quinta-feira, 28 de abril de 2016

Por que celulares ‘antigões’ estão conquistando cada vez mais adeptos?

Tenho de rir... todos me criticam porque o meu celular é um Nokia, daqueles antigos, que só serve para receber e enviar chamadas e mensagens...

Da BBC:

Em plena hora do rush, um homem chama a atenção na multidão que se desloca pelo metrô de Nova York. Danny Groner é o único no vagão que não está encarando uma tela de celular.
Aos 32 anos, ele é o típico público-alvo do mercado de smartphones: é jovem e gerencia o banco de imagens Shutterstock, uma das empresas mais bem-sucedidas da chamada Silicon Alley. O escritório da empresa ocupa dois andares do lendário edifício Empire State e tem a cara de qualquer boa startup, com um estúdio de ioga, salas de jogos e balanços.
Mas ele se orgulha de não ser mais um dos mais de 60% dos americanos que possuem um aparelho do tipo: assim como os executivos bilionários Warren Buffett e Stephen Schwartzman, a única conexão móvel de Groner com o mundo é um velho e bom celular com flip (aqueles que abrem e fecham), objeto do desejo no começo dos anos 2000, que ele usa apenas para fazer chamadas ou mandar torpedos.
Cercado de tecnologia, Groner explica por que preferiu dizer “não” aos smartphones: “Não quero virar escravo. Já passo 13 ou 14 horas por dia na frente de uma tela. É o suficiente”, diz.
(…)
Para a professora de psicologia Holly Parker, da Universidade Harvard, o uso de celulares comuns pode ajudar muitas pessoas a colocar um limite entre o trabalho e o lazer.
“As empresas podem se beneficiar do aumento de produtividade se permitirem que seus funcionários mantenham um espaço para se recuperarem do trabalho”, afirma.
Estudos científicos que analisam os efeitos do uso de aparelhos eletrônicos em profissionais de várias áreas coincidem ao concluir que os smartphones são os mais prejudiciais.
“A popularidade dos celulares com flip é uma reação à sensação de que nos tornamos escravos do smartphone”, diz o advogado David Ryan Polgar, especialista em “ética da tecnologia”. “Adotar um modelo simples é uma maneira luxuosa e enfática de proclamar que é você quem está no comando.”
(…)
Muitos de nós achamos impossível resistir ao apelo da telinha para checar a caixa de entrada ou mandar uma última mensagem antes de dormir, por exemplo.
Foi isso que levou Ellyn Shook, diretora de recursos humanos da consultoria internacional Accenture, a fazer um “downgrade” de seu telefone. No ano passado, ela comprou um celular com flip para tentar substituir seu iPhone, que vivia em sua mesa de cabeceira.
A tática funcionou. “Voltar no tempo me permitiu passar fins de semana inteiros sem olhar para o telefone”, comemora.
(fonte: Diário do Centro do Mundo)

As “téles” querem a Internet para poucos


Se for efetivada, cobrança por pacotes de dados punirá queM abre rede ao público e premiará empresas que se recusam a investir na robustez e velocidade dos serviços
Por Fabricio SolagnaManuela D’Ávila
 
Nas últimas semanas as operadoras de telecomunicação — também conhecidas como “téles” — anunciaram que pretendem mudar a forma de cobrar pelo uso de Internet banda larga fixa — essa que utilizamos em nossas casas, empresas e escolas. Se estes planos se realizarem (em 22/4, a Anatel suspendeu-os temporariamente), teremos que optar também, além da velocidade de navegação, pelo limite de dados das franquias, como já ocorre no celular. Quando atingirmos o limite previsto, a Internet será cortada. Para continuar navegando, teremos que desembolsar mais e comprar um pacote adicional.

Essa medida não atingirá apenas aquelas que passam muitas horas utilizando a Internet. Pelo contrário, dados do Comitê Gestor da Internet revelam que o principal uso que as pessoas fazem da rede, em todas as classes sociais, é navegar nas redes sociais e ver vídeos, justamente o que consome muitos dados. Mas o principal fator para pensarmos é que, se houver limite de franquias, certamente haverá menos locais com Internet sem fio livre. Haverá ainda menos locais públicos com acesso à rede, pois o custo envolvido em deixar uma conexão aberta para uso geral será muito mais alto. Certamente, as escolas e universidades limitarão o uso da rede para seus alunos, por exemplo.

O que veremos será uma Internet de segunda classe, onde os mais pobres terão acesso limitado a rede, talvez apenas para a troca de mensagens de texto. Fazer aquele curso a distância em vídeo, por exemplo, será um privilégio de quem pode pagar muito pela conexão.

A ideia de que o usuário deve pagar pelo que consome na rede esconde um problema de longa data no Brasil. As empresas de telecomunicação investem pouco na infraestrutura e obtêm lucros vultuosos. Hoje é um dos setores que mais lucra no país, ficando atrás apenas dos bancos.
Se você mora no interior do país, numa cidade pequena, ou na zona rural, você entende muito bem isso. Em grande parte do Estado, a Internet ainda é discada. Em alguns lugares a conexão só é possível por pequenos provedores que oferecem o serviço através de antenas de rádio.

Até o momento, as empresas não apresentaram uma justificativa técnica para a mudança nos contratos. Justificam que é preciso prevenir o “congestionamento” mas nenhum estudo que comprove isso foi apresentado. Este tipo de cobrança por franquia na conexão de banda larga fixa já é praticado em outros países como Canadá e Irlanda e dados da iniciativa stopthecap.com mostram que o motivo não é congestionamento, e sim aumento de lucros.

As empresas de telecomunicações vêm argumentando que, assim como a conta de energia elétrica e a conta de água, as pessoas devem pagar pelo consumo. O presidente da Anatel, órgão responsável por regular o setor, chegou a com isso. No entanto, este argumento é um golpe e tenta convencer a população de uma falácia técnica.

Dizer que as pessoas devem pagar pelo seu consumo é um golpe porque as operadoras estão vendendo algo que não produzem. Diferentemente da água e da energia elétrica, onde há um bem que é gerado de um lado e consumido de outro, na Internet as operadoras não precisam “produzir” um volume de dados para o usuário consumir. Nós gastamos dados na rede assistindo filmes, nos comunicando com outras pessoas, enviando fotos, etc. Na maioria das vezes, é o próprio usuário quem produz os dados que circulam na rede.
Até o momento, a Internet fixa era cobrada apenas pela sua velocidade — isso porque as operadoras de telecomunicações são responsáveis pela infraestrutura que leva a conexão até o usuário final. Ou seja, o preço cobrado corresponde ao investimento utilizado para que o cabo da rede chegue até a nossa casa. O provedor não tem nada a ver com o conteúdo que circula na rede.

Além do mais, o serviço de Internet no Brasil não é nem considerado um serviço de telecomunicação. Desde 1995, a Internet é considera um “serviço de valor adicionado”, ou seja, é um serviço que se utiliza das redes físicas de telecomunicação. É por isso que desde então existe o Comitê Gestor da Internet, um órgão multissetorial com participação de diversos segmentos da sociedade, que é responsável por produzir diretrizes e recomendações sobre a rede. Para regular as telecomunicações existe a Anatel.

Desde então a Internet é explorada em regime privado, de maneira concorrencial, diferente da telefonia. Ou seja, as operadoras não têm obrigações legais ou metas a cumprir para a expansão e inclusão da Internet. A rede chega apenas onde dá lucro.

Outro argumento utilizado pelas empresas seria que algumas pessoas utilizam a rede de forma intensa, para ver filmes, vídeos ou para jogos online. Este é outro golpe. As empresas de conteúdo geralmente colocam seus servidores dentro dos chamados datacenters das empresas de telecomunicação. Isso também é vantagem para os dois lados. Primeiro porque o conteúdo chega mais rápido para o usuário e segundo, porque a operadora de telecomunicação não precisa usar toda sua infraestrutura para entregar o filme que você quer assistir. Geralmente, quando você clica em play na sua série favorita, aqueles dados percorreram o caminho da sua casa até as instalações da empresa de telecomunicações contratada.

É preciso lembrar que, no Brasil, aprovamos o Marco Civil da Internet que estabelece a Internet como um direito fundamental do cidadão e não apenas uma mercadoria. Precisamos de fato discutir a inclusão de milhares de pessoas que não têm qualquer acesso à rede. Para isso, a melhor forma é tratarmos a Internet como uma concessão em regime público, assim como a telefonia, estabelecendo metas e contrapartidas para o setor.

