneide Duarte-Plon é jornalista, trabalha em Paris e é co-autora, com Clarisse Meireles, da biografia de frei Tito de Alencar, Um homem torturado-Nos passos de frei Tito de Alencar.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Violencias-contra-a-mulher-os-homens-franceses-no-banco-dos-reus/6/35470)

Chomsky: 'Este é o momento mais crítico na história da humanidade'

Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi - La Jornada

“Os Estados Unidos sempre foram uma sociedade colonizadora. Inclusive antes de se constituírem como Estado já trabalhavam para eliminar a população indígena, o que significou a destruição de muitas nações originárias”, como bem lembra o linguista e ativista estadunidense Noam Chomsky, quando se pede que descreva a situação política mundial. Crítico feroz da política externa de seu país, ele recorda 1898, quando ela apontou seus dardos ao cenário internacional, com o controle de Cuba, “transformada essencialmente numa colônia”, e logo nas Filipinas, “onde assassinaram centenas de milhares de pessoas”.

Chomsky continua seu relato fazendo uma pequena contra-história do império: “roubou o Havaí da sua população originária 50 anos antes de incorporá-lo como um dos seus estados”. Imediatamente depois da II Guerra Mundial, os Estados Unidos se tornaram uma potência internacional, “com um poder sem precedente na história, um incomparável sistema de segurança, controlando o hemisfério ocidental e os dois grandes oceanos. E, naturalmente traçou planos para tentar organizar o mundo conforme a sua vontade”.

Contudo, ele aceita que o poder da superpotência diminuiu com respeito ao que tinha em 1950, o auge da sua hegemonia, quando acumulava 50% do produto interno bruto mundial, muito mais que os 25% que possui agora. Ainda assim, Chomsky lembra que “os Estados Unidos continua sendo o país mais rico e poderoso do mundo, e incomparável a nível militar”.

Um sistema de partido único


Em algum momento, Chomsky comparou as votações em seu país com a eleição de uma marca de pasta de dentes num supermercado. “Nosso país tem um só partido político, o partido da empresa e dos negócios, com duas facções, democratas e republicanos”, proclama. Mas ele acredita que já não é possível continuar falando dessas duas velhas coletividades políticas, já que suas tradições sofreram uma mutação completa durante o período neoliberal.

Chomsky considera que “os chamados democratas não são mais que republicanos modernos, enquanto a antiga organização republicana ficou fora do espectro, já que ambas as vertentes se moveram muito mais à direita durante o período neoliberal – algo que também aconteceu na Europa”. O resultado disso é que os novos democratas de Hillary Clinton adotaram o programa dos velhos republicanos, enquanto estes foram completamente dominados pelos neoconservadores. “Se você olha os espetáculos televisivos onde dizem debater política, verá como somente gritam entre eles e as poucas políticas que apresentam são aterrorizantes”.

Por exemplo, ele destaca que todos os candidatos republicanos negam que o aquecimento global ou são céticos – não o negam mas dizem que os governos não precisam fazer algo a respeito. “Entretanto, o aquecimento global é o pior problema que a espécie humana terá pela frente, e estamos nos dirigindo a um completo desastre”. Em sua opinião, as mudanças no clima têm efeitos comparáveis somente com os da guerra nuclear. Pior ainda, “os republicanos querem aumentar o uso de combustíveis fósseis. Esse não é um problema de centenas de anos, mas sim um criado pelas últimas duas gerações”.

A negação da realidade, que caracteriza os neoconservadores, responde a uma lógica similar à que impulsiona a construção de um muro na fronteira com o México. “Essas pessoas que tratamos de distanciar são as que fogem da destruição causada pelas políticas estadunidenses”.

“Em Boston, onde vivo, o governo de Obama deportou um guatemalteco que viveu aqui durante 25 anos, ele tinha uma família, uma empresa, era parte da comunidade. Havia escapado da Guatemala destruída durante a administração de Reagan. A resposta a isso é a ideia de construir um muro para nos prevenir. Na Europa acontece o mesmo. Quando vemos que milhões de pessoas fogem da Líbia e da Síria para a Europa, temos que nos perguntar o que aconteceu nos últimos 300 anos para chegar a isto”.


