sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Depois da Lei de Gerson, Brasil tem a Lei de Cristovam


Senador pelo DF inventa a “violência constitucional necessária”; frase para justificar impeachment lembra Jarbas Passarinho; e entra no panteão brasileiro da infâmia
Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Quem se lembra do tricampeão Gerson fazendo propaganda de cigarro, nos anos 70? “Eu fumo Vila Rica porque gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também!”
Virou uma lenda. Um código de ética às avessas. Passados os anos, porém, a Lei de Gerson vai se tornando esquecida. Afinal, diante de tanta gente levando vantagem em tudo, seguiríamos culpando… o Gerson?



Aplicada à política, a frase lembra um pouco o pragmatismo maquiavélico: os fins a justificar os meios. Ou a esperteza macunaímica. Ou talvez o axioma de Jarbas Passarinho, “às favas os escrúpulos de consciência”.
E eis que, tantos anos depois do AI-5, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), ex-reitor da UnB, a UnB de Darcy Ribeiro, com uma biografia atrelada à democracia, recria sua moral para justificar o impeachment:

– O impeachment é uma violência constitucional, não em relação à presidente, é uma violência dentro da Constituição que está sendo necessária para virar a página.

Algo como molhar a pontinha dos dedos para virar a página, entenderam? Uma violenciazinha na Constituição aqui, a deposição de uma presidente eleita ali…. apenas mais uma mácula, diz ele. (O senador molha mais uma vez a pontinha dos dedos.)

Conheci Cristovam como leitor da Folha, nos anos 90. Ele estava sempre na página 3, falando sobre educação. Um reitor à esquerda. (E pensar que havia quem não queria que Brasília tivesse universidades ou fábricas, para evitar greves ou “agitações”.)

Mas me lembro mesmo dele no prefácio de um livro. Ele estava um dia em uma lanchonete, em Brasília, quando viu um grupo de jovens comendo batatinhas. Só que algumas eram atiradas ao chão, para alimentar aqueles seres famintos. Cachorros? Não: crianças.

E penso hoje onde estariam essas crianças. Ou aqueles jovens. Onde estarão hoje os atiradores de batatinhas? De que lado da força? Eles defendem que espécie de princípios? Denunciam o golpe? Vestem-se de verde e amarelo, toleram alguma “violência constitucional”?

Mas Cristovam Buarque é um homem bom: ele não fuma. Nem atira a democracia ao chão. Certo? Como diria Gerson, o Canhotinha de Ouro, que fumava cigarros Vila Rica porque, dizia ele em plena ditadura, “são gostosos, suaves e não irritam a garganta”.

(fonte: http://outraspalavras.net/alceucastilho/2016/08/16/depois-da-lei-de-gerson-brasil-tem-a-lei-de-cristovam/)

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