Limitar o uso da Internet através da quantidade de dados é um golpe na liberdade de expressão, num país que ainda tem dificuldades em assegurar a democracia.
(fonte:  http://outraspalavras.net/brasil/as-teles-querem-a-internet-para-poucos/)

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Manifestação da ANPUH Brasil contra votação do impeachment na Câmara dos Deputados

Manifestação da ANPUH Brasil contra votação do impeachment na Câmara dos Deputados


 








A Associação Nacional de História manifesta sua perplexidade diante do processo de votação do impeachment realizado no  último domingo (16 de abril). Para justificar o voto,  a favor ou contra essa medida drástica, alguns parlamentares usaram como argumento o combate à corrupção,  à política de “assistencialismo social”,  ao  “populismo”, a pressão dos eleitores e dos 10 milhões de desempregados. Muitos dedicaram seu voto a seus familiares e defenderam o  respeito à família nuclear  tradicional e patrimonial, neste caso,  desrespeitando normas legislativas que reconhecem outras formas de  união familiar. 

A Presidente eleita, democraticamente, está no exercício legal de suas funções e contra ela não paira nenhum processo de uso indevido do dinheiro publico para enriquecimento ilícito, ao contrário do que ocorre com grande parte dos parlamentares que votaram a favor do impeachment, apesar de já terem sido denunciados pela justiça. Não resta dúvida de  que a votação na Camara dos Deputados teve caráter político e ideológico. Os argumentos de ordem jurídica, pouco mencionados pela grande maioria de deputados que se pronunciaram a  favor dessa medida, serviram para acobertar  as reais motivações do voto.

A campanha a favor do “Golpe” liderada  por adversários políticos, por representantes das “mídias” que,  retomando a tradição golpista, instigaram o ódio da população. A postura dos parlamentares durante a votação do impeachment  e as comemorações pela vitória, deixaram evidente  a permanência de uma cultura política antidemocrática afeita a acordos, manobras e negociações que a “Nova República” não foi capaz de eliminar. O espetáculo de desrespeito à opinião alheia  e as manifestações de intolerância expressas através de uma linguagem autoritária e chula, permitiram que viesse à  tona a outra face da decantada “cordialidade brasileira” -  a da violência - que o mito encobre.

Por fim, nesse quadro de aberrações, a ANPUH  repudia e denuncia a atitude inadmissível do parlamentar Jair Bolsonaro que, em tom celebrativo,  evocou a   memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, Coronel do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos encarregados da repressão política no regime militar e responsável por práticas de  tortura e mortes.  Cabe, não só a nós historiadores, mas a  todos os democratas deste país, exigir punição legal contra o Parlamentar que reverenciou a memória de um torturador. Bolsonaro, não só neste ato, mas também  em outras circunstâncias se permite –  em franco desrespeito à ordem democrática vigente no país - incitar o ódio e a intolerância em seus pronunciamentos de natureza racista e homofóbica, crimes pelos quais já foi condenado.

Diante desta e de outras atitudes similares, a ANPUH Nacional lança como bandeira de luta: “Ditadura e tortura NUNCA MAIS!” e condenação penal aos que representam riscos para o Estado Democrático  de Direito.

Atenciosamente,
A diretoria da ANPUH Brasil (Biênio 2015-2017)

terça-feira, 19 de abril de 2016

Novo número da Revista Espaço Acadêmico

Revista Espaço Acadêmico
v. 15, n. 179 (2016): Revista Espaço Acadêmico, n. 179, abril de 2016
Sumário
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/issue/view/1091

ciência & tecnologia
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Sobre o hábito e a banalização das relações humanas (3): diga-me seus
hábitos e saberei quem tu és (01-05)
        Antonio Mendes Silva Filho

convergências
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O caráter aniquilador da corporação empresarial (06-19)
        Renato Nunes Bittencourt

economia política
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A adoção do sistema de metas inflacionárias e seus problemas (20-29)
        Giovani Angelo Soares Pinto

educação
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O ambiente epistemológico e a credibildiade da pesquisa no campo da
educação: questões em debate (30-36)
        Raimunda Maria Cunha Ribeiro

educação & prática de ensino
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Ensino Superior: a geração Y e os processos de aprendizagem (37-43)
        Cynthia Moura Louzada Farias,   Raquel Baroni Carvalho

filosofia
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Paradoxo e medo da morte: dimensões tanatológicas na obra de SØren
Kierkegaard (44-51)
        Alessandro Gonçalves Campolina

filosofia da linguagem
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Algumas considerações sobre a possibilidade de um enfoque antropológico
na filosofia de Ludwig Wittgenstein (52-60)
        Leandro Sousa Costa

história
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A genealogia na constituição da tradição nobiliárquica em Portugal: um
saber vital (61-72)
        Alan Ricardo Duarte Pereira

história & cultura
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História, Teatro e Fotografia. Uma reflexão da encenação da peça O Rei
da Vela, de Oswald de Andrade, feita pelo Teatro Oficina em 1967 (73-85)
        José Gustavo Bononi

interdisciplinar
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Geografia médica e agronegócio: evolução espaço temporal dos cânceres
do estômago, esôfago e pâncreas no estado de mato grosso a partir da
década de 1990 (86-97)
        Moisés Silva Pereira,   Fabio Angeoletto

literatura
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A valorização da literatura a partir de uma nova ordem científica
(98-105)
        Diego Machado Ozelame,  Josiele Kaminski Corso Ozelame

literatura brasileira
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Personagens femininas na obra "Hitler manda lembranças", de Roberto
Drummond: um retrato de Stela (106-116)
        Walkiria Felix Dias

políticas públicas
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Desenvolvimento e responsabilidade das políticas públicas no Estado
constitucional (117-132)
        Manoel Valente Figueiredo Neto

utopias
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Utopia, de Thomas More (133-148)
        Antonio Ozaí da Silva

resenhas & livros
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Multiplos olhares sobre o Integralismo (149-150)
        Douglas Castro Carneiro

sábado, 16 de abril de 2016

Perspectivas do pós-golpe



Antônio de Paiva Moura

As perspectivas para o após golpe de estado no Brasil são sombrias, na

economia e no desemprego. A atual crise no sistema econômico mundial é uma forma adotada para reduzir contingente ocupado, ou seja, investimento em tecnologia para diminuir emprego.  O empresariado espera uma substancial diminuição do custo dos bens de capital e abundante oferta de emprego, com remuneração reduzida.

Os mentores do golpe político, com o impedimento da presidente Dilma, vão

buscar a desoneração tributária e redução de encargos sociais. As conquistas trabalhistas e outros benefícios sociais no Brasil, desde o governo Vargas até a Constituição de 1988, serão alvos dos ataques do novo liberalismo. O discurso malhado na mídia e no parlamento será no sentido de “enxugar a máquina pública”. Isso significa não prover com novos cargos os setores da saúde pública e da educação; dispensa em massa de funcionários em cargos comissionados, contribuindo com o aumento da taxa de desemprego. Com aumento do desemprego e redução de salários, não pode haver
perspectiva de crescimento econômico. O impeachment é esperado como uma bóia salva-vida, na qual se apega o sistema econômico do Brasil e dos investidores

Em janeiro de 2016 Winnie Byanyma, diretor geral da Oxfam Internacional

compareceu ao Furum Econômico Mundial de Davos para demonstrar os efeitos da 4ª Revolução Industrial desencadeada pelo avanço tecnológico. O pleno emprego de força humana é o melhor meio de dinamizar a circulação monetária e, em conseqüência, a circulação das mercadorias.  Conforme dados divulgados pela Oxfam, a riqueza de 1% da população mundial supera a do restante 99% no balanço de 2015. Diz uma nota da Agência Brasil que o fosso entre a parcela mais rica e o resto da população aumentou de forma dramática durante o ano de 2015. Apenas 62 pessoas no mundo possuem mais bens que a metade de toda a população do mundo.

