sexta-feira, 24 de junho de 2016

O Neoliberalismo e os abismos



           
Antônio de Paiva Moura

Recentemente um grupo de pesquisadores do Fundo Monetário Internacional FMI, composto pelos cientistas Jonathan Osttry, Prakash Lougani e David Furceri, faz racional e oportuna crítica ao Neoliberalismo. Para esse grupo, a desregulamentação excessiva vem causando crises no sistema econômico mundial, permitindo a invasão dos mercados regionais por investidores externos. Nas grandes cidades as redes de supermercado, serviços bancários, telecomunicações e grandes empreendimentos industriais são regidos por investidores externos. As remessas de lucros ao exterior são sangrias que deixam as economias regionais anêmicas. (ROSSI, 2016)
As privatizações acabaram por provocar uma desorganização no quadro de trabalho, com perdas na quantidade de empregos e queda no valor das remunerações. Pequenos investidores foram substituídos por poucos e grandes acionistas. Aumento exorbitante da concentração de riquezas. A flexibilização das relações trabalhistas fez diminuir a renda das famílias e aumentar o tempo de trabalho. A migração de empresas para as regiões onde prevalecem relações mais favoráveis na produtividade, mão de obra e matéria prima de baixo custo; desqualificação e eliminação de trabalhadores impostas pelo avanço das tecnologias da informação na indústria e serviços provocam aumento na taxa de desemprego e diminuição da circulação monetária.
No Brasil a balança de exportação é desfavorável ao país. Importa produtos industrializados e exporta commodity, com baixo valor agregado. A agricultura e a pecuária, cada vez mais mecanizadas, absorvem um mínimo de mão de obra. Além disso, nos últimos 30 anos, os investimentos estrangeiros aumentaram consideravelmente neste setor. Na mineração, depois da privatização da Vale de Rio Doce, o investimento estrangeiro em seu capital foi enorme. A mineração de ouro está em poder da Anglo Gold Ashanti. A extração e exportação de minérios de ferro são controladas por grandes companhias estrangeiras. Nunca houve tanta automação na extração, beneficiamento e transporte do minério de ferro. Tudo isso concorre com a disparidade na balança de mercado em toda a América Latina. Para ser considerada como economia global é necessário que haja equilíbrio nas balanças comerciais. Mas, o que se vê é uma exploração colonial só comparada ao tempo do mercantilismo nos séculos XVII e XVIII.
            No México o neoliberalismo indicou ao governo a fórmula da tecnologia do ensino à distância para reduzir os custos do ensino. Com a chegada ao poder do Partido Ação Nacional PAN, da direita liberal, o número de tele-escola explodiu. Em 2012 chegou a 20% dos alunos no setor público, cerca de um milhão e trezentas mil crianças estudando diante da televisão. As tele-escolas registram os piores resultados no sistema de avaliação escolar do país. Essa política educacional representa um desastre na atualidade com reflexos no futuro. (VIGNA, 2012)

                              Privatizar a universidade, seguindo a ideologia neoliberal, significa que a pesquisa não será mais uma prioridade. A universidade será como as instituições isoladas fundacionais que apenas mercadejam o ensino. Adeus Humanismo, adeus valores humanos: a universidade privatizada não será uma escola formadora de agentes críticos ou indivíduos capazes  de ampliar horizontes da sociedade em que atua. Será uma escola que apenas habilitará indivíduos para concorrer com seus pares; talvez mendigar um trabalho que lhe garanta a sobrevivência, mas não uma existência digna. Formará um profissional engajado na ideologia dominante que consiste em aceitar pacificamente tudo como está: “tudo é natural; pouco importa se estão ruindo todas as instituições como a família, a escola, a universidade, a justiça, o Estado, os serviços públicos, a democracia". Tendo no bolso alguns trocados adquiridos mesmo que de forma ilícita e tendo na mão um diploma de bacharel em qualquer coisa, o  mundo está salvo, pois não sabe, ou não quer saber  que seu país ou que o mundo está em crise.
                        Os trabalhadores desempregados da chamada economia formal migram-se para a economia informal, passando a atuar como vendedor ambulante, produtor artesanal e até coletor de frutos silvestres. Com a chegada desses novos competidores a economia informal entrou em severa crise na luta por espaços e no incômodo do excesso de concorrentes. Não há mais, em nossos dias, nenhum setor da sociedade que não esteja em crise. A palavra crise, em grego, significa abismo. Quem não teme o abismo?
                    


Referências.
ROSSI, Clovis. Neoliberalismo em xeque. Folha de São Paulo, São Paulo, 02 jun. 2016.

VIGNA, Anne. No México, a escola sem professor. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, n. 55, fev. 2012.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

PF: Samarco sabia dos riscos da barragem em Mariana desde a construção

PF: Samarco sabia dos riscos da barragem em Mariana desde a construção, nada fez e ainda escondeu a informação


Investigação da Polícia Federal sobre o desastre de Mariana de responsabilidade da Samarco é devastador para a empresa. A Samarco não apenas sabia dos riscos de rompimento da barragem, como os escondeu das autoridades e da população e, pior, ainda os agravou, usando material diferente do especificado quando da construção e fazendo remendos na estrutura.

O delegado Roger Lima de Moura, da Polícia Federal (PF), disse nesta quarta-feira que a Samarco sabia dos riscos na barragem de Fundão, em Mariana, que se rompeu no dia 5 de novembro de 2015, destruindo o distrito de Bento Rodrigues e causando 19 mortes. Trocas de mensagens entre técnicos e diretores, além de comunicados emitidos internamente provam a responsabilidade da empresa, segundo o delegado.
— Eles sabiam do risco de que Bento Rodrigues poderia ser atingido. Temos inclusive documentos internos e conversas falando se iriam ou não levar os estudos para o licenciamento ambiental — disse o delegado Roger Lima.
Na primeira semana de junho, a PF concluiu o inquérito sobre o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
— Apuramos causas, consequências e responsáveis do rompimento. A barragem era problemática desde a sua construção. Ela sempre foi uma barragem doente. Na fase de construção foi usado um material diferente do projeto — disse o delegado.
Ele explicou ainda que ocorreram problemas de drenagem, como “um remendo na barragem, sem projeto, nem recomendação dos órgãos ambientais”. [Fonte: O Globo]

(fonte: Blog do Mello)

China, potênca científica?


Principal revista científica ocidental admite: supremacia dos EUA cairá em breve, também neste domínio. Consequências geopolíticas podem ser vastas
Por Antonio Martins

Para boa parte da opinião pública no mundo ocidental — inclusive a que se julga “de esquerda” –, a China é, ainda, um tigre de papel. Ela produz quase todos os eletrônicos e eletrodomésticos que usamos, mas, segundo a crença, apoia-se para tanto em mão de obra barata. Ela tornou-se, desde 2014, o país de maior PIB do planeta (quanto se considera o poder de compra real das moedas); porém, seria apenas graças a sua gigantesca população. Um estudo recente da revista Nature — possivelmente, a publicação científica mais respeitada do mundo — poder corroer mais um pilar deste pensamento preconceituoso.

A China, diz a Nature, está à beira de converter-se no principal centro de investigações científicas do mundo. A avaliação emerge da edição mais recente (2016) do Indice Nature, um sistema sofisticado e complexo de aferições, criado e mantido pela revista. Baseia-se na publicação de artigos originais naquelas que são consideradas as 68 revistas científicas mais importantes do mundo. Leva em conta, portanto, cerca de 60 mil artigos por ano.



A pesquisa atribui, a cada cientista, um índice fracional. O número expressa a proporção em que contribuiu para este acervo de artigos. A posição de cada país no ranking é obtida somando-se os índices fracionais de cada um de seus cientistas. Na edição de 2016, os EUA seguem líderes. A China vem em segundo. Mas Nature destaca: “Enquanto sua contribuição cresceu 37%, entre 2012 e 2014, a dos EUA caiu 4%. Os dois países são seguidos, na ordem, por Alemanha, Reino Unido, França, Canadá, Suíça, Coreia do Sul, Itália, Espanha, Austrália, Índia, Holanda, Israel, Suécia, Singapura, Taiwan, Rússia e Bélgica. Salta aos olhos a ausência da América Latina.

