sábado, 30 de julho de 2016

Pokemon, os espiões agora em sua casa



Como o jogo dos inocentes monstrinhos devassa novo território da intimidade e mapeia os ambientes em que você vive e trabalha. Por que o Google, proprietário, transmite os dados a “anunciantes e agências do governo”
Por Sergey Kolyasnikov, no Diário Liberdade |


Pode falar-me do “Pokemon Go”?
Já dei três entrevistas sobre isso, de modo que agora tenho de me aprofundar nas fontes primárias.
Programador do jogo: Niantic Labs. É uma start-up da Google. Os laços da Google com o Big Brother são bem conhecidos, mas irei um pouco mais fundo.
A Niantic foi fundada por John Hanke, o qual fundou a Keyhole, Inc. – um projecto de mapeamento de superfícies cujos direitos foram comprados pela mesma Google e utilizados para criar o Google-Maps, o Google-Earth e o Google Streets.
E agora, atenção, observe as mãos! A Keyhole, Inc. foi patrocinada por uma empresa de capital de risco chamada In-Q-Tel , que é uma fundação oficialmente da CIA estabelecida em 1999.
As aplicações mencionadas acima resolvem desafios importantes:
Atualização do mapeamento da superfície do planeta, incluindo estradas, bases [militares] e assim por diante. Outrora tais mapas eram considerados estratégicos e confidenciais. Os mapas civis continham erros propositais.
Robôs nos veículos da Google Streets olhavam tudo por toda a parte, mapeando nossas cidades, carros, caras…
Mas havia um problema. Como espiar dentro dos nossos lares, porões, avenidas com árvores, quartéis, gabinetes do governo e assim por diante?
Como resolver isso? O mesmo estabelecimento, Niantic Labs, divulgou um brinquedo genial que se propagou como um vírus, com a mais recente tecnologia da realidade virtual.
Uma vez descarregada a aplicação, e dadas as permissões adequadas (para acessar a câmara, microfone, giroscópio, GPS, dispositivos conectados, incluindo USB, etc), o seu telefone vibra de imediato, informando acerca da presença dos três primeiros pokemons! (Os três primeiros aparecem sempre de imediato e nas proximidades).
O jogo exige que você dispare para todos os lados, atribuindo-lhe prmios pelo êxito e ao mesmo tempo obtendo uma foto da sala onde está localizado, incluindo as coordenadas e o ângulo do telefone.
Parabéns! Acaba de registar imagens do seu apartamento! Preciso explicar mais?
A propósito: ao instalar o jogo você concorda com os termos do mesmo. E não é coisa pouca. A Niantic adverte-o oficialmente: “Nós cooperamos com agências do governo e companhias privadas. Podemos revelar qualquer informação a seu respeito ou dos seus filhos…”. Mas quem é que lê isso?
E há o parágrafo 6: “Nosso programa não permite a opção “Do not track (Não me espie) do seu navegador”. Por outras palavras – eles o espiam e o espiarão.
Assim, além do mapeamento alegre e voluntário de tudo, outras oportunidades divertidas se apresentam.
Por exemplo: se alguém quiser saber o que está sendo feito no edifício, digamos, do Parlamento? Telefones de dúzias de deputados, pessoal da limpeza, jornalistas vibram: “Pikachu está próximo!!!” E cidadãos felizes agarrarão seus smartphones, ativarão câmeras, microfones, GPSs, giroscópios… circulando no lugar, olhando a tela e enviando o vídeo através de ondas online…
Bingo! O mundo mudou outra vez, o mundo está diferente.
Bem vindo a uma nova era.
(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=337143)

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Traumatismo social




Antônio de Paiva Moura

            A palavra trauma vem do grego e significa ferida, lesão corporal. Freud empregou o termo com outro sentido semântico, isto é, ferida na mentalidade, na alma humana. Choque, divergências, confrontos, crimes, terrorismo, guerras, opressão, catástrofes naturais são fatores que provocam traumas na sociedade.
Lacan conceitua trauma como resposta a um evento, ou eventos violentos inesperados ou arrebatadores, que não são inteiramente compreendidos quando acontecem, mas retornam mais tarde, repetidamente em flashback, pesadelos e outros fenômenos de repetição. Freud e Breuer escreveram sobre a histeria traumática, referindo-se a pacientes que teriam vivido experiências de medo, vergonha ou dor psíquica, as quais teriam ocorrido de modo muito particular. As lembranças de tais episódios são uma espécie de corpo estranho na mente do traumatizado, provocando sofrimento.
            Começou recentemente um esforço epistemológico para tratar o trauma além das áreas e conceitos psicanalíticos, iniciados com Freud no começo do século XX. O trauma é social quando, de forma específica, atinge toda uma parte da sociedade, uma espécie de “arrastão global”. Um medo generalizado, um choque de proporção nacional ou mundial. O trauma, como uma forma de inconsciente coletivo, faz parte da cultura, sendo um traço marcante de nossa época. Para Freud, os traumas são transfigurados ao longo da história sobre a forma de mitos e de outras narrativas.  Conforme Selingmann-Silva (2015), pensar o trauma como marca do indivíduo moderno significa pensá-lo como um sobrevivente que resiste tanto aos ataques de um mundo externo, como de seu próprio mundo interior, que tem o seu eu constantemente fragmentado, posto em questão e à prova por esses ataques. Essa visão traumática do indivíduo moderno é correlata com uma visão do que seria verdade. O momento contemporâneo é de destruição, genocídios, violência neocolonial, ditaduras sanguinárias, espoliação dos recursos naturais, que fizeram revirar o conceito positivista de verdade. A ordem virou revolta e o progresso virou barbárie.
          Na sociedade do espetáculo, a confusão entre consumir, ser visto e existir faz com que quem não tem dinheiro não é posto na mídia e não obtenha reconhecimento social seja excluído. A exclusão hoje não é apenas econômica, mas acirrada por uma distribuição da economia narcísica, tão injusta quanto a financeira. As instituições culturais voltadas para o humanismo estão sendo ridicularizadas e as que promovem o individualismo como o Big Brother, que de um dia para o outro cria celebridades vazias, que nada contribuem com a formação humanística, são idolatradas. Quem não consegue tornar-se celebridade artificial, torna-se vítima do sentimento de frustração e de fracasso. O desejo de ser celebridade se transforma em ódio mortal. A frustração que vem à tona tem origem naqueles que sofrem preconceito racial; que levaram bofetadas e buscas humilhantes de policiais; que não receberam escolaridade decente. É a manifestação súbita por parte de sujeitos que sofrem um processo gradual de barbárie por longos anos. A passagem do crime pragmático para o crime excessivo é uma explosão de vingança e uma forma de reagir ao circuito social. (BOSCO, 2010). Tanto os criminosos quanto suas vítimas fazem parte da população traumatizada.
             O homem ultrapassou o limite sustentável de presença na terra. Com maior perspectiva de vida e menor mortalidade infantil, em 50 anos a população da Terra pulou de 3,5 bilhões para 7 bilhões de habitantes. Corre-se o risco de virar um problema para todos os seres vivos que habitam os mesmos espaços. Daqui a 30 anos o planeta poderá chegar a oito bilhões de humanos. Esse número tornar-se-á insuportável, porque exigirá crescimento econômico mais acelerado do que o atual, com um enorme sacrifico da natureza. A acumulação de riquezas e a desigualdade social têm aumentado, sustentadas pelo vigor da ideologia neoliberal.
             Sabe-se que a renda pessoal está distribuída de maneira tão desigual no mundo, que os 2% mais ricos da população adulta detém mais da metade das riquezas do planeta. A outra metade das riquezas é dividida com 98% da população adulta, cerca de 5 bilhões de habitantes. Para se incluir entre o 1% de mais ricos do mundo o indivíduo terá que ter em média, um patrimônio de U$ 500 mil dólares, cerca de um milhão e quinhentos reais. Dos 5 bilhões de adultos do mundo, apenas 34 milhões de pessoas têm um patrimônio superior a 1 milhão de reais. A América do Norte que tem apenas 6% da população mundial detêm um terço de toda a riqueza do mundo. Segundo a revista Exame (2012) existiam no Brasil somente 130 mil multimilionários e 65% desse total, (84.500) residiam em São Paulo e Rio de Janeiro.
            A concentração de riquezas em mãos de poucos, em uma região, é um verdadeiro desastre. Começa com o fato consumado do aumento da violência e da degradação do modo de viver a marginalidade. Os mais pobres são os mais atingidos pelas catástrofes naturais provocadas pela ação dos mais ricos sobre a natureza. Pode-se imaginar o quanto serão dolorosas, trágicas e traumáticas as lutas por espaços e por melhores condições de vida.