A resistência ou revolta contra a absurda acumulação de riquezas e prejuízo da massa trabalhadora será violenta.  Ela é visível no aumento da violência interpessoal, nos conflitos de grupos, nos atos terroristas, guerras e multidões de refugiados perambulando pelo mundo. Basta ver sob as marquises e viadutos das cidades o aumento da população de sem tetos. Só na cidade de New York são mais de 80 mil moradores de rua.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Perguntas e respostas sobre o que está em jogo DE VERDADE no impeachment de Dilma

Repasso a publicação de hoje, dia 15, do blog de minha amiga Kika Castro



Cristina Moreno de Castro


É no meio de mais uma mamada que escuto um barulho a princípio indecifrável. Tec-tec-tec. Logo um vizinho responde, aos gritos: "E O AÉCIOPORTO DE CLÁUDIO?", e percebo que o primeiro barulho era uma panela agredida por uma colher. Outro brada: "Fora Dilma! Fora PT!", e um quarto sujeito ressuscita o jingle da campanha de Lula em 1989: "Lula-lá, brilha uma estrela...".
Que confusão, penso, absorta nas tarefas de mãe. Com algum esforço descubro que tudo isso se deu por causa da abertura de um "Jornal Nacional" espetacularizado ao máximo, uma das edições que certamente serão estudadas pelas futuras turmas de jornalismo, se esta profissão ainda existir no futuro. Se não me engano, foi no dia em que o ex-presidente Lula foi levado para depôr na Polícia Federal. (Depoimento que vale a pena ser lido na íntegra, diga-se de passagem).
Quando entrei em licença-maternidade, o mundo, literalmente, entrou em colapso. O maior desastre ambiental da história do país aconteceu aqui pertinho, em Mariana. A zika ganhou os noticiários internacionais. E Eduardo Cunha deu início a seu projeto de acelerar ao máximo o impeachment da presidente Dilma Rousseff no Legislativo para ganhar, como recompensa, o perdão de seus companheiros no Conselho de Ética e a manutenção de seu mandato, mesmo após participação comprovada em escândalos de corrupção.
Só estando em outro planeta para não saber o que está acontecendo no Brasil, não é verdade? Pra estar alheio aos panelaços e buzinaços da vida. Pois bem, é como se eu estivesse em outro planeta mesmo: vamos chamá-lo de Bebelândia. E é um esforço diário o que faço para, já à noite, cansada dos trabalhos que amanhecem junto com o dia, aterrissar de volta ao planeta azul e me informar, minimamente, sobre os rumos do meu país. E voltar a me preocupar mais com o golpe anunciado que com a noite de sono do meu bebê.
Em minhas pesquisas para entender o que está em jogo, acabei montando este breve FAQ. Eu fiz as perguntas, corri atrás das respostas e, claro, pincelei o resultado com a minha análise e opinião pessoal. Algumas das fontes usadas para cada afirmação estão linkadas ao longo do texto. Fica como sugestão de leitura para outros terráqueos que, por um motivo ou outro, tenham ficado perdidos nesta novela do impeachment.
Vamos às perguntas e respostas:
 Leia aqui:
 
https://kikacastro.com.br/2016/04/15/perguntas-respostas-impeachment-dilma/#more-12266

terça-feira, 12 de abril de 2016

Brasil: Universidade sem Tecnologia?


Burocratizadas e inertes, instituições entregam a Google e Microsoft serviços pedagógicos e comunicacionais estratégicos. Na era da Economia do Conhecimento, país pode conformar-se à submissão
Por Rafael Evangelista

Cansadas dos ataques e dos constantes cortes de verba, as universidades públicas parecem não querer mais existir. Mantêm o mínimo, mas vão fazendo cortes lentos que implicam, na prática e no médio prazo, na cessão para parceiros privados de várias coisas que as definem, que historicamente fazem parte da sua missão. Com isso, vão abdicando de sua autonomia intelectual e de implementação de tecnologias orientadas de acordo com seus princípios públicos.
O exemplo mais recente e flagrante vem da área de tecnologia da informação. Google e Microsoft vêm estabelecendo parcerias com diversas universidades públicas brasileiras para oferecer “tecnologias educacionais”. Na prática, as instituições vão abrindo mão de seu parque computacional, ao mesmo tempo que promovem os produtos dos parceiros. Os alunos, funcionários e docentes recebem, com frequência, e-mails vindos dos centros de computação das universidades convidando para a adesão aos serviços. Com o convite feito de maneira institucional é fácil prever o resultado: adoção de tecnologias externas em detrimento de algo produzido e gerenciado autonomamente.
Em sua grande maioria, são aplicações que a universidade já oferece, como serviço de e-mail e ferramentas tecnológicas de acompanhamento didático. A Unicamp, uma das que estabeleceu acordos, oferece serviço de e-mail e ferramentas como o Moodle, um software livre produzido colaborativamente; e o Teleduc, ferramenta também livre mas concebida pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação. Agora as inciativas livres competem com a GAFE, Google Apps for Education, serviço da empresa do Vale do Silício já altamente criticado por organizações internacionais como a Electronic Frontier Foundation (EFF), que mantém a campanha “Espionando Estudantes: aparelhos educacionais e a privacidade dos estudantes”.
O discurso oficial das universidades é o da liberdade de escolha. Cada indivíduo seria livre para escolher qual tecnologia usar, pesando individualmente as eventuais facilidades contra os riscos e prejuízos. Dá até pra chamar de “falácia Microsoft”, de tanto que a empresa usou esse tipo de argumento quando combatia as políticas de incentivo ao software livre. Só que no mundo real as coisas não funcionam exatamente assim, os indivíduos não seres independentes e absolutos num vácuo de poder. O dinheiro pesa, assim como a publicidade e a interligação entre os produtos. De um lado, temos universidades pressionadas sempre a cortar custos. De outro, empresas bilionárias interessadas nos dados de navegação e nos conteúdos produzidos pelos estudantes, capazes de explorar economicamente essas informações (no mercado publicitário ou onde a imaginação delas permitir). Tudo é oferecido gratuitamente mas, se é verdade o dito neoliberal de que “não há almoço grátis”, só podemos imaginar que as empresas sabem muito bem como extrair valor dessa massa informacional.
O desfecho não é difícil de imaginar. As instituições públicas tendem a abandonar a prestação desses serviços de infraestrutura educacional, fazendo cortes e reduzindo custos, mas ao mesmo tempo abdicando de sua missão de produzir e aplicar tecnologias em seu corpo estudantil. Dá pra se imaginar também que aqueles que não se juntarem à maioria, os “chatos” que insistem em discutir e problematizar as decisões tecnológicas, vão ter que conviver com um serviço cada vez mais sucateado e abandonado. A estratégia aí se parece com a de outro gigante da tecnologia, a Monsanto, que foi produzindo um fato consumado em favor dos transgênicos, de modo a forçar a aceitação das variedades da sua soja via contaminação.
E, é claro, é preciso falar de privacidade e vigilância. Instituições federais como a UFPE e a UTFPR já usam a GAFE (a sigla tem um efeito cômico ótimo em português, registre-se) e outras, como a Unifesp, já estudam sua adoção. Porém, na esteira das revelações de Edward Snowden, há um decreto federal (8.135, de 2013) que diz, em seu artigo primeiro que “as comunicações de dados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão ser realizadas por redes de telecomunicações e serviços de tecnologia da informação fornecidos por órgãos ou entidades da administração pública federal, incluindo empresas públicas e sociedades de economia mista da União e suas subsidiárias”. Ao que tudo indica, os acordos não se conformam ao decreto, cuja preocupação efetiva era a inviolabilidade das comunicações.
As críticas da EFF, feitas no contexto dos EUA, vão nesse sentido. Ela já apresentou queixa à Comissão Federal de Comércio (Federal Trade Commission) acusando o Google de violar acordos que estabelecem a proibição da venda de informações de alunos e a necessidade de políticas transparentes sobre a coleta e uso de dados. Após as queixas, a Google desativou a coleta de dados dos estudantes para fins publicitários nos serviços do GAFE. Porém, em outras plataformas interconectadas pela mesma senha usada no GAFE valem as mesmas regras de todos os outros serviços como Drive, Blogger, YouTube e Gmail: os usuários são monitorados e vigiados eletronicamente o tempo todos, para fins de extração informações a serem usadas com objetivos publicitários, além de serem submetidos a anúncios escolhidos a partir desses dados de navegação.
O uso do e-mail é, em particular, especialmente perigoso. No caso das universidades, trata-se de uma massa especial de usuários, reunindo pesquisadores ativos na produção de conhecimento e tecnologias sensíveis. Essas informações não ficam em solo brasileiro, nem respondem às leis brasileiras. Estão na Califórnia, regidas pelas leis daquele estado norte-americano. Ao mesmo tempo que se omitem e não estimulam o uso de dados criptografados por parte de seus usuários, as universidades transferem as bases de dados para países que notoriamente abusam da vigilância, também com fins econômicos.
E há a questão da exploração econômica da base de dados em si mesma, como recurso a ser minerado para a extração de informações que vão orientar o desenvolvimento de produtos, campanhas de marketing, identificar tendências de comportamento etc. A comunidade acadêmica peca em não reconhecer o altíssimo valor econômico desses dados e, ingenuamente, parece pensar estar fazendo uma boa troca. No curto prazo, facilita a vida do administrador espremido com o encolhimento das verbas. No médio e longo prazo, ameaça os empregos do corpo técnico da universidade e a autonomia tecnológica. Terceirizada em sua estrutura — segurança, limpeza, alimentação e em certo sentido até na docência, com professores colaboradores e pós-graduandos –, esquálida, torna-se incapaz de cumprir sua função social, que vai muito além da formação de mão de obra para o mercado.
Desde o inicio dos anos 2000, nas conflituosas disputas da Organização Mundial do Comércio, os países ricos vêm tentando estabelecer regras que lhes permitam vender serviços, como pacotes educacionais, aos países pobres. Pelo visto, encontraram novas formas de lucrar com os mesmos pacotes, na era da extração de valor em cima de bases de dados e informações.
(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/brasil-quando-as-universidades-desistem-da-tecnologia/)

