sábado, 28 de janeiro de 2017

'Temos que combater fogo com fogo': como é o polêmico interrogatório com afogamento defendido por Trump

Em mais um momento polêmico da sua primeira semana de governo, o presidente Donald Trump defendeu o uso da técnica de simulação de afogamento, conhecida como "waterboarding" em inglês, para a obtenção de informações em interrogatórios.
Trump disse que o método, classificado como tortura, funciona. Na sua avaliação, "se combate fogo com fogo", em referência às práticas adotadas por grupos extremistas.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 26-01-2017.

Em entrevista à rede de TV ABC, o republicano acrescentou que enquanto grupos radicais degolarem pessoas no Oriente Médio, os Estados Unidos "não podem brincar em nenhum campo".
Trump, no entanto, afirmou que consultaria o secretário de Defesa James Mattis e o diretor da central de inteligência, a CIA, Mike Pompeo, sobre a volta da técnica. "Se eles não quiserem, tudo bem."
Ambos já disseram que não são favoráveis ao waterboarding. O ex-diretor da CIA, Leon Panetta, também afirmou que seria "um grave erro voltar atrás" em relação à tortura.
Confira quatro pontos que ajudam a esclarecer a polêmica.

1. Como é a técnica?

O waterboarding é uma técnica de interrogatório que simula a sensação de afogamento.
A pessoa é amarrada a uma cadeira ou prancha inclinada, com a cabeça para baixo e um pedaço de pano dentro da boca. O interrogador despeja água no rosto dela e a sensação é de que os pulmões estão se enchendo de água.
Na entrevista à ABC News, Trump disse que queria "manter o país seguro".
"Perguntei a pessoas do mais alto escalão dos serviços de inteligência: 'Funciona? A tortura funciona?' E a resposta foi: 'Sim, com certeza'."
Em fevereiro do ano passado, durante sua campanha para obter a vaga republicana na disputa eleitoral, Trump disse que "restabeleceria o waterboarding e um inferno muito pior" nos interrogatórios.
No dia seguinte, porém, o então pré-candidato afirmou que não mandaria os militares desrespeitarem leis internacionais.

2. O afogamento simulado é legal?

A técnica é ilegal desde 2009, quando o presidente Barack Obama assinou um decreto banindo a tortura como método de interrogatório. A medida foi aprovada pelo Congresso dos EUA.
A CIA começou a usar o afogamento simulado - entre outros métodos de interrogatório - em suas prisões secretas depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Líderes da al-Qaeda, como Abu Zubaydah e Khalid Sheikh Mohammed, passaram por sessões do tipo dezenas de vezes durante o período em que foram prisioneiros da CIA.
O Manual de Campo do Exército americano, no entanto, proíbe "o tratamento cruel, desumano e degradante" de prisioneiros.

3. A técnica pode ser reabilitada?

Se Trump confiar na sua equipe, não.
Ele disse claramente à ABC: "Vou confiar em (Mike) Pompeo e (James) Mattis e na minha equipe. Se eles não quiserem a volta, tudo bem. Se eles quiserem, vou trabalhar para isso".
Ao convidar Mattis para ser seu secretário de Defesa, Trump perguntou a ele sobre o uso da técnica.
Trump disse ao jornal The New York Times: "[Mattis] disse - e eu fiquei surpreso -, 'Nunca achei útil.' Ele disse: 'Me dê um maço de cigarros e umas cervejas e eu consigo um resultado melhor do que com tortura'".
Pompeo tem sido um pouco mais ambivalente. Ele tem defendido o uso de técnicas duras de interrogatório, mas ao ser sabatinado pelos congressistas disse que "não restabeleceria de jeito nenhum" aqueles métodos.
Ao mesmo tempo, escreveu que se a coleta de informações estiver sendo impedida, analisaria a possibilidade de mudar as leis.
O ex-diretor da CIA Leon Panetta, por sua vez, foi mais franco em entrevista ao programa 100 Days (Cem Dias) do canal BBC World News: "A verdade é que realmente não precisamos endurecer o interrogatório para conseguir a informação que precisamos".
"O general Mattis acredita nisso, outras pessoas na área de inteligência acreditam nisso e o FBI também acredita, então acho que seria um erro voltarmos atrás", disse Panetta.
"Acho que isso poderia prejudicar a nossa imagem no resto do mundo", completou.

4. Por que as prisões secretas voltaram ao noticiário?

As prisões secretas da CIA, conhecidas como black sites, eram locais mantidos em outros países pelo serviço secreto americano.
Depois dos atentados de 11 de Setembro, ocorriam nelas interrogatórios com técnicas de tortura, como o afogamento simulado.
Os black sites foram fechados na gestão Obama. Mas autoridades do governo já revelaram que Trump pediu um estudo sobre a volta dessas prisões secretas da CIA.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564400-temos-que-combater-fogo-com-fogo-como-e-o-polemico-interrogatorio-com-afogamento-defendido-por-trump)

"Cuidado, o horror continua à espreita": a advertência de Bauman sobre o Holocausto


“Existem razões de preocupação, escreve Bauman, ‘porque hoje sabemos que vivemos em um tipo de sociedade que tornou possível o Holocausto e que não continha nenhum elemento capaz de impedir a sua ocorrência’.”
O comentário é do escritor italiano Frediano Sessi, professor de Sociologia Geral da Universidade de Bréscia e de Didática da Shoá da Universidade de Roma Tre, e membro do comitê científico da Fondation Auschwitz, de Bruxelas.
O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 26-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.

Ainda hoje, quando se fala sobre o extermínio dos judeus na Europa nazista, são muitos aqueles que recorrem à ideia de loucura coletiva para explicar esse mal absoluto.

Uma loucura coletiva não reconhecida pelas testemunhas diretas, se pensarmos que Primo Levi, em 1975, já escrevia que tinha encontrado em Auschwitz, entre os arquivos dos carnífices, homens como ele, nem loucos, muito menos sádicos. Homens comuns. Porém, diante daquilo que resta do universo do campo de concentração de Auschwitz, é recorrente o pensamento que se dirige àquela parte demoníaca dos homens que está sempre pronta para surgir na história, quase como se, em cada um de nós, estivesse incrustado um “pequeno Hitler”, pronto para prevalecer sobre tudo assim que aparecer uma boa oportunidade.

O próprio Zygmunt Bauman, na introdução de seu ensaio “Modernidade e Holocausto” (Ed. Zahar), confessa ter observado o extermínio dos judeus de modo distraído, como se fosse um evento extraordinário, longe do cotidiano, até que a sua esposa, Janina, escrevendo a sua história de sofrimento e de perseguição em 1986 (Inverno nel mattino. Una ragazza nel ghetto di Varsavia, Ed. Il Mulino, 1994), sugeriu-lhe um novo modo de olhar para o Holocausto. Uma tragédia que tinha atingido os judeus, mas que também dizia respeito a todos e, em particular, ao nosso modo de estar dentro do cotidiano; capaz de condicionar o nosso agir, além de incidir sobre o nosso pensamento e sobre as nossas escolhas.

Quando Bauman começou a escrever o ensaio (estamos no fim dos anos 1980), alguns historiadores já tentaram dar uma visão global do extermínio nazista dos judeus, mas sem se interrogarem sobre “por quê” isso tinha acontecido, mas detendo-se, em particular, na reconstrução do “como”, ou seja, reconstruindo aqueles mecanismos administrativos e burocráticos que possibilitaram o desencadeamento da violência. Em particular, entre os estudos que Bauman parece privilegiar, emerge o ensaio histórico de Raul Hilberg, “A destruição dos judeus da Europa”.

Justamente a intuição de Hilberg de considerar principalmente os documentos de parte nazista para explicar o trabalho dos burocratas, fragmentado e, às vezes, também caótico, que ia além do ódio dirigido aos judeus (já que muitos deles não eram antissemitas), estará na base da extraordinária intuição de Bauman, que entrevê na “modernidade” o motor do Holocausto.

A civilização moderna, escreve Bauman, caracterizada por uma exploração racional dos recursos, materiais e humanos, pela tecnologia em contínua evolução e por uma evidente cultura burocrática na base do funcionamento do Estado e da sociedade; com as suas quatro burocracias principais (das instituições públicas, das forças armadas, da economia e do partido) “representou, sem dúvida alguma, a condição necessária” sem a qual o Holocausto teria sido impensável.

Desse modo, o sociólogo de origem polonesa encaminhava-se para a explicação do “porquê” aquele mal absoluto tinha sido possível em uma Alemanha e em uma Europa que tinham alcançado níveis de civilização e cultura elevados.

E, no entanto, fora de todo equívoco ou simplificação (que, muitas vezes, foram causa de críticas injustas ao seu trabalho), Bauman especifica desde o início: “Isso não significa sugerir que o porte do Holocausto foi determinado pela burocracia moderna ou pela cultura da racionalidade instrumental que ela encarna, muito menos que tal burocracia deve necessariamente desaguar em fenômenos semelhantes ao Holocausto. Mas queremos efetivamente sugerir – conclui – que as regras da racionalidade instrumental são singularmente incapazes de impedir fenômenos desse tipo”.

As consequências a serem tiradas são uma advertência: sem a civilização moderna não teria havido nenhum Holocausto, porque “a destruição de massa dos judeus não foi só uma forma extrema de antagonismo e de opressão” ou de ódio coletivo. Não nos esqueçamos de que o antissemitismo sozinho, na história, nunca tinha levado a tais tragédias. E, em segundo lugar, quando se chega ao “homicídio em massa”, por causa da fragmentação das tarefas que se diferenciam e se articulam em várias instituições e burocracias públicas e privadas, “as vítimas se encontram sozinhas”.

A guerra dos Aliados contra os nazistas não podia se desviar dos seus projetos para frear as deportações e destruir as instalações de extermínio; as nações democráticas, por causa da crise econômica e alimentar, não eram capazes de acolher os judeus em fuga; o Vaticano devia defender as suas igrejas e os seus conventos da fúria hitleriana, assim como a Cruz Vermelha Internacional devia tutelar os militares internados mais do que se ocupar com a salvação dos judeus.

São apenas alguns exemplos da cegueira burocrática e política imbuída de modernidade, que provocou, nos fatos, o abandono dos judeus a si mesmos.