Referências
BOSCO, Francisco. Celebridade e barbárie. CULT. São Paulo, n. 147, jun. 2010.
SELIGMANN-SILVA, Márcio. A era do Trauma. Revista CULT, São Paulo, n. 205, set. 2015.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Surpresa: indústria alimentícia com pinta de “saudável”

O que Jamie Olivier e Alex Atala, conhecidos por valorizar diversidade alimentar, fazem nos comerciais da Sadia e Seara? As corporações da comida ultraprocessada estarão em busca de novo “nicho”?
Por Juliana Dias e Mónica Chiffoleau

A parceria entre o conhecido chef inglês Jamie Oliver e a marca Sadia gerou questionamentos por todos que defendem a alimentação saudável. Este movimento tem sido considerado uma das grandes tendências alimentares nas últimas décadas, adotado por cozinheiros, pesquisadores, agricultores e comedores em geral que compreendem ter suas escolhas certa influência política, ou seja, a consciência de que, ao escolher um alimento, estão decidindo qual sistema alimentar querem alimentar.
Jamie Olivier é uma das personalidades que lideram o movimento para uma alimentação saudável, convidando a todos a entrar na cozinha. Além dos cardápios, incentiva o consumo de alimentos naturais e orgânicos. Já a Sadia é uma das marcas da Brasil Foods (BRF), uma das maiores companhias de alimentos do planeta e líder global na exportação de proteína animal.
A concorrência entre as empresas por absorver os movimentos do campo alimentar é acirrada. Na mesma semana que a Sadia anuncia a parceria com o Olivier, a Seara lança a campanha com o chef brasileiro Alex Atala, reconhecido internacionalmente como defensor da biodiversidade brasileira. A figura do chef de prestígio traz segurança quanto ao uso e qualidade dos produtos, que vêm sendo fortemente questionados por diferentes grupos da sociedade.
De acordo com Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014 pelo Ministério de Saúde, um dos dez passos para a alimentação saudável é desenvolver, exercitar e partilhar habilidades culinárias, “O enfraquecimento da transmissão de habilidades culinárias entre gerações favorece o consumo de alimentos ultraprocessados”.
O Guia esclarece que alimentos in natura ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, devem ser a base da alimentação. Alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza.
Os alimentos minimamente processados são alimentos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Exemplos incluem grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.
Alimentos ultraprocessados são produtos fabricados com pouco ou nenhum alimento in natura, mas que levam muitos ingredientes industriais, de nomes pouco familiares. Biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerantes e macarrão instantâneo são exemplos desse tipo de alimento.
São considerados “produtos de conveniência”, que vêm em uma caixa, podem permanecer meses numa prateleira, podem ser comidos no caminho e ser servidos sem a necessidade de ligar o fogão, conforme definição de Charles Mortimer, antigo presidente da General Foods. Para que o atributo da conveniência ganhasse cada vez mais adeptos, Mortimer criou um exército de professores de economia doméstica em 1950, pagos pela empresa, e lançou a personagem Betty Crocker com o objetivo de levar ao mercado as virtudes da conveniência. A personagem fictícia foi convidada para os melhores shows de TV, ajudando a construir um novo imaginário da mulher na sociedade americana.
Neste novo ideário, a liberação da cozinha era um elemento fundamental. A justificativa proporcionada pela publicidade afirmava que usar alimentos preparados ou congelados permitia à mulher economizar o tempo necessário para realizar outras tarefas importantes como a de “mãe”, “esposa moderna” e trabalhadora.
Desde os anos 60, algumas mulheres se sentiam culpadas com os produtos de conveniência por já virem prontos. Essa informação foi transmitida para a indústria. A partir desse momento existem versões nas quais quem “prepara” a refeição pode participar incluindo leite, ovos ou algum outro ingrediente. Será esse o convite do chef, nessa campanha de expectativa?
Frente às múltiplas críticas recebidas pela parceria de Jamie Oliver no perfil da Sadia, a empresa tem uma resposta padronizada que diz o seguinte:
“Queremos trazer uma alimentação melhor para o povo brasileiro! E com o mesmo objetivo, o Jamie Oliver se juntou a nós. Iniciamos a nossa parceria há mais de um ano e, desde então, revimos todos os nossos processos, produtos, fábricas e granjas. Fizemos uma linha de alimentos congelados que, graças a uma tecnologia de ultracongelamento, não levam conservantes. A linha de produtos que estamos preparando com o Jamie contará com ingredientes naturais. Também vamos aplicar o projeto #SaberAlimenta para as crianças do nosso país e queremos incentivar o brasileiro a voltar para a cozinha.”
Para quem, como nós, considera que um dos passos para a alimentação saudável tem a ver com o ato de cozinhar, as frases da Sadia “fizemos uma linha de alimentos congelados…” e “… queremos incentivar o brasileiro a voltar para a cozinha” são totalmente contraditórias. Voltar para a cozinha com uma refeição pronta? Isto é o que oferece um produto de conveniência. Infelizmente, muitos consumidores estão prontos para se relacionar com a cozinha desta forma superficial, mediada prioritariamente pela indústria alimentícia.
Justificando sua parceria, Jamie Olivier respondeu:
“Estou errado? Talvez. Mas, para mim, estar dentro dessa máquina, uma empresa que é responsável por 18% do frango no mundo, é algo positivo. E digo que, certamente, eu poderia estar ganhando mais dinheiro fazendo outra coisa. É claro, estou entrando num ambiente estranho, até incestuoso, complicado. Mas em um ano vamos conversar e eu vou te mostrar o resultado do que fiz.”
Essa resposta nos remete às palavras de Marion Nestle, nutricionista especializada em políticas públicas, no seu livro Food Politics (2003, ainda sem tradução em português): “as empresas devem competir com agressividade por cada dólar gasto em comida. A primeira missão das empresas é vender produtos. As empresas não são agências de saúde ou serviços sociais. A nutrição se converte em um fator que para as empresas só é considerado se puder ajudar a vender. As opções éticas são muito pouco consideradas”.