A França luta em Noites Despertas


Como a ocupação de praças pelos jovens, contra a “reforma” trabalhista, a desigualdade e a desesperança, pode acordar um país acossado por terror, Estado de Emergência e política reduzida a simulacro
Por Geoffrey Pleyers | Tradução: Antonio Martins e Inês Castilho

Há dez dias, desde 31 de março, milhares de pessoas reúnem-se todas as noites na Praça da República, em Paris, para compartilhar suas desilusões com a política institucional e para colocar em prática formas de democracia direta em assembleias populares e centenas de pequenos grupos de discussão. Mais de 80 mil pessoas seguiram a assembleia geral online de último domingo, 3/4, e milhares tomaram a praça, em vários dias. A “Nuit Debout” (“Noite Desperta”) tornou-se agora um movimento nacional, com reuniões em 15 cidades francesas, e algumas até mesmo tão distantes quanto Bruxelas, Barcelona e Berlim.
A ascensão do movimento na França não é, de forma alguma, casual. Desde fevereiro, foram se reunindo todos os ingredientes para que emergisse um movimento semelhante aos Indignados da Espanha ou ao Occupy norte-americano, em 2011. Em seguida a uma discussão pública em 23 de fevereiro, organizada pela revista ativista de esquerda Fakir, um grupo informal de dezenas de cidadãos imaginou uma ocupação da praça, depois da grande manifestação de 31 de março contra a proposta de reforma trabalhista do governo. Eles difundiram suas iniciativas com sucesso. Desde aquele dia, uma multidão reúne-se toda noite. As pessoas compartilham suas demandas e projetos em assembleias populares, conversam e celebram juntas, e criam “comissões” horizontais para organizar seu movimento, para preparar ação, comunicar, cantar e trabalhar em questões específicas (migrantes, nova economia, nova Constituição…). Partilham seus sonhos de outra sociedade e clamam por uma confluência de lutas.
Contra-reforma trabalhista detonou movimento
Uma frustração latente, mesmo quando compartilhada por milhares de cidadãos, não é suficiente para desencadear uma ampla mobilização. “Somos muito gratos a essa lei por nos despertar de nossa letargia política”. Um detonador é necessário, uma centelha que propicia a oportunidade para uma primeira sequência de mobilizações. O pacote da “reforma” dos direitos trabalhistas apresentado pelo governo francês em fevereiro foi a fagulha perfeita. Tocou fogo na injúria acumulada nos cidadãos e cidadãs progressistas contra as reformas neoliberais conduzidas pelo governo do Partido Socialista. Fixou uma meta comum; abriu um debate na mídia mainstream; facilitou o alastramento da mobilização para além dos círculos do ativismo clássico e promoveu a confluência entre sindicatos, estudantes e redes de cidadãos.
O pacote também proporcionou um calendário de mobilizações, com marchas semanais e assembleias gerais em universidades e sindicatos – algo indispensável numa fase em que um movimento nascente não é ainda capaz de fixar sua própria temporalidade e agenda. Um novo ataque aos direitos trabalhistas era tudo de que os ativistas precisavam para iniciar um movimento vibrante. Eles nunca se esquecem de agradecer ao governo por esta proposta de “reforma”. Como disse Frédéric Lordon – um economista da esquerda radical e um dos iniciadores da “Noite Desperta” – em seu discurso no início do movimento, em 31 de março: “somos gratos a esta lei, por nos acordar de nossa letargia política”. [Nota de Outras Palavras: vale ler, em especial, seu ensaio sobre a necessidade de a esquerda pensar uma Europa sem euro].
Da oposição à contra-reforma à construção de outra sociedade
O que distingue um movimento social de todas as demais formas de mobilização é o fato de que ele não se foca numa reivindicação específica (como a contra-reforma trabalhista), mas desafia alguns dos valores centrais de uma sociedade. Desde seu primeiro chamado, para protestos em 9 de março, o foco das coalizões estudantis foi mais amplo que o combate à contra-reforma trabalhista. Jovens entrevistados durante as marchas de protesto expressaram seu desapontamento com “um governo que finge ser de esquerda, mas é o contrário”. Como no movimento dos Indignados (15M) na Espanha, ou no Occupy norte-americano, estuantes do ensino superior e médio denunciam a articulação entre as elites econômicas, políticas e a mídia. Intelectuais franceses progressistas já demonstraram que a “reforma” proposta pelo governo não está relacionada à alardeada criação de novos empregos, mas ao crescimento ainda maior do poder do “1%” francês. Um número crescente de membros do Partido Socialista e de deputados denuncia abertamente os excessos neoliberais do presidente François Hollande e de seu governo.

Sem alternativas na politica institucional

A falta de alternativas entre os partidos estabelece um panorama muito favorável para a ascensão de um movimento do tipo Indignados/Occupy. A esquerda francesa tem denunciado a série de contra-reformas neoliberais conduzidas pelo governo do Partido Socialista. O ataque aos direitos trabalhistas é apenas mais um episódio, da sequência que incluiu um vasto conjunto de leis propostas pelo ministro social-liberal da Economia, Emmanuel Macrom, e o longo debate sobre a exclusão da nacionalidade francesa para os cidadãos binacionais associados a ataques terroristas. Há cinco anos, foi exatamente esta falta de alternativa política entre os socialistas e o Partido Popular, de direita, que levou milhares de pessoas a ocupar a Plaza del Sol, em Madrid, e as praças de cada cidade na Espanha. Denunciava-se uma “democracia sem escolha”.
O cenário francês parece ainda mais sombrio, porque disputas e rachas internos também estão devastando o Partido Verde e a Frente de Esquerda. A Frente Nacional, de Marine Le Pen, nacionalista e xenófoba, procura apresentar-se com a única alternativa. Denuncia o Partido Socialista e os Republicanos (a direita convencional), como falsos oponentes, e parte de um mesmo jogo. Esta atitude repercutiu bastante entre os eleitores e tornou o partido o favorito, entre os mais jovens.
Neste cenário, ocupar uma praça e propor mudar a política a partir de baixo é a única opção que resta aos cidadãos progressistas desapontados. Questionar a centralidade da democracia representativa e dar poder aos cidadãos, nas decisões locais, é, na verdade, o principal objetivo das “Noites Despertas”. Os cidadãos nas ruas mantêm distância de todos os partidos políticos, denunciam fortemente a “traição” do Partido Socialista e se opõem de maneira decidida à Frente Nacional, em especial ao dar as boas-vindas aos imigrantes e refugiados que chegam ao movimento.

Juventude sem futuro?

Embora com diferenças em relação à Península Ibérica em 2011, a situação econômica e o desemprego são realidades duras para muitos jovens na França de hoje. Em 2012, quando se elegeu, Fançois Hollande anunciou que a “juventude” seria uma prioridade em seu mandato. Desde então, os jovens têm se sentido abandonados, pouco ouvidos e atacados pelo governo. A “geração precária” é a primeira vítima da flexibilização do mercado de trabalho e da crescente concentração de riquezas.
Em 31 de março, o “France Stratégie”, um think-tank adjunto ao gabinete do primeiro-ministro, publicou um relatório que confirma esta impressão: 23,3% das pessoas entre 18 e 24 anos vivem em condição de pobreza (eram 17,6%, em 2002); 23,4% dos que têm entre 15 e 24 anos estão desempregados. Como destacou o Le Monde, “Pobreza, desemprego e padrão de vida: a situação dos jovens degradou-se, comparada com a de outros grupos etários“.
O que ultraja os jovens, mais ainda que suas condições de vida atuais, é o sentimento de que estão sendo “privados de seu futuro”. Eles expressam este sentimento na Praça da República e nas redes sociais. “O governo quer que acreditemos que não temos escolha, a não ser um futuro precário. É o que rejeitamos”. Ressoa como um eco claro da situação na Espanha e Portugal em 2011, onde as redes chamadas “Jovens sem futuro” estiveram entre os principais iniciadores e protagonistas das mobilizações de 2011. Cinco anos depois, na França, a reivindicação dos jovens por construir seu futuro está novamente em jogo. Como sintetizou alguém de nome Florence, num tweet, “Precisamos pensar a sociedade de amanhã com humanismo, liberdade, igualdade, fraternidade”. Nas “Noites Despertas” da França, assim com nos movimentos pós-2011, os jovens estão se construindo como indivíduos, como geração e como cidadãos que exigem muito mais democracia e um mundo mais justo.