Invasões e mudanças climáticas se retroalimentam


Há apenas 15 anos, não existia o tipo de conflito que observamos hoje no Oriente Médio. “É consequência da invasão estadunidense ao Iraque, que é o pior crime do século. A invasão britânica-estadunidense teve consequências horríveis, destruíram o Iraque, que agora está classificado como o país mais infeliz do mundo, porque a invasão cobrou a vida de centenas de milhares de pessoas e gerou milhões de refugiados, que não foram acolhidos pelos Estados Unidos, e tiveram que ser recebidos pelos países vizinhos pobres, obrigados a recolher as ruínas do que nós destruímos. E o pior de tudo é que instigaram um conflito entre sunitas e xiitas que não existia antes”.

As palavras de Chomsky recordam a destruição da Iugoslávia durante os Anos 90, instigada pelo ocidente. Assim como Sarajevo, ele destaca que Bagdá era uma cidade integrada, onde os diversos grupos culturais compartilhavam os mesmos bairros e se casavam membros de diferentes grupos étnicos e religiosos. “A invasão e as atrocidades que vimos em seguida fomentaram a criação de uma monstruosidade chamada Estado Islâmico, que nasce com financiamento saudita, um dos nossos principais aliados no mundo”.

Um dos maiores crimes foi, em sua opinião, a destruição de grande parte do sistema agrícola sírio, que assegurava a alimentação do país, o que conduziu milhares de pessoas às cidades, “criando tensões e conflitos que explodiram após as primeiras faíscas da repressão”.

Uma das suas hipóteses mais interessantes consiste em comparar os efeitos das intervenções armadas do Pentágono com as consequências do aquecimento global.

Na guerra em Darfur (Sudão), por exemplo, convergiram os interesses das potências ocidentais e a desertificação que expulsa toda a população às zonas agrícolas, o que agrava e agudiza os conflitos. “Essas situações desembocam em crises espantosas, e algo parecido acontece na Síria, onde se registra a maior seca da história do país, que destruiu grande parte do sistema agrícola, gerando deslocamentos, exacerbando tensões e conflitos”, reflete.

Chomsky acredita que a humanidade ainda não pensa com mais atenção sobre o que significa essa negação do aquecimento global e os planos a longo prazo dos republicanos, que pretendem acelerá-lo: “se o nível do mar continuar subindo e se elevar muito mais rápido, poderá engolir países como Bangladesh, afetando a centenas de milhões de pessoas. Os glaciares do Himalaia se derretem rapidamente, pondo em risco o fornecimento de água para o sul da Ásia. O que vai acontecer com essas bilhões de pessoas? As consequências iminentes são horrendas, este é o momento mais importante da história da humanidade”.

Chomsky crê que estamos diante um ponto crucial da história, no qual os seres humanos devem decidir se querem viver ou morrer: “digo isso literalmente, não vamos morrer todos, mas sim se destruiriam as possibilidades de vida digna, e temos uma organização chamada Partido Republicano que quer acelerar o aquecimento global. E não exagero, isso é exatamente o que eles querem fazer”.

Logo, ele cita o Relógio do Apocalipse, para recordar que os especialistas sustentam que na Conferência de Paris sobre o aquecimento global foi impossível conseguir um tratado vinculante, somente acordos voluntários. “Por que? Simples: os republicanos não aceitariam. Eles bloquearam a possibilidade de um tratado vinculante que poderia ter feito algo para impedir essa tragédia massiva e iminente, uma tragédia como nenhuma outra na história da humanidade. É disso que estamos falando, não são coisas de importância menor”.


Guerra nuclear, possibilidade certa


Chomsky não é de se deixar impressionar por modas acadêmicas ou intelectuais. Seu raciocínio radical e sereno busca evitar o furor, e talvez por isso não joga palavras ao vento sobre a anunciada decadência do império. “Os Estados Unidos possuem 800 bases ao redor do mundo e investe em seu exército tanto quanto todo o resto do mundo junto. Ninguém tem algo assim, soldados lutando em todas as partes do mundo. A China tem uma política principalmente defensiva, não possui um grande programa nuclear, embora seja possível que cresça”.

