domingo, 26 de fevereiro de 2017

Indecoro, Se as mãos de muitos políticos estão sujas, ao menos limpem a língua. Com muito sabão!


“O decoro surgiu na Grécia e recebeu um nome: Aidós. Trata-se da vergonha imposta a quem não se comporta em público. Penas severas eram aplicadas aos que, por educação falha ou vício de caráter, desrespeitavam os cidadãos de Atenas. Sem a vergonha os valores democráticos empalidecem porque o corpo e a língua indecorosos mostram que a lei foi corroída pela selvageria”, escreve Roberto Romano, professor, filósofo e autor de ‘Razão de Estado e Outros Estados da Razão’, em artigo publicado O Estado de S. Paulo, 23-02-2017.

Segundo ele, “o representante não pode tratar os cidadãos como crianças. Ele deve ser o portador de uma gravitas dicendi. “Suruba”, “canalha” e quejandos são termos levianos. A boca suja pode ser aceita entre malandros, na sua vida íntima. Mas na língua de quem decide sobre os bens públicos, com repercussões vitais sobre o País, semelhantes vocábulos indicam apenas... levitas indigna de qualquer democracia”.

Eis o artigo.

Quando a realidade política e social se degrada e atinge o insuportável, o discurso apodrece, evidencia sinais de morte. As formas administrativas do Brasil agonizam. Contra o que dizem muitos colegas da universidade, seguidos por inúmeros jornalistas, discordo da tese segundo a qual as nossas instituições “funcionam normalmente”. A menos, claro, que o critério da normalidade seja o hábito de formar quadrilhas para o roubo das riquezas físicas ou espirituais de um povo.

Mesmo em situações de crise a instituição e os indivíduos que a manejam devem manter o decoro. Esse é um cálculo difícil. Um gramático inglês do século 16 exemplifica: se a duquesa vai à corte, ela não pode usar roupas mais brilhantes do que a rainha. Mas se a mesma pessoa usa vestimentas inferiores às de suas iguais, é indecorosa. No cálculo do aceitável em sociedade, consideram-se o corpo próprio e os demais. E cada um merece tratamento relativo à sua dignidade.

O decoro surgiu na Grécia e recebeu um nome: Aidós. Trata-se da vergonha imposta a quem não se comporta em público. Penas severas eram aplicadas aos que, por educação falha ou vício de caráter, desrespeitavam os cidadãos de Atenas. Sem a vergonha os valores democráticos empalidecem porque o corpo e a língua indecorosos mostram que a lei foi corroída pela selvageria.

Na Idade Média o decoro foi retomado pelos monges. A roupa e os gestos não poderiam depor contra um religioso que, supostamente, tinha optado pela pobreza. Frades vestidos como barões eram a prova de que os votos sagrados haviam sido desobedecidos. Daí o uniforme das ordens, sem enfeites de prata, ouro, pedras preciosas. A “dama pobreza”, segundo Francisco de Assis, exige que seus pretendentes vivam como ela, vestida apenas pela graça divina. A língua deveria seguir a mesma regra.

Da Renascença em diante, o decoro passou a nortear as palavras, as roupas, os gestos dos reis, dos nobres, dos burgueses. Ele é um exercício de respeito aos outros e meio de garantir o respeito a si mesmo. Quem não tem prerrogativas, mas quer exercê-las, é indecoroso. Um hóspede que toma o papel da dona da casa, indicando aos demais o lugar onde devem tomar assento, é indecoroso. E se a anfitriã deixa o indiscreto fazer o gesto inconveniente, ela é indecorosa. Sua prerrogativa não deve ser negada sequer pelo marido, pelos filhos, pais, etc. Se um bispo comum, numa visita papal, ousa dar a bênção Urbi et Orbi... ele não apenas enlouqueceu, mas seu ato é indecoroso.

Uma regra que ajuda a decidir as inclinações à moda chinesa, quando pessoas estão diante da porta: não é a mais jovem, mais bonita, mais velha a ceder a passagem. Dá o lugar quem o possui. Se o mais jovem é presidente da República, ele cede a passagem, primeiro aos velhos, depois às mulheres, depois aos demais. Não é falta de respeito um inferior na escala governamental passar primeiro. É indecoro do que detém o mais alto cargo não ceder a passagem, mostra que ele ignora a etiqueta e as verdadeiras prerrogativas do seu posto.