Quando uma tendência surge, as empresas definem suas estratégias de nicho, considerando que as necessidades desse grupo de consumidores ainda não estão sendo atendidas. Assim, o ato de cozinhar como revolucionário está no limiar, na zona fronteiriça, trazendo afeto, compartilhamentos, novas composições. É justamente esse fluxo, essa fronteira que se pretende capturar, associando o prestigiado chef e a atividade culinária. Se a tendência é dedicar mais tempo ao preparo das refeições, então a indústria busca capturar o que está fora de seu alcance, lançando mão do marketing e da publicidade, trazendo o aval de nomes de prestígio.
Para quem tem clareza da importância do ato de cozinhar como revolucionário, Jamie se transformou num garoto propaganda da Sadia. Muitos de seus embaixadores abandonaram o movimento Food Revolution Day, criado pelo chef, que por sua vez é patrocinado pela Fundação Bill e Melinda Gates, uma das principais investidoras no mercado de transgênicos e biofortificados.
A captura, o nicho que interessa a Sadia, é justamente o dos consumidores que ainda não compreendem a importância do que defende o Ministério de Saúde através do Guia Alimentar Brasileiro, quando diz “procure desenvolver suas habilidades culinárias” e adverte que deve-se “ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais”
A defesa da cozinha como território de uma práxis, em que se busca refletir sobre nossa alimentação diária, é feita enfaticamente pelo jornalista e ativista norte-americano Michael Pollan em seus livros, entre os quais, o mais recente intitulado Cozinhar: uma história natural da transformação (Ed. Intrínseca, 2014). Pollan se propõe a investigar os processos culinários do fogo, água, ar e terra para demonstrar a necessidade biológica e cultural que temos de cozinhar nossos alimentos. Em sua visão, as sociedades modernas terceirizaram uma atividade essencial para a indústria alimentícia, gerando uma desestruturação nos hábitos alimentares, provocando uma sucessão de prejuízos ao meio ambiente.
No entanto, o autor aponta para o Paradoxo do Cozinhar: a “escolha diária do que colocar no prato não se reduz à comida caseira versus comida industrializada. Podemos estar em algum lugar entre esses dois polos distintos, que muda constantemente em função do dia da semana, da ocasião e da disposição.”
O que chamamos de cozinhar, explica Pollan, pode se realizar dentro de uma multiplicidade, como de fato vem acontecendo há pelo menos um século, quando alimentos processados entraram pela primeira vez na cozinha e a definição do que seria “cozinha do zero” começou a mudar. “No decorrer da semana, a maioria de nós passeia por toda essa multiplicidade (come fora, usa o pacote de brócolis congelado, a lata de atum na despensa, a caixa de ravióli comprada na esquina”, justifica o autor.
A novidade, contudo, está no grande número de indivíduos que agora passam muitas de suas noites num dos seus extremos, valendo-se em quase todas as refeições de uma indústria disposta a fazer por eles tudo que não seja esquentar e comer. E se há a demanda para que o consumidor participe mais do processo de preparação das refeições prontas, incluindo um ingrediente de seu gosto para finalizá-la, a disposição para atender esse desejo é a mesma.
Capitalismo cognitivo

A captura de fluxos é possível graças ao capitalismo cognitivo que, a partir de informação, obtém conhecimento sobre os consumidores. No caso do mercado de produtos de massa, podemos exemplificar com um dos softwares, largamente utilizado pelas empresas líderes no mercado. O Target Group Index, criado na Inglaterra em 1968, é um minucioso retrato do comportamento e dos hábitos de consumo da população, em seus vários segmentos. Presente no Brasil desde 1999, o estudo é resultado da parceria exclusiva entre Ibope Media e Kantar Media. Atualmente, essa pesquisa é realizada em mais de 60 países, totalizando mais de 750 mil participantes por ano. Na América Latina está presente em nove países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela, incluindo também Porto Rico.
Se a tendência é a comida de verdade, é para lá que as empresas vão apontar. Como já citamos, o termo já vem sendo apropriado pelas empresas que produzem ultraprocessados na tentativa de apresentar uma substância comestível, como diria Pollan, como comida de verdade, ou um produto saudável.
É claro que para melhorar a saúde a porta certa é a política, como é bem explorado no livro Food Politics, de Marion Nestle. Se o chef tivesse procurado uma parceria com a Pepsi e a Coca Cola, o resultado seria a criação de um outro tipo de refrigerante “pseudosaudável”, versão aliás que acaba chegar ao mercado com o nome de Coca-cola verde.
Fechando sua resposta às críticas, Olivier declara:
“para ser bem honesto, seria a coisa mais fácil do mundo para mim ter minha hortinha orgânica e biodinâmica, ficar falando sobre o bem que ela faz – e eu acredito mesmo que ela faça muito bem. Mas orgânicos e biodinâmicos são acessíveis ao britânico ou brasileiro médio? Não. Então é uma questão estratégica e tática: para promover mudança em larga escala preciso atuar em larga escala”.
Contudo, as hortas estão desafiando o fenômeno do sistema alimentar global. Se tem horta, tem alimento orgânico e não precisa ser comprado. Na localidade de Les Avanchets, em Genebra, na Suíça, praticamente todas as casas possuem uma horta urbana, segundo o fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus-Bertrand. Cada morador cultiva e tem a cultura de trocar alimentos orgânicos com os vizinhos, ampliando as possibilidades de alimentação saudável. E para quem não tem quintal, existem também as hortas comunitárias, trazendo assim a dimensão política da comida.
A publicidade de alimentos ultraprocessados, assinada por chefs como Jaime Oliver e de Alex Atala, deve servir para ativar o que Paulo Freire chama de curiosidade epistemológica, ou seja, um alerta para refletir na prática alimentar cotidiana, que, ao ser delegada a terceiros, pode comprometer a existência de sistemas alimentares plurais e múltiplos.