As infraestruturas da mobilização: redes e calendário escolar

Se o ultraje e o desejo de um mundo diferente estão no núcleo dos movimentos sociais, o início de uma mobilização também depende de “infra-estruturas” que facilitem sua emergência e duração. Também em relação a isso, todos os sinais estão verdes para uma vibrante primavera francesa.
O governo francês não poderia ter escolhido uma ocasião melhor para lançar sua proposta para uma “reforma” dos direitos trabalhistas. O final de fevereiro e início de março são o melhor período para iniciar uma mobilização de estudantes. Como é o inicio do segundo semestre do calendário escolar anual [que vai de fevereiro a junho], as redes pessoais e de ativismo já estão bem constituídas e os exames finais ainda estão distantes: sobram tempo e energia para a articulação e o protesto. O Maio de 1968, em Paris, bem como as grandes manifestações estudantis de 2006 começaram por volta deste período – e o mesmo, aliás, ocorreu com o movimento dos Indignados, na Espanha, em 2011.
A emergência de um movimento nunca é tão espontânea como frequentemente parece, na mídia mainstream. A mobilização em torno da Cúpula do Clima, da ONU [em dezembro de 2015]; pequenas mobilizações contra a decretação do Estado de Emergência [pós-atentados em Paris] e a violência policial na França; e diversas batalhas ecológicas que se espalharam pelo país permitiram aos ativistas construir conexões e acumular experiência.
O grupo de ativistas que propôs e preparou o encontro na Praça da República, após o protesto de 31 de Março, jogou um papel-chave como “empreendedores de mobilização”, providenciando o espaço no qual o movimento pode florescer. A organização de sociedade civil “Droit Au Logement” (“Direito à Habitação”) já havia recebido autorização para instalar algumas barracas na praça, para protestar contra despejos e tinha condições de oferecer apoio logístico e alguns conselhos úteis para ativistas menos experientes que chegaram à praça.

Um movimento diferente?

As “Noites Despertas” seriam, então, apenas um retorno de movimentos como o dos Indignados e o Occupy? As “Noites Despertas” emprestam seus códigos, muito de sua visão de mundo e desejo de democracia participativa. O movimento de 2016, porém, ainda precisa encontrar seus próprios caminhos, tanto porque o contexto político é diferentes do de cindo anos atrás quanto porque deve levar em conta o que ocorreu com seus predecessores durante e após as ocupações de praças
O entusiasmo generalizado por movimentos democráticos, que marcou o início dos anos 2010, parece distante. O clima político é agora muito mais solene, marcado por terror, Estado de Emergência, sucesso dos partidos de extrema direita e expansão de seus valores. A Praça da República carrega a memória dos ataques terroristas de 13 de novembro. Está a poucas quadras do Bataclan e da maior parte dos bares atacados naquela noite.
Na França e na Europa a guerra contra o terrorismo está no topo das agendas políticas. A Frente Nacional, de extrema direita, seduz mais de 25% dos eleitores e atrai muitos jovens. O Estado de Emergência não reprime apenas potenciais terroristas. Ativistas ambientais foram presos em suas casas, em dezembro. Muçulmanos e jovens são frequentemente espancados pela polícia e manifestações estudantis recentes foram violentamente reprimidas. A “Noite Desperta” é uma resposta a este ambiente. Ela permite que os cidadãos manifestam seu apoio a uma Europa aberta, defendam as demandas de migrantes e refugiados e os saúdem diretamente na praça.
Por outro lado, assim como a ocupação de praças pelos Indignados espanhóis e pelos movimentos Occupy está no DNA das “Noites Despertas”, também estão os limites e os desfechos destes movimentos anteriores. O projeto das “Noites Despertas” baseia-se nesta herança, mas precisa também reinventar o movimento e suas práticas, para tentar escapar de alguns destes limites.
Desde 2011, as demandas de horizontalidade e o desejo de criar formas de democracia participativa fora dos marcos da política institucional confrontou os atores, movimentos e praças com os limites de movimentos estruturados de maneira débil e com resultados menos claros do que gostariam muitos ativistas. Será possível “mudar o mundo sem tomar o poder”, abraçando o ativismo, a horizontalidade e as iniciativas cidadãs, ou deve-se “ocupar o Estado” e entrar no jogo eleitoral para construir uma sociedade democrática?
Em 2011, os Indignados espanhóis e os ativistas do Occupy rejeitaram claramente a segunda hipótese. Desde então, diversos atores dos movimentos de 2011 decidiram cruzar a ponte e participar da arena institucional. Alguns alimentaram o sucesso do novo líder do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha, Jeremy Corbyn, e a vibrante campanha de Bernie Sanders à presidência dos EUA. Na Espanha, o novo partido Podemos mostra que os movimentos populares podem criar novas realidades políticas – mas, ao passar do ultraje à política partidária, Pablo Iglesias e seus colegas contrariaram alguns de seus valores originários, como a rejeição de líderes, a primazia da dinâmica cidadã e a recusa a aceitar muitas das regras da política partidária e do “jogo” eleitoral.
No contexto internacional, depois de alguns anos marcados por esperanças de mais democracia, justiça social e dignidade, baseando-se particularmente na cultura e práticas horizontais, estes movimentos vivem hoje sob o poder sem disfarces das elites políticas e econômicas. Em países como Turquia e Egito, os atores das “revoluções” das praças são agora vítimas de repressão violenta.
As “Noites Despertas”, que começaram em Paris, em 31 de Março, podem tirar proveito da experiência dos movimentos e ocupações de praças que sacudiram o mundo desde 2011. Precisam, porém, inventar seu caminho, a partir do sucesso e limites das experiências anteriores. Não é possível antecipar o futuro de tal mobilização, mas reunir milhares de cidadãos, de distintas gerações, para reafirmar que “outro mundo é possível”; recepcionar migrantes e refugiados; estabelecer trabalho coletivo, em torno de projetos alternativos baseados em democracia cidadã, mais justiça social e dignidade – tudo isso representa um êxito considerável, num contexto fortemente marcado pela regressão social e o ambiente repressor do Estado de Emergência.
(fonte: http://outraspalavras.net/capa/a-franca-luta-em-noites-despertas/)

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Café Historia da semana

[1] Café História TV:
 O que é História
Em nosso canal de vídeos no Youtube, o Café História TV, quem agora responde o "o que é história?" é o historiador Gian Carlo de Melo Silva, professor do departamento de história da Universidade Federal de Alagoas. [Confira]
[2] Mural do Historiador: 
História e Cultura
 revista História e Cultura tem o prazer de anunciar o lançamento de seu primeiro número do quinto volume, referente ao ano de 2016. A edição apresenta o dossiê “Os primeiros passos dos escritos em línguas vernáculas na Idade Média”, organizado pelo Prof. Dr. Leandro Alves Teodoro (UNESP/Franca) e pela Profa. Ma. Letícia Gonçalves Alfeu de Almeida (UNESP/Franca), ao qual estão vinculados nove artigos de estudiosos que abordaram diferentes temáticas relacionados ao período antigo e medieval. [Confira]
[3] Notícia em destaque:
 História das Cruzadas
Foi publicado recentemente pela Editora Madras o livro “História das Cruzadas”, escrito pelo filósofo francês Voltaire, um dos maiores expoentes do iluminismo, escritor conhecido no decorrer do século XVIII, e ilustrado por Gustave Doré, um dos principais nomes na história da ilustração no mundo ocidental.  [Veja]
[4] Notícia:
 História e Ciência
O livro Medicine and Public Health in Latin America: a History (Medicina e saúde pública na América Latina: uma história), dos historiadores Marcos Cueto e Steven Palmer, acaba de ganhar o prêmio de melhor livro da Latin American Studies Association (Lasa) na seção de Saúde, Ciência e Tecnologia da Lasa. Cueto e Palmer receberão o prêmio durante o 33 Congresso da Lasa, em Nova York, em 29 e 30 de maio de 2016. O comitê do prêmio observou que o livro é um marco significativo para o campo por oferecer a primeira pesquisa histórica compreensível da medicina e da saúde pública na América Latina desde os tempos pré-Colombianos.  [Veja]