Assim, na escrita, diz o citado gramático inglês do século 16: se um autor não usa imagens no texto, é indecoroso por desprezar a fantasia e o gosto do leitor. Se as usa aos borbotões, é indecoroso, pois despreza inteligências e culturas. O poeta decoroso jamais dirá algo como “a face rosada e fina do general”. É indecente um general ter faces que só cabem às crianças e às raparigas em flor.

Se uma autoridade quer ser respeitada, deve respeitar o povo (que fica chocado com palavrões e outras marcas de indecoro). Certas falas devem ser evitadas. Não por causa do hipócrita “politicamente correto”. Trata-se de algo sério. Os reitores são “magníficos”, mesmo se não ostentam magnificência. A comunidade acadêmica é a proprietária do título, usado em seu nome. Deputados, senadores, edis são “excelentíssimos” não porque sejam dotados de excelência. O título pertence ao soberano, o que possui a maiestas, termo latino para designar o ente mais elevado no coletivo. Na monarquia, a maiestas é apanágio do rei, que usa o título em nome do povo. Na democracia é o próprio povo que a empresta, a cada eleição, aos representantes. É assim que o decorum exige tratar o povo com respeito. Não por “boa educação”, mas por subordinação da “autoridade” diante de quem a “autoriza”. E a regra funciona para todos os Poderes, incluindo o Judiciário e o militar. Sem tal respeito, temos larápios da soberania, não representantes.

A expressão “soberania popular” e o termo “majestade” incomodam ouvidos indecentes. Mas eles permitem reconhecer a força das normas democráticas. Somos herdeiros do mundo grego e latino em práticas e valores. O Direito e a política não fogem à regra. No Estado moderno as ideias de soberania e majestade, contra o exercício ditatorial ou aristocrático do mando, aplicam-se à totalidade dos cidadãos (Thomas, Y., L’Institution de la Majesté, em Revue de Synthèse, julho/dezembro de 1991).

Faltar com o decoro diante da maiestas é destruir a fé pública. Um político não tem o direito de ser leviano. Seu ofício exige ponderação, a gravitas. Para os romanos, a gravitas comanda uma atitude “que não se curva em proveito do sucesso político passageiro" (Yavetz, Z., La Plèbe et le Prince).

O representante não pode tratar os cidadãos como crianças. Ele deve ser o portador de uma gravitas dicendi. “Suruba”, “canalha” e quejandos são termos levianos. A boca suja pode ser aceita entre malandros, na sua vida íntima. Mas na língua de quem decide sobre os bens públicos, com repercussões vitais sobre o País, semelhantes vocábulos indicam apenas... levitas indigna de qualquer democracia.

Se as mãos de muitos políticos brasileiros estão sujas, que eles pelo menos limpem a língua. De preferência com muito sabão.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/565181-indecoro-se-as-maos-de-muitos-politicos-estao-sujas-ao-menos-limpem-a-lingua-com-muito-sabao)