(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/surpresa-industria-alimenticia-pretende-se-saudavel/)

terça-feira, 26 de julho de 2016

Novo número da revista Espaço Acadêmico

Revista Espaço Acadêmico
v. 16, n. 182 (2016): Revista Espaço Acadêmico, n. 182, julho de 2016

Sumário

administração
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Gestão da diversidade: questão social emergente ou dignidade humana? (01-11)
Shaiane Caroline Kochhann, Glauco Oliveira Rodrigues

ciência & tecnologia
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Cultura organizacional e individual – Consequências da inconsciência de hábitos organizacionais e individuais (12-15)
Antonio Mendes Silva Filho

ciência política
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Pela superação das promessas democráticas: uma discussão sobre o mal-estar político contemporâneo (16-23)
Alisson Ortiz Rigitano

ciências sociais
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Cultura e capital social: entre a explicação e a legitimação das
disparidades espaciais de desenvolvimento (24-35)
Airton Adelar Mueller

A verdade como um problema epistemológico (36-44)
Geilson Fernandes de Oliveira, Marcília Luzia Gomes da Costa Mendes

convergências
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A culinária da política: coxinha, caviar e mortadela (45-55)
Renato Nunes Bittencourt

direitos humanos
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Índice de Desenvolvimento Humano e a violência no Nordeste: o paradoxo nordestino (56-72)
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior

educação
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O estado em ação nas políticas educacionais: uma contribuição da teoria marxista para a análise do Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI) (73-87)
Camila Mantovani Dias

educação superior
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A formação de cidadãos reflexivos frente ao atual processo de
mercantilização da educação superior (88-104)
Diego Bechi

geografia
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O processo de refuncionalização do centro de Fortaleza com base nos equipamentos e serviços de educação técnica e profissional (105-116)
Júlia Monteiro Holanda

história
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Porto Novo: a materialização da “terra dos sonhos” no Extremo–Oeste de Santa Catarina na década de 1920 (117-128)
Leandro Mayer

literatura brasileira
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Lima Barreto modernista (129-137)
Michel Goulart da Silva

utopias
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Utopias, ideologias e o "leito de Procusto" (138-153)
Antonio Ozaí da Silva

resenhas & livros
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A Amazônia e a diversidade educacional (154-156)
Marcos Jonatas Damasceno da Silva

BUENO, Zuleika de Paula. Leia o livro, veja o filme, compre o disco: a formação do cinema juvenil brasileiro Maringá (PR): EDUEM, 2016 (244 p.) (157)
REA Editor

revistas
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verve, 29 - 2016. Revista do NU-SOL – Núcleo de Sociabilidade Libertária (158)

Café História - as novidades da semana

[1] Desconto em livro:
 Parceria com Ed. Contexto
O Café História e a Editora Contexto estão juntos novamente para tornar a sua vida de leitor ainda mais prazerosa. Nossos leitores possuem desconto de 20% em qualquer livro comprado através do site da editora. [Aproveite]
[2] Mural do Historiador: 
Refugiados
A edição 124 da RHBN chega às bancas com um tema muito importante: o drama dos refugiados. Assunto que entrou novamente para a ordem do dia com a chamada “crise migratória” na Europa, as populações que são forçadas a se deslocar passaram a atrair a atenção geral das nações ao longo do século XX. O estatuto jurídico dos refugiados começou a ser definido em meados do século passado e o Brasil esteve presente no processo de criação das primeiras organizações para tratar do assunto, ainda na década de 1940. O país recebeu refugiados, embora tenha mantido uma relação ambígua com alguns grupos – caso dos judeus, vistos com maus olhos durante o governo varguista. [Confira]
[3] Notícia em destaque:
 Varnhagen gratuito
A FUNAG publicou para download gratuito, na coleção História Diplomática, o livro "Varnhagen (1816-1878) - Diplomacia e Pensamento Estratégico", que reúne ensaios de historiadores e diplomatas a partir de pesquisas elaboradas para o Seminário sobre o assunto, organizado pela Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), no Instituto Rio Branco (IRBr), em Brasília, em abril de 2016, para comemorar o bicentenário do nascimento do diplomata oitocentista brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen, conhecido também como Visconde de Porto Seguro. [Veja]
[4] Acadêmico:
 História Pública
As inscrições para apresentação de trabalhos no 3º Simpósio Internacional de História Pública: “História pública em debate” estão abertas. O evento, que será realizado de 28 a 30 de novembro de 2016 na Universidade Regional do Cariri, na cidade do Crato, Ceará, recebe propostas para apresentações até o dia 20 de agosto.  [Clique aqui]
[5] Dicas de leitura:
 Especial biografias
O que Karl Marx, Roosevelt e Davi tem em comum? Todos estão em nossa seção de dicas de leitura.  [Clique aqui]

Ex-comandante da OTAN por trás do golpe fracassado na Turquia

O ex-comandante das forças da OTAN no Afeganistão, o aposentado General John F. Campbell, foi a mente brilhante por trás do golpe militar fracassado na Turquia, relatou o Yeni Safak Daily, citando fontes próximas à investigação.

O General John F. Campbell, 59 anos, era uma “das principais figuras que organizaram e gerenciaram os soldados por trás da tentativa de golpe fracassada na Turquia”, como relatou a edição em inglês do jornal conservador na segunda-feira.

O jornal é conhecido pelo seu apoio leal ao presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que era o alvo da tentativa de golpe.