Portanto, existem razões de preocupação, se essa análise for verdadeira, escreve Bauman, “porque hoje sabemos que vivemos em um tipo de sociedade que tornou possível o Holocausto e que não continha nenhum elemento capaz de impedir a sua ocorrência”.

Então, a história pode se repetir? Para Raul Hilberg, sobre cuja obra se fundamenta em grande parte a aguçada reflexão de Bauman, a história já se repetiu; “na indiferença e diante dos olhos das democracias ocidentais, concretizou-se, em Ruanda, a tragédia dos Tutsi”. O abismo se abriu novamente diante de toda a humanidade. E quais são hoje os sinais premonitórios que os Estados democráticos e opulentos não sabem ou não querem ler?

Para isso, Bauman nos adverte com preocupação e paixão, “é cada vez mais necessário estudar as lições do Holocausto. Está em jogo muito mais do que o tributo à memória de milhões de vítimas”. O seu ensaio, então, volta a ser necessário, porque interroga o nosso agir como homens, postos diante das novas vítimas.
Bauman, escreve Donatella Di Cesare, “fez da Shoá o caleidoscópio através do qual é possível olhar para o abismo desumano” da modernidade, sugerindo que “o despedaçamento das responsabilidades”, capaz de nos afastar das consequências das nossas ações, é uma das heranças envenenadas de Auschwitz.

(fonte:  http://www.ihu.unisinos.br/564373-cuidado-o-horror-continua-a-espreita-a-advertencia-de-bauman-sobre-o-holocausto)

Combate à sonegação é suficiente para cobrir gastos com Previdência, diz especialista

A evasão somada à sonegação fiscal de empresas brasileiras chega a 27% do total que o setor privado deveria pagar em impostos no Brasil, o equivalente a cerca de R$ 500 bilhões. O alerta faz parte do informe anual da Organização das Nações Unidas (ONU) que destaca que o fenômeno presente em toda a América Latina impede que governos tenham acesso a recursos que poderiam ser usados para financiar serviços públicos.
Na avaliação da entidade, para que os ganhos sociais possam ocorrer até 2030, os governos latino-americanos terão de investir mais. E, para isso, terão de elevar sua capacidade de arrecadação. Em alguns países da região, porém, a receita com impostos ainda representa menos de 20% do PIB.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a especialista em orçamento público do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Grazielle David, aponta que os principais motivos para a sonegação fiscal no Brasil ser tão elevada está nas leis flexíveis e na ausência de investimentos no combate ao problema.
Segundo a especialista, os impostos mais sonegados no país são Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias que, se arrecadados, poderiam ser destinados à Previdência Social, por exemplo.
“Em 2015, a sonegação chegou a R$ 500 bilhões, o equivalente a 5 vezes o orçamento da Saúde ou todo o orçamento da Previdência Social. Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser completamente reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação fosse recuperado, toda a Previdência poderia ser paga”, diz David.
Confira a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato: Quais as principais origens da sonegação fiscal no Brasil?
Grazielle David: Existem alguns estudos nacionais e internacionais, além desse da ONU, que aprofundam um pouco essas questões da evasão e da sonegação fiscal. Um grande grupo que sempre pesquisa sonegação fiscal no Brasil é o Sinprofaz, o Sindicato dos Procuradores da Fazenda. Há uns 10 anos eles divulgam anualmente uma avaliação da sonegação no país. É interessante ver que esse número da ONU está bem próximo das análises que o Sinprofaz já fazia. O último estudo deles, em relação ao ano de 2016, diz que a sonegação fiscal fica em torno de 25% a 28% da arrecadação, o que fica na mesma linha da ONU. Além disso, quando se pensa, não por proporção da arrecadação, mas pela proporção do PIB, o estudo do Sinprofaz diz que a sonegação chega a 10% do PIB nacional. Nesse mesmo estudo foi identificado ainda que os tributos mais sonegados são o ICMS, o principal tributo estadual, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias.
Outro grupo, que é internacional, o TX Justice Network, uma rede de justiça tributária, utiliza dados do Banco Mundial e observou que o Brasil era vice-campeão mundial na sonegação de impostos, com algo em torno de 13% do PIB. Um valor bem considerável.
Já o estudo do GFI, Global Financial Integrity, que trabalha com informações de fluxos financeiros, conseguiu captar quais os mecanismos utilizados para promover evasão fiscal. Eles observaram uma questão muito interessante: a priori, sempre se pensava que o dinheiro que saía de um país para um paraíso fiscal era fruto de corrupção ou dinheiro puramente ilícito. Porém, eles puderam observar que grande proporção - cerca de 80% dos fluxos financeiros - desse dinheiro tem relação com o setor privado e que o principal mecanismo utilizado é o sub-faturamento.
Isso significa que quando as empresas vão fazer as notas fiscais, ou seja, informar seu faturamento, elas informam com um valor inferior e, assim, conseguem pagar tributos menores, já que muitos deles são sobre o valor de faturamento. Um grande exemplo prático disso é a Vale, que está como uma das grande devedoras do país, inscrita na dívida ativa da União. O Inesc fez um estudo sobre a Vale e observou que a empresa vendia o ferro, que é seu principal minério exportador, a um preço abaixo do mercado internacional. Depois exportava para ela mesma, normalmente para um paraíso fiscal, e, a partir dali, revendia. Ganhando, dessa forma, duas vezes: primeiro, porque deixou de pagar os tributos sobre o faturamento e, depois, porque revende com o valor de mercado lucrando muito.

Como esse valor que não é arrecadado poderia contribuir para os investimentos públicos?
A ONU realiza alguns estudos para analisar a melhor forma de financiar os antigos Objetivos do Milênio, atualmente, denominados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Até então, eles contavam muito com as doações dos países mais ricos e mais desenvolvidos que ajudavam os países em desenvolvimento. Com o cenário de crise econômica global, desde 2008, eles perceberam que talvez isso não seria mais viável. Então, começaram a pensar em alternativas estudando os fluxos financeiros. Com isso, observaram que os países em desenvolvimento sofrem muito com a sonegação fiscal, tanto das empresas nacionais quanto, principalmente, das multinacionais. Por isso começaram essa campanha contra a sonegação, o que poderia ser eficaz na arrecadação para o financiamento dos ODS.
Essa lógica é a mesma que diversos movimento sociais, organizações e universidades seguem no Brasil. Assim que o governo anunciou diversos cortes necessários e o déficit fiscal no país, vários grupos começaram a apresentar alternativas e a rejeitar as medidas de austeridade, porque seria o mesmo que a ONU dizer que no cenário de crise os investimentos nos ODS iam parar.
Aqui no Brasil, estamos indo no sentido contrário da ONU. No lugar de pensarmos em alternativas que poderiam financiar os direitos e as políticas públicas, como diminuir as desonerações tributárias e investir no controle da sonegação fiscal, estamos implantando medidas de austeridade.
Em 2015, por exemplo, a sonegação chegou a R$ 500 bilhões, o equivalente a 5 vezes o orçamento da Saúde ou todo o orçamento da Previdência Social. Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser completamente reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação fosse recuperado, toda a Previdência poderia ser paga.

 Quais as principais medidas a serem tomadas para um combate efetivo da sonegação no Brasil?
O primeiro passo é revogar todas as leis que extinguem a punição de quem comete crimes tributários caso o pagamento do tributo seja realizado. Assim como qualquer outro crime, a sonegação deve ser punida adequadamente, ao ponto de que não seja benéfico cometê-la. Enquanto for mais lucrativo sonegar e cometer um crime tributário vai haver grande motivação para que isso aconteça. Tanto é verdade que a sonegação entra dentro do planejamento tributário das empresas, principalmente das grandes, que tem capacidade de pagar caro por advogados, economistas e contadores que conseguem, com um planejamento tributário mais agressivo, incluir a sonegação como uma estratégia. Porque se eles deixam de pagar os tributos ao longo do ano investem esse valor e rende muito. E após cinco anos, se a sonegação não for descoberta, prescreve.
Além da questão legal, também seria muito importante trabalhar a questão da fiscalização. Temos a Receita Federal e os fiscos estaduais, muitas vezes, com pouca estrutura. A gente vive hoje em um mundo extremamente tecnológico, com uma capacidade de integração entre as cidades altíssima, mas diversas administrações estão com seus equipamentos completamente defasados. Por mais que sejam criados softwares interessantes de cruzamento de dados e de controle de integração, os equipamentos não têm capacidade para suportá-los. Precisaria ser investido um pouco mais na administração e sua infraestrutura e na contratação de pessoal.
Se a gente for pensar, por exemplo, na Procuradoria da Fazenda Nacional, que faz o controle da dívida ativa, responsável por cobrar os sonegadores, estão extremamente sobrecarregados. São pilhas e pilhas de documentos para cada procurador, que não consegue cobrar adequadamente. Eles, inclusive, soltaram uma nota dizendo que ao ano eles arrecadam apenas 1% da dívida ativa, uma porcentagem extremamente pequena.

Na sua opinião, há uma má-vontade política em aprimorar os mecanismo de combate à sonegação?
Parece que sim. Sempre que a gente traz essa possibilidade, ela é encarada como impossível de ser realizada. É interessante como todas as medidas de austeridade são consideradas embasadas cientificamente e as medidas alternativas - combate à sonegação, repensar as exonerações realizadas e melhorar a eficiência da cobrança da dívida ativa - são consideradas utópicas. Isso demonstra algumas ideologias e interesses envolvidos.
Os crimes tributários, como a sonegação, deixaram de ser crime de fato porque perderam a punição a partir de 1996, um ano de grandes medidas de austeridade no país. Podemos perceber, então, que nos ciclos de medidas de austeridade e de liberalismo econômico, temos cenários que cortam investimentos públicos, se amplia o valor do orçamento público que vai para o que podemos chamar de financismo e se beneficia grandes grupos econômicos, que normalmente são capazes de realizar grande sonegações. Se a gente observar os 500 maiores devedores inscritos na dívida ativa da União, percebemos que são grandes corporações. Percebe-se um interesse em beneficiar exatamente esses grupos. O poder econômico está muito ligado com o poder político, existe uma troca de favores ali.