Num texto em que comenta o feito chinês, John V. Walsh, professor de Microbiologia da Escola de Medicina de Massachussets, analisa os desdobramentos geopolíticos da novidade. “Num contexto histórico mais amplo”, diz ele, “o Ocidente esteve envolvido, nos últimos 500 anos, no esforço de invadir e colonizar o resto do planeta”. A superioridade tecnológica foi sempre, em tal período, “uma das chaves para o sucesso de tal dominação — das forjas de espadas e escudos em Toledo aos porta-aviões norte-americanos gigantes que rondam o Mar do Sul da China até hoje. Mas o avanço científico e tecnológico da China significa que esta realidade pode mudar”.

Supercomputadores: Uma nota publicada ontem, no New York Times, revela que a China voltou a dominar o índice Top500, que relaciona os quinhentos computadores mais potentes do planeta. A posição de liderança não é nova, mas agora há duas novidades. Primeira: além de terem o computador mais poderoso pelo sétimo ano consecutivo, os chineses têm, agora, o maior número de máquinas na lista (167, contra 165 dos EUA).

Segundo, e ainda mais decisivo. Pela primeira vez, o computador mais rápido do mundo não usa microprocessadores norte-americanos. A China, que importava estes componentes da Intel, passou a desenvolvê-los ela própria (chamam-se Shen Wei). Os EUA são, em parte, responsáveis pela mudança. No ano passado, eles proibiram a venda de microprocessadores superpotentes a Pequim, temerosos de que fossem usados no desenvolvimento de armas nucleares e de tecnologias muito avançadas. A resposta veio rápido.

No texto do New York Times, o jornalista John Markoff adverte: “os supercomputadores são vitais para pesquisas em áreas estratégicas, da criação de novas armas e remédios ao design de produtos de consumo. Especialistas em computação e executivos norte-americanos advertiram por anos de que a liderança neste terreno é vital para muitos temas de interesse nacional”

(fonte: http://outraspalavras.net/blog/2016/06/21/china-potencia-cientifica/)

EUA querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira



Martín Granovsky - Página/12
 
– Existe algum padrão comum que relacione a política adotada por Macri e o golpe no Brasil?

– Sim. Há muito tempo que os Estados Unidos buscavam uma mudança de regime na Argentina e no Brasil, dois países que frustraram a conformação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) em 2005. Tentaram fazê-lo pela via eleitoral, e alcançaram esse objetivo na Argentina, com a vitória de Mauricio Macri. No Brasil não. Dilma Rousseff venceu o candidato neoliberal Aécio Neves, ainda que por uma pequena diferença de votos. Mas a crise econômica, a recessão agravada pelos erros políticos da presidenta Dilma Rousseff, a queda em sua popularidade, as denúncias de corrupção na Petrobras, entre outros fatores, criaram o clima para que a oposição pudesse promover o processo de impeachment, que ainda deve ser confirmado no Senado. Entretanto, o governo do presidente interino Michel Temer vem atuando, desde a primeira hora, como governo definitivo, e se passou a impulsar uma política para atender aos interesses de Washington e Wall Street.

– Você estudou com detalhes a relação entre os Estados Unidos e o Brasil. Há indícios ou provas de uma participação dos Estados Unidos no golpe de Michel Temer?

– Os indícios são muitos. Tanto o juiz Sérgio Moro, que lidera a Operação Lava Jato, como o procurador-geral da República Rodrigo Janot mantêm contato constante com organismos estadunidenses. Janot esteve em reuniões com o Departamento de Justiça, o FBI e funcionários da Securities and Exchange Comission (SEC), buscando informações sobre a Petrobras. Moro realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007. No ano seguinte, ele passou um mês num programa especial de treinamento, na Escola de Direito de Harvard, acompanhado por sua colega Gisele Lemk. Em outubro de 2009, Moro participou de uma conferência regional sobre “Illicit Financial Crimes” promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos. Mas não há pista mais evidente de suas conexões que o fato dele ter sido eleito um dos dez homens mais influentes do mundo pela revista Time, em 2015. Além da Operação Lava Jato, Moro teve e tem como alvo companhias como a Petrobras e a Odebrecht, que trabalha na construção do submarino nuclear com tecnologia francesa.

– A construção de um submarino nuclear junto com a França influiu na relação entre o Brasil e os Estados Unidos?

– É uma iniciativa (a construção do submarino nuclear) não convém aos Estados Unidos de nenhum modo, e por isso eles mantêm a 4ª Frota navegando no Atlântico Sul, próximo às reservas de petróleo que estão sob a camada do Pré-sal, o conjunto de formações rochosas localizadas na zona marítima de grande parte do litoral da América do Sul. Principalmente em território do Brasil. Se trata de uma faixa com grande potencial de geração e acumulação de petróleo.

– Também na Argentina?

– As reservas petrolíferas da companhia inglesa Lockhopper’s North Falkland até maio de 2016 se duplicaram, chegando a mais de 300 milhões de barris. As estimativas às que eu tive acesso indicam que o potencial na zona é de quase um bilhão de barris. Outras duas companhias inglesas estavam por operar nos jazimentos petrolíferos das Malvinas. A vitória de Mauricio Macri aumentou o apetite dos investimentos dos Estados Unidos na região. Este é, possivelmente, um dos fatores que levam os Estados Unidos a estabelecer negociações para a implantação de uma base militar em Ushuaia, e na Patagônia, mais próximas da Antártida, além de outra na Tríplice Fronteira, onde está parte do Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000 km². O manancial transfronteiriço abarca territórios no Brasil (840.000 Km²), Paraguai (72.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (225.000 Km²).

– Mas as bases não estão pronta, ou estão?

– As bases ainda não existem, mas tenho informação de que estão sendo negociadas com Macri. É um velho desejo dos Estados Unidos, e agora aproveitam a situação política favorável. As bases têm uma tipologia comum. Se chamam quase-bases, módulos que podem servir em caso de emergência. No Paraguai, começaram com a construção de uma grande pista no aeroporto de Mariscal Estigarribia. Essa quase-base foi iniciada em 1980, com a construção de módulos para alojamento de 16 mil soldados, que depois foi ampliada, com uma nova pista do aeroporto, radares e hangares. Logo, as atividades foram freadas, em grande medida devido a pressões do Brasil, e assim não se viu nenhum contingente militar estacionando por lá, embora já houvesse a garantia legal de imunidade aos soldados estadunidense, aprovada pelo Senado do Paraguai em 2005.

– Que tipo de vínculos os Estados Unidos mantêm com as Forças Armadas do Brasil, e com que profundidade?

– As Forças Armadas do Brasil mantêm relações cordiais e de colaboração, em diversos setores, com as Forças Armadas dos Estados Unidos. Mas há desconfiança. Desde a guerra das Malvinas, em 1982, a primeira hipótese de guerra em estudo por parte do Estado Maior das Forças Armadas do Brasil é a de um conflito com uma potência tecnologicamente superior, por exemplo com os Estados Unidos, na Amazônia. E os altos mandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são conscientes de que os Estados Unidos não querem o desenvolvimento do Brasil como potência militar, com um papel internacional relevante. Por isso, o Pentágono insiste em que a tarefa das Forças Armadas brasileiras sejam somente a de polícia interna. Nossos militares não a aceitam. As contradições são muitas. E as condições no Brasil e no mundo não são as mesmas de 1964, ano do golpe militar. O último ministro de Defesa de Dilma, Aldo Rebelo, era do Partido Comunista do Brasil. Não houve nenhum problema.

– Existe um desenho continental dos Estados Unidos voltado para a América do Sul?

– Existe um desenho geopolítico e estratégico criado por Washington, que consiste na instalação de uma base em Ushuaia e outra na Tríplice Fronteira, como já comentei. Seu objetivo é recuperar e aumentar a presença militar na América do Sul, que parece ter se reduzido desde a perda da base de Manta, no Equador, e desde que a Justiça da Colômbia considerou inconstitucional a instalação de sete bases no país. Bases reconhecidas como tais existem em El Salvador (Comalpa), Cuba (Guantánamo), Aruba, Curaçau e Porto Rico. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos mantêm na América Latina algumas bases informais e legalmente ambíguas. O Pentágono as chama quase- bases, para evitar tanto o escrutínio do Congresso quanto a reação interna dos países. As quase-bases estão no Peru, Honduras, Costa Rica, Panamá, Equador e Colômbia, entre outros países ao largo do litoral do Pacífico. As quase-bases na Antártida e na Tríplice Fronteira representam uma ameaça à soberania de Argentina e à segurança do Brasil. O presidente Lula rejeitou o acordo para que os Estados Unidos tivessem bases de lançamentos de foguetes em Alcântara, no norte da Amazônia.

– Como são articulados o poder do dólar, o poder militar, o do comércio e o soft power da cultura, o consumo ou as séries?