De acordo com o Yeni Safak, Campbell “também gerenciou mais de $2 bilhões em transações pelo Banco da África (UBA Bank) na Nigéria usando ligações da CIA para distribuir entre a equipe pró-golpe do exército na Turquia”.


O general do exército aposentado já havia supostamente feito “ao menos duas visitas secretas” à Turquia desde maio até o golpe fracassado, o qual as autoridades turcas dizem ter sido realizado pelo que chamam de Organização Terrorista Fethullah (FETO).

O ministro das relações exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu, alertou na segunda-feira que as relações com Washington poderiam sofrer se não deportassem o clérigo residente dos EUA, Fethullah Gulen, adversário ideológico de Erdogan. Washington já disse repetidamente que a Turquia deve fornecer provas concretas de quaisquer ligações que Gulen possa ter com a tentativa de golpe antes de qualquer possibilidade de deportação seja discutida.

O Turkish Daily reportou que Campbell tinha reuniões ultra secretas na base militar Erzurum e na base aérea Incirlik na Turquia, adicionando que o general do yankee “dirigiu o processo de seguir/avaliar os oficiais militares nas bases”.

De acordo com o jornal, “milhões de dólares foram transferidos da Nigéria para a Turquia por uma equipe da CIA. O dinheiro, que foi distribuído entre uma equipe especial de 80 pessoas da CIA, foi usado para convencer generais pró-golpe. Depois de tirar dinheiro de suas contas bancárias, o time da CIA entregava pessoalmente para os terroristas com vestimentas de militares”.

O governo turco e o presidente Erdogan estão usando isso como pretexto para botar pressão nos EUA em um esforço para deportarem Gulen, disse Ibrahim Dogus, fundador e diretor do Centro de Estudos Turcos e Desenvolvimento, em Londres para o RT News.

“O presidente Erdogan tem tentado com muito afinco caçar qualquer um que tem conexão ou associação com Gulen nesse momento na Turquia.”

Um total de 13,165 pessoas foram detidas em conexão com a tentativa de golpe na Turquia, disse o presidente Erdogan no domingo. Ele mencionou que 8,838 dos presos são soldados, 2,101 são juízes e promotores, 1,485 são policiais, 52 são autoridades locais e 689 são civis, como relatado pelo Hurriyet Daily. Ele adicionou que 934 escolas, 109 dormitórios, 15 universidades, 104 fundações, 35 instituições de saúde, 1,125 associações e 19 sindicatos foram fechados pois pertencem ao que ele descreveu como “Organização Terrorista Fethullah”.

Uma condenação conjunta de 73 suspeitos, incluindo de Gulen, foi aprovada por um tribunal de Ankara no sábado.

Durante um discurso para o parlamento turco, Erdogan chamou Gulen, seu ex-aliado, de “traidor desonesto”.

“O grupo terrorista FETO, que está abusando dos impostos das pessoas para comprar armas, tanques, aviões de guerra, armas pesadas e usar contra a nação são traidores e desonestos”, disse Erdogan na semana passada, chamando FETO de “um vírus metastaziado”.

Na segunda, o governo turco expediu mandados de prisão para mais de 40 jornalistas suspeitos de terem conexão com o golpe militar fracassado, reportou a NTV.

A Anistia Internacional soou o alarme no domingo, dizendo que juntou “evidências confiáveis” de que as prisões de pessoas em relação ao golpe fracassado foram “sujeitas a espancamentos e torturas, incluindo estupro, em centros de detenção oficiais e não oficiais no país”.

“Relatos de abuso incluindo espancamentos e estupros em detenção são extremamente alarmantes, especialmente dada a escala de detenções que temos visto durante a semana. Os detalhes que documentamos são apenas a superfície dos abusos que podem estar acontecendo em locais de detenção”, disse o diretor da Anistia Internacional na Europa, John Dalhuisen.

(fonte:  http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Ex-comandante-da-OTAN-por-tras-do-golpe-fracassado-na-Turquia/6/36511)

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Escola sem partido?


FREI BETTO*
Nada mais tendencioso do que o Movimento Escola Sem Partido. Basta dizer que um de seus propagadores é o ator de filmes pornô Alexandre Frota. O movimento acusa as escolas de abrir espaços a professores esquerdistas que doutrinam ideologicamente os alunos.
Uma das falácias da direita é professar a ideologia de que ela não tem ideologia. E a de seus opositores deve ser rechaçada. O que é ideologia? É o óculos que temos atrás dos olhos. Ao encarar a realidade, não vejo meus próprios óculos, mas são eles que me permitem enxergá-la. A ideologia é esse conjunto de ideias incutidas em nossa cabeça e que fundamentam nossos valores e motivam nossas atitudes.
Essas ideias não caem do céu. Derivam do contexto social e histórico no qual se vive. Esse contexto é forjado por tradições, valores familiares, princípios religiosos, meios de comunicação e cultura vigente.
Não há ninguém sem ideologia. Há quem se julgue como tal, assim como Eduardo Cunha se considera acima de qualquer suspeita. Como ninguém é juiz de si mesmo, até a minha avó de 102 anos tem ideologia. Basta perguntar-lhe o que acha da vida, da globalização, dos escravos, dos homossexuais etc. A resposta será a ideologia que rege sua visão de mundo.
A proposta da Escola Sem Partido é impedir que os professores eduquem seus alunos com consciência crítica. É trocar Anísio Teixeira, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Rubem Alves por Cesare Lombroso e Ugo Cerletto.
Ninguém defende uma escola partidária na qual, por exemplo, todos os professores comprovem ser simpatizantes ou filiados ao PT. Mesmo nessa hipótese haveria pluralidade, já que o PT é um saco de tendências ideológicas que reúne ardorosos defensores do agronegócio e esquerdistas que propõem a estatização de todas as instituições da sociedade.
Não faz sentido a escola se aliar a um partido político. Muito menos fingir que não existe disputa partidária, um dos pilares da democracia.
Em outubro, teremos eleições municipais. Deve a escola ignorá-las ou convidar representantes e candidatos de diferentes partidos para debater com os alunos? O que é mais educativo? Formar jovens alheios à política ou comprometidos com as lutas sociais por um mundo melhor?
Na verdade, muitos “sem partido” são partidários de ensinar que nascemos todos de Adão e Eva; homossexualidade é doença e pecado (e tem cura!); identidades de gênero é teoria promíscua; e o capitalismo é o melhor dos mundos.
Enfim, é a velha artimanha da direita: já que não convém mudar a realidade, pode-se acobertá-la com palavras. E que não se saiba que desigualdade social decorre da opressão sistêmica; a riqueza, do empobrecimento alheio; a homofobia, do machismo exacerbado; a leitura fundamentalista da Bíblia da miopia que lê o texto fora do contexto.
Recomenda-se aos professores de português e literatura da Escola Sem Partido omitirem que Adolfo Caminha publicou, em 1985, no Brasil, Bom crioulo, o primeiro romance gay da história da literatura ocidental; proibirem a leitura dos contos D. Benedita e Pílades e Orestes, de Machado de Assis; e evitar qualquer debate sobre os personagens de Dom Casmurro, pois alguns alunos podem deduzir que Bentinho estava mais apaixonado por Escobar do que por Capitu.
* FREI BETTO é escritor, autor do romance policial Hotel Brasil (Rocco), entre outros livros. Publicado em O Globo, disponível em http://oglobo.globo.com/sociedade/escola-sem-partido-19706491