(fonte: https://www.brasildefato.com.br/2017/01/25/combate-a-sonegacao-e-suficiente-para-cobrir-gastos-com-previdencia-diz-especialista/)

Sonegação - a causa do déficit da Previdência


‘O advogado rebelde’ de John Grisham e os males da Justiça, lá e cá

Texto escrito por José de Souza Castro:


John Grisham bate duro em “O advogado rebelde”, seu 28º romance ambientado no meio jurídico dos Estados Unidos. Lançado em dezembro de 2015, ocupa desde então listas de mais vendidos em seu país. No Brasil, o livro foi publicado há um mês pela Rocco.

advogadoOs leitores da transcrição que faço abaixo, com vários cortes, encontrarão na fictícia Milo uma cidadezinha do interior brasileiro. No réu Gardy e nos policiais e promotores de Justiça, alguém que conhecemos de perto. No crime hediondo do acusado, a mesma sopa que nos é servida aqui, com tempero brasileiro, pela imprensa e pela justiça nossa de cada dia.

Cada uma das 400 páginas desse “thriller” é um convite irresistível à leitura. Dito isso, vamos ao autor – o advogado Sebastian Rudd, o personagem novo e inesquecível de Grisham. É Rudd quem “escreve” o livro, traduzido por Geni Hirata:

“Eles não lhe dizem na Faculdade de Direito que um dia você pode se ver defendendo uma pessoa acusada de um crime tão hediondo que cidadãos normalmente pacatos sentem-se impelidos a pegar em armas e ameaçar matar o acusado, seu advogado e até mesmo o juiz.
Estou sendo pago pelo Estado para prover uma defesa de primeira classe a um réu acusado de homicídio doloso qualificado sujeito à pena de morte, e isso requer que eu lute, esbraveja e faça um escândalo em uma sala de tribunal onde ninguém está ouvindo. Gardy foi basicamente condenado no dia em que foi preso e seu julgamento não passa de uma formalidade. Os policiais burros e desesperados anunciaram as acusações e forjaram as provas. O promotor público sabe disso, mas não tem escrúpulos e está preocupado com sua reeleição no próximo ano. O juiz dorme. Os jurados são no fundo pessoas simples e amáveis, assustadas com o processo e sempre ansiosas para acreditarem nas mentiras que suas arrogantes autoridades fabricam no banco das testemunhas.
O duplo homicídio foi tão horripilante que nenhum advogado local quis tocar no caso. Então, Gardy foi preso, e basta um olhar para saber que ele é culpado. Cabelos compridos pintados de um preto forte e lustroso, uma impressionante coleção de piercings acima do pescoço e de tatuagens abaixo, brincos metálicos combinando, olhos claros e frios, e um risinho afetado que diz: “OK, fui eu mesmo, e daí”? Em sua primeira reportagem, o jornal de Milo descreveu-o como “membro de um culto satânico, com um registro de abuso sexual de crianças”.
Que tal isso para uma reportagem honesta e imparcial? Ele nunca pertenceu a nenhum culto satânico e o caso de assédio sexual de criança não é o que parece. Mas, a partir daquele instante, Gardy foi considerado culpado e eu ainda me admiro com o quanto de termos conseguido chegar aonde chegamos. Há meses que queriam encarcerá-lo.
Ninguém [de Milo] aceitou defender Gardy e, para ser franco, não posso realmente culpá-los. É a cidade deles e a vida deles, e ficar ao lado de um assassino tão perverso poderia causar danos irreparáveis a uma carreira.
Como sociedade, nós nos apegamos na crença em um julgamento justo para uma pessoa acusada de um crime grave, mas alguns de nós resistem quando a questão é fornecer um advogado competente para garantir o dito julgamento justo. Advogados como eu vivem com a pergunta: “Mas como você é capaz de representar essa escória?”
Eu respondo com um rápido “Alguém tem que fazer isso”, enquanto me afasto. Nós realmente queremos julgamentos justos? Não, não queremos. Queremos justiça, e depressa. E justiça é qualquer coisa que consideramos ser em base casuística.
Também podemos dizer que não acreditamos em julgamentos justos porque certamente não os temos. A presunção de inocência agora é presunção de culpa. O ônus da prova é uma farsa porque a prova em geral é construída de mentiras. A culpa para além de qualquer dúvida razoável significa que, se ele provavelmente cometeu o crime, então vamos tirá-lo das ruas.
O Estado não tem nenhuma prova concreta ligando Gardy aos assassinatos. Zero. Assim, em vez de avaliar a falta de provas e reconsiderar o caso, o Estado está fazendo o que sempre faz. Continua plantando provas com mentiras e falsos testemunhos.
Como o Estado não possui provas, é forçado a fabricar algumas.
A decisão deles [os jurados] já foi tomada. Se votarem agora mesmo, antes que apresentássemos uma única testemunha de defesa, eles o considerariam culpado e exigiriam a pena de morte. Depois, voltariam para casa como heróis.”

Para não estragar o suspense, paro por aqui.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/01/25/grisham-advogado-rebelde/#more-13537)

Piketty: como colocar a extrema direita no poder


Economista adverte: na França, tachar Marine Le Pen de “populista”, tentando deslegitimar suas críticas a uma globalização devastadora, só irá jogá-la nos braços dos eleitores
Por Thomas Piketty, com tradução do IHU

Em menos de quatro meses, a França terá um novo presidente. Ou uma presidente: depois de Trump e do Brexit, não se pode excluir que as pesquisas, mais uma vez, estejam erradas, e que a direita nacionalista de Marine Le Pen esteja se aproximando da vitória. E, mesmo que se conseguisse evitar o cataclisma, existe um risco real. Le Pen é capaz de se posicionar como a única oposição credível para a direita liberal no segundo turno.
No lado da esquerda radical, espera-se, naturalmente, no sucesso de Jean-Luc Mélenchon, mas, infelizmente, não é o cenário mais provável.
Essas duas candidaturas têm um ponto em comum: põem novamente em discussão os tratados europeus e o regime atual de concorrência exacerbada entre países e territórios. Isso atrai muitos daqueles que a globalização deixou para trás. Há também diferenças substanciais: apesar de uma retórica destrutiva e de um imaginário geopolítico às vezes inquietante, Mélenchon conserva, apesar de tudo, uma certa inspiração internacionalista e progressista.
O risco desta eleição presidencial é que todas as outras forças políticas – e a grande mídia – se contentem em fustigar essas duas candidaturas e em colocar ambas no mesmo saco, definindo-as como “populistas”. Esse novo insulto supremo da política, já utilizado nos Estados Unidos com Sanders, com o resultado que sabemos, corre o risco, mais uma vez, de ocultar a questão de fundo.
O populismo nada mais é do que uma resposta, confusa mas legítima, ao sentimento de abandono das classes populares dos países desenvolvidos diante da globalização e do aumento da desigualdade. É preciso confiar nos elementos populistas mais internacionalistas (e, portanto, na esquerda radical, encarnada nos diversos países pelo Podemos, pelo Syriza, por Sanders ou por Mélenchon, independentemente dos seus limites) para construir respostas precisas a esses desafios. Caso contrário, a tendência nacionalista e xenófoba acabará por abalar tudo.
Infelizmente, é a estratégia da negação que os candidatos da direita liberal (Fillon) e do centro (Macron), estão se preparando para seguir, determinados, ambos, a defender o status quo integral sobre o fiscal compact, o pacto de orçamento europeu assinado em 2012. Não que isso chame a atenção, já que um o negociou, e o outro o aplicou. Todas as pesquisas confirmam isto: esses dois candidatos seduzem, acima de tudo, os vencedores da globalização com nuances interessantes (os católicos com o primeiro, e os burgueses radical-chic com o segundo). Mas, em última análise, são pontos secundários em relação à questão social. Os candidatos citados pretendem encarnar o perímetro da razão: quando a França tiver reconquistado a confiança da Alemanha, de Bruxelas e dos mercados, desregulando o mercado de trabalho, reduzindo os gastos públicos e os déficits, eliminando o imposto sobre o patrimônio e aumentando o imposto sobre o consumo (IVA), então finalmente será possível pedir que os nossos parceiros venham ao nosso encontro a respeito da austeridade e da dívida.
O problema desse discurso que parece ser razoável é que ele não o é de todo. O tratado de 2012 é um erro monumental, que aprisiona a zona do euro em uma armadilha mortífera, impedindo-a de investir no futuro. A experiência histórica mostra que é impossível reduzir uma dívida pública desse nível sem recorrer a medidas excepcionais. A menos que os países se condenem a registrar superávits primários durante décadas, comprometendo no longo prazo qualquer capacidade de investimento.
De 1815 a 1914, o Reino Unido passou um século registrando excedentes orçamentários enormes para reembolsar os seus rentistas e reduzir a dívida exorbitante produzida pelas guerras napoleônicas. Essa escolha nefasta produziu investimentos em formação inadequados e um novo impasse do país. Entre 1945 e 1955, ao contrário, Alemanha e França conseguiram se desembaraçar rapidamente de uma dívida de proporções semelhantes com uma combinação de medidas de cancelamento da dívida, inflação e impostos excepcionais sobre o capital privado, colocando-se em condições de investir no crescimento.
Seria preciso fazer o mesmo hoje, impondo à Alemanha um Parlamento da zona do euro para aliviar as dívidas com toda a legitimidade democrática necessária. Se não for assim, o atraso nos investimentos e a estagnação da produtividade já observados na Itália acabarão por se estender para a França e para toda a zona do euro (já há sinais nesse sentido).
É mergulhando novamente na história que conseguiremos sair do impasse atual, como acabaram de recordar os autores da magnífica Histoire mondiale de la France, ótimo antídoto às tendências identitárias do país. De maneira mais prosaica e menos divertida, é preciso também mergulhar nas primárias organizadas pela esquerda de “governo” (chamamo-la assim por não ter  conseguiu organizar primárias com a esquerda radical, algo que pode afastá-la do governo).
É essencial que essas primárias designem um candidato decidido a colocar drasticamente em discussão novamente as regras europeias. Hamon e Montebourg parecem mais próximos dessa linha do que Valls ou Peillon, mas com a condição de que superem as suas posições sobre a renda universal e o made in France e, finalmente, formulem propostas específicas para substituir o pacto fiscal de 2012 (mencionado apenas de passagem no primeiro debate da televisão, talvez porque, há cinco anos, todos votaram nele: mas é precisamente por isso que é ainda mais urgente esclarecer as coisas, apresentando uma alternativa detalhada) [Benoit Hamon, o candidato mais à esquerda do Partido Socialista, venceu o primeiro turno das “primárias cidadãs”, em 22/1. Ele enfrentará o candidato neoliberal Manuel Valls no segundo turno destas primárias (Nota de “Outras Palavras”)].
Nem tudo está perdido, mas é preciso agir com pressa, se se quiser evitar colocar a Frente Nacional em uma posição de força.