– Os Estados Unidos usam pressões comerciais, manobram o mercado mundial, e emitem sanções econômicas, enquanto os meios de comunicação hegemônicos difundem a propaganda, se tornando instrumentos de operações de guerra psicológica.

– Você mencionou a USAID, a agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional. O presidente Evo Morales a expulsou da Bolívia.

– O peso da USAID é muito variável, depende do país em questão. A Bolívia foi o segundo país, depois da Rússia, a expulsar a USAID, e o fez porque ela tinha um papel central no estímulo à oposição. O presidente do Equador, Rafael Correa, ameaçou fazer o mesmo. A USAID realiza um trabalho profundo de cooptação de jornalistas, financiamento à instalação de meios de comunicação e redes sociais contra o governo dos países onde atua, entre outras coisas.

– Os Estados Unidos tomaram alguma determinação específica sobre a América do Sul ou aproveitaram a debilidade dos regimes populares ou progressistas?

– Parece que os Estados Unidos agora voltaram sua atenção para a América do Sul, que não estava nas prioridades de sua política exterior até há pouco tempo. Mas sua perspectiva é incerta, devido à possibilidade de vitória de Donald Trump nas eleições de novembro. Igualmente, com ou sem ele na Casa Branca, tampouco é segura a aprovação, por parte do Congresso, dos tratados de livre comércio já assinados pelo presidente Barack Obama.

– Existe alguma novidade geopolítica no mundo?

– Nenhuma recente. O impasse entre os Estados Unidos e a Rússia continua, está presente no conflito da Ucrânia e na guerra da Síria, por exemplo. Enquanto isso, a OTAN se move nas proximidades das fronteiras da Rússia. Há uma guerra híbrida ente as grandes potências – Estados Unidos, Rússia e China –, mas não creio que possa ocorrer uma confrontação militar direta. Alemanha, França e alguns outros países europeus não desejam uma guerra no continente. Por outro lado, os movimentos da OTAN, alegando a ameaça da Rússia à Polônia e aos países bálticos, passam a ser um grande pretexto para alimentar uma indústria bélica a qual sustenta milhares de empregos nos Estados Unidos.

– Qual é o papel que a Rússia e a China exercem hoje na América do Sul?

– O rol da Rússia não é muito relevante. Está envolvida em problemas maiores na Ucrânia e na Síria. A Venezuela, desde os últimos anos do governo do ex-presidente Hugo Chávez, tentou uma aproximação com a Rússia, mas não havia nenhuma possibilidade de convencer Moscou a intervir na América do Sul. Com relação à China, a situação é diferente. É um país que tem mercado e possui enormes recursos financeiros para investir. Mais que os Estados Unidos. Seu papel é cada vez mais relevante. A China é o maior sócio comercial e o principal investidor de capital no Brasil, com cifras previstas superiores aos 54 bilhões de dólares, e o segundo maior sócio comercial da Argentina, depois do Brasil.

– Analisando o golpe no Brasil, vemos que Eduardo Cunha foi o cabeça de uma conspiração?

– Cunha foi apenas um instrumento, serviu para apresentar e impulsar mais rapidamente o pedido de impeachment. Ele é um corrupto, já está bastante desmoralizado, e logo será descartado, expulso do Congresso e possivelmente preso. O governo de Temer é fraco. Carece de legitimidade e apoio popular. É um governo totalmente podre, corrupto. E serve aos interesses antinacionais.

– Se Cunha foi somente um instrumento, de onde veio o plano?

– No Brasil, houve, e continua havendo, uma aguda luta de classes, fomentada principalmente com recursos financeiros que chegaram não somente das organizações empresariais de São Paulo e de outras fontes do país, mas também do exterior, por meio de ONGs, financiadas direta ou indiretamente com recursos de grandes capitalistas como George Soros, os irmãos David e Charles Koch, entre outros. Os irmãos Koch são a base do Tea Party. Quem também financia essas ONGs são milionários como Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e Burger King, e sócios de Verônica Allende Serra, filha do atual chanceler do governo interino, José Serra, dona da sorveteria Diletto. Não se pode deixar de considerar o eventual rol das organizações vinculadas ao governo dos Estados Unidos, entre as quais cito a National Endowment for Democracy (NED) e a USAID.

– Quais fatores aceleraram o ataque contra o governo de Dilma Rousseff?

– No Brasil, existe uma poderosa facção empresarial, que se uniu ao setor da classe média que sempre odiou as políticas de Lula, que foram mantidas por Dilma. Agreguemos o fato de que Washington nunca gostou da política exterior que o Brasil desenvolveu a partir de 2003. A esperança de Washington em 2014, com Aécio Neves, era a de influir para mudar o rumo do país, com a volta ao poder do PSDB, que havia sido um fiel aliado estadunidense durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso. Mas era visível, antes das eleições de 2014, que Dilma Rousseff seria eleita. Por isso, a campanha contra ela começou já em 2013, com as manifestações de junho em São Paulo, Brasília e outras cidades, e as vaias durante a Copa del Mundo, uma estratégia baseada no manual do professor Gene Sharp, “Da Ditadura à Democracia”, para o treinamento de agitadores e ativistas, com cursos em universidades norte-americanas e nas embaixadas dos Estados Unidos. Os grandes meios de comunicação, pertencentes à oligarquia, atuaram com força decisiva para a derrubada da presidenta, em estreita aliança com o juiz Moro e o procurador Janot, que a nutriam com informações capciosas, escolhidas para servir de ataque contra o PT e o ex-presidente Lula.

– Que elementos foram decisivos para a queda na popularidade de Dilma?

– Não foi apenas devido à campanha da imprensa, mas também pelos erros da política econômica que ela implementou quando imaginava que poderia conter a oposição do empresariado. Nos protestos realizados recentemente, cujo pretexto era combater a corrupção, participaram sobretudo brancos e ricos, gente das classes média e média alta. Hoje, está claro que os mais corruptos são os que assumiram o governo com Temer, cujo programa é, sobretudo, a privatização das empresas estatais e a supressão ou redução dos benefícios sociais, a reinstalação do princípio da austeridade. Mas foram muitos os fatores que levaram Washington a trabalhar com as classes média e altas no Brasil, para alimentar a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O Brasil denunciou a espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, por sua sigla em inglês) nas Nações Unidas, quando surgiu a notícia de que as comunicações da presidenta e da Petrobras estavam sendo monitoradas. Dilma chegou a cancelar uma visita de Estado aos Estados Unidos, em sinal de protesto. O Brasil comprou aviões na Suécia, o que representou um duro golpe para a divisão de defesa da Boeing, com a perda de um negócio de 4,5 bilhões de dólares. Também decidiu continuar com o programa de construção do submarino nuclear, e outros convencionais, com transferência de tecnologia francesa para o Brasil. O país não estabeleceu, durante os governos de Lula e Dilma, que compra mais equipamento militar nos Estados Unidos, porque o programa nacional de defesa, formulado e aprovado na gestão Lula, só autoriza esse tipo de contrato se houver transferência de tecnologia para o Brasil, coisa que as leis dos Estados Unidos não permitem. O Brasil é membro fundador do novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, instituído em Xangai. Para completar, é do interesse dos Estados Unidos acabar com o Mercosul, a Unasul e outro órgãos sul-americanos, os quais a Argentina é cofundadora e membro de grande importância.

Tradução: Victor Farinelli
(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/-EUA-querem-bases-em-Ushuaia-e-na-Triplice-Fronteira-/6/36313)

terça-feira, 21 de junho de 2016

Governo Temer não conhece os limites do poder

Texto escrito por José de Souza Castro:

Desde 1991, os Estados Unidos embarcaram numa década de intervencionismo sem precedente. Sua responsabilidade principal era presidir sobre um grande projeto de convergência político-econômica e integração comumente referida como globalização. De fato, porém, globalização serviu como eufemismo para império – suave ou informal – e para a tentativa de instituir uma Pax Americana mundial.

A abordagem preferida foi depender, sempre que possível, da persuasão. Porém, se pressionado, Washington não hesitou no uso da força, como suas numerosas aventuras militares demonstraram durante a década de 1990.

Dito isso, antes que me chamem de petista, comunista ou algo parecido, esclareço: essas palavras não saíram da minha cachola. Elas foram escritas, em inglês, por Andrew J. Bacevich, professor emérito de História e Relações Estrangeiras da Boston University, e publicadas no livro “The Limits of Power – The End of American Exceptionalism”, lançado em 2008 e que não demorou a entrar na lista de best sellers do jornal “The New York Times”.