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Brasil perde por ano US$ 23 bi com fluxo ilegal de dinheiro, e a Fiesp não vê

Texto escrito por José de Souza Castro:
A primeira coisa a se notar: o relatório da Global Financial Integrity (GFI) datado de dezembro de 2015 só chegou nesta semana ao conhecimento da imprensa brasileira – mais especificamente, do jornal “Valor”. Título do relatório dessa consultoria internacional sediada em Washington, capital dos Estados Unidos: "Illicit Financial Flows from Developing Countries: 2004-2013".
Ao contrário do que acreditam nossos editores, interessa sim, aos brasileiros, saber como sai anualmente do país, ilegalmente, um valor em dólares muito superior a tudo o que os investigadores da Lava Jato afirmam terem sido desviados da Petrobras e de outras estatais federais desde 2003, quando o PT chegou ao poder.
Interessa também saber que não é um problema restrito ao Brasil. E que, na verdade, o Brasil não é a maior vítima, entre os países em desenvolvimento, desse fluxo financeiro ilegal que, só em 2013, último ano estudado, somou 1 trilhão de dólares. Desde 2004, o acumulado do dinheiro perdido pelas economias emergentes chegou a 7 trilhões e 800 bilhões de dólares.
Pior: o crime compensa, pois o fluxo ilegal de dinheiro tem crescido a uma taxa média de 6,5% ao ano, quase duas vezes mais do que o valor total (GDP) de todos os bens e serviços produzidos na economia de um país.
O relatório pode ser lido AQUI, em inglês.
O Brasil perdeu anualmente, em média, 22 bilhões 667 milhões de dólares com esse fluxo ilícito de recursos. Grande parte sai por meio de superfaturamento nas importações e subfaturamento nas exportações de nossos produtos, incluindo os serviços.
A sangria brasileira, em 10 anos, foi de 226 bilhões e 667 milhões de dólares.
Se servir de consolo, a China perdeu anualmente, em média, US$ 139,2 bilhões; a Rússia, US$ 104,9 bilhões; o México, US$ 52,8 bilhões; a Malásia, US$ 41,8 bilhões. O Brasil é o sexto maior perdedor.
Como estamos entre as oito maiores economias do mundo, não se pode acusar os governos petistas de serem mais lenientes do que outros nessa roubalheira internacional de nossas riquezas. Não se sabe o que acontecia nos governos anteriores a Lula, pois este é apenas o sexto relatório anual do GFI. O primeiro é de 2008, referente ao período 2002-2006.
De qualquer maneira, o valor que deixa de ser contabilizado e tributado, em razão desse fluxo ilegal de dinheiro, não é de modo algum insignificante: ele representa 12% do Produto Interno Bruto anual. Só nos três primeiros anos do governo Dilma, quando foram desonerados produtos industriais, como automóveis, com aplausos da Fiesp, o fluxo ilegal de recursos somou quase 92 bilhões de dólares (US$ 31 bilhões em 2011, US$ 32,7 bilhões em 2012 e US$ 28,1 bilhões em 2013).
Se todo o tributo devido fosse pago, não fosse o desvio e as desonerações, o Brasil não estaria na crise econômica tão propalada pela Fiesp e quem paga impostos rigorosamente não estaria se sentindo como quem paga o pato.
Bem, como falei em Fiesp, que se cala diante dessa sonegação monumental enquanto brada aos céus contra o governo Dilma, vale lembrar, para concluir este artigo, o que diz hoje manifesto dos integrantes das Comissões da Verdade que levantaram os crimes praticados pelas ditaduras pós 1964:
“A Fiesp, que apoiou o golpe de 64 e teve alguns de seus membros participando de torturas, 52 anos depois apoia um novo golpe, desta vez sem canhões e baionetas.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que se posiciona abertamente a favor da saída de Dilma Rousseff da presidência, não só financiou o golpe e a montagem do aparato repressivo da ditadura, como também teve algumas de suas lideranças participando de sessões de tortura. É simbólico, portanto, que sua sede na Avenida Paulista, iluminada com os dizeres “Renuncia Já”, tenha se tornado um dos principais pontos de encontro de manifestantes a favor da derrubada do governo.
Tanto no presente quanto no passado, as movimentações da Federação no cenário político vislumbram interesses do setor empresarial, como a flexibilização das leis trabalhistas que ameaçam conquistas históricas dos trabalhadores.”
Quando escrevi um livro contando as mudanças introduzidas na década de 1990 na Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) por um imigrante esloveno, Stefan Salej, imaginava que nunca mais veria uma federação das indústrias combatendo um governo democraticamente eleito.
Hoje não escreveria isso aí:
“Algo deve ter ficado das muitas pregações de Salej. Seu amigo Paulo Skaf elegeu-se presidente da Fiesp em agosto de 2004; era a primeira vez, desde 1980, que a oposição vencia na disputa para comandar a mais poderosa Federação das Indústrias do país. Em entrevista, na época, Salej disse que a vitória de Skaf 'deve estimular mudanças nas entidades e fazer surgir uma oposição'."
 (fonte: blog da Kika Castro)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

A virgindade perdeu a importância?

por Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky

Será que a questão da virgindade feminina “já era”?
Para muitos pode parecer um problema superado, mas não é bem assim: inúmeras garotas ainda sentem angústia com a perda da virgindade ou a comemoram – de um modo ou de outro, não há indiferença. Entre amigos, nas redes sociais, na TV, nas escolas, no cinema, nos consultórios médicos, nas famílias o assunto continua vivo. Saber se uma celebridade é ou não virgem ou com quem e como um personagem de romance juvenil vai transar pela primeira vez é tema para várias horas de conversa. Muitos homens ainda hoje valorizam o fato de ser “o primeiro”. Teve gente que até leiloou sua virgindade pela internet e ganhou dinheiro com isso. Há mulheres que procuram clínicas médicas para reconstituir cirurgicamente seu hímen, tentando com isso se valorizar mais perante o sexo oposto. E há também os adeptos do movimento de norte-americano No sex que promove a abstinência sexual. Em muitos grupos, de diferentes convicções religiosas, conservar a virgindade até o casamento é algo fundamental, capaz de criar uma divisão bem nítida entre as mulheres que são ou não aceitas pela comunidade. Como lembra a historiadora Yvonne Knibiehler, em seu livro História da virgindade, isso continua importantíssimo entre os muçulmanos fundamentalistas. São eles que fizeram aumentar (até na França) a demanda pelo “certificado de virgindade”, assinado por um médico para ser exibido aos parentes. Alguns pais até prendem o documento no vestido da noiva para que todos possam vê-lo no dia do casamento.
Claro que o conceito, a percepção e a importância da virgindade, têm historicidade, mudam ao longo da História. Na Antiguidade, entre os judeus, a virgindade, ou seja, a “pureza” das jovens solteiras preservadas do ato sexual até o casamento era uma garantia para o marido de que o filho que nasceria de sua mulher seria legítimo.  Assegurar a autenticidade da filiação dessa maneira também era algo fundamental para os gregos e os romanos que acreditavam que as filhas dos cidadãos pertenciam ao pai a quem cabia oferecê-las como esposas para quem bem entendessem. Essas crenças reforçavam a dominação masculina nessas sociedades patriarcais e nas outras que surgiram depois, como, por exemplo, os muçulmanos para os quais, alem da questão do controle das mulheres e da descendência, a satisfação sexual masculina máxima seria a obtida no defloramento de uma virgem. Desde os primeiros tempos da difusão dessa crença, ser “o primeiro” é tão importante para eles que o paraíso de Alá coloca belas jovens virgens à disposição do crente.
O cristianismo, que bebeu nas fontes judaicas e clássicas, trouxe, contudo, uma novidade: a valorização moral e espiritual da castidade como um dos caminhos para a santidade. Isso permitiu a muitas mulheres optarem por se manter virgem para viver sua vida independentemente de marido e filhos; para elas, escolher entrar para um convento e ser “esposa de Cristo” podia significar maior autonomia e oportunidade de estudar. Além disso, durante a Idade Média e a Era Moderna, ser “donzela” dava certo poder; se Joana D’Arc não tivesse se apresentado na corte como virgem, dificilmente teria sido tão ouvida e respeitada. Com tantos significados e tanta importância atribuída à virgindade, violar uma virgem passou a provocar maior excitação entre os homens, como se fosse uma prova de virilidade. Como deflorar uma moça significava desonrar toda a sua família, o pai e os irmãos da jovem procuravam vingar-se do agressor; a vítima não contava, era um assunto de honra entre homens. Só muito mais tarde na História, o estupro seria condenado por sua violência contra a pessoa e as jovens agredidas passaram a ter leis para protegê-las.
A virgindade começou a perder importância social na época do iluminismo, mas o processo foi longo. Em pleno século XX havia uma dupla moral sexual, que permitia aos homens ter muitas experiências sexuais enquanto que as mulheres “de bem” deviam se manter castas e puras. Esses valores perduram até hoje em regiões e mentes atrasadas. Contudo, conforme as mulheres foram tendo mais acesso à educação, aos ganhos econômicos e aos métodos anticoncepcionais, passaram a reivindicar e obter maior igualdade de gênero. Com isso, a liberdade sexual aumentou e o prestígio do hímen diminuiu. Porém, como alerta Knibiehler em seu livro imperdível, nem tudo são flores: aí estão as doenças, a gravidez indesejada, a maternidade irresponsável. O desafio atual é resolver os problemas sem ameaçar  as conquistas obtidas duramente pelas mulheres.