O turbante da discórdia

por Marcelo Gruman

Na semana passada, causou rebuliço o depoimento de uma mulher branca que, para esconder a calvície involuntária decorrente do câncer, decidiu usar um turbante na cabeça. Foi acusada, por um grupo de mulheres negras que estava no mesmo vagão do metrô, de indevida “apropriação cultural”, afinal, o turbante seria um objeto de uso exclusivo de indivíduos cuja pigmentação da pele cruza determinada barreira cromática, critério peculiar, talvez inspirado na criminologia de Cesare Lombroso, a vanguarda do atraso. Houve quem duvidasse da veracidade do depoimento, da própria existência da doença da moça. Sinceramente, acho irrelevante se o depoimento é verdadeiro ou fruto da imaginação de alguém louco para os cinco minutos de fama. Importa, sim, a reação dos “ofendidos”, esta sim real e lamentável.
O respeito à diferença está sendo aniquilado por falsos profetas que reduzem suas identidades a certos fetiches. Cabelo assim ou assado, música assim ou assada, linguagem assim ou assada, roupa assim ou assada, comida assim ou assada, sexo assim ou assado, religião assim ou assada, cor assim ou assada. É branquinha, tá com câncer e quer usar um lenço que achou bonitinho pra esconder a careca? Cuidado, este objeto, devidamente registrado pelos tribunais da cultura legítima/legitimada, apropriado (roubado) indevidamente, não te pertence. Olha só, galera pra frentex: cultura é dinâmica, e o significado que damos a certos fenômenos/manifestações/objetos varia de indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo, de tempo em tempos. As fronteiras culturais são movediças. Como dizia Sartre sobre a “inteligência” dos antissemitas: possuem a “constância e impenetrabilidade da pedra”. Essa frase lapidar cai como uma luva para os artífices de uma sociedade cada vez mais embrutecida, mal-humorada e intolerante em nome dá tolerância.
A estupidez conceitual dessa tal de “apropriação cultural”, se levada a sério e posta em prática pela patrulha ideológica, exterminará iniciativas como a da Orquestra Sinfônica Heliópolis, cujos integrantes, não brancos, traem a causa submetendo-se ao jugo de um maestro branco e tocando instrumentos opressivos, como o violino e o oboé. E tem mais: o rapaz que toca Luiz Gonzaga no surrado violino lá perto de casa e cujo sonho é tocar numa orquestra qualquer, longe de ser um legítimo representante da raça ariana de fina cepa, será educadamente convidado a largar o instrumento em troca de outros mais apropriados à sua identidade, de “raiz”, como um berimbau, um pandeiro ou uma bola. Haja alfafa.
A diferença entre os cruzados tupiniquins que guerreiam contra a “apropriação cultural” e, digamos, a Frente Nacional capitaneada por Marine Le Pen, é que aqueles se apresentam com um discurso envernizado de tolerância e respeito à diferença, ao passo que estes não têm vergonha de afirmar sua intolerância e sentimento de superioridade em relação ao “outro”. Ambos sonham com identidades congeladas porque dá menos trabalho intelectual, adoram estereótipos e a ideia de cultura “pura”, asséptica. Cada um no seu quadrado. Constroem muros e destroem pontes.
O ideal de multiculturalismo destes Humilhados e Ofendidos é, na verdade, uma ideologia da anti-assimilação – assimilação no sentido de incorporação à sociedade, trocas simbólicas, fluxos de identidade, e não submissão à “cultura” alheia -, ignorando ou fingindo ignorar que toda cultura é inventada e reinventada. Não lhes convém o diálogo. Combatem o racismo e o preconceito com mais racismo e preconceito, fechamento ao diferente. Ou não é racismo e preconceito criticar um amigo negro que gosta de dar/comer um (a) branco (a)? Ou pior, que namora ou pretende casar-se com um branquelo? Ora, ora, pau que dá em Chico também dá em Francisco. Criaram até um verbo para a traição sexual à identidade ancestral: palmitar. Eu palmito, tu palmitas, ele palmita.
Diz-se (os próprios guias turísticos gostam de contar) que, durante o regime do Apartheid, na África do Sul, quando a polícia não conseguia flagrar dois indivíduos “racialmente incompatíveis” mantendo intercurso sexual (sexo entre raças distintas equivalia a sexo entre espécies distintas), o jeito era verificar a temperatura da cama, qualquer variação para cima provava incontestavelmente que os pombinhos transgrediram as normas da pureza racial, infectando quem não podia ser infectado e limpando quem não deveria ser limpo. Tenho a sensação de que há gente saudosa deste tempo, e não são os discípulos de Pieter Botha.
Como bem diz a Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de S. Paulo (“branquela, branquela, branquela”), num artigo recente a respeito desta falsa problemática do turbante:
Patrulhar o que os brancos vestem, comem ou cantam não resolverá o problema crítico de desigualdade no Brasil, a quantidade de negros mortos pela polícia, o desequilíbrio da presença nas universidades, em cargos de chefia, a representatividade política. O Brasil é um país racista. Mas não deixaremos de ser apenas porque de agora em diante um grupo pequeno de pessoas decidiu que branco não pode usar turbante, dreadlocks, ser sambista.
Para terminar, um depoimento fictício de um fulano qualquer em futuro longínquo, mas nem tanto, se continuarmos nessa toada da “apropriação cultural”:
“Ontem, presenciei uma cena dantesca. Numa roda de capoeira, um branquelo de olhos verdes com cabelo dreadlock se esgueirava no meio do pessoal. Os demais componentes não pareciam constrangidos, mas eu sei que algo estava “fora do lugar”. O cara resolveu jogar, e não é que fazia bonito? Que petulância! E mais. Batia um papo animado com uma menina, “de raiz”, que soube depois ser sua namorada. Não satisfeito em apropriar-se do cabelo alheio e da manifestação artística alheia, ainda dava uns malhos na mulher alheia. No final, se lambuzou com um acarajé surgido sabe-se lá de onde. Meu mundo caiu. E, de novo, todos pareciam agir como se nada de anormal estivesse acontecendo. Eu não. Chamei a polícia e denunciei a pouca vergonha, cada um no seu lugar, ora essa. O indivíduo prestou depoimento na delegacia e assinou um termo de ajustamento de conduta em que se comprometia a manter distância razoável dos “outros”, comer a comida (com duplo sentido, por favor) que lhe correspondia, usar a calça jeans que lhe correspondia, o penteado que lhe correspondia e tudo o mais que lhe correspondia. Fiz meu papel de cidadão na construção de uma sociedade mais justa e respeitosa das diferenças inerentes e inescapáveis que cada um de nós leva no sangue. Ainda bem que o maluco não estava de turbante, porque aí não haveria solução que não a prisão em razão de ameaça à paz social”.
E a galera do Apartheid que trancafiou Mandela por anos a fio dá risada e vaticina: nós somos vocês amanhã…