O autor não é um porra louca esquerdista norte-americano. Com 69 anos hoje, é membro do Council on Foreign Relations. Iniciou a carreira como oficial do Armor Branch, setor do Exército criado em 1940 para controlar as unidades de tanques durante a II Guerra Mundial. Retirou-se do Exército com a patente de coronel.

Feita a apresentação, posso continuar com o que ele escreveu naquele seu livro (ele publicou mais quatro), que estou lendo agora.

Os Estados Unidos, dizia Bacevich, antes mesmo da crise financeira mundial iniciada em 2008 e que veio a ser classificada como a maior desde 1929: “Oscilamos à beira da insolvência, tentando desesperadamente fechar as contas confiando em nossas presumivelmente invencíveis forças armadas. No entanto, aí também, tendo exagerado o nosso poder militar, cortejamos a bancarrota.”

Para sustentar o que parecem querer os norte-americanos desde os primórdios de sua história – liberdade e felicidade em casa – eles precisam olhar para fora de suas fronteiras. A visão atual mudou muito. “Antigamente, americanos viam o império como a antítese da liberdade. Hoje, como ilustrado sobretudo pelos esforços do governo Bush de dominar o Golfo Pérsico, rico em petróleo, o império parece ter-se tornado um pré-requisito da liberdade”, lamenta Bacevich, que vê uma “gradual erosão do nosso poder nacional”.

Segundo ele, o Iraque revelou “a futilidade de contar com o poder militar para sustentar nossos hábitos de desperdício”. E prossegue: “Os americanos precisam reassumir o controle sobre seu próprio destino, acabando com sua condição de dependência e abandonando suas ilusões imperialistas”.

Tudo isso, em tradução livre. Não sei se o livro dele foi publicado em português, não encontrei.

Para o autor, é importante insistir que a liberação de outros países jamais foi o objetivo principal de qualquer ação dos Estados Unidos. Bacevich sustenta que se o seu país teve uma missão, não foi para libertar, mas para expandir-se. Tanto na aquisição de território, quanto na ampliação de seu comércio no Exterior. “A expansão”, diz o autor, “foi obtida por quaisquer meios necessários”. Dependendo das circunstâncias, os EUA recorreram à diplomacia, à dura negociação, à ameaça, à chicana, à intimidação ou à crua coerção. “Invadimos terra pertencente a nossos vizinhos e então, descaradamente, proclamamos que era nossa”.
Também se engajaram na limpeza étnica e não se contiveram pelo fato de que “as políticas internacionais permitem pouco espaço ao altruísmo”. E prossegue Bacevich: “A característica definidora da política externa dos Estados Unidos, frequentemente, se junta ao primo primeiro do pragmatismo, o oportunismo.”
Encerro as citações a Bacevich, sem qualquer esperança de que os atuais governantes brasileiros tomem conhecimento de “The Limits of Power”, pois eles parecem convencidos de que uma aliança sem reservas com os EUA será a salvação do Brasil. Retroagimos aos tempos da ditadura militar, quando o marechal Castelo Branco nomeou outro militar, Juracy Magalhães, como embaixador nos Estados Unidos. Foi nesse cargo que o esperto baiano definiu: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.

Só o tempo dirá o que vai acontecer com o pré-sal… para quem ele será bom.

Eu não estou receando, apesar da advertência do coronel Bacevich, de que os Estados Unidos venham a invadir o Brasil para se apossar do rico território deste país grande e bobo. Para que faria isso? Se eles têm condições de nos dominar pela convicção, com a ajuda valiosa de nossa imprensa. A qual, não é de hoje, vem-nos fazendo a cabeça.

Afinal, para que invadir, se podem comprar na bacia das almas, em momentos de crise que só tende a se agravar, grandes porções de nosso território? Hoje qualquer estrangeiro pode comprar até 10% da área de qualquer município brasileiro e o novo ministro da Agricultura, Blairo Maggi, quer acabar até com essa limitação.

Deu-me vontade de comentar essa notícia, mas limito-me a indicar a análise feita pelo jornalista Fernando Brito em seu blog Tijolaço.

Aproveitando, recomendo também ouvir os dois vídeos disponíveis no Youtube gravados no seminário “Mídia e Crise Brasileira: a cobertura jornalística, a comunicação pública e o olhar da imprensa brasileira”. O primeiro é de Franklin Martins, o ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República no segundo governo Lula (2007-2010). O outro é do jornalista alemão Jens Glüsing, que há 15 anos observa o Brasil como correspondente para a América Latina da revista alemã Der Spiegel.

Os dois conhecem bem os métodos usados pela grande imprensa empresarial brasileira para defender interesses que ela prefere não nomear, pois estão longe de ser os interesses da grande maioria dos brasileiros.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/06/21/governo-temer-limites-poder/#more-12710)

Para compreender os riscos do desmonte do SUS


Além de toda a prevenção, sistema realiza 95% das cirurgias cardíacas, oncológicas e de transplante no país. Desarticulá-lo devastaria Saúde pública, em benefício de interesses mercantis. Mas como salvá-lo?
Por Amélia Cohn, no Brasil Debate

Em pouco mais de três décadas, o SUS mostrou-se não só viável como essencial. É um pilar da garantia dos direitos sociais em contraposição ao mercado. É responsável (até hoje) por 90 a 95% das cirurgias de coração, tratamentos oncológicos e transplantes de órgãos. Realiza um milhão de internações/mês, 3,5 bilhões de atendimentos/ano, e a assistência primária cobre 60% da população com a Estratégia de Saúde da Família.

Quando a população de um município do estado mais pobre do país – Piauí – escolhe um médico cubano da Estratégia de Saúde da Família (ESF) para carregar a tocha olímpica, não é à toa. É a homenagem à vitória de um modelo de assistência à saúde da população que deu certo e que ela reconhece como seu direito. É isso que o mercado (diga-se, seus interesses) não pode suportar. De nada adianta manter um programa afirmando que será reforçada a presença de médicos autóctones na estrutura de atendimento se esses médicos são e continuam sendo formados para o mercado. É falaciosa a argumentação de que os médicos nacionais estão defendendo condições estruturais para sua atuação profissional, por isso não se dispõem a ir prestar serviços nos rincões mais pobres do país, se são esses mesmos médicos que têm interesses estreitos com o setor privado de prestação de serviços, diretos ou indiretos.

Se os avanços são de grande monta na construção do SUS apesar das forças contrárias a ele, os problemas para se dar conta de forma satisfatória da situação de saúde da população brasileira também não são desprezíveis. Isso não significa que o SUS fracassou. Ao contrário, significa que ele é vitorioso, e que os quadros e segmentos da sociedade que o defendem são conscientes dos avanços e aperfeiçoamentos necessários.

Também ficar somente denunciando os avanços gulosos e indiscriminados contra o SUS nesse governo interino e ilegítimo não é suficiente. Porque o desmonte que ele está promovendo não é só material (fixação do financiamento do governo federal, sem levar em conta o crescimento da população e o comportamento da sua curva etária, a presença de novas epidemias, as famigeradas parcerias público/privado, que de público não têm nada, etc), mas é sobretudo o desmonte da essência do SUS, do que o moveu e o segue movendo: o ideário da justiça social, do direito à saúde, da equidade, e do seu caráter civilizatório.
E nesse ponto a presença dos médicos cubanos tem sido uma lição exemplar de como o conteúdo social da implementação do SUS via ESF é importante, não só para mudar o modelo de atenção até então vigente, mas sobretudo para imprimir um outro tipo de relação da sociedade com os serviços públicos: uma relação marcada pelo reconhecimento do outro, pelo respeito ao outro.

A ideologia política dos médicos cubanos não incomoda as elites e os donos do capital na saúde porque ela não se transmite na relação médico/usuário do SUS. O que os incomoda, e é para eles insuportável, é a quebra de um modelo de relação dos profissionais médicos e de saúde marcado pelo desprezo e pela superioridade daqueles sobre os usuários, e isso sim se transmite pela relação que se estabelece entre esses pares: exatamente o que se denomina saúde como direito, com os cidadãos sendo portadores de direitos e, portanto, de respeito. Muito distante do que se vem propondo por exemplo no absurdo de um novo perfil do programa de atenção aos usuários de droga, ou da modificação perversa no modo como se remunerar os serviços públicos municipais, por um padrão de premiação da redução da prestação de serviços, numa versão burra do parâmetro custo/efetividade. Aí o caso do Programa Bolsa Família é exemplar: o novo governo ilegítimo vai premiar municípios que diminuam o número de bolsistas, enquanto os governos anteriores premiavam a qualidade do cadastro.