Por Jaime Pinsky – historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros – e Carla Bassanezi Pinsky – historiadora com doutorado em Ciências Sociais (Família e Gênero) pela Unicamp e co-autora de diversos livros, entre eles Nova História das Mulheres no Brasil.

domingo, 3 de abril de 2016

“Combate ao Terror”, fracasso anunciado


Em resposta a atentados na Europa, Ocidente tornou-se menos livre e tolerante; mais brutal e xenófobo. É exatamente o que os fundamentalistas desejavam
Por Roberto Savio | Tradução: Inês Castilho

O massacre de Bruxelas causou uma reação a curto prazo que não considera uma projeção mais estratégica. Todo o debate é agora sobre segurança, reforço policial, novas estratégias militares, como se o terrorismo pudesse ser resolvido simplesmente como uma questão de ordem pública.
Seria também necessário adotar um enfoque mais global e integral, e aceitar que estamos diante de um problema que deve ser abordado por vários ângulos. Isso faz com que este artigo enfrente o costumeiro problema da falta de espaço, para uma análise mais profunda. Vou pedir, portanto, ao leitor que abra os links de alguns artigos anteriores, para assim contar com mais informação sobre questões impossíveis de tratar adequadamente no presente artigo.

1) Falta de debate político. Vemos as lideranças políticas europeias mobilizando-se, depois de cada evento, somente com alguma declaração retórica sobre a solidariedade e o horror, mas sem esforço nenhum para construir uma resposta comum e singular. É supreendente ver que as autoridades francesas e belgas nem sequer tratam de vincular as ações dos terroristas com sua vida anterior e seus antecedentes, quando é realmente necessário fazer uma análise sociológica e cultural, além de adotar medidas meramente policiais. Ainda que isso seja importante, não é relevante para o debate político (ver link).

2) Não se faz nenhum esforço para explicar que o terrorismo islâmico é, antes de mais nada, uma batalha interna do mundo muçulmano, empregada na Europa somente por conveniência. O ramo sunita é o principal do Islã, com 88% dos muçulmanos. Mas não foi descoberto nenhum terrorista que não fosse praticante do wahabismo, ou ramo salafista dos sunitas, originário da Arábia Saudita, de onde foi ativamente exportado pela família real Al-Saud.

Riad construiu mais de 1.600 mesquitas e dotou-as de pessoal e imans salafistas, gastando anualmente mais de 80 milhões de dólares para apoiar seu ramo sunita. Para os salafistas, várias outras correntes do Islã são consideradas infieis, como os Sufi e os Yazidis. Os xiitas são o principal inimigo. A maioria dos xiitas vive no Irã, o principal inimigo da Arábia Saudita. Esses dois países lutam entre si através das guerras subsidiárias ou guerras por procuração, desde a Síria até o Iemên, com um número de vítimas milhares de vezes superior ao de todas as vítimas dos atentados na Europa. Qualificar todo o Islã de promotor do terrorismo é, portanto, um erro dramático. (Veja o link)

3) Até que seja controlada pela Rússia e pelos Estados Unidos, a disputa entre a Arábia Saudita e o Irã continuará em todo lugar, ou até que a Arábia Saudita entre numa crise grave. Seu nível de gastos atual não será, em breve, compatível com o preço do petróleo. O Fundo Monetário Internacional já avisou Riad que, a menos que reduza seus gastos, irá à falência em 10 anos. Até agora, a Arábia Saudita tem sido apoiada por todo o Ocidente, em especial pelos Estados Unidos, por sua importância como principal exportador de petróleo.

O painel de especialistas da ONU no Iêmen documentou violação das leis de guerra em 119 voos de combate da coalizão [liderada pela Arábia Saudita, que invadiu o país]. A informação é da Human Rights Watch, que pede, junto com a Anistia Internacional e outras organizações, um embargo sobre a venda de armas a Riad. Mas a Arábia Saudita é o segundo maior importador de armas do mundo.
De qualquer modo, é muito pouco provável que a Arábia Saudita e seus aliados, emires e xeques dos países do Golfo, possam assumir a liderança do mundo sunita, porque eles são seguidores do ramo intolerante do Islã e, a longo prazo, não parecem capazes de competir com um Irã muito maior e mais desenvolvido. Mas, no momento, todo o mundo tem feito vistas grossas às responsabilidades da Arábia Saudita na difusão do salafismo.

4) O salafismo nos leva ao ISIS, que assumiu essa tendência do Islã como religião oficial, inclusive radicalizando-a ainda mais. Sem dúvida, existe um consenso crescente de que o Estado Islâmico está usando a religião como meio para o recrutamento, reunindo todos aqueles que se sentem frustrados com o secularismo e a modernização. O ISIS, como entidade tangível, poderia ser derrotado por duas brigadas mecanizadas em poucas semanas, segundo especialistas militares.

Mas isso seria dissolvê-lo entre as 600 mil pessoas que vivem em seu território, resultando num excelente apoio a sua teoria: a de que os muçulmanos estão sempre sujeitos aos cruzados cristãos, que instalaram reis e emires em seus tronos e manipularam o mundo árabe com eficácia, segundo seus interesses.
Os cruzados nunca aceitarão o poder de uma autêntica entidade árabe, e continuarão a controlar o mundo árabe por meio de seus marionetes. Essa visão e o chamamento à guerra santa contra os invasores e governos árabes continuarão depois da morte do ISIS como entidade territorial, porque tocam um ponto sensível em todo o mundo árabe, já que se baseiam em fatos históricos. Ou seja, o chamamento do ISIS sobreviverá ao Califado. (Veja o link)

5) A reação da Europa foi não intervir seriamente contra o ISIS, mas dar apoio às facções na guerra da Síria. Sua responsabilidade na onda de refugiados que fogem da Síria e da Líbia são claras, mas sem consequências. (Veja este link)  Além de adotar uma decisão totalmente ilegal sobre como tratar os refugiados, a Europa entrou num pacto de Fausto com a Turquia, país que fez vistas grossas ao ISIS e se posiciona claramente contra os princípios da democracia professados pela Europa. O Alto Comissariado das Nações Unidas e o Médicos sem Fronteiras retiraram-se da Grécia, declarando que o plano é ilegal.
Claro que isso não passa desapercebido no mundo árabe, e faz aumentar o abismo em relação ao Ocidente. Na retórica dos países da direita radical da Europa (Polônia, Hungria, Eslováquia) e dos partidos mais à direita, os refugiados converteram-se em portadores do terrorismo na Europa. A Europa sequer foi capaz de aplicar medidas óbvias de coordenação em matéria de terrorismo, devido ao zelo crescente dos governos. Não há nenhuma estratégia sobre essa questão, além da retórica, que é muito útil à estratégia do ISIS.

6) A direita radical e os partidos xenófobos são, portanto, aliados de fato do ISIS. É evidente que, sem uma estratégia de sensibilização e informação, a discriminação contra os árabes aumentará, e essa é exatamente a esperança do ISIS, que pede aos muçulmanos que vivem na Europa para decidir: ou se integram ao Ocidente e se convertem em apóstatas, ou auxiliam o grupo, atacando em todos os lugares.