* MARCELO GRUMAN é Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Atualmente é administrador cultural da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Blog: https://desconstruindomarcelo.blogspot.com.br/

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/02/18/o-turbante-da-discordia/)

Juros altos e a busca desesperada por empregos


Texto escrito por José de Souza Castro:

Tenho tratado aqui da questão dos juros altos pagos pelo governo brasileiro aos rentistas – os detentores da dívida pública, sobretudo os bancos –, mas posso ter sido acusado de, a exemplo da Lava Jato, ter convicção, mas não provas.

O jornalista Clóvis Rossi, em seu artigo dominical na “Folha de S.Paulo”, muito mais bem informado, mostra que juro alto, a título de combater a inflação, é uma falácia lucrativa.
Tão lucrativa, que, “basta dizer que, em apenas um ano, os rentistas (5 milhões de famílias?) recebem do governo, via juros, o que os beneficiários do Bolsa Família (14 milhões de famílias) levam 14 anos para ganhar”, conclui Clovis Rossi.
Seu artigo aumentou em muito a minha convicção.

Ele se baseia num estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional em 1999, que desmontava a sabedoria convencional que diz que aumentar os juros derruba a inflação e vice-versa. O estudo abordou 1.323 casos de 119 países e verificou “que, na maioria absoluta deles, a inflação caiu, qualquer que tivesse sido a ação do respectivo Banco Central, aumentando, diminuindo ou mantendo a taxa de juros”.

Clóvis Rossi já havia escrito sobre esse estudo em maio de 2003, primórdios do governo Lula. E repete: “A maior porcentagem de êxito (ou seja, de casos em que a inflação caiu) se deu justamente quando o BC reduziu os juros. Nesse caso, a porcentagem de sucesso foi a 62,18% dos 476 casos examinados, contra 50,75% dos 398 casos em que a inflação caiu quando a taxa de juros aumentou.”

Na época, seu artigo despertou o interesse do professor Delfim Netto, ministro da Fazenda durante a ditadura militar de 1964, e do então ministro da Fazenda Antonio Palocci, que telefonou a Rossi e ouviu dele a pergunta óbvia: diante disso, “você baixaria os juros (naquela altura estavam em obscenos 26,5%, em pleno governo de um PT que maldizia os juros e a dívida pública)?”

Não baixou, e os bancos continuaram muito lucrativos nos anos que se seguiram, até agora. No ano passado, Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander somaram lucro líquido de R$ 50,29 bilhões. O Itaú registrou o maior lucro (R$ 21,6 bilhões) e superou o BB como o maior banco brasileiro.
Não por acaso, o economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco Ilan Goldfajn é, desde maio de 2016, o presidente do Banco Central, indicado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