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=414964)

Café História em casa nova

Caro(a) participante,
Comemoramos neste mês de janeiro o nosso 9º aniversário. Para celebrar quase uma década no ar, temos uma notícia muito importante: o Café História foi profundamente reestruturado. Desde 2008, passamos por mudanças editoriais e visuais expressivas. Mas agora, a mudança é maior: temos um novo domínio, uma nova versão mobile, uma nova identidade visual, além de novidades nas seções, estrutura de navegação e plataforma.
Nosso objetivo é manter o Café História atualizado com os recursos e demandas de seu tempo. O nosso foco está mais do que nunca na divulgação da História: tanto para o público acadêmico, como para o grande público.
Está curioso(a)? Quer ver como ficou o novo Café História? Acesse:
A nova plataforma e os conteúdos: o que continua e o que muda?
Nossa nova plataforma é mais elegante, intuitiva, organizada e bonita – pelo menos nos esforçamos para isso! Você vai notar cores mais claras e seções mais bem definidas. A navegação também foi simplificada. Não existe mais a necessidade de login.
Os conteúdos de várias seções do antigo Café História continuam existindo: entrevistas, mural, eventos, acadêmico, artigos, bibliografias comentadas, dicas de livros. E temos algumas seções novas também, como você poderá perceber.
No novo Café História, não há mais chat, login ou página de perfil. Algumas seções não terão continuidade. São elas: grupos, fóruns, blogs, fotos e vídeos. Por questões técnicas, essas seções não puderam ser migradas para nosso novo site. É uma perda, sem dúvida, mas que temos certeza será recompensada por todas as inovações que já estão no ar.
A rede antiga: o que vai acontecer?
A rede antiga (www.cafehistoria.ning.com) continuará no ar até o dia 02 de abril de 2017. Se você quer salvar algum conteúdo, inclusive comentários ou mensagens, faça-o até esta data. Depois, a rede será completamente desativada, junto com os todos os perfis e blogs pessoais, que não estarão mais acessíveis. Não haverá backup no Ning ou fora dele para acesso posterior ou resgate de informações.
Se quiser guardar como imagem seus posts e os comentários recebidos em seu blog, sugerimos o uso de um plugin gratuito de um Google para o navegador Google Chrome chamado “Full Page Screen Capture” (Disponível em: https://chrome.google.com/webstore/detail/full-page-screen-capture/fdpohaocaechififmbbbbbknoalclacl).
Por que mudamos?
Muitos fatores nos levaram a essa mudança. Em primeiro lugar, questões de custo/benefício. O custo da plataforma Ning aumentou bastante, o que não foi acompanhado por inovações em seu sistema. Além disso, o Ning sempre foi e continua sendo uma rede muito fechada e que praticamente não permite customização de sua interface: não detínhamos o controle total de nosso site. Em segundo lugar, observamos ao longo destes nove anos que houve uma mudança importante de comportamento de nossos usuários, que passaram, em sua maioria, a demandar mais conteúdos originais e menos ferramentas de rede social. Em terceiro lugar, depois de oito anos e mais de 65.000 participantes, o Café História enfrentou uma espécie de entropia de conteúdos. Muitos conteúdos foram publicados na rede, de forma que a moderação já não conseguia assegurar a qualidade do que era colocado no ar. Ao lado disso, muitos moderadores de grupos e fóruns deixaram de atuar nesses espaços, o que aumentou consideravelmente a quantidade de páginas inativas na rede e dificultou ou frustrou a experiência dos usuários. Finalmente, enfrentamos muitos trolls, spammers e participantes mal-intencionados em nossas discussões – um grupo que, embora muito pequeno, acabava tornando o site menos propício ao debate historiográfico. Continuamos juntos! 
Enfim, muita coisa mudou. Mas a missão continua a mesma: contribuir para o debate historiográfico e para a divulgação da História. Esperamos continuar recebendo o seu carinho e atenção. Aliás, sobre isso, uma observação importantíssima: para acompanhar nossas atualizações, assine nossa newsletter no novo endereço. Também existe a opção de notificações (ícone vermelho no site) via navegador (Google Chrome). Se preferir, assine os dois serviços (recomendado).
E vale lembrar mais uma vez: se quiser salvar qualquer conteúdo no domínio antigo, faça isso até o dia 02 de abril de 2017. Depois disso, o site antigo será completa e automaticamente apagado, incluindo os perfis individuais e todas as informações dele. Até mais!
Bruno Leal Pastor de Carvalho
Editor e fundador do Café História

sábado, 21 de janeiro de 2017

Arquivo queimado. E agora?


Morte de Teori Zavascki interessa aos que querem prolongar o golpe e temem as delações da Odebrecht. Faltam a Temer condições éticas para nomear sucessor. É hora de voltar às ruas
Por Antonio Martins

Não é preciso transformar o ministro Teori Zavascki, morto num acidente suspeitíssimo, em herói. Encarregado do processo da Lava Jato no STF, ele foi, como quase todos os seus colegas, incapaz de defender a Constituição e a imparcialidade da justiça. Mas é facílimo identificar os que se beneficiam com seu desaparecimento. Em primeiro lugar o presidente Temer; seu “governo de réus” (para usar a feliz expressão de Paulo Sérgio Pinheiro); as cúpulas do PSDB e PMDB; e centenas de deputados e senadores destes e outros partidos governistas. Todo este grupo estaria ameaçado e desmoralizado já a partir de fevereiro, quando Teori homologaria as delações premiadas dos executivos da Odebrecht, expondo a corrupção e hipocrisia dos que derrubaram o governo eleito e tomaram o poder em maio.
O “acidente” favorece, em segundo lugar, o prolongamento do golpe de Estado e a adoção de sua agenda de retrocessos selvagens. A quebra do sigilo sobre as delações (outra decisão que Teori mostrava-se disposto a tomar) demonstraria que o recebimento de propina e o favorecimento ao poder econômico são práticas corriqueiras e quase universais no mundo da política institucional. Esta revelação destrói o núcleo central da narrativa dos golpistas – a ideia de que o impeachment foi adotado para afastar um grupo corrupto e sanear a vida nacional. De quebra, frustrar ou adiar a publicação oficial das delações permite a um Congresso onde há centenas de prováveis corruptos tocar impunemente a agenda de horrores em curso. Nela se incluem, entre tantos outros pontos, o desmonte da Previdência Social Pública, a anulação na prática da maior parte da legislação que protege o trabalho, o bloqueio da demarcação de terras indígenas e o prosseguimento da entrega do pré-sal.
A análise inicial do regimento do STF sugere que todos processos sobre a Lava Jato, até agora centralizados em Teori Zavascki, serão entregues ao novo ministro do Supremo – a ser proposto pelo presidente da República e confirmado pelo Senado. Nas condições atuais, trata-se de uma afronta à ética. As poucas delações vazadas até agora indicam que Michel Temer foi apontado como receptor de propina ou praticante de favorecimento ilícito 43 vezes pelos executivos da Odebrecht. Em que julgamento legítimo pode o réu escolher o juiz que decidirá sua pena – ou sua absolvição? A necessária confirmação da escolha pelo Senado torna o escárnio ainda mais completo. Porque serão padrinhos do novo ministro, além de Temer, dezenas de senadores igualmente citados como corruptos.
Ninguém duvide: tanto Michel Temer quanto os senadores executarão, se lhes for permitido, o roteiro bizarro exposto acima. Eles tomaram o poder sem pudor, conscientes de sua hipocrisia, nas sessões grotescas da Câmara e do Senado em 19 de Março e 31 de agosto. Eles, sem vergonha, obrigam o país a engolir uma agenda impopular e nunca submetida a consulta alguma. Se foram capazes de tanto, o que não farão para salvar a própria pele e para preservar o sistema espúrio que lhes dá cada vez mais riqueza e poder?
Na vida e na política, as omissões são muitas vezes mais trágicas que os erros. As manifestações contra o golpe, que mobilizaram multidões e cresceram até abril, arrefeceram em seguida. Um pensamento acomodado tem soprado a alguns setores, mesmo entre a esquerda, que os males do presente poderão ser reparados em 2018, quando um novo presidente for eleito. Outros, que se julgam mais radicais, deixaram as ruas porque, enojados com razão de toda a política institucional, avançaram um limite. Amorteceram-se e se tornaram incapazes de lutar contra a brutalidade específica de um golpe capaz de instalar o Estado de Exceção em sua versão mais crua.
A morte de Teori Zavascki abre espaço para uma recuperação. Ninguém será capaz de convencer a sociedade de que foi de fato um acidente (é sugestivo que a velha mídia, discreta sobre a vida íntima de quase todos os poderosos, alardeie agora, como cortina de fumaça, a possível presença de uma amante no voo fatal). Os que queremos uma reforma política profunda devemos assumir nossa responsabilidade.
É preciso impedir que a casta política se safe e que o golpe se amplie. Há instrumentos para bloquear esta fuga. O futuro ministro do STF que assumirá o processo precisa ser questionado. Deve se comprometer, como indicava claramente Teori, a aceitar os acordos de delação premiada da Odebrecht. Poderá alegar que precisa de tempo para analisar milhares de horas de gravação, dezenas de milhares de páginas de processo. Mas isso não poderá servir de pretexto para manter o processo engavetado. O sigilo precisa ser rompido. Estamos na era do digital. Nada mais tacanho que impedir os brasileiros de conhecer as práticas políticas dos que querem governar.
A luta contra a corrupção – muitos têm dito – não pode ser uma bandeira dos conservadores. A oportunidade para frear esta captura está dada agora. Não se trata, como alguns chegaram a propor, de aderir às manifestações reacionárias. Trata-se de propor agenda às maiorias que percebem, tanto quanto nós, o esvaziamento da política. Trata-se de construir, com o impulso do fato inesperado, uma narrativa mais rica sobre o sequestro da democracia pelo poder econômico. Trata-se de tomar a frente, de propor saídas concretas diante de um acontecimento que comove o país. Estamos dispostos?