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2016/07/20/escola-sem-partido/)

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Nota pública da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER)



NOTA PÚBLICA DA SOCIEDADE DE TEOLOGIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO (SOTER)

“Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos”. (Papa Francisco)

A SOTER, reunida em Assembleia, por ocasião do 29o Congresso Internacional, realizado em Belo Horizonte (MG), vem manifestar-se publicamente sobre a conjuntura atual,ao mesmo tempo em que reconhece o papel e a incidência da religião no processo social e nos rumos da política nacional.

Motivados pela temática do Congresso “Tempos do Espírito: inspiração e discernimento”, os sócios da SOTER posicionam-se diante da grave e complexa crise política atual, caracterizada por uma classe dirigente – em sua maioria – corrupta e hipócrita, alinhada aos interesses privados e oligárquicos nacionais e internacionais. Tal situação se aprofunda por um cenário global de violência sistêmica e de privatização da esfera pública pelo projeto neoliberal em curso, em detrimento dos pobres e dos grupos mais vulneráveis do país: povos indígenas, população negra, pessoas com deficiência, mulheres vítimas da violência, comunidade LGBT e outras.

Nossa percepção é a de que prevalece uma dinâmica política que atravessa o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, com projetos antipopulares, muitas vezes em desrespeito à institucionalidade democrática e portadores de uma pauta política e econômica conservadora e excludente, de atropelo aos direitos humanos, de precarização de políticas públicas e sociais e com a sinalização de perda da soberania nacional em face da adoção de medidas econômico-administrativas submissas aos interesses corporativos internacionais. Tais projetos, por sua vez, encontram eco e apoio em diversos grupos religiosos e seus discursos fundamentalistas.

Nesse contexto, a sociedade civil se encontra dividida e confusa buscando, muitas vezes, não a superação dos dramas da desigualdade e da injustiça estrutural, mas o retrocesso e o aprofundamento da crise.

A partir da análise dos fenômenos sociopolíticos e da responsabilidade das tradições religiosas nesse processo, apelamos a todos e todas a discernir esse momento além das parciais e seletivas informações midiáticas e ações judiciais e a enfrentar a crise em todas as suas dimensões: sociopolítica, econômica, moral, cultural e espiritual, a fim de resistirmos a todo projeto que signifique o sacrifício dos empobrecidos e das pessoas mais vulneráveis e avançarmos para a plena democracia e a superação das históricas desigualdades sociais, étnico-raciais e de gênero, vítimas de tanta violência real e simbólica.

Desta forma, somamos nossa voz a de todos os movimentos sociais, populares e entidades democráticas que têm se manifestado pelo restabelecimento da ordem democrática e pela busca de uma sociedade construída sobre os pilares da justiça, da ética e da cidadania plena para todas as pessoas.
Pela dignidade humana e pela democracia!
Belo Horizonte (MG), 14 de julho de 2016.
Cesar Kuzma
Presidente da SOTER
(recebido por e-mail)

Glenn Greenwald aponta fraude na pesquisa Datafolha

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Texto escrito por José de Souza Castro:

Merda, quanto mais se mexe mais fede. Quem não conhece esse provérbio português? O Datafolha conhece, mas parece que não lhe deu importância, ao divulgar nesta quarta-feira, dia 20 de julho, a segunda versão de sua pesquisa revelada sábado e que deu à “Folha de S.Paulo” a manchete de domingo “mostrando” que 50% dos brasileiros querem a permanência de Michel Temer na Presidência da República e que só 3% preferem novas eleições neste ano para escolher o sucessor de Dilma Rousseff.

Quem se deu ao trabalho de ler essa versão diz que a única coisa que mudou da versão original foi essa frase que vem logo abaixo do título: “58% querem afastamento definitivo de Dilma Rousseff, e 60% são favoráveis a nova eleição”.

Fiz uma busca na segunda versão da pesquisa do Datafolha e a expressão “nova eleição” só aparece uma vez. Exatamente nessa frase. Ou seja, a questão não constava do questionário respondido pelos entrevistados na pesquisa.
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Conclusão do Tijolaço:
“O que está fraudando a boa-fé da opinião pública: a pesquisa publicada domingo ou o documento que o Datafolha divulga hoje com a afirmação de que “60% são favoráveis a nova eleição”? Ou não é fraude, é “ato falho” ou um grito de socorro de quem está sendo metido num estelionato estatístico?”

A manchete da Folha, no domingo, foi de imediato acompanhada pela grande imprensa e, em maior escala, nos blogs favoráveis ao impeachment de Dilma que será decidido pelo Senado no mês que vem.
Sem dúvida, um momento muito favorável para divulgação dessa pesquisa, a primeira que vem a público desde que Temer assumiu o governo para fazer tudo o que o grande capital mais deseja.

Os contrários ao impeachment perceberam o golpe e saíram a campo para desacreditar o Datafolha, do grupo Folha, que edita o jornal mais lido no país e também o maior portal, o UOL. Por exemplo, aqui e aqui.

Mas nenhum golpe à credibilidade do jornal e de seu instituto de pesquisa foi mais forte que o desfechado pelo “The Intercept” neste artigo que pode ser lido em inglês e em português.

O “Jornal do Brasil”, que já foi o jornal mais influente do país nas décadas de 1960 e 1970, mas que hoje não tem mais versão em papel, foi o único, até onde pude pesquisar, que noticiou o artigo de Glenn Greenwald e Erick Dau no “The Intercept”. O JB publicou no dia 20 reportagem com o título “‘The Intercept’: Jornal comete fraude jornalística com pesquisa manipulada visando alavancar Temer”.