7) Nenhum terrorista veio do mundo árabe. Todos os implicados até agora são europeus, nascidos e criados na Europa. Todos eram pequenos delinquentes e marginais. Nem todos eram muçulmanos praticantes, mas convertidos, doutrinados na prisão ou através das redes sociais. Eram, de fato, niilistas que encontraram no ISIS dignidade e a possibilidade de escapar de uma vida sem trabalho e sem futuro. A Europa destinou 6 bilhões de euros para impedir a entrada de refugiados, depois de aplicar mais de 7 bilhões em gastos militares no Oriente Médio. Se esse dinheiro tivesse sido investido nos guetos dos árabes que vivem na Bélgica, França e Grã Bretanha, provavelmente as condições para que o terrorismo se expandisse teriam sido drasticamente reduzidas.

8) É fato que, sem imigrantes, a Europa não terá viabilidade para competir em nível internacional e manter a estabilidade social. (Veja o link) A população ativa está em declínio desde 2010. A Alemanha necessita de 800 mil pessoas. Em 2060, haverá 50 milhões de pessoas a menos na Europa e o sistema previdenciário, com uma população muito mais idosa, vai entrar em colapso.

Atualmente, a expectativa de vida é de 80 anos para o homem e 85,7 para as mulheres. Em 2060 será de 91 para o homem e 94,3 para a mulher. A idade de 82% dos refugiados sírios é inferior a 34 anos, e um estudo do ministério do Interior da Áustria revelou que eles têm, em média, nível educacional superior ao do cidadão austríaco. Por isso, o cidadão europeu deve ver os imigrantes como um recurso e um apoio. Nenhuma campanha de sensibilização sobre este tema está em marcha, porque politicamente não seria bem vista.

9) A tendência é a contrária. Os partidos xenófobos cresceram em todas as últimas eleições e pedem a expulsão dos imigrantes, como Donald Trump está fazendo nos Estados Unidos. Isso, além de ser impossível, é também um erro político trágico. A animosidade contra os muçulmanos, sem nenhum esforço para compreender a complexa realidade, vai favorecer o terrorismo e radicalizar os imigrantes que vêm para a Europa trabalhar e viver com dignidade.

10) A conclusão final é que estamos caindo na armadilha de um choque de civilizações, em que defendemos uma Europa cristã contra um mundo muçulmano hostil. Este é o pior erro possível. Cai muito bem para a retórica do ISIS, já que qualquer choque requer polarização. O aumento do medo e da insegurança ajuda os partidos de direita radical e xenófobos a se apoderar da Europa.

A polarização nunca foi útil para a democracia e a tolerância. Um grupo de no máximo 50 mil militantes, num universo de 1,5 bilhões de muçulmanos, é capaz de mudar nossa vida, reduzir nossa privacidade e as liberdades individuais, e aumentar o militarismo e a vigilância.

Se não conseguirmos escapar da armadilha do choque de civilizações, a Europa vai mudar profundamente, porque o fenômeno do terrorismo permanecerá durante uma ou duas gerações. Foram necessários quase dois séculos para a Europa se desfazer das guerras de religião. Na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), numa população total de 79 milhões de pessoas, morreram oito milhões, em sua maioria civis.

Será que a história nos ajudará a enfrentar o presente?

(fonte: http://outraspalavras.net/capa/combate-ao-terror-rumo-a-um-fracasso-anunciado/)

sábado, 2 de abril de 2016

O Complexo de Dom Casmurro



Antônio de Paiva Moura

No livro de Machado de Assis, “Dom Casmurro”, Bento Santiago (Bentinho) se dispõe a narrar a história de sua vida. Trata-se de um homem aos 60 anos de idade. O espaço dedicado à infância é bastante limitado. Diz apenas que morava no interior e que foi para o Rio de Janeiro, aos 2 anos de idade, quando o pai foi eleito deputado. A sua biografia focaliza a adolescência, momento que passa a se interessar pelo relacionamento com a jovem Capitu, a vizinha que viria a ser o grande amor de sua vida. Capitu é uma garota bela, inteligente e possui um extraordinário poder de sedução, manifesto em seus “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, capazes de atrair como a ressaca do mar. 

Com a morte do pai, Bentinho vive sob a proteção da mãe, a viúva D. Glória, que sendo muito rica, mantém sob sua dependência um grupo de parentes: o irmão Cosme, a prima Justina e o agregado José Dias. É nessa casa de velhos viúvos que Bentinho cresce. Depois da perda do primeiro filho, D. Glória jurou que o segundo seria padre. O juramento transformou-se em angústia e prenúncio de separação do filho único. O namoro com Capitu reforça no menino a falta de vocação, mas ele acaba por obedecer ao desejo materno e entra para um seminário. 

No seminário, Bentinho e Escobar se tornam amigos. Juntos, os jovens conseguem convencer os pais a retirá-los do seminário. Com isso, Bentinho se forma em Direito e se casa com Capitu, enquanto a melhor amiga desta, Sancha, acaba por casar-se com Escobar. A felicidade de Bentinho se completa com o nascimento de Ezequiel, seu filho, que vem fazer companhia a Capituzinha, filha do casal amigo. 

Quando tudo corria bem, sem maiores acidentes, ocorreu um imprevisto que acabou mudando o rumo do grupo de amigos: Escobar morre afogado. Durante o velório, Bentinho percebe no comportamento da esposa marcas de um adultério que ele, até ali, não tinha suspeitado. A partir desse momento, outros indícios se juntam ao primeiro. O maior deles é a grande semelhança que Bentinho vê entre seu filho e o amigo morto. Obtida essa prova viva da traição, separa-se e envia Capitu e Ezequiel para a Europa. Dali até a velhice, Bentinho vive em estado de relativa reclusão, o que faz surgir seu apelido: Dom Casmurro, que quer dizer introspectivo. O narrador personagem é uma figura teimosa: insiste em defender seus pontos de vista, convicto que eles são verdadeiros. Defende a idéia de que foi traído, mesmo que não tenha nenhuma prova concreta.  Em Dom Casmurro, Machado de Assis toma a traição como ponto de partida para discutir temas mais amplos e permanentes, o que lhe confere a condição de obra atual. Ao mesmo tempo, parte dessa discussão ilumina seu próprio tempo, o que lhe confere uma marca histórica.

A palavra complexo indica que o fenômeno a ser estudado traz em si uma grande quantidade de fatores amalgamados, dificultando seu entendimento. Freud empregou esse termo na exposição do impulso ao amor incestuoso, exemplificando-o com os casos de Édipo e de Electra.  Na mitologia grega, o ciúme aparece na história da deusa Hera, que ao matar as amantes de Zeus, manifestava seu ciúme pelo medo de perder o poder. Outra manifestação de tal sentimento aparece na história de Medeia, que por ciúmes, matou o marido, a amante e involuntariamente, seus filhos.  Adultérios e atos de traição, na idade média foram muito frequentes. Giovanni Boccaccio, em “Decamerão”, conta muitas histórias de mulheres traindo o marido e as respectivas punições. A mais freqüente era a devolução da adúltera aos pais, porém, sem os dotes recebidos. 

Essas recorrências históricas servem para mostrar que o drama do sentimento de ciúmes é o mesmo desde os primórdios da civilização. O que muda são as formas de reação do homem diante da traição por parte da mulher. Bentinho, o narrador personagem vive no final do século 19, com perspectivas de entrada no século 20. Momentos de transformações sociais, com a burguesia agrária se acomodando nas grandes cidades; início de um processo de liberação da mulher; aumento de status do homem burguês formado em cursos superiores. Apesar de ser um homem bem atualizado, Bentinho se comporta como os personagens de Boccaccio. Uma simples e possivelmente falsa hipótese de traição, foi o suficiente para ele despachar Capitu para Portugal e passar o resto da vida ruminando a verdade e descartando a falsidade. 

            No dizer de João Paulo Cunha, Bentinho não sofria só pelo sentimento de traição de Capitu, mas porque não entendia que o mundo mudou. Os cidadãos brasileiros da mesma classe social de Bentinho sofrem o mal da ilusão que os leva à recusa de ver a situação do pais e do mundo de forma verdadeira. Preferem atribuir tudo à corrupção, ou a erros de governantes. Não entendem que a prática da corrupção, em busca de enriquecimento e de maiores lucros está na veia do capitalismo. Em busca de resultados políticos fazem acusações falsas de adversários e ocultam as verdadeiras de seus correligionários.