(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/arquivo-queimado-e-agora/)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Em Davos, Oxfam relata que desigualdade é maior do que se pensava


Começa nesta segunda-feira (16.01) o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. O  ministro Henrique Meirelles comparecerá levando a missão de atrair investimentos, comprovando que agora o Brasil é um país “sério” que finalmente está enfrentando “seus problemas”.
 
Naturalmente a mídia conservadora brasileira deverá apresentar o esforço de Meirelles como bem sucedido. Não se esperam surpresas deste lado.
 
Mas mais uma vez o esforço do governo brasileiro estará na contramão. Desde pelo menos o ano passado o Fórum Econômico, ao contrário do que fazia antes, quando apresentava quase sempre uma visando positiva na economia mundial, vem apresentando um balanço problemático do tema, apontando o aprofundamento da desigualdade como a espinha dorsal dos problemas do planeta.
 
Os dados são cada vez mais estarrecedores. No ano passado o relatório da Oxfam - um conglomerado de dezenas de ONGs e associações semelhantes que atuam em mais de 90 países, apresentado no mesmo Fórum, dizia que 62 bilionários detinham tanta riqueza quanto 50% da população mundial. Desta vez o relatório diz que este número se reduz a oito. Se levarmos em conta os outros 56 do relatório passado, a desigualdade terá dados mais dramáticos ainda.
Estes bilionários são: Bill Gates, da Microsoft, Amansio Ortega, da Zara, Carlos S. Helm, da mexicana Carso, Warren Buffet, da Berkshire Hathaway, Jeff Rezos, da Amazon, Mark Zuckerberg, da Facebook, Larry Ellison, da Oracle tech, e Michael Bloomberg, da Bloomberg News. Juntos, eles detém uma riqueza avaliada em 426 bilhões de dólares, que corresponde ao valor das posses de 3,6 bilhões de pessoas na outra ponta da pirâmide social planetária. Diz a Oxfam que a reavaliação decorreu da obtenção de dados mais precisos sobre estas empresas e também sobre a pobreza no mundo, sobretudo na Índia e na China.
 
Olhando-se o universo destas empresas, observa-se que:
 
1.Microsoft, Oracle, e Facebook atuam na frente virtual e proximidades.
 
2.A Amazon também atua na frente virtual, especializada em vendas de produtos editoriais.
 
3.A Berkshire Hathaway é uma empresa especializada em administrar outras empresas, e faz algum tempo se especializa em compra-las, agregando-as ao seu conglomerado.
 
4.A mexicana Carso se especializa em infra-estrutura e energia, macro-construções e no varejo destes setores.
 
5.A Bloomberg News é hoje um conglomerado de empresas especializadas em informações para o setor financeiro.
 
6.A galega Zara é uma rede de vestimentas, calçados e produtos afins para mulheres e crianças.
 
Todas elas têm uma atuação em escala planetária.
 
Foi-se o tempo, portanto, em que o Fórum de Davos e o Fórum Social Mundial, que nasceu em 2001, em Porto Alegre, eram antípodas. O FSM perdeu muito de seu ímpeto, ao recusar uma aproximação mais diretamente política (sem cair no partidarismo) dos temas mundiais. O Fórum de Davos continua em grande parte dedicado a apresentar soluções paliativas para os problemas mundiais, mas pelo menos vem se aproximando mais de um quadro realista da desigualdade planetária.
 
Quanto a Porto Alegre, hoje presa de uma plêiade de políticos e de uma classe média que se tornou largamente conservadora, deixou de ser “a capital do século XXI” que já foi. E como um todo o Brasil do governo ilegítimo de Michel Temer se afunda cada vez mais no pântano da desigualdade. Segundo dados da OIT, em 2017 um entre cada três novos desempregados no mundo será brasileiro.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Destaque-da-semana-em-Davos-Oxfam-relata-que-desigualdade-e-maior-do-que-se-pensava/7/37569)


Francisco nomeia cardeal progressista como membro pleno da Congregação para a Doutrina da Fé



O PAPA NÃO PARA!
 
O site da revista  America, dos jesuítas americanos, anunciou no fim da tarde deste sábado (14) a nomeação do arcebispo de Boston, o cardeal franciscano Sean P. O’Malley, como membro pleno da Congregação para a Doutrina da Fé. O’Malley é um cardeal progressista, da confiança de Francisco. O Vaticano, segundo a revista, confirmou a notícia por volta de 12h deste sábado em Roma (15h em Brasília), mas não houve até o momento divulgação oficial da notícia pelos canais de comunicação da Santa Sé.

A nomeação é um estrondo. A Congregação para a Doutrina da Fé, sucessora do Santo Ofício, sempre foi dominada pelos conservadores e promoveu nas últimas décadas perseguições a teólogos, teólogas, sacerdotes e leigos progressistas. O prefeito (chefe) da Congregação é o cardeal alemão conservador Gerhard Müller, que buscou aproximações com o Papa nos últimos meses e distanciou-se do grupo radical dos quatro cardeais das “dubia” que lideram uma mini rebelião a Francisco. Com a chegada de O’Malley à Congregação, o equilíbrio de forças sofre uma mudanças história - estará ele sendo preparado para a sucessão de Müller?

Há outro aspecto relevante na decisão, que foi destacado na reportagem de America: o cardeal O’Malley é também o presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores que Francisco instituiu em 2014. Com a nomeação, segundo o próprio Vaticano, passa a haver uma ligação direta entre a mais antiga e poderosa Congregação da Cúria e a comissão que cuida dos casos de pedofilia e abuso sexual, até agora muito ativa, mas sem poder real.

A decisão de Francisco indica claramente que ele não recuará nas reformas nem está intimidado pela estridência conservadora, que mobiliza mídias e dinheiro ao redor do mundo para combatê-lo. As reformas seguirão em frente.

Aguarda-se para as próximas horas uma reação furibunda dos “contras”, que já haviam ficado perplexos com o que consideram uma “traição” de Müller, que numa entrevista a uma TV italiana há uma semana censurou as iniciativas dos cardeais rebelados (leia a reportagem deste blog sobre o assunto: “Os conservadores perdem o chão: Müller apoia o Papa e condena os quatro cardeais“). Há dois dias, os conservadores ficaram novamente indignados com a decisão dos bispos de Malta de apoiar a Amoris Laetitia e permitir a comunhão de divorciados em segunda união. A pequena Malta tem pouquíssima relevância no contexto do catolicismo global, mas ganhou destaque com a rebelião da Ordem de Malta contra o Papa, estimulada por seu patrono, exatamente o cardeal líder da marcha ultraconservadora, Raymond Burke.

Os próximos dias serão agitados.
[por Mauro Lopes]
Você pode ler a versão em espanhol da reportagem, publicada no blog Camino a Casa, em Religion Digital – clique aqui.

(fonte:  http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/01/14/francisco-nomeia-cardeal-progressista-como-membro-pleno-da-congregacao-para-a-doutrina-da-fe/)

A face do imperialismo no século XXI

Países ricos falam em “ajuda” mas capturam dos pobres 2 trilhões de dólares líquidos por ano. Juros e transferências via paraísos fiscais compõem a conta