Nesse assalto à alma do SUS, onde estaria a possibilidade de resistência a esse tsunami? Está na radicalização do que o SUS foi pioneiro em implementar no conjunto das políticas públicas: na sociedade, seja participando dos conselhos de gestão (com o risco de serem dizimados), seja na mobilização popular. E a essas alturas, a saúde, sem dúvida alguma, já foi apropriada pela sociedade (por aqueles que o utilizam diretamente) como um direito. A usurpação desse direito pelos governantes ilegítimos pode e deve ser barrada pela mobilização social, relembrando-se, por exemplo, no início dos anos 70 e 80 da importância dos movimentos populares por saúde.

Num momento de tanta fragmentação social, que se reflete na fragmentação das demandas sociais, a luta pela defesa dos direitos sociais e trabalhistas deve encontrar uma pauta comum, transversal, que permita que se levantem as bandeiras da seguridade social que nortearam a Constituição de 1988. E sem ilusões: na radicalização atual, a luta pelos direitos sociais vai revestir-se do que no fundo é – uma luta de classes, provocada pelos setores mais retrógrados da sociedade, e que uma vez tendo usurpado o poder, estão achando agora que o queijo é pouco!

Mas de um governo que troca Paul Singer por um contador aposentado, ou que outro ministro afirme que o Brasil é um país que “qualquer programinha social onde se distribua bônus disso, bônus daquilo, se ganha eleição”, não se pode esperar a não ser o pior. Saúde não é um bônus, assim como não o é a educação, o trabalho, o Bolsa Família, os direitos trabalhistas e previdenciários. Constituem sim direitos.
Nada mais urgente que colocarmos a banda na rua, e rápido.

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=324731)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Novo alerta sobre as bactérias “invencíveis”

Mutações genéticas podem tornar ineficazes até mesmo os antibióticos de “último recurso”. Por que o uso irresponsável destes medicamentos – inclusive para alimentação do gado – tem de ser proibido sem demora
Por Martin Khor | Tradução: Cauê Ameni


A resistência aos antibióticos – um processo em que eles perdem o efeito, porque as bactérias tornaram-se resistentes – está ganhando nova importância na agenda global, devido à crescente consciência da imensa ameaça que representam à saúde e à sobrevivência humanas. No entanto, ainda não há ações suficientes para enfrentar tal crise, que foi debatida no encontro dos ministros da Saúde na ONU, entre 23 e 28 de maio.
O encontro foi precedido por uma notícia recente e perturbadora. Cientistas descobriram um gene, o MCR-1, que cria resistência à colistina, um poderoso antibiótico usado como último recurso para tratar de infecções quando outros medicamentos não funcionam.
Ainda mais preocupante: o gene tem a característica de ser capaz de mover-se facilmente de uma cepa de bactérias a outras espécies. Isto produz uma ameça: muitas infecções podem tornar-se intratáveis, o que nos aproximaria do pesadelo de uma era sem antibióticos efetivos. A Malásia foi um dos primeiros países em que os cientistas encontraram o gene MCR-1. Por isso, é preciso tomar providências ainda mais sérias, inclusive a possível proibição do uso de colistina na alimentação animal.
O gene foi descoberto durante um estudo realizado na China. Em novembro de 2015, Yi-Yun Liu e seus colegas publicaram um artigo na revista The Lancet Infectious Diseases, em que revelaram ter encontrado o MCR-1 em 166 de 804 suínos em abate que haviam testado; em 78 de 523 amostras de carne de frango e de porco à venda no varejo; e em 16 de 1.322 pacientes hospitalares.
O estudo indica que há uma cadeia na disseminação da resistência. Ela começa a partir do uso de colistina na alimentação animal e propaga-se para os animais abatidos, os alimentos e os seres humanos.
Um dos autores, o professor Jian-Hua Liu, da Universidade de Agricultura do Sul da China, foi citado em matéria no The Guardian. Afirmou que os resultados eram extremamente preocupantes, por revelarem o surgimento do primeiro gene de resistência à polimixina, que é facilmente transmitida entre bactérias comuns, tais como E. coli e K. pneumonia.
Este resultado sugere que “a progressão da resistência extensiva a drogas — que se dá quando uma bactéria é resistente a diversos fármacos — para a resistência generalizada a drogas [pandrug resistence] é inevitável”, acrescentou Liu.
A colistina pertence a uma categoria de antibióticos conhecida como polimixinas. No passado, não eram utilizados largamente, por terem efeitos tóxicos. Mas, agora, são empregados como um último recurso, quando outros antibióticos não funcionam devido a resistência.
“Todos os principais elementos estão agora reunidos, para que um mundo sem antibióticos efetivos torne-se uma realidade”, disse outro co-autor do estudo, o professor Timonthy Walsh da Universidade de Cardiff, ao site da BBC News. Ele prossegue: “Se o MCR-1 tornar-se global — o que parece mais uma questão de quando que de se — e se o gene se alinhar com outros genes de resistência a antibióticos, o que será inevitável, teremos atingido, provavelmente, o início da era sem antibióticos. Neste ponto, se um paciente estiver gravemente doente — digamos que com E. coli –, não haverá nada que se possa fazer”.
Suspeita-se que a principal razão para o surgimento e a propagação do gene seja o descomedido uso de colistina para alimentar o gado e induzir seu crescimento. De acordo com o artigo de Liu e seus colegas, grande parte do uso mundial anual do antibiótico na alimentação animal — cerca de 12 mil toneladas — está concentrado na China.
O documento menciona que, além da China, o gene MCR-1 também foi encontrado na Malásia e Dinamarca. Cientistas malasianos chegaram ao sequenciamento do DNA da bactéria em dezembro de 2014, utilizando genes que parecem ao MCR-1. A possibilidade de que o E. coli com o gene MCR-1 tenha se espalhado pelo Sudeste Asiático é “profundamente preocupante”, disseram os autores.
Depois que o documento foi publicado, novas informações revelaram que o gene MCR-1 foi encontrado em amostras de bactérias em muitos outros países: Tailândia, Laos, Brasil, Egito, Itália, Espanha, Inglaterra, País de Gales, Holanda, Argélia, Portugal e Canadá.
O aspecto mais assustador sobre o MCR-1 é a facilidade com que pode propagar sua resistência a outras espécies de bactérias por meio de um processo conhecido como transferência horizontal de genes.
Alguns anos atrás, houve um susto semelhante sobre NDM-1, um gene capaz de saltar de uma bactéria para outras espécies, tornando-as altamente resistentes a todas as drogas conhecidas — exceto duas, entre elas colistina.
Se o MCR-1 resistente a colistina se combinasse com a NDM-1, a bactéria com os genes combinados seria resistente a quase todos os fármacos.
Em 2010, foram encontrados apenas dois tipos de bactérias com o gene NDM-1 – E. coli e Klebsiella pneumonia. Após alguns anos, o NDM-1 foi encontrado em mais de vinte espécies diferentes de bactéria.
A descoberta do NDM-1 e agora do MCR-1 acende o alerta vermelho para a tarefa de enfrentar a resistência anti-microbial.
Em 2012, a diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, Margaret Chan, alertou que todos os antibióticos já desenvolvidos estavam em risco de se tornarem inúteis. “Uma era sem antibióticos significa um ponto final na medicina moderna como a conhecemos. Doenças comuns como faringite estreptocócica ou um ferimento profundo no joelho de uma criança poderiam matar novamente”.
Uma ação imediatamente necessária a ser tomada é proibir o uso de colistina na alimentação do gado. A conceituada revista Lancet publicou um comentário em fevereiro de 2016, segundo o qual é preciso exigir das autoridades políticas a restrição ao uso de polimixinas (incluindo a colistina) na pecuária — ou estaremos diante de um número cada vez maior pacientes aos quais será preciso dizer: “Desculpe, mas não há nada que eu possa fazer para curar sua infecção”.
Outros antibióticos que são usados pelos seres humanos também deveriam ser proibidos ou rigidamente restritos para a pecuária, especialmente se são usados como indutores de crescimento.
Um Plano de Ação Global contra o risco do colapso dos antibióticos deve incluir cinco objetivos: usar medicamentos apropriados na saúde humana e animal; reduzir as infecções por meio de medidas de saneamento, higiene e prevenção; reforçar a vigilância e estimular as pesquisas; educar o público tão bem quanto os médicos, veterinários e fazendeiros, sobre o uso adequado de antibióticos; e aumentar o investimento no desenvolvimento da novos remédios, ferramentas de diagnósticos e vacinas.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/novo-alerta-sobre-as-bacterias-invenciveis/)