 O mesmo ministro de Temer que incentiva o desmonte do Banco do Brasil, com fechamento de agências, e bate pela aprovação da reforma da previdência que deixaria sem aposentadoria 79% dos que sonham em se aposentar por idade, conforme reportagem feita por três jornalistas da “Folha de S.Paulo”. Entre eles, Ana Estela de Sousa Pinto, coautora, com minha filha Cristina Moreno de Castro, do livro “A Vaga é Sua”, publicado em 2010 pela Publifolha. Diz a reportagem datada de 12 deste mês de fevereiro:
“Oito em cada dez trabalhadores que se aposentam hoje por idade contribuem para a Previdência menos tempo do que exigirá a proposta feita pelo governo Michel Temer.
O texto da reforma estabelece que, para se aposentar, será preciso ter no mínimo 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. Hoje, é possível obter o benefício com 15 anos de contribuição e 65 anos de idade, para homens, ou 60 anos, no caso das mulheres.
Números inéditos da Previdência mostram que 60% das aposentadorias por idade concedidas de janeiro a dezembro de 2015 foram para trabalhadores que não chegaram aos 20 anos de contribuição, e 79% haviam contribuído menos que os 25 que serão exigidos pela reforma.
A mudança deve atingir principalmente os mais pobres, que, em geral, contribuem por menos tempo, pois costumam ser mais sujeitos ao trabalho informal.
Por isso, são os trabalhadores da base da pirâmide os que mais recorrem à aposentadoria por idade. O valor médio dos benefícios (R$ 890) é menos da metade do pago, em média, aos que deixam o mercado pelo critério do tempo de contribuição (R$ 1.825). Ela também é majoritária nos Estados mais pobres do país.”

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/02/21/juros-altos-empregos/#more-13620)

Velha sim, idiota não!

 

A queixa foi feita por uma senhora de 80 anos que tinha acabado de chegar de uma consulta ao oftalmologista.
Ana Claudia Vargas

Ao chegar, pensativa e visivelmente irritada, ela disse ter sido tratada como uma ‘idiota’ pela moça que auxiliava o médico.

E como a moça a tratou, dona  Isaura? _ perguntei.

“Como se eu fosse uma imbecil e incapaz, ou melhor, como se eu fosse uma criança boba, não uma criança esperta, mas uma criança boba! É porque a todo momento ela falava somente comigo, com uma voz infantil, fininha e chata, como se fosse uma professora do ensino básico que lidasse com um aluno bem burro, coisas como “coloque seu bracinho aqui”; “agora, chegue seu queixinho pra frente”,  “isso, muito bem! Estou gostando de ver”! , “agora, coloque sua mãozinha ali”;  “agora a senhora vai ficar quietinha… isso, que bonitinho! Não doeu nada, viu?”; “a senhora fez direitinho, que belezinha!  Que gracinha! Que fofinha…”.
E dona Isaura continuava nervosa e seguia falando: “Além de me tratar como se eu fosse uma criança idiota falando tudo no diminutivo e com aquela voz de loira de programa infantil, ela ainda me tocava como se eu fosse de porcelana ou como se estivesse com nojo de mim! Que mulher irritante !”

Ouvindo tudo aquilo, tentei argumentar: _ Mas dona Isaura, a moça só estava tentando ser simpática e educada.

Mas dona Isaura não quis nem saber e disse que está cansada de ser tratada como idiota por todos: pelas moças que trabalham com médicos e pelos médicos, pelas pessoas que a olham penalizada ou como se ela fosse um bibelô na fila da farmácia e do supermercado ou de qualquer outro lugar. Também disse que seus próprios filhos a acham uma boba quando querem fazer as coisas por ela, quando acham que ela não sabe mais do que gosta em matéria de alimentação, entre outras coisas, e ficam tentando forçá-la a ser sempre ‘saudável’ e a comer ‘aqueles horríveis pães integrais’!

Dona Isaura estava bem brava mas não era só braveza, ela estava se sentindo ‘desprezada’. Ela dizia: _ Justo eu que trabalhei tanto para criar meus filhos sozinha quando o Zé Carlos me largou, justo eu que busquei estudar ainda que estivesse sempre cansada para ter um emprego melhor porque queria que eles se formassem em boas faculdades… Quantas noites eu passei em claro, preocupada com as contas pra pagar e pensando no que fazer? Mas suportei e venci todas as dificuldades, eles são hoje profissionais respeitados e eu me orgulho muito disso. Pois é, e agora, depois de tantas provas que a vida me trouxe, sou tratada como uma incapaz, idiota e as pessoas ficam cheias de dedos, como se eu fosse uma imbecil, só porque fiquei velha?! Sou velha sim, mas idiota não!

De minha parte deixei dona Isaura falar e falar e falar… Ela estava precisando muito e o que ela falou me fez pensar que nós ainda não sabemos lidar com os velhos. Ou os ignoramos ou os achamos idiotas e coitados. Ou os colocamos no nicho ‘da melhor idade’ e achamos que eles só querem viajar pra Caldas Novas e ir a bailes ou queremos impor a eles nosso jeito moderno de nos alimentarmos desprezando o fato de que eles talvez sintam vontade de comer alimentos que tenham o sabor longínquo da infância mesmo que sejam gordurosos, adocicados e não tenham aquela cara da comida saudável da TV.