O caso da Rússia é diferente. É a principal pedra no sapato da dominação do Pentágono, porque “tem um sistema militar enorme”. O problema é que tanto a Rússia quanto os Estados Unidos estão ampliando seus sistemas militares, “ambos estão atuando como se a guerra fosse possível, o que é uma loucura coletiva”. Chomsky acredita que a guerra nuclear é irracional e que só poderia suceder em caso de acidente ou erro humano. Contudo, ele concorda com William Perry, ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, que disse recentemente que a ameaça de uma guerra nuclear hoje é maior que durante a Guerra Fria. O intelectual estima que o risco se concentra na proliferação de incidentes que envolvem as forças armadas de potências nucleares.

“A guerra esteve a ponto de ser deflagrada inumeráveis vezes”, admite ele. Um de seus exemplos favoritos é o sucedido sob o governo de Ronald Reagan, quando o Pentágono decidiu provar as defesas russas através de uma simulação de ataques contra a União Soviética.

“Acontece que os russos levaram a sério. Em 1983 depois que os soviéticos automatizaram seus sistemas de defesa, foi possível detectar um ataque de mísseis estadunidense. Nesses casos, o protocolo é ir direto ao alto mando e lançar um contra-ataque. Havia uma pessoa que tinha que transmitir essa informação, Stanislav Petrov, mas decidiu que era um alarme falso. Graças a isso, podemos estar aqui falando”.

Chomsky defende que os sistemas de defesa dos Estados Unidos possuem sérias falhas, e há poucas semanas se conheceu um caso de 1979, quando se detectou um ataque massivo com mísseis que vinham da Rússia. Quando o conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, estava levantando o telefone para chamar o presidente James Carter e lançar um ataque de represália, chegou a informação de que se tratava de um alarme falso. “Há cada ano são registradas dúzias de alarmes falsos”, assegura ele.

Neste momento, as provocações dos Estados Unidos são constantes. “A OTAN está realizando manobras militares a 200 metros da fronteira russa com a Estônia. Nós não toleraríamos algo assim se acontecesse no México”.

O caso mais recente foi a derrubada de um caça russo que estava bombardeando forças jihadistas na Síria, no final de novembro. “Há uma parte da Turquia quase rodeada pelo território sírio e o bombardeiro russo voou através dessa zona durante 17 segundos, até ser derrubado. Uma grande provocação que, por sorte, não foi respondida pela força”. Chomsky argumenta que fatos similares estão sucedendo quase diariamente no mar da China.

A impressão que ele tem, e que expressa em seus gestos e reflexões, é que se as potências agredidas pelos Estados Unidos atuassem com a mesma irresponsabilidade que Washington, o destino do planeta estaria perdido.


Visão sobre a Colômbia


O linguista estadunidense Noam Chomsky conhece de perto a realidade colombiana. Fiel ao seu estilo e suas ideias, ele visitou o país e sua diversidade, conheceu a Colômbia que existe longe dos focos acadêmicos e midiáticos, adentrou no Vale do Cauca, onde grupos indígenas constroem sua autonomia, com base em seus saberes ancestrais, atualizados em meio ao conflito armado.

“Parece haver sinais positivos nas negociações de paz”, reflete Chomsky. “A Colômbia tem uma terrível história de violência desde o século passado, a violência nos Anos 50 era monstruosa”, lembrou ele, reconhecendo que a pior parte foi obra de operações paramilitares. Mais recentes são as fumigações realizadas pelos Estados Unidos, verdadeiras operações de guerra química, que deslocaram populações enormes de camponeses, para beneficio das multinacionais.

Como consequência, a Colômbia se tornou o segundo país do mundo em número de migrantes dentro do próprio território, depois do Afeganistão. “Deveria ser um país rico, próspero, mas está se quebrando em pedaços”, agrega. Por isso, se as negociações tiverem sucesso, eliminarão alguns dos problemas, mas não todos. “A Colômbia, mesmo sem o problema da guerrilha, continuará sendo um dos piores países para os defensores dos direitos humanos, para líderes sindicais e outros”.

Um dos perigos que ele observa, no caso de que se assine o acordo definitivo de paz, seria a integração dos paramilitares ao governo, uma realidade latente no país. Ainda assim, ele sustenta que a redução do conflito com as FARC seria um grande passo para frente, por isso acredita que deve se fazer todo o possível para contribuir com o processo de paz.

Tradução: Victor Farinelli
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Chomsky-Este-e-o-momento-mais-critico-na-historia-da-humanidade-/6/35471)