Massacre de Orlando: o mundo avançou, mas continua maluco

Texto escrito por José de Souza Castro:

O mundo em geral e o Brasil em particular avançaram muito desde 1973 em muitos aspectos, apesar de recuos recentes, como mostramos aqui, ou não tão recentes, como os longos anos da última ditadura militar que alguns malucos ou mal informados gostariam de ter de volta em nosso país.
O avanço que mais se destaca, no momento, foi provocado pela última tragédia norte-americana, na madrugada de domingo passado, quando um atirador matou 49 pessoas em Orlando, na Flórida, dentro uma boate gay, a Pulse.
Em tempo: o avanço não é o massacre, mas a reação do mundo a ele. Tão ágil quanto o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o presidente brasileiro em exercício, Michel Temer, no próprio domingo, se manifestou deste modo: “Quero lamentar enormemente a tragédia nos Estados Unidos que vitimou dezenas de norte-americanos. Expresso a solidariedade brasileira às famílias das vítimas desse atentado”. Ele não fez qualquer referência à preferência sexual das vítimas.
Bem diferente do que se viu, em 1973, quando o UpStairs Lounge, bar frequentado por gays, foi atacado por um incendiário em New Orleans, e os políticos e as próprias famílias das vítimas preferiram se calar a respeito.
É o que lembra Liam Stack, do “New York Times”, em artigo publicado na terça-feira e republicado no dia seguinte pela “Folha de S.Paulo”, traduzido por Clara Allain.
Nessa tragédia quase esquecida, não morreram tantas pessoas. Mas quando bombeiros extinguiram o incêndio, encontraram uma pilha de corpos carbonizados. Algumas das pessoas estavam abraçadas. Outras, pressionadas contra as janelas, entre elas o pastor Bill Larson, da igreja Metropolitan Community, que apoiava a comunidade LGBT e acompanhava um grupo de fiéis no UpStairs Lounge, depois do serviço religioso.
A mãe do pastor se recusou a buscar as cinzas dele, “porque ficou envergonhada demais por ter um filho gay”, disse Robert L. Camina, o diretor de um documentário sobre o incêndio. Segundo ele, esse foi apenas um exemplo: “Três outras pessoas nunca chegaram a ser identificadas. Por quê? Alguém deve ter dado pela falta delas.” Conforme o documentarista, o pastor foi um dos muitos que morreram no lugar sem nunca terem revelado sua homossexualidade às famílias.
Não se falava, então, em orgulho gay. As vítimas, abandonadas pelas famílias, foram sepultadas dentro de um saco em túmulos não identificados, num cemitério de indigentes. O prefeito de New Orleans, Moon Landrieu, não cancelou suas férias por causa da tragédia. Quarenta anos mais tarde, a situação era outra: um filho dele, Mitch Landrieu, declarou um dia de luto público pelas vítimas do incêndio no aniversário da matança. A reportagem do “The New York Times” pode ser lida AQUI  ou na tradução AQUI.
O prefeito Mitch sabia, em 2013, que tratar com o respeito devido aos gays rende votos. Como sabem os senadores brasileiros que aprovaram na terça-feira um voto de solidariedade ao povo norte-americano e à comunidade LGBT pelo atentado ocorrido na boate gay em Orlando.
A tragédia em Orlando tem consequências. Uma delas, o reforço ao ataque contra o Estado Islâmico (EI) por causa da perseguição aos gays. Diz a BBC Brasil que, “apenas entre janeiro e julho de 2015, o EI diz ter matado 23 gays em áreas controladas pelo grupo na Síria e no Iraque. Mas ativistas dizem que o número pode ser mais alto.”
Ao longo da história, os gays quase sempre foram perseguidos por motivos religiosos e morais. E muitos ainda os tratam como caso de polícia ou médico/psiquiatra. Não por acaso, em abril do ano passado, um deputado federal, o pastor Marco Feliciano, da Assembleia de Deus, que se diz ex-gay, começou uma campanha em favor da chamada “cura gay”.
Felizmente, aos poucos isso vai caindo no ridículo. Se tivesse nascido hoje e não em 1854, o autor de “O Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde, não seria condenado a dois anos de prisão com trabalho forçado por sua homossexualidade.

Outra possível consequência do massacre de Orlando seria o acirramento do debate, nos Estados Unidos, sobre a venda de armas. A primeira reação, porém, é desanimadora: “O balcão da loja de armas Oak Ridge, em Orlando, na Flórida, estava cheio na manhã desta terça”, constatou o enviado especial da “Folha de S.Paulo”, Marcelo Ninio.
Ou seja, o mundo avançou muito desde 1973, mas continua maluco.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/06/16/massacre-orlando/#more-12684)

sábado, 18 de junho de 2016

EUA: o ódio que o FBI não enxerga

Estado vigia obsessivamente os muçulmanos. Mas faz vistas grossas a centenas de grupos que pregam ou praticam violência contra minorias. Por isso, Mateen, que matou 49, pôde agir com liberdade

Por Reginaldo Nasser

Dias após a tragédia em Orlando, continuam as investigações policiais na esperança de que possa surgir algum detalhe esclarecedor sobre os motivos que levaram Omar Mateen a cometer massacre na boate LGBT. Sabe-se que Mateen esteve sob vigilância do FBI, em 2013, por ter feito comentários “suspeitos”, após ser “ridicularizado” por sua origem muçulmana. De acordo com as autoridades do FBI, Mateen manifestou simpatia em relação a grupos terroristas, mas a suspeita foi descartada depois que o FBI concluiu que não representava uma ameaça, já que não havia nenhum laço concreto com grupos islâmicos.

Creio que essa ação do FBI é muito significativa. Colocou alguém na lista de suspeitos de ligação com o terrorismo, por ser um islâmico que se manifestou de “forma radical”, mas concluiu que não era ameaça por não ter relação com grupos terroristas islâmicos no exterior. Provavelmente o FBI nem registrou o caso de Mateen que, como milhares de pessoas, manifestam de alguma forma o ódio contra grupos LGBT, nem muito menos seu histórico de violência contra sua ex-mulher. Para o FBI, isso não se constituiu uma ameaça à sociedade!

Nos últimos anos, o governo dos EUA destinou milhões de dólares para programas de combate ao que considera “extremismo violento”, cujo objetivo é identificar e/ou impedir indivíduos que são propensos a cometer violência. Estes programas têm sido severamente criticados por especialistas, na medida em que enfatizam ideologias e crenças, e não incorporam outros indicadores como o comportamento em relação a parceiros íntimos e familiares (ver artigo do The Intercept Was Orlando shooters domestic violence history a missed warning sign?).

Pesquisa realizada pela organização Everytown for Gun Safety, em 2015, constatou que mais de 25% de todos os massacres ocorridos nos últimos seis anos, foram perpetrados por indivíduos com algum histórico de violência doméstica.

Essas questões obrigam-nos a olhar com mais atenção para o conceito de violência. Para o pensador norueguês Joan Galtung, a violência visível (física) é apenas a ponta do iceberg, pois esta intimamente relacionada a situações de violência estrutural e/ou justificadas pela violência cultural. A violência estrutural se refere àquelas situações em que se produz algum tipo de restrição na satisfação das necessidades humanas básicas (bem estar social e econômico, identidade ou liberdade) como resultado de processos de estratificação social. Ocorre sempre que há conflito entre dois ou mais grupos sociais (gênero, etnia, classe, nacionalidade) em que o acesso ou possibilidade de uso dos recursos resulta favoravelmente a alguma das partes em detrimentos dos demais. Já a violência cultural se expressa por meios simbólicos (religião, ideologia, linguagem, arte, ciência, mídia, educação, etc.), e tem como função legitimar a violência direta e/ou estrutural, e oferece justificativas para que os seres humanos, além de se destruírem mutuamente, ainda sejam recompensados por isso (racismo, sexismo, xenofobia etc).

Vejamos, por exemplo, como tem se manifestado a violência cultural nos EUA. A organização Southern Poverty Law Center (SPLC) monitora, desde 1981, o que considera como grupos de ódio nos EUA — isso é, aqueles que “… têm crenças ou práticas que atacam ou difamam um grupo de pessoas, devido às suas características. Suas atividades incluem marchas, comícios, discursos, reuniões, panfletagem ou publicação”. Ou seja, agem estritamente dentro da lei, pois exercem direitos protegidos pela primeira Emenda da Constituição dos EUA (“o Congresso não fará nenhuma lei a respeito do estabelecimento de uma religião, ou proibindo o livre exercício dela; ou cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do povo se reunir pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de injustiças”).