Por Jason Hickel | Tradução: Inês Castilho |

Há tempos circula uma convincente história sobre a relação entre países ricos e pobres. Diz a história que as nações ricas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) doam generosamente parte de sua riqueza para as nações mais pobres do Sul global, para ajudá-las a erradicar a pobreza e impulsioná-las na escada do desenvolvimento. Sim, durante o colonialismo as potências ocidentais podem ter enriquecido extraindo recursos naturais e trabalho escravo de suas colônias – mas isso tudo seria passado… Atualmente, elas doam mais de US$ 125 bilhões  (cerca de R$ 400 bilhões) por ano – uma sólida evidência de boa vontade.
Essa história é tão amplamente propagandeada pela indústria da assistência e pelos governos do mundo rico, que passamos a considerá-la como certa. Mas os fatos não são tão simples assim.
A organização Global Financial Integrity (GFI), que luta contra os fluxos financeiros ilegais e tem base nos EUA, e o Centre for Applied Research at the Norwegian School of Economics (Centro de Pesquisa Aplicada da Escola de Economia da Noruega) publicaram recentemente alguns dados fascinantes. Apuraram todos os recursos financeiros que são transferidos, a cada ano, entre os países ricos e os países pobres: não só ajuda, investimentos estrangeiros e fluxos comerciais (como fizeram os estudos anteriores), mas também transferências não-financeiras tais como cancelamento da dívida, transferências unilaterais tais como remessas de dinheiro por trabalhadores, e fuga de capitais clandestinos (falo mais sobre isso posteriormente). Que eu saiba, é a avaliação mais abrangente jamais realizada sobre transferências de recursos.
O que eles descobriram é que o fluxo de dinheiro que vai dos países ricos para os países pobres torna-se pálido, quando comparado ao fluxo que corre na direção contrária.
Em 2012, último ano em que os dados foram registrados, os países em desenvolvimento receberam um total de US$ 1,3 trilhões (R$ 4,19 trilhões), incluindo todo tipo de ajuda, investimentos e remessas do exterior. Naquele mesmo ano, contudo, cerca de US$ 3,3 trilhões (R$ 10,64 trilhões) vazaram para fora destes mesmos países. Em outras palavras, os países em desenvolvimento mandaram para o resto do mundo US$ 2 trilhões a mais do que receberam. Se olharmos todos os anos, desde 1980, esse escoamento chega ao impressionante total de US$ 16,3 trilhões (R$ 52,54 trilhões). É o quanto foi drenado do Sul global nas últimas décadas. Para dar uma noção dessa escala, US$ 16,3 trilhões é aproximadamente o PIB dos Estados Unidos.
Isso significa que a narrativa convencional do desenvolvimento tem seu lado sombrio. A ajuda está, efetivamente, correndo ao contrário. Países ricos não estão desenvolvendo países pobres; países pobres é que estão desenvolvendo os ricos.
Em que consistem esses grandes fluxos? Parte são pagamentos da dívida. Os países em desenvolvimento desembolsaram mais de US$ 4,2 trilhões (R$ 13,54 trilhões) só em pagamento de juros desde 1980 – em transferência de dinheiro direta aos grandes bancos em Nova York e Londres, numa escala que torna nanica a ajuda que eles receberam durante o mesmo período. Outra grande contribuição vem das rendas que estrangeiros têm com seus investimentos nos países em desenvolvimento e são repatriadas. Pense em todo o lucro que a British Petroleum extraiu das reservas de petróleo da Nigéria, por exemplo, ou que a Anglo-American retira das minas de ouro da África do Sul.
Mas, de longe, a maior parte do fluxo de dinheiro tem a ver com a fuga de capitais clandestinos – e geralmente ilícitos. O GFI calcula que países em desenvolvimento perderam, desde 1980, um total de US$ 13,4 trilhões (R$ 43,19 trilhões) com a evasão clandestina de capitais.
A maioria desses fluxos clandestinos acontece por meio do sistema internacional de comércio. Basicamente, corporações – tanto  estrangeiras quanto domésticas – informam preços falsos em suas faturas comerciais, de modo a enviar dinheiro de países em desenvolvimento para paraísos fiscais e jurisdições sigilosas, uma prática conhecida como “trade misinvoicing” (faturamento adulterado). O objetivo geralmente é a evasão fiscal, mas às vezes essa prática serve também para lavar dinheiro ou contornar o controle de capitais. Em 2012, os países em desenvolvimento perderam US$ 700 bilhões em razão do “trade misinvoicing”, que naquele ano superou em cinco vezes o recebimento de ajuda.
Empresas multinacionais também roubam dinheiro de países em desenvolvimento através da “same-invoice faking” (falsificação da mesma fatura), trocando lucros ilegalmente entre suas próprias subsidiárias, por meio da falsificação de preços das faturas comerciais nos dois lados. Por exemplo, uma subsidiária na Nigéria pode esquivar-se dos impostos locais transferindo dinheiro para uma subsidiária nas Ilhas Virgens Britânicas, onde a taxa de impostos é efetivamente zero e onde os fundos não podem ser rastreados.
O GFI não inclui o “same-invoice faking” em seus números totais por ele ser muito difícil de detectar, mas estima que seu valor chegue a outros US$ 700 bilhões (R$ 2,25 trilhões) anuais. E esses números cobrem apenas furto no comércio de bens. Se forem acrescidos ao mix os furtos por comércio de serviços, a evasão total de recursos líquidos sobe para US$ 3 trilhões (R$ 9,67 trilhões) anuais.
Isso é 24 vezes mais que o orçamento de ajuda. Em outras palavras, para cada US$ 1 de ajuda que recebem, os países em desenvolvimento perdem US$ 24 em saídas líquidas. Essa vazão os despoja de uma importante fonte de renda e finanças para o desenvolvimento. O relatório do GFI revela que as crescentes saídas levaram as taxas de crescimento econômico a declinar nos países em desenvolvimento, e as responsabiliza diretamente pela queda dos níveis de vida.
Quem deve ser responsabilizado por esse desastre? Considerando-se que a fuga de capitais ilegais significa tamanha parte do problema, esse é um bom ponto de partida. As empresas que mentem em suas faturas comerciais são claramente responsáveis; mas, por que razão é tão fácil para eles ficar impunes? No passado, as autoridades alfandegárias podiam deter transações que pareciam duvidosas, tornando quase impossível fraudar. Mas a OMC reclamou que isso tornava o comércio ineficiente, e desde 1994 os fiscais alfandegários receberam ordens de tomar os preços das faturas por seu valor de face, exceto em circunstâncias muito suspeitas, tornando difícil impedir as saídas ilícitas.
A fuga ilegal de capitais não seria possível sem os paraísos fiscais. E, quando se trata de paraísos fiscais, não é difícil identificar os culpados: há mais de 60 pelo mundo, a grande maioria controlada por meia dúzia de países ocidentais. Há paraísos fiscais europeus como Luxemburgo e Bélgica, e paraísos fiscais norte-americanos como Delaware e Manhattan. Mas, de longe, a maior rede de paraísos fiscais está centralizada em torno da cidade de Londres, que controla jurisdições sigilosas por todas as Dependências e Territórios Ultramarinhos da Coroa Britânica.
Em outras palavras, alguns dos países que gostam tanto de gabar-se de suas contribuições para ajuda exterior são os mesmos que possibilitam o furto em massa dos países em desenvolvimento.
A narrativa da ajuda começa a parecer um pouco ingênua quando levamos em conta esse fluxo reverso. Torna-se claro que ela apenas maquia a má distribuição de recursos pelo mundo. Leva a ver aqueles que se apropriam como “doadores”, recobrindo-os com uma espécie de superioridade moral. Impede aqueles que se importam com a pobreza global de entender o real funcionamento do sistema.
Os países pobres não precisam de caridade. Eles precisam de justiça. E justiça não é difícil de entregar. Poderíamos anular as dívidas excessivas dos países pobres, liberando-os para investir seu dinheiro em desenvolvimento ao invés de pagar juros de velhos empréstimos. Poderíamos fechar as jurisdições sigilosas e punir bancos e contadores que facilitem a evasão ilícita;. Poderíamos impor um tributo global sobre a renda das corporações para eliminar o incentivo ao deslocamento secreto do seu dinheiro em redor do mundo. Sabemos como resolver o problema. Mas fazê-lo iria contra os interesses de bancos e corporações poderosas, que extraem significativos benefícios materiais do sistema existente. A pergunta é: temos coragem?

(fonte:  http://outraspalavras.net/destaques/a-face-do-imperialismo-no-seculo-xxi/)

'Minha filha só fala que não quer voltar para a rua. Não sabemos o que fazer'

Sem alternativa ou qualquer tipo de assistência, famílias que viviam na Ocupação Colonial, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, estão espalhadas pelas ruas da cidade, sem ter para onde ir, após desocupação violenta realizada pela Polícia Militar na manhã de hoje (17). As pelo menos 700 famílias que viviam no local não foram nem sequer cadastradas em programas habitacionais da prefeitura ou do governo do estado.

A reportagem é de Sarah Fernandes, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 17-01-2017.

Durante a reintegração, marcada por violência policial, não havia representantes do poder público. Os moradores não tiveram tempo de retirar seus pertences de casa. Com, bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha, centenas de policias do batalhão da tropa de choque dispersaram os moradores e destruíram barracos de madeira.

“Minha filha tem 8 anos e me diz a toda hora que não quer voltar para a rua. Eu só consigo dizer: ‘tenha fé Larissa. Não sei o que fazer”, diz a dona de casa que quis se identificar apenas como Pâmela e que esta em uma rua de São Mateus com a filha e o filho de seis anos desde a manhã, sem terem feito ainda nenhuma refeição. Ela viveu 17 anos na rua, onde teve os dois filhos, e há um ano e meio foi acolhida na ocupação.

Procurada, a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) afirmou que o terreno era particular e que por isso a prefeitura não tem participação no processo. “A Sehab informa ainda que disponibiliza às famílias o cadastramento para os programas habitacionais do município através do site da Cohab-SP.”

“As famílias estão todas espalhadas. Tem um pouco em cada canto, sem nenhum destino. Eu estou na calçada com meus dois filhos... Vou fazer o quê? Tudo o que tínhamos perdemos”, diz Pâmela, que vivia de doações. “Meu maior medo é que o Conselho Tutelar tire meus filhos de mim por eu estar de novo na rua. Seria como arrancar uma parte de mim”, aos prantos.
A Justiça de São Paulo decidiu pela reintegração há cinco dias. Os moradores tentaram negociar o adiamento para que as famílias ao menos fossem cadastradas em programas de habitação da prefeitura. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) também chegou a entrar com ação pedindo de suspensão da reintegração. Ainda assim, a reintegração foi executada, antes mesmo que a Justiça pudesse julgar o pedido do MP.

“As pessoas estão nas ruas, procurando pontes para passarem a noite. Elas não tiveram garantidos direitos básicos em uma reintegração de posse. Elas não foram inscritas nem em projetos de moradia”, lamenta um dos líderes da ocupação, Eduardo Roz, lembrando que não foram oferecidos banheiros químicos, nem ambulâncias, na operação. “Cansei de ver famílias da ocupação comendo arroz com ração que colocavam para cachorros. São pessoas em situação de miserabilidade.”

É a primeira reintegração de posse executada na gestão do prefeito João Doria (PSDB), que afirmou diversas vezes que não iria tolerar ocupações. Roz afirmou que protocolou uma carta no gabinete do prefeito quando a comunidade foi notificada sobre a decisão judicial, mas não obteve resposta. “O mínimo que o prefeito poderia ter feito era ter mobilizado a equipe para inscrever as famílias em programas de habitação social. A reintegração aconteceu debaixo de chuva torrencial. Não houve o mínimo respeito pelas famílias.”
(fonte http://www.ihu.unisinos.br/564076-minha-filha-so-fala-que-nao-quer-voltar-para-a-rua-nao-sabemos-o-que-fazer)

Vamos plantar florestas!


Está no ar a nova publicação do Instituto Socioambiental (ISA) para disseminar técnicas de reflorestamento. O Guia da Muvuca traz ilustrações e textos explicativos mostrando todas as etapas da utilização da técnica: desde a coleta de sementes, o planejamento, a preparação do terreno, o plantio, a época melhor para semear, o manejo, o cálculo da quantidade de sementes necessárias, a aquisição de sementes até a colheita. Acesse.
A reportagem foi publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 18-01-2017.

O reflorestamento de áreas degradadas como nascentes e matas ciliares de rios e lagoas, que os técnicos do ISA no Xingu vêm realizando há dez anos, utiliza a técnica da muvuca, uma mistura de sementes de espécies diferentes que se planta de uma só vez, direto na terra. A técnica da semeadura direta para plantar espécies nativas ou não é empregada por agricultores e povos indígenas há séculos e foi incorporada pela Campanha Y Ikatu Xingu, que o ISA e parceiros lançaram no final de 2004 para recuperar matas ciliares nas cabeceiras do Rio Xingu, no Mato Grosso.
As atividades de restauração tiveram início em 2006, e hoje a região contabiliza mais de 3 500 hectares reflorestados. A partir do acúmulo de experiências do ISA ao longo desses 10 anos, e do consenso que existe sobre a urgência de restaurar a vegetação ao redor de nascentes, rios e lagoas, agricultores familiares, grandes agricultores, pecuaristas, povos indígenas e populações urbanas plantam, hoje, espécies nativas nessas áreas.
Todos comprovam os benefícios que a restauração florestal traz aos peixes, pelas frutas e sombra que propicia; aos animais, pelos corredores naturais que formam; ao clima regional e global, pela retenção de água e carbono atmosférico e à qualidade da água, bem finito e necessário à perpetuação da vida.
Além das sementes, a muvuca pode incluir também ervas, arbustos, cipós e árvores, pode-se quebrar a dormência das sementes ou inocula-las, pode-se ou não misturar com terra ou areia e seu plantio pode ser realizado de diferentes formas, mecanizadas ou manuais.