Pois é… Mas, porque os velhos não podem ser o que eles quiserem? Vestir e comer o que quiserem, falarem palavrões se quiserem ou rezar seus terços, mantras ou serem ateus… se quiserem?

Dona Isaura continua brava e com toda razão.

(fonte: https://portalplena.com/vamos-discutir/velha-sim-idiota-nao/)

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Trump já tropeça em seus próprios limites



Plano para atrair a Rússia e isolar a China parece pueril. E o Estado Profundo dos EUA começa a sabotar seu presidente — agindo na Ucrânia
Por Antonio Martins

Em teoria, o plano é ótimo. Como um Nixon ao contrário — porém igualmente poderoso –, o novo presidente dos EUA irá se aliar à Rússia, para afastá-la da China, vista hoje (com razão) como a principal ameaça à dominação global norte-americana. A estratégia tem até um padrinho: Henry Kissinger, o ex-secretário de Estado que articulou, nos anos 1970, a aproximação de Washington com Pequim (além de apoiar o golpe de Pinochet e outras estrepolias…).

Mas a execução é que são elas. Dois fatos, nas últimas semanas indicam tanto os limites para a ação de Trump (muito maiores que os de Nixon, há três década) quanto as contradições e mesmo sabotagens crescentes que o presidente encontra no aparato de Estado dos EUA.
 
Em textos inspirados, Pepe Escobar e Vijay Prajad mostram que, além de fortemente ligada à China, a Rússia tem outros laços estratégicos que os EUA dificilmente conseguirão romper: com o Irã. A equipe de falcões de Trump anuncia abertamente que quer romper o acordo de contenção nuclear com o Irã. Israel gostaria de provocar um conflito. Mas o que Moscou teria a ganhar? E se Moscou se mantiver fiel aos aliados iranianos, Washington ousará atacá-los? Com que forças?

A segunda ameaça aos planos de Trump vem de dentro. É o que Pepe Escobar chama de “Estado Profundo” — em especial, o Pentágono. Os generais (que desejavam abertamente a vitória de Hillary) acreditam que seus inimigos essenciais são a Rússia e Putin. Já estão agindo para criar fatos consumados que frustrem a estratégia de aproximação com Moscou, acalentada por Trump.

O cenário é a Ucrânia. Nas últimas semanas, o governo de Kiev rompeu a trégua que mantinha com os rebeldes pró-Rússia que ocupam o leste de seu território. Houve ataques militares e assassinatos de pelos menos seis líderes pró-Moscou. Analistas acreditam: não se trata apenas de ações tresloucadas dos dirigentes ucranianos; o “Estado Profundo” dos EUA está por trás.

Seu objetivo: sabotar por completo mesmo o incerto plano de Trump, de aliar-se à Rússia contra a China. Mas se é assim, o que sobrará ao estabanado morador da Casa Branca? Por onde, e por que meios, afirmará a supremacia norte-americana? É um episódio central, a acompanhar nas próximas semanas.

(fonte:  http://outraspalavras.net/blog/2017/02/10/trump-ja-tropeca-em-seus-proprios-limites/)

O silêncio sobre a América Latina

Laurindo Lalo Leal Filho - Publicado na Revista do Brasil, edição de fevereiro de 2017

A partir de 2009 vários países da América Latina vem comemorando os 200 anos de independência do colonialismo espanhol.

Naquele ano, a Bolívia lembrou com muita festa a revolta liderada pelo padre Domingo Murillo, em 1809, derrotada pelas forças coloniais, mas que abriu caminho para a independência conquistada em 1825.

Em 2010, uma regata internacional, iniciada em Mar del Plata na Argentina, com a presença das presidentas Cristina Kirchner e Michelle Bachelet (Chile) passou por 14 portos de dez países do continente para lembrar as datas históricas.

O veleiro Cisne Branco representou a Marinha brasileira no evento.

Dois anos depois, 126 militares chilenos e argentinos subiram os Andes em lombos de burro até o local onde os generais San Martin, argentino, e Bernardo O’Higgins, chileno, se abraçaram há quase 200 anos para selar o fim da dominação espanhola na região.

Quem ficou sabendo disso no Brasil?

A depender da mídia brasileira ninguém.

Mas a censura empresarial vai além do relato de festividades históricas.