De acordo com pesquisa realizada pelo SPLC, em 2015, são 982 os grupos de ódio ativos nos EUA, não incluindo aqueles que estão apenas no ciberespaço. Trata-se de grupos extremamente diversificados como Ku Klux Klan, White Nationalist, Racist Skinhead, Christian Identity, Neo-Confederate, Black Separatist end General Hate. Para além de suas particularidades, todos esses grupos manifestam, de alguma forma, ideologias de ódio, incluindo as subcategorias anti-LGBT, anti-imigrantes, islamofobicos, negação do Holocausto e outros. Trata-se, sem duvida nenhuma, de um ambiente social com níveis exacerbados de violência cultural.

É provável que ainda sejam adicionadas novas informações sobre as possíveis motivações do massacre, mas um fato é incontestável e não precisa esperar pelos resultados de uma investigação completa: trata-se do maior massacre na história dos EUA que teve como alvo a comunidade LGBT.

Apesar disso, políticos do Partido Republicano, em sua grande maioria, têm se recusado a mencionar a comunidade LGBT pelo nome. Trata-se de um ensurdecedor silencio de cumplicidade com o ódio que viceja nessa sociedade e que conta com a proteção de uma constituição que é alardeada no mundo inteiro como a mais democrática do mundo. Se é isso então devemos concluir que há algo de podre no reino da democracia.

(fonte: http://www.outraspalavras.net/reginaldonasser/2016/06/16/eua-o-odio-que-o-fbi-nao-enxerga/)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Não se blinda Aécio Neves como antigamente

Texto escrito por José de Souza Castro:

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) está às voltas com delações premiadas há algum tempo. O destaque dado pela imprensa à citação de seu nome pelo ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), em março deste ano, e agora pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, indicado para o cargo pelo PMDB, não é proporcional à importância do ex-governador e senador de Minas, candidato tucano à presidência da República em 2014 e atual presidente do seu partido.
Por causa desse quase descaso, a imprensa tem sido acusada de blindar Aécio Neves. Se verdadeira a suspeita, está ficando cada vez mais difícil manter a blindagem.
Não era assim em 2010, quando chegou à Procuradoria Geral da República um inquérito contra Aécio Neves, acusado de ter conta no paraíso fiscal de Liechtenstein em nome de uma offshore. Passaram-se cinco anos e, em dezembro último, a denúncia dormia numa gaveta da PGR, sem que tão prolongado sono causasse estranheza a ninguém.
Dinheiro de político em offshore só começou a preocupar o atual Procurador Geral da República quando se viu obrigado a apresentar ao Supremo Tribunal Federal denúncia contra Eduardo Cunha. Nesse momento, Rodrigo Janot já admitia que o uso de offshores visa esconder a verdadeira identidade dos titulares da conta, mantida, possivelmente, por dinheiro de procedência duvidosa.

Não é justo dizer que a imprensa sempre blindou o neto de Tancredo Neves. O caso do aeroporto de Cláudio, construído em terras desapropriadas pelo governo de Minas que pagou generosamente a um tio de Aécio e cuja chave era mantida em mãos de parente, foi divulgado – e não só pelos blogs “sujos”, como são chamados os que não rezam pela mesma cartilha da grande imprensa empresarial brasileira que faz oposição ao PT, a Lula e a Dilma.
Uma imprensa que teve inegável sucesso ao promover o impeachment da presidente Dilma Rousseff, depois de impedir que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o Ministério da Casa Civil, ajudada por um providencial vazamento de telefonema entre os dois, autorizado – o vazamento, não a escuta telefônica da Polícia Federal, no momento em que ela foi realizada – pelo juiz Sérgio Moro, da Lava Jato.
Vazamento recebido com euforia pela imprensa e pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que se apressou a conceder liminar suspendendo a posse de Lula no ministério. Alegava-se que a nomeação era uma tentativa de blindar Lula, retirando-o da alçada de Sérgio Moro.

Estávamos em meados de março deste ano. Aécio foi um dos muitos que se aproveitaram desse vazamento, para reforçar sua oposição à adversária vitoriosa no segundo turno das eleições de 2014. Nessa reportagem de um jornal do Grupo Globo, o que mais se destaca na imprensa como oposição a Dilma, o presidente nacional do PSDB declarou, no dia 15 de março, que a presidente Dilma Rousseff “abdicou” de forma definitiva ao seu mandato, ao nomear o ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil. Em nota, Aécio classificou de “absolutamente condenável” a nomeação de Lula e disse que isso, na área econômica, pode levar ao “populismo e à irresponsabilidade fiscal”.
O que nunca deve ter passado pela cabeça de Aécio é que outro vazamento lhe traria tanto constrangimento – e aos seus muitos amigos jornalistas. Refiro-me ao vazamento do depoimento de Sérgio Machado à Lava Jato, em troca de redução da própria pena.
Agora, todos correm a dizer o correto: as declarações de investigados na operação Lava Jato (que ultrapassaram em muito o âmbito das roubalheiras praticadas por petistas) não se constituem em verdade por si só. Elas devem ser investigadas e confirmadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público antes que sejam usadas para a condenação dos suspeitos. Pela Justiça e pela opinião pública.

O uso do cachimbo, porém, faz a boca torta. E a divulgação do depoimento de Sérgio Machado, mesmo sem a tal investigação e confirmação, provocou ontem mais uma baixa no governo Temer: a do ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, acusado pelo ex-presidente da Transpetro, em delação premiada divulgada nesta quarta-feira, dia 15. Sérgio Machado afirmou que repassou ao ministro R$ 1,55 milhão em propina, entre 2008 e 2014.
Encerro transcrevendo trecho de um artigo de Glenn Greenwald, jornalista respeitado internacionalmente, em seu blog (Intercept):
“Mas os efeitos da notícia bombástica de ontem foram muito além de Temer, envolvendo inúmeros outros políticos que estiveram liderando a luta pelo impeachment contra Dilma. Talvez o mais significante seja Aécio Neves, o candidato de centro-direita do PSDB derrotado por Dilma em 2014 e quem, como Senador, é um dos líderes entre os defensores do impeachment. Machado alegou que Aécio – que também já havia estado envolvido em escândalos de corrupção – recebeu e controlou R$ 1 milhão em doações ilegais de campanha. Descrever Aécio como figura central para a visão política dos manifestantes é subestimar sua importância. Por cerca de um ano, eles popularizaram a frase “Não é minha culpa: eu votei no Aécio”; chegaram a fazer camisetas e adesivos que orgulhosamente proclamavam isso:

Evidências de corrupção generalizada entre a classe política brasileira – não só no PT mas muito além dele – continuam a surgir, agora envolvendo aqueles que antidemocraticamente tomaram o poder em nome do combate a ela. Mas desde o impeachment de Dilma, o movimento de protestos desapareceu. Por alguma razão, o pessoal do “Vem Pra Rua” não está mais nas ruas exigindo o impeachment de Temer, ou a remoção de Aécio, ou a prisão de Jucá. Porque será? Para onde eles foram?”
Pois é, para onde foram? Não sou só eu que me pergunto isso:
Charge do Duke
Charge do Duke

(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/06/17/nao-se-blinda-aecio-neves/#more-12690)

Momento humor... sim, ainda é possivel!

fonte: http://www.viomundo.com.br/humor/benett-espera-so.html


 fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/06/republica-de-temer-e-guerra-mundial.html

fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/06/quem-nao-cabe-no-orcamento-do-brasil.html

Saída ou beco constitucional?

