sábado, 28 de janeiro de 2017

‘O advogado rebelde’ de John Grisham e os males da Justiça, lá e cá

Texto escrito por José de Souza Castro:


John Grisham bate duro em “O advogado rebelde”, seu 28º romance ambientado no meio jurídico dos Estados Unidos. Lançado em dezembro de 2015, ocupa desde então listas de mais vendidos em seu país. No Brasil, o livro foi publicado há um mês pela Rocco.

advogadoOs leitores da transcrição que faço abaixo, com vários cortes, encontrarão na fictícia Milo uma cidadezinha do interior brasileiro. No réu Gardy e nos policiais e promotores de Justiça, alguém que conhecemos de perto. No crime hediondo do acusado, a mesma sopa que nos é servida aqui, com tempero brasileiro, pela imprensa e pela justiça nossa de cada dia.

Cada uma das 400 páginas desse “thriller” é um convite irresistível à leitura. Dito isso, vamos ao autor – o advogado Sebastian Rudd, o personagem novo e inesquecível de Grisham. É Rudd quem “escreve” o livro, traduzido por Geni Hirata:

“Eles não lhe dizem na Faculdade de Direito que um dia você pode se ver defendendo uma pessoa acusada de um crime tão hediondo que cidadãos normalmente pacatos sentem-se impelidos a pegar em armas e ameaçar matar o acusado, seu advogado e até mesmo o juiz.
Estou sendo pago pelo Estado para prover uma defesa de primeira classe a um réu acusado de homicídio doloso qualificado sujeito à pena de morte, e isso requer que eu lute, esbraveja e faça um escândalo em uma sala de tribunal onde ninguém está ouvindo. Gardy foi basicamente condenado no dia em que foi preso e seu julgamento não passa de uma formalidade. Os policiais burros e desesperados anunciaram as acusações e forjaram as provas. O promotor público sabe disso, mas não tem escrúpulos e está preocupado com sua reeleição no próximo ano. O juiz dorme. Os jurados são no fundo pessoas simples e amáveis, assustadas com o processo e sempre ansiosas para acreditarem nas mentiras que suas arrogantes autoridades fabricam no banco das testemunhas.
O duplo homicídio foi tão horripilante que nenhum advogado local quis tocar no caso. Então, Gardy foi preso, e basta um olhar para saber que ele é culpado. Cabelos compridos pintados de um preto forte e lustroso, uma impressionante coleção de piercings acima do pescoço e de tatuagens abaixo, brincos metálicos combinando, olhos claros e frios, e um risinho afetado que diz: “OK, fui eu mesmo, e daí”? Em sua primeira reportagem, o jornal de Milo descreveu-o como “membro de um culto satânico, com um registro de abuso sexual de crianças”.
Que tal isso para uma reportagem honesta e imparcial? Ele nunca pertenceu a nenhum culto satânico e o caso de assédio sexual de criança não é o que parece. Mas, a partir daquele instante, Gardy foi considerado culpado e eu ainda me admiro com o quanto de termos conseguido chegar aonde chegamos. Há meses que queriam encarcerá-lo.
Ninguém [de Milo] aceitou defender Gardy e, para ser franco, não posso realmente culpá-los. É a cidade deles e a vida deles, e ficar ao lado de um assassino tão perverso poderia causar danos irreparáveis a uma carreira.
Como sociedade, nós nos apegamos na crença em um julgamento justo para uma pessoa acusada de um crime grave, mas alguns de nós resistem quando a questão é fornecer um advogado competente para garantir o dito julgamento justo. Advogados como eu vivem com a pergunta: “Mas como você é capaz de representar essa escória?”
Eu respondo com um rápido “Alguém tem que fazer isso”, enquanto me afasto. Nós realmente queremos julgamentos justos? Não, não queremos. Queremos justiça, e depressa. E justiça é qualquer coisa que consideramos ser em base casuística.
Também podemos dizer que não acreditamos em julgamentos justos porque certamente não os temos. A presunção de inocência agora é presunção de culpa. O ônus da prova é uma farsa porque a prova em geral é construída de mentiras. A culpa para além de qualquer dúvida razoável significa que, se ele provavelmente cometeu o crime, então vamos tirá-lo das ruas.
O Estado não tem nenhuma prova concreta ligando Gardy aos assassinatos. Zero. Assim, em vez de avaliar a falta de provas e reconsiderar o caso, o Estado está fazendo o que sempre faz. Continua plantando provas com mentiras e falsos testemunhos.
Como o Estado não possui provas, é forçado a fabricar algumas.
A decisão deles [os jurados] já foi tomada. Se votarem agora mesmo, antes que apresentássemos uma única testemunha de defesa, eles o considerariam culpado e exigiriam a pena de morte. Depois, voltariam para casa como heróis.”

Para não estragar o suspense, paro por aqui.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/01/25/grisham-advogado-rebelde/#more-13537)

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