Os governos de Hugo Chávez na Venezuela e de Evo Morales na Bolívia puseram fim ao analfabetismo em seus países.

Alguém soube disso através da mídia por aqui?

Ou tomou conhecimento da maior redistribuição de renda já ocorrida no Equador desde a posse de Rafael Correa na presidência da República, com a chegada pela primeira vez de milhares de jovens da classe trabalhadora à universidade?

Tratou com isenção e profundidade a luta do governo     equatoriano contra as ações imperialistas dos Estados Unidos  representadas pela petroleira Chevron e a destruição ambiental por ela provocada? E contra a presença de uma base militar estadounidense em Mantra, afrontando a independência do Equador?

São apenas alguns acontecimentos pinçados entre inúmeros outros ocorridos na América Latina e ignorados pela mídia brasileira.

Cabe acrescentar a má vontade com que ela cobre as ações de integração dos países do continente como o Mercosul (Mercado Comum do Sul), a Unasul (União das Nações Sulamericanas) ou a Celac, a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos que reúne 32 nações das Américas, sem a presença dos Estados Unidos e Canadá, fazendo um importante contraponto à OEA, a Organização dos Estados Americanos onde a influência estadounidense é muito forte.  

O rompimento desse bloqueio informativo não é fácil, dado o grau de concentração dos meios de comunicação no Brasil, todos pautados por linhas editoriais semelhantes.

No continente a Telesur, emissora de TV com sede em Caracas, é uma rara alternativa mas sua sintonia é difícil em nosso pais.

Pode ser vista no Distrito Federal graças a iniciativa de retransmiti-la, em alguns momentos, pela TV Comunitária local.

De alcance um pouco mais abrangente surge agora uma iniciativa pioneira: o programa Crônica de América, produzido na Argentina e veiculado aqui no Brasil pela TVT, a TV dos Trabalhadores, todas as segundas feiras às 22hs.

Pela primeira vez temos no ar um programa plurinacional, apresentando e debatendo temas comuns aos diversos países do continente, com um olhar progressista de apoio as conquistas sociais obtidas pelos governos populares da região e critico do retorno do neoliberalismo em países como a Argentina e o Brasil.

A condução é do jornalista uruguaio residente na Argentina Victor Hugo Morales, conhecido por sua atuação como locutor esportivo e apresentador de programas de informação e debates no rádio e na televisão.

Por suas posições políticas foi demitido da emissora em que atuava há 30 anos, logo após a posse de Mauricio Macri na presidência da República.

Crônica de América “inicia um caminho para compreendermos juntos o que acontece nos países da região quando eles são governados pelo neoliberalismo. Será a crônica de um continente que busca os caminhos de sua emancipação”, disse Victor Hugo ao anunciar a estréia do programa.

Imperdível.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-silencio-sobre-a-America-Latina/4/37712)

Amazônia esquartejada

“A presente geração testemunhará o esquartejamento definitivo da maior floresta tropical do mundo se não houver resposta forte e rápida da sociedade aos que, no governo e no Congresso, só se movem em função de interesses próprios e imediatos”, afirma Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), ex- presidente da Funai e ex-deputado federal (PMDB-SP), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12-02-2017.

Eis o artigo.

As rodovias federais promovem a integração terrestre entre a Amazônia e o centro-sul do Brasil e se estendem a países vizinhos como Bolívia, Peru, Venezuela e Guiana Francesa. Também são fundamentais para o trânsito de pessoas e o escoamento de produtos regionais. Todavia, 80% dos casos de desmatamento na Amazônia ocorrem na faixa de 30 km ao longo das estradas pavimentadas.

Quando o governo federal anunciou, em 2003, a pavimentação da BR-163 (Cuiabá-Santarém), desencadeou-se um movimento chamado BR-163 Sustentável, que propôs a implantação, concomitantemente à pavimentação da estrada, de um programa regional de desenvolvimento sustentável, para evitar a repetição dos gigantescos processos de grilagem de terras e desflorestamento.

Daí resultou, entre outras coisas, a criação de um mosaico de áreas de conservação federais e estaduais, que interliga blocos de terras indígenas nas bacias dos rios Xingu e Tapajós, visando assegurar a contiguidade da floresta.

Porém, em vez de implementar e proteger essas áreas, os últimos governos vêm reduzindo sua extensão na região, liberando áreas que ficam à mercê de invasões, desmatamento e grilagem.