Palavras de quem entende!

por Wanderley Guilherme dos Santos, em seu blog, 
13 de junho de 2016

À impossibilidade de Dilma Rousseff retomar relações com uma Câmara cuja demencial maioria só faltou chamá-la de rameira, porque de ladra o foi, juntou-se o desastre de Michel Temer e seus larápios confederados, de Roraima ao Rio Grande Sul, sob a coordenação de um escroque do Rio de Janeiro.
O precário ajuntamento de Michel Temer não obterá apoio ativo da sociedade, só repulsa; Dilma Rousseff, se reinstalada, sequer cumprimentará as 367 vossas excelências sem compostura da Câmara dos Deputados, que continuarão a sabotar seu governo.
O nó produzido pela ambição e irresponsabilidade da coalizão do mal, PMDB&PSDB, não é solúvel nos artigos constitucionais vigentes.
Salvo engano, a crise de usurpação só terá fim quando inventarem uma interpretação jeitosa que, embora nua, cubra a ilegalidade do acordo.
Quem conseguirá e como o fará são interrogações que ultrapassam minha imaginação. Só estou seguro de que não há solução constitucionalmente imaculada para tamanho desarranjo político.
Desconheço a extensão da ferida aberta no envelope protetor de nossa democracia e da overdose de insegurança inoculada na população.
Certo é que, contestando futura vitória eleitoral do mais humilde prefeito, há de surgir um Aécio qualquer reivindicando seu impedimento, com a cumplicidade de conivente maioria de vereadores, do judiciário local, e a colaboração do pasquim da cidade.
O acerto de agora não apressará a cicatrização da ferida. Só a continuidade das eleições apagará a suspeita de que o compromisso democrático é um logro.
A ideia em circulação de que Dilma Rousseff convoque plebiscito tem endereço errado. Artigo 49 da Constituição: “é da competência exclusiva do Congresso Nacional, inciso XV: autorizar referendo e convocar plebiscito”.
A esta altura, beira a ingenuidade imaginar esta Câmara e este Senado revogando o que aprovaram ontem.
Espreita as duas Casas a confirmação de que os legisladores não desmoralizaram a presidenta, mas o próprio mandato.
E quanto tempo do governo reinstalado tomará o debate entre os a favor e os contra a convocação?
Sim, embora pouco provável, não é impossível que movimentos de rua alterem a disposição do Congresso.
Mas é ainda obscura a alternativa a ser proposta, além do rumor: convocar ou não nova eleição presidencial?
Se milagrosamente vitoriosa a tese da convocação, o governo trabalharia pela tese de novas eleições, mas, não sendo ”já”, quando seriam?
Não antes de 2017, certamente.
Está aí o Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Gilmar Mendes, para procrastinar a eleição, enquanto se esgoelam as campanhas de três candidaturas, no mínimo, além da de Mariana Silva.
Sendo tolo o governo gastar capital na convocação de novas eleições para perdê-las, ninguém reclame quando administrar a coisa pública, que é bom, ficar para as horas vagas.
Estão abusando da disposição democrática da população.
Longe de exercer advocacia do diabo, pergunto se realmente acreditam que este caminho domará a exasperação direitista, satisfará os inconformados e normalizará a rotina da administração pública. Tenho dúvidas.

(fonte: http://www.viomundo.com.br/politica/wanderley-guilherme-o-desarranjo-politico-produzido-peloa-pmdbpsdb-nao-tem-saida-constitucional-limpa.html)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A República de Weimar, Trump e o desencanto com as democracias



Nós alemães nunca poderemos nos liberar do trauma de nossa história recente. E isso não poderia ser mais atual, tomando em conta o estado do nosso continente e o que acontece do outro lado do Atlântico. Há muitas diferenças entre o que sucedeu aqui nos Anos 30 do século passado e o que sucede agora.

Está claro que presidenciável estadunidense Donald Trump e o líder extremista austríaco Norbert Hofer não são Adolf Hitler.

Apesar disso, a forma na qual a Alemanha enveredou, naqueles anos entre guerras, rumo a um estilo peculiar de autoritarismo, mostra como as democracias liberais podem girar, de repente, na direção de posições totalmente contrárias ao liberalismo.

Deixando de lado o já conhecido debate sobre a ascensão do nazismo como um fenômeno que os alemães já levavam marcado em sua idiossincrasia, é possível identificar quatro fatores que fizeram o país a rechaçar a República de Weimar, a democracia parlamentarista e constitucional posterior ao Tratado de Versalhes e à I Guerra Mundial: crise econômica, perda de confiança nas instituições, uma sensação de humilhação na sociedade e uma série de erros políticos.

De certo modo, tudo isso está presente nas atuais democracias ocidentais.

O colapso da bolsa em 1929, conhecido como Black Friday, produziu uma depressão econômica global. As coisas iam mal nos Estados Unidos, mas na Alemanha estavam pior. A produção industrial caiu pela metade em três anos, a bolsa perdeu dois terços do seu valor, a inflação e o desemprego subiram até as nuvens e o governo de Weimar, que já não contava com a aprovação dos alemães, parecia não oferecer uma alternativa.

Tudo isso sucedeu enquanto os valores e tradições mudavam, fruto da modernização produzida nos Anos 20. As mulheres começaram a trabalhar, a estudar, a votar e a dormir com quem quisessem.

Isso aumentou a brecha cultural entre os trabalhadores e a classe média mais conservadora, e despertou uma vanguarda cosmopolita na política, economia e nas artes, que chegou ao seu ponto máximo no momento do desastre econômico. A população culpou as elites pelo caos provocado, e as massas clamaram por uma mão de ferro que pudesse voltar a impor a ordem.

Há quem acredite que Hitler foi somente um oportunista, que quase ninguém compreendia a ameaça que ele significava. Aliás, muitos políticos de partidos tradicionais reconheceram que era um perigo, mas supostamente não souberam como detê-lo.

Alguns não queriam fazê-lo: os conservadores e a nobreza pensaram que podia ser seu inocente útil e que, como chanceler, estaria limitado pelos ministros mais sensatos. Franz von Papen, um nobre que se ofereceu para ser seu assistente mais direto, chegou a dizer, em tom de deboche: “nós já o contratamos”.

Ao mesmo tempo, nem mesmo o risco iminente de uma ditadura fascista foi capaz de convencer a esquerda da necessidade de unidade. Em vez de buscar a conciliação para defender o interesse nacional, Ernst Thälmann, líder do partido comunista da Alemanha naquela época, chamou os social-democratas de “a ala moderada do fascismo”. Fica claro porque não foi difícil para Hitler unir os amplos setores da sociedade alemã em torno ao seu projeto.

Estamos num momento similar ao da República de Weimar?

A crise econômica de 2008 e a recessão global que ela produziu não foram, nem de perto, tão dolorosas como a depressão daquela época. Porém, suas consequências são sim similares.

O crescimento econômico, no começo deste século, permitiu que estadunidenses e europeus acreditassem de tal forma na fortaleza de suas economias que levou também a uma gigantesca desilusão: a crise dos bancos, a bolha do mercado imobiliário e a ação dos governos deixara milhões de pessoas furiosas, pensavam que as instituições, e sobretudo os políticos que manejaram a situação, os traíram.

Os eleitores se perguntaram porque os governos permitiram que os banqueiros se comportassem como criminosos. Também se perguntaram porque salvaram os bancos em vez de resgatar as fábricas de automóveis. Questionaram o que levou os governantes a aceitar a chegada de milhões de imigrantes. A grande pergunta é se existe uma legislação diferente para a elite, regida por uma cosmovisão hipermoderna e liberal, e que olha para a classe trabalhadora com desdém, desprezando seus valores e qualificando-a como um conglomerado de pessoas sem capacidades.

Nos Estados Unidos e na Europa, a ascensão de movimentos políticos de ruptura é um sintoma de mudança cultural que se enfrenta com a pós-modernidade globalizada – assim como, no período entre guerras, houve um sentimento de rechaço à modernidade.

A acusação mais comum das massas é que a democracia liberal foi longe demais, que se tornou uma ideologia, que só serve para a elite, e os demais pagam o pato. Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (a extrema-direita da França), usa o termo les invisibles et les oubliés (os invisíveis e os esquecidos) para se referir ao cidadão comum de classe média ou baixa.

Claro que não estamos em 1933. Agora, as instituições democráticas são muito mais sólidas e estáveis. Mas o poder da nostalgia não depende da época. Por isso, e apesar das diferenças, vivemos um momento similar nas democracias ocidentais.

É fácil dizer que as pessoas devem aceitar a realidade e se esforçar para conseguir reformas práticas, mas os partidos tradicionais não fizeram nem mesmo isso – ao menos não de uma forma convincente. Preferem o enfrentamento entre si, e isso permite que a ascensão de líderes demagogos seja vista como uma solução e não como um problema.

Trump não é Hitler, mas isso não é o que importa. Hoje, assim como no período entre guerras, vemos que o liberalismo não é capaz de dar respostas aos problemas que a sociedade aponta.

Nem sequer aos que questionam sua própria existência.

* Jochen Bittner é editor do semanário alemão Die Zeit.

Tradução: Victor Farinelli