Sites estrangeiros também reproduziram o artigo, caso do Polimedia Press e de Os truques da imprensa portuguesa. Neste se lê: “Glenn Greenwald, um dos mais respeitados jornalistas do mundo, denuncia a fraude jornalística cometida por Datafolha e Folha de São Paulo para impulsionar o Presidente Temer. Coisas que não passam na imprensa portuguesa”.

Poderia ter acrescentado, sem risco de errar: e nem na brasileira.

Curiosamente, a pesquisa “favorável” a Temer, desapareceu das páginas da Folha na quarta-feira, três dias depois de ter sido a “grande manchete” de domingo. Nada ali, em parte alguma. Nem no artigo de Elio Gaspari que afirma que “Antes mesmo de completar cem dias, Michel Temer conseguiu dar estabilidade ao seu governo. Começou da pior maneira possível, com um ministério pífio e contaminado, cercado de suspeitas e de ligações inconvenientes. A mágica tem um nome: calma, sangue frio ou mesmo serenidade.”
O velho jornalista nascido na Itália e que fez carreira no Brasil publica duas colunas semanais (domingo e quarta-feira) em dois jornais diferentes, Folha e O Globo, o que diz muito de seu prestígio com os mandachuvas da imprensa brasileira. Gaspari poderia ter reforçado sua alegoria a Temer com dados da pesquisa do Datafolha, mas não o fez. Será por quê?

Suponho que o faro jornalístico de Elio Gaspari percebeu, como diz o Tijolaço, a fraude. O problema é que muitos brasileiros que leram (ou ouviram) a notícia no domingo não se deram conta dela até hoje, inclusive senadores que vão julgar o impeachment de Dilma. Não era essa a aposta dos (ir)responsáveis pela “Folha de S.Paulo”, que não cuidam do que ainda resta de credibilidade no jornal que herdaram?

(fonte: https://kikacastro.com.br/2016/07/21/fraude-datafolha/#more-12817_

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Turquia: o “Sultão” sabia de tudo?


Hipótese provável: Erdogan conhecia trama para a quartelada e deixou que ocorresse. Agora, pode reerguer-se — e para isso, tende a trocar Europa e EUA pela Ásia
Por Pepe Escobar | Tradução: Vila Vudu

Tudo leva a crer que Deus usa FaceTime. Foi por uma sequência icônica de imagens rodadas num iPhone, de local ignorado e exibida ao vivo pela CNN turca por uma âncora totalmente desentendida, que Erdogan conseguiu convocar sua legião de seguidores às ruas, disparar o Poder Popular e derrotar a facção militar que havia tomado a TV estatal e declarara que assumira o poder.

Deus pois trabalha por misteriosas vias celulares móveis. A convocação de Erdogan mobilizou até os jovens turcos que haviam protestado furiosamente contra ele no Parque Gezi; que levaram muito gás lacrimogênio pela cara e foram espancados com jatos dos canhões de água pela polícia dele; que acham detestável o partido AKP governante; mas que apoiariam Erdogan contra um “golpe militar fascista”. Para nem dizer que virtualmente todas as mesquitas em toda a Turquia repetiram a convocação de Erdogan.

A versão oficial de Ancara é que o golpe foi perpetrado por uma pequena facção de militares comandada à distância pelo clérigo e exilado na Pennsylvania Fethullah Gulen – agente, ele, pessoalmente, da CIA. A autoria permanece por comprovar; mas o certo, mesmo, é que o golpe foi remix turca de Os Três Patetas; os verdadeiros patetas parecem ser os já detidos comandante do 2º Exército general Adem Huduti; comandante do 3º Exército Erdal Ozturk; e ex-comandante da Força Aérea Akin Ozturk.

Como ex-agentes hiper-excitados da CIA ensinavam freneticamente pelas redes norte-americanas – e se há quem entenda de mudança de regime é aquele pessoal! – a regra número um em golpes é mirar e isolar a cabeça da serpente. Mas a esperta cabeça da serpente turca, daquela vez, estava em local incerto e não sabido. Para nem dizer que nenhum alto general capaz de soar suficientemente patriota e convincente foi à TV estatal para explicar os motivos do golpe.

Os golpistas miraram, sim, nos serviços de inteligência – cujas principais posições estão no aeroporto de Istambul, no palácio presidencial em Ancara e perto dos ministérios. Usaram helicópteros Cobra – com pilotos treinados nos EUA – contra aqueles alvos. Miraram também o alto comando do exército – que nos últimos oito anos tem sido nomeado por Erdogan e não goza da confiança do oficialato de médio escalão.
Enquanto ocupavam as pontes do Bósforo, em Istanbul, pareciam estar em contato com a polícia militar – que se estende por toda a Turquia e mantém ligações firmes dentro da própria corporação. Mas no fim viu-se que não tinham nem o número – nem a preparação – necessária. Todos os ministérios chaves pareciam comunicar-se entre eles enquanto o golpe ia-se desenrolando, bem como os serviços de inteligência. E no que tenha a ver com a polícia turca, são agora uma espécie de guarda pretoriana do [partido] AKP.

Enquanto isso, o Gulfstream 4, voo TK8456, de Erdogan decolou do aeroporto de Bodrum, à 1h43, e sobrevoou o nordeste da Turquia, com o transponder ligado, absolutamente sem ser perturbado. Foi de seu avião presidencial, enquanto ainda estava em terra, que Erdogan falou pelo FaceTime; depois, do ar, administrou o contragolpe. O avião jamais saiu do espaço aéreo da Turquia – sempre visível aos radares civis e militares. Os jatos F-16 dos golpistas poderiam facilmente tê-lo rastreado e incinerado. Em vez disso, mandaram helicópteros militares bombardearem a residência presidencial em Bodrum horas depois de Erdogan ter deixado o local.

A cabeça da serpente com certeza sabia, 100% de certeza, que entrar naquele avião e permanecer no espaço aéreo turco era tão seguro quanto mastigar um(a) baklava. Ainda mais espantoso, o Gulfstream pousou em absoluta segurança em Istanbul nas primeiras horas da manhã do sábado – apesar da ideia dominante segundo a qual o aeroporto estaria ocupado pelos “rebeldes”.

Em Ancara, os “rebeldes” usaram uma divisão mecanizada e dois comandos. Em torno de Istanbul, havia um exército completo; o 3º comando é realmente integrado às forças de resposta rápida da OTAN. Esse 3º comando forneceu os blindados Leopard posicionados nos pontos-chaves em Istanbul – os quais, por falar deles, não abriram fogo.