Ilustrações e textos explicam as etapas

A nova publicação do ISA explica como cada espécie presente na muvuca é selecionada em função de sua forma de vida, taxa de germinação, velocidade de crescimento, tempo de vida, tolerância à seca, inundação, geada, fogo, atração à fauna e uso econômico. A quantidade de semente de cada espécie é planejada para que sempre haja plantas em todas as alturas da vegetação, em quantidade suficiente para recobrir toda a área. Em áreas degradadas é interessante misturar também leguminosas para adubação verde.
As sementes nativas estão à venda por diversos fornecedores no Brasil e na Associação Rede de Sementes do Xingu, que produz em organização coletiva 250 espécies de plantas nativas do Cerrado e da Amazônia. Outra opção é a coleta que cada pessoa pode fazer perto do seu local de plantio.

Sementes versus mudas

Restaurar ecossistemas usando sementes, em vez de mudas, apresenta vantagens econômicas, sociais e ambientais que a experiência do ISA em Mato Grosso comprova e a de diversos outros parceiros também. É o caso da Embrapa, UFSCar, USP, Unemat, Ipam, Ansa, CPT, IOV, ICV, Idesam, Aitupiapabra, CI, TNC, ILG, Agropec. Fazenda Brasil, Fazenda Bang-Bang, Gerdau, Fibria, entre outros. O resultado desses plantios se destaca pela quantidade de árvores estabelecidas por m2, pelo recobrimento rápido do terreno, praticidade e baixos custos.
A muvuca começou a ser disseminada no Brasil pelo trabalho do grupo Mutirão Agroflorestal com Ernst Göstch na década de 1980 e 1990, focado até hoje no desenvolvimento e multiplicação de sistemas agroflorestais produtivos. A partir dessas experiências, o ISA e diversos parceiros da Campanha Y Ikatu Xingu começaram em 2006 a testar a técnica em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legais (RLs), especialmente em áreas de Cerrado e Amazônia no nordeste de Mato Grosso.
Vale lembrar que toda propriedade rural deve ter, além das APPs, que protegem principalmente a água, as nascentes, uma Reserva Legal (RL) proporcional ao tamanho da propriedade. É nela que se deve manter ou recompor a vegetação nativa que pode e deve ser manejada de forma sustentável para aproveitamento econômico.
Os testes deram bons resultados iniciais e a iniciativa se ampliou com a criação da Rede de Sementes do Xingu em 2007, que impulsionou o reflorestamento na região e conta hoje com 420 coletores incluindo indígenas (saiba mais aqui), que produzem mais de 20 toneladas anualmente para restauração.

Como a muvuca se desenvolve

O guia mostra que logo após o plantio, a área é recoberta rapidamente por ervas e arbustos que são plantados ao mesmo tempo e por outros arbustos que já haviam no solo. Isso protege as árvores que estão germinando contra ventos fortes, ressecamento do solo, erosão, capivaras, formigas cortadeiras e auxilia a proteger de plantas muito agressivas, como o capim braquiária. Para essa função podemos usar ervas, arbustos, cipós e plantas leguminosas chamadas de adubos verdes.
Quando ervas e trepadeiras de ciclo de vida anual-bianual morrem, arbustos e árvores de crescimento rápido começam a ocupar o espaço deixado por elas. Mas esses arbustos e árvores também têm ciclo curto, de alguns anos.
Já quando morrem as árvores de crescimento rápido, são substituídas por árvores de crescimento mais lento e vida mais longa.
Acesse aqui o Guia da Muvuca, inspire-se e crie a sua!!

Parceiros e apoiadores

São parceiros no projeto a Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), a Associação Xingu Araguaia (AXA), a Universidade Federal de São Carlos (UfsCAR), a Rede de Sementes do Xingu e a Embrapa. Os apoiadores são a Fundação Rainforest da Noruega, a EDF (Environmental Defense Fund) e a Fundação Gordon e Betty Moore.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564088-vamos-plantar-florestas)

Ainda mais difícil explicar nossas altíssimas taxas de juros

Texto escrito por José de Souza Castro:

A política do Banco Central do Brasil de tentar controlar a inflação com altas taxas de juros fica mais indefensável depois do artigo de André Lara Resende, o principal teórico do Plano Real, publicado no dia 13 deste mês pelo jornal “Valor Econômico”. Segundo ele, “o juro alto não só agrava o desequilíbrio fiscal, como no longo prazo mantém a inflação alta”.
Sem o embasamento teórico desse economista que hoje é “senior research fellow na Columbia University”, critiquei em alguns artigos neste blog, como NESTE, a política equivocada do BC. Antes de tentar interpretar o artigo acadêmico de André Lara Resende, recorro ao experiente Luís Nassif, que faz a seguinte análise:
“Vinte anos de juros elevadíssimos promoveram o mais profundo processo de concentração econômica da história, que praticamente consumiu todos os excedentes orçamentários que poderiam ter sido investidos na infraestrutura, em educação, saúde, na economia real. A diferença entre o Brasil que é e a potência que poderia ter sido está nos trilhões desviados do orçamento para pagamento de juros.
E, agora, o principal formulador das políticas monetária e cambial do plano Real, André, escreve um artigo em tom acadêmico aceitando que todas as críticas contra essa loucura estavam corretas. Em “Juros e conservadorismo intelectual”, dá a mão à palmatória, trata como mero conservadorismo acadêmico erros intencionais que praticamente destruíram o futuro do país. E traz as últimas novidades da teoria econômica:
  • Taxas de juros elevada não combate inflação, pelo contrário: além de não afetar a demanda, sinaliza para o mercado que o Banco Central está apostando em inflação mais elevada.
  • Taxas de juros elevadas pressionam as contas públicas, aumentam o déficit nominal, obrigando o governo a cortar mais ainda as despesas primárias e, desse modo, impactando o nível de atividade; do outro lado atraem dólares apreciando o câmbio e reduzindo preços de importados, à custa de desequilíbrios de monta nas contas externas. Assim, o controle da inflação se faria de forma torta, com enormes sequelas na economia.
  • Taxa de juros mais baixa não é inflacionária. Essa conclusão tardia do André – fundada nas últimas “descobertas” da fronteira do conhecimento econômico – derrubam essa baboseira de que Dilma Rousseff derrubou a taxa de juros sem ter condições e isso provocou mais inflação.”
Concluo transcrevendo o início do artigo de André Lara Resende, na esperança de que o leitor se interesse em ler todo ele:
“Desde a estabilização da inflação crônica, com o Real – e já se vão mais de 20 anos -, a taxa básica de juros no Brasil causa perplexidade entre os analistas. Por que tão alta? Inúmeras explicações foram ensaiadas, como distorções, psicológicas e institucionais associadas ao longo período de inflação crônica com indexação; baixa poupança e alta propensão ao consumo, tanto pública como privada; ineficácia da política monetária, entre outras. Embora todas façam sentido e possam, no seu conjunto, ajudar a entender por que os juros são tão altos, nenhuma delas foi capaz de dar uma resposta convincente e definitiva para a questão.
As altíssimas taxas brasileiras ficaram ainda mais difíceis de serem explicadas diante da profunda recessão dos últimos dois anos. Como é possível que depois de dois anos seguidos de queda do PIB, de aumento do desemprego, que já passa de 12% da força de trabalho, a taxa de juro no Brasil continue tão alta, enquanto no mundo desenvolvido os juros estão excepcionalmente baixos? Há quase uma década, nos Estados Unidos e na Europa, e há três décadas no Japão, os juros estão muito próximos de zero, ou até mesmo negativos, mas no Brasil a taxa nominal é de dois dígitos e a taxa real continua acima de 7% ao ano.”
Difícil mesmo explicar as altíssimas taxas de juros no Brasil.
(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/01/17/altissimas-taxas-juros/#more-13484)

domingo, 15 de janeiro de 2017

De desastres naturais a terrorismo: os 5 grandes riscos globais em 2017, segundo o Fórum Econômico Mundial


Com a chegada de 2017, o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) divulgou a edição anual do estudo que procura antecipar os principais riscos e desafios globais para os próximos 12 meses.
O documento, intitulado Global Risks Report (Relatório de Riscos Globais, em tradução livre), avalia tendências e serve de bússola para a formulação de políticas e estratégias de governos e empresas.
A informação foi publicada por BBC Brasil, 12-01-2017.
Ele foi divulgado uma semana antes do início da reunião anual do Fórum em Davos, na Suíça, que conta sempre com a presença de acadêmicos e líderes empresariais e políticos do mundo inteiro.
Confira quais são as cinco maiores ameaças para o mundo em 2017, segundo a "bola de cristal" do WEF:

1) Eventos climáticos extremos

O relatório lembra que 2016 foi o ano mais quente da história, com temperatura global 1,14ºC acima da observada antes da Revolução Industrial.
Sugere que as mudanças climáticas trazem consequências sociais graves, como imigração - segundo o estudo, 21,5 milhões de pessoas tiveram que emigrar desde 2008 por eventos relacionados ao clima.
A entidade defende o cumprimento do Acordo de Paris, fechado em 2015 e que pressupõe a participação de todas as nações - não apenas países ricos - no combate ao aquecimento global.
"Muitos riscos causados por não se fazer nada a respeito do clima irão transbordar para ameaças sociais e geopolíticas. Veremos crescente imigração por riscos ambientais", afirmou Margareta Drzeniek-Hanouz, chefe do setor de Competitividade Global e Riscos do WEF.