E ainda os dois exércitos chaves posicionados nas fronteiras com Síria e Irã mantiveram-se em modo “esperar para ver”. Então, às 2h da madrugada, o comando também chave do 7º exército, baseado em Diyarbakir – encarregado de combater contra os guerrilheiros do PKK – declarou-se leal a Erdogan. Foi o momento exato, crucial, quando o primeiro-ministro Binali Yildırım anunciou que estava implantada uma zona aérea de exclusão sobre Ankara.

Significou que Erdogan comandava os céus. E que a brincadeira acabara. Misteriosos são os movimentos da história: a zona aérea de exclusão com que Erdogan tanto sonhou, por tanto tempo, sobre Aleppo ou sobre a fronteira sírio-turca, acabou materializada sobre sua própria capital.

“Prenda os suspeitos de sempre”

A posição dos EUA foi extremamente ambígua desde o início. Com o golpe já em andamento, a embaixada dos EUA na Turquia chamou-o de “levante turco”. O secretário de Estado John Kerry, em Moscou para discutir a Síria, também segurou suas fichas. A OTAN manteve-se majestaticamente muda. Só quando já não havia dúvidas de que o golpe fracassara, o presidente Obama e os “aliados da OTAN” proclamaram oficialmente seu “apoio ao governo democraticamente eleito”.

Erdogan, o “Sultão” voltou ao jogo com fúria. Entrou imediatamente ao vivo, na CNN turca, e exigiu que Washington lhe entregasse Gulen, mesmo sem qualquer prova de que seja responsável pelo golpe. E a exigência trazia uma ameaça embutida: “Se querem continuar a ter livre acesso à base aérea Incirlik, têm de me entregar Gulen”. Difícil não lembrar de história recente, quando os EUA de Dick Cheney, em 2001, exigiram que os Talibã lhe entregassem Osama bin Laden, sem qualquer prova de que tivesse sido responsável pelos ataques do 11/9.

Assim sendo, todas as probabilidades apontam para a possibilidade de que os serviços de inteligência de Erdogan soubessem que havia um golpe em construção; e o esperto sultão deixou acontecer, sabendo que fracassaria, porque os golpistas tinham apoio muito limitado. Pode-se dizer até que sabia – com antecedência – que até o Partido Popular Democrático, pró-curdos, cujos membros Erdogan está tentando expulsar do Parlamento, apoiariam o governo em nome da democracia.

Dois fatos extras acrescentam ainda mais credibilidade a essa hipótese. No início da semana, Erdogan assinou lei garantindo imunidade a soldados que tomassem parte em operações de segurança doméstica – como nas ações anti-PKK; é ação que visa a melhorar as relações entre o governo do AKP e o exército. E a corte superior de justiça da Turquia, HSYK, expulsou da magistratura nada menos que 2.745 juízes, na sequência de uma sessão extraordinária pós-golpe. Só pode significar que a lista já estava preparada com antecedência.

A principal consequência geopolítica, imediata, do golpe é que Erdogan parece agora ter miraculosamente reconquistado sua “profundidade estratégica” – como diria o ex-primeiro-ministro, Davutoglu, já afastado. Não só externamente – depois do colapso miserável de suas duas “políticas”, para o Oriente Médio e para os curdos – mas também internamente. Para todas as finalidades práticas, Erdogan agora controla o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – e não vai carregar prisioneiros no expurgo dos militares. Ladies and gentlemen, o Sultão está in da house.


Significa que o projeto neo-otomano está ainda em andamento – mas agora sob maciça reorientação tática. O “inimigo” real agora são os curdos sírios – não Rússia e Israel (nem ISIS; mas esses, para começar, nunca foram). Erdogan vai à caça do YPG, que para ele é mera extensão do PKK. A ordem do dia para ele é impedir por todos os meios que se crie uma entidade estatal autônoma no nordeste da Síria – um “Curdistão” montado como uma segunda Israel com o apoio dos EUA. Para isso, ele carece de alguma espécie de entente cordiale com Damasco – tipo insistir que a Síria tem de preservar sua integridade territorial. E significa também, é claro, renovado diálogo com a Rússia.

Assim sendo… o que a CIA andou fazendo? 

Desnecessário dizer que Ancara e Washington estão agora em comprovada rota de colisão. Se há um Império do Caos escondido no golpe – a arma do crime ainda não foi encontrada –, com certeza vem do eixo neocons/CIA, não do governo pato manco de Obama. No momento, a alavancagem de Erdogan resume-se ao acesso à base aérea Incirlik. Mas sua paranoia está inflando: para ele, Washington é duplamente suspeita, porque protegem Gulen e apoiam o YPG.

O Inferno tampouco não conhece fúria como a de um sultão subestimado. Apesar de todas as suas recentes loucuras geopolíticas, o balê de Erdogan de reconectar-se simultaneamente com Israel e Rússia é eminentemente pragmático. Sabe que precisa da Rússia para o [gasoduto] Ramo Turco e para construir usinas nucleares; e precisa do gás de Israel para consolidar o papel da Turquia como nodo chave de passagem da energia entre oriente e ocidente.

Quando se ouve, crucialmente importante, que o Irã apoiou a “valente defesa da democracia” dos turcos, como tuitou o ministro Zarif, de Relações Exteriores, é claro como Erdogan, em apenas umas poucas semanas, reconfigurou toda a pintura regional. E isso sugere integração da Eurásia, e a Turquia profundamente conectada às Novas Rotas da Seda – não à OTAN. Não surpreende que o governo em Washington, na Av.Beltway – para quem, sobretudo, Erdogan é o proverbial “aliado errático e não confiável” – esteja completamente histérico. Aquele sonho de coroneis turcos sob comando direto da CIA acabou – pelo menos, no futuro que se pode antever.

Assim sendo, e quanto à Europa? Yildirim já disse que a Turquia pode reintroduzir a pena de morte – a ser aplicada aos golpistas. Significa bye bye UE. E bye bye a aprovação, pelo Parlamento Europeu, de viagem sem visto para turcos em viagem pela Europa. Erdogan afinal, já obteve o que queria da chanceler Merkel; aqueles 6 bilhões de euros para conter a crise de refugiados que, essencialmente, foi disparada por ele. Merkel apostou a fazenda da família em Erdogan. Agora, está falando sozinha – e o Sultão fala diretamente com Deus pelo FaceTime.
(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/turquia-o-sultao-sabia-de-tudo/)