2) Imigração em larga escala

Motivadas por catástrofes naturais e também por conflitos violentos, as ondas migratórias deverão se exacerbar em 2017, aponta o Fórum de Davos.
O relatório identifica ainda o risco de essa tendência ser explorada por políticos populistas, em busca de votos e aprovação popular.
"A imigração se mostrou ser um assunto político extremamente bem-sucedido entre os populistas anti-establishment, gerando uma ameaça eleitoral em vários países", afirma o texto, que enumera desafios decorrentes do avanço de "tensões culturais".
"A imigração cria tensões culturais: há necessidade de dar espaço para a tolerância religiosa sem abrir a porta para o extremismo. Há a necessidade de encorajar a diversidade que traz inovação sem alimentar ressentimento", aponta.
A organização reconhece que, assim como ocorre com a globalização, há setores da sociedade que não experimentam os benefícios gerais à economia proporcionados pela imigração.
"Os desafios humanitários continuarão a criar ondas de pessoas - e nos países onde há baixos índices de fertilidade e número de aposentados crescendo a imigração será necessária para trazer novos trabalhadores."

3) Grandes desastres naturais

Desastres naturais de grande escala são uma ameaça real à infraestrutura produtiva global, aponta o Fórum de Davos.
O relatório cita um estudo da Universidade de Oxford (Inglaterra) que simulou o impacto destrutivo de uma enchente na região costeira da China, que concentra produção para exportação.
Mais de 130 milhões de pessoas seriam afetadas em um eventual desastre, comprometendo a cadeia internacional de comércio.
"Interdependência entre diferentes redes de infraestrutura está aumentando o escopo de falhas sistêmicas (...) que podem se acumular e afetar a sociedade de formas imprevisíveis", prevê o relatório.

4) Terrorismo e vigilância

Ataques terroristas têm motivado um reforço na vigilância estatal sobre cidadãos, mas tais ferramentas muitas vezes são usadas com fins políticos, alerta o relatório, que diz ver a tendência com "preocupação".
"Em alguns casos, problemas de segurança e protecionismo (...) têm sido usados como razão para reduzir dissidências. Em outros casos, restrições às liberdades são efeitos colaterais de um pacote de segurança bem intencionado, (mas) essas tendências preocupantes estão aparecendo até mesmo em democracias."
O Fórum de Davos projeta uma "situação potencialmente explosiva" em países que coíbem a liberdade de expressão em nome do combate ao terrorismo.
"Ferramentas tecnológicas estão sendo utilizadas para aumentar a vigilância e o controle sobre cidadãos e erradicar críticas (aos governos). Restringir novas oportunidade a formas democráticas de expressão e mobilização e, por consequência, toda uma gama de direitos, gera uma situação potencialmente explosiva."

5) Fraudes eletrônicas e roubo de dados

Outra ameaça citada pelo Fórum de Davos são as fraudes cibernéticas, que podem avançar diante de legislações frágeis e falta de ações conjuntas entre governos e setor privado.
Em entrevista à BBC Brasil, o presidente da empresa de análise de risco Marsh, John Drzik, que atuou na elaboração do relatório, diz que criminosos estão cada vez mais próximos das vítimas, pois aparelhos eletroeletrônicos domésticos estão sendo conectados à internet.
"A introdução de novas tecnologias deixará isso potencialmente ainda mais perigoso. Será possível invadir aparelhos domésticos como termômetros eletrônicos" exemplificou.
Drzik citou ainda a ameaça de ataques patrocinados por governos e orientados por interesses comerciais. "Precisaremos de coordenação entre países na esfera internacional e entre governo e iniciativa privada para desenvolver respostas de governança", afirmou.

Propostas de ação

O relatório também sugere ações para enfrentar as ameaças à economia global, concentradas em quatro frentes:

Reformas econômicas
Entre 1900 e 1980, a desigualdade social recuou nos países ricos, mas entre 2009 e 2012 a renda dos 1% mais ricos nos Estados Unidos, por exemplo, cresceu mais de 31%, lembra o relatório.
O documento defende a adoção de mecanismos de distribuição de benefícios econômicos, e cita o Bolsa Família, iniciativa federal de transferência de renda no Brasil, como medida eficiente na mitigação da desigualdade social.

Pontes culturais
Décadas de mudanças econômicas e sociais rápidas aumentaram o fosso entre as gerações e amplificaram conflitos de identidade pelo mundo, aponta o WEF.
O desafio diante de um cenário muitas vezes agravado pelo debate desinformado e pautado por emoções, aponta a entidade, é construir pontes que conectem diferenças culturais e preservem direitos individuais.

Gestão de mudanças tecnológicas
A automação da mão de obra respondeu por cerca de 86% dos empregos perdidos na indústria nos EUA entre 1997 e 2007, aponta o documento, que procura isentar a integração dos mercados globais pelo problema.
"Movimentos populistas tendem a focar a culpa pela perda de empregos na globalização (...) embora a evidência aponte a tecnologia como principal fator. As manufaturas nos Estados Unidos não regrediram. O país está produzindo mais do que nunca, apenas emprega menos trabalhadores", afirma o relatório.
Diante de transformações na natureza do trabalho, conclui o documento, novos empregos colaborativos precisam ser criados para minimizar a desocupação humana.

Cooperação global

O Fórum defende a importância de se resgatar a relevância de organismos de governança global, como as Nações Unidas e entidades de promoção do comércio internacional.
A tendência de valorização nacional e desvalorização internacional enfraquece os laços de confiança entre povos e nações, aponta o órgão.
A cooperação internacional também é fundamental, diz o WEF, para manter o aquecimento global dentro do limite de dois graus centígrados, cortando as emissões de carbono em 40-70% até 2050 e eliminando-as completamente em 2100.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/563935-de-desastres-naturais-a-terrorismo-os-5-grandes-riscos-globais-em-2017-segundo-o-forum-economico-mundial)

Imperatriz acerta em cheio umbigo do agronegócio


Enredo é tudo que o agronegócio não quer ouvir
Por Alan Tygel*, no Brasil de Fato

Há alguns meses, publicamos neste espaço um artigo sobre a tentativa desesperada do agronegócio em salvar sua imagem perante a sociedade com a novela O Velho Chico.
Na ocasião, afirmamos que o investimento na novela tentava construir a imagem de um agro-pop-tudo em oposição ao velho coronelismo.
A motivação para esse esforço veio de uma percepção do próprio agronegócio de que a sociedade o associa ao desmatamento, aos agrotóxicos e ao trabalho escravo.
Em 2012, o mesmo agronegócio, representado pela Basf, comprou o samba da Vila Isabel.
O (lindo, por sinal!) enredo, que tinha Martinho da Vila como um dos autores, não era sobre os agrotóxicos e transgênicos produzidos pela empresa, mas sim sobre a vida camponesa cumprindo sua missão de alimentar o povo.
Por trás, havia a tentativa subliminar de associar esta linda imagem ao agronegócio.
Neste ano, é da mesma Sapucaí que vem um belo golpe na imagem do agronegócio.
Depois de um ano marcado, entre outros, por ruralistas formando milícias para atacar indígenas, a Imperatriz Leopoldinense acerta com beleza e elegância o ego daqueles que se acham donos do país.
O enredo, chamado “Xingu, o clamor que vem da Floresta”, fala basicamente sobre luta pela terra. E tudo que o agronegócio não quer ouvir.
Um dos trechos diz que “O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / Devora as matas e seca os rios / Tanta riqueza que a cobiça destruiu”, e emoldura alas como os “Olhos da cobiça”, “Chegada dos invasores” e “Fazendeiros e seus agrotóxicos”.
Acostumados a olhar apenas para o próprio umbigo, sem enxergar um palmo além da sua soja transgênica, ruralistas irados lançam notas e escrevem matérias a torto e a direito.
Por mais que se procure, sempre batem nos mesmo dois argumentos falaciosos: (1) o agronegócio alimenta o Brasil; (2) o agronegócio sustenta o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O primeiro argumento é o mais débil de todos; sabemos que a grande massa de produção agrícola se concentra nas commodities de exportação (soja, milho para ração, cana-de-açúcar), e o Censo Agropecuário de 2006 mostrou que 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa vêm da agricultura familiar, mesmo tendo ela direito à apenas 24% das terras. Portanto, esse argumento é claramente falacioso.
Em relação ao PIB, a análise é um pouco mais profunda, mas o argumento não é menos falacioso. Em primeiro lugar, precisamos entender que o PIB representa o conjunto de riquezas produzidas pelo país.
Não fala sobre distribuição de renda, nem geração de empregos.
Não se importa no bolso de quem essa riqueza vai parar. Pois bem: em 2015, a produção de soja rendeu ao Brasil R$90 bilhões. Ótimo? Nem tanto.
Como vimos recentemente, a enorme dependência de insumos externos do agronegócio faz com que grande parte deste valor fique nas mãos das empresas transnacionais.
Custos com sementes, agrotóxicos, fertilizantes e máquinas podem chegar a 90% do preço final, num mercado completamente oligopolizado por gigantes transnacionais como Bayer, Monsanto, Cargill, Basf, Syngenta, Bunge, Dreyfus, ADM…
Nem no Brasil o dinheiro fica.
Não custa lembrar que o subsídio do governo no Plano Safra chegou à casa dos R$ 200 bilhões no ano passado, só para o agronegócio.
É transferência direta do governo para as transnacionais, e ainda dizem que isso sustenta o PIB.
Como nota de rodapé, poderíamos incluir ainda que o agronegócio não gera empregos: são apenas 1,7 pessoas por 100 hectare (ha), enquanto a agricultura familiar emprega 9 vezes mais: 15,3 pessoas por 100 ha.
Entre 2004 e 2013, o agronegócio reduziu 4 milhões de empregos, ou 22% do total. No mesmo período, o desemprego no Brasil caiu de 11,7% para 4,3%.
Que chorem os plantadores de soja, criadores de zebu e especuladores da fome: o Carnaval de 2017 já tem vencedor, e somos nós: povos indígenas, quilombolas, camponeses, sem terra, do campo, das florestas e das águas, todas e todos que lutam por seus territórios sadios contra o agronegócio.
Todo nosso respeito à Imperatriz Leopoldinense.
*Alan Tygel, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

(fonte: 
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/agronegocio-com-novela-e-basf-comprou-o-samba-da-vila-isabel-mas-este-ano-tem-resposta-na-sapuca.html)