No governo passado, criou-se o precedente de alterar limites de áreas protegidas por meio de medidas provisórias (MPs) para reduzir áreas de unidades de conservação que seriam inundadas com a pretendida implantação de um sistema de hidrelétricas na bacia do Tapajós. No governo atual, outras duas MPs tornaram a alterar limites de unidades de conservação nessa região.

Como se fosse pouco, deputados e senadores do Estado do Amazonas estiveram nesta semana com Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, para acertar com o governo o envio de um projeto de lei que subtrai mais de 1 milhão de hectares da extensão de cinco unidades de conservação criadas no final do governo passado.

Eles querem extinguir a Área de Proteção Ambiental de Campos de Manicoré, diminuir o Parque Nacional de Acari, a Reserva Biológica de Manicoré, as Florestas Nacionais de Urupadi e Aripuanã, no sul do Amazonas e ao longo das BRs 230 e 319.

Essas unidades de conservação completam uma barreira de áreas protegidas que vêm sendo construída há vários governos para conter a expansão das frentes predatórias de desmatamento. Protegem uma parte do eixo da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus e que os políticos do Amazonas querem ver pavimentada.

O que está em jogo é muito mais do que o desmatamento e a grilagem. Estão se abrindo fendas transversais, contínuas e expansivas ao longo da Amazônia, de sul para norte e de leste para oeste, projetando um cenário de esquartejamento definitivo da floresta, com graves implicações para os fluxos genéticos e de umidade. Ilhas de floresta não conservam animais, plantas e paisagens como ambiente contínuo.

Outra consequência drástica é o provável impacto nos padrões de distribuição de umidade. Correntes atmosféricas amazônicas carregam vapor d´água, como rios voadores, provendo boa parte das chuvas que suprem as principais regiões agrícolas e metropolitanas do Brasil e dos países do Cone Sul.

A presente geração testemunhará o esquartejamento definitivo da maior floresta tropical do mundo se não houver resposta forte e rápida da sociedade aos que, no governo e no Congresso, só se movem em função de interesses próprios e imediatos.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564801-amazonia-esquartejada)

Novo número da Revista Espaço Acadêmico

A Revista Espaço Acadêmico publicou o número mais recente em http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico.
Convidamos a navegar no sumário da revista para acessar os artigos e itens de interesse.
Agradecemos seu interesse em nosso trabalho,



Revista Espaço Acadêmico
v. 16, n. 189 (2017): Revista Espaço Acadêmico, n. 189, fevereiro de 2017

Sumário
http://periodicos.uem.br/…/…/EspacoAcademico/issue/view/1196
DOSSIÊ: CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO RUSSA (Orgs.: Antonio Ozaí da Silva e Renato Nunes Bittencourt)
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Revolução Russa de 1917 e seu impacto nos Andes centrais (01-11)
Everaldo Oliveira Andrade

O revisionismo histórico na União Soviética e na Rússia pós-soviética: anotações sobre a obra de Dmitri Volkogonov (12-24)
Reginaldo Benedito Dias

1917-2017: socialismo em debate (25-35)
Valter Pomar

A Revolução Russa e a construção da III Internacional (36-49)
Carlos Prado

administração
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Universidades como agentes iniciais de projetos sociais e o reflexo dessa relação para a comunidade: um estudo de caso (50-61)
Suelen Geíse Telocken, Marçal Moreira da Silveira

convergências
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Zygmunt Bauman e a berlinda da Modernidade (62-74)
Renato Nunes Bittencourt

direito
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A judicialização das políticas públicas de saúde (75-84)
Gustavo Silveira Borges, Anna Freitas Fonseca

direitos humanos
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O Brasil entre a vanguarda e o retrocesso: o Projeto de Lei n.º 432/2013 em face das normas de Direitos Humanos sobre a escravidão contemporânea (85-98)
Silvio Beltramelli Neto

educação
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O sentido da emancipação humana a partir da definição marxiana de cidadania: um diálogo com Ivo Tonet (99-110)
Ricardo Pereira da Silva

história
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Neofascismos e movimentos sociais no Brasil e nos Estados Unidos: aproximações e distanciamentos por meio do hate rock (1990-2010) (111-122)
Pedro Carvalho Oliveira

literatura
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Crise econômica e civilizacional na obra de Horace McCoy (123-134)
Fernando Cézar de Macedo

literatura brasileira
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Um olhar sobre a mulher a partir do conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector (135-142)
Larissa Adams Braga

psicologia social
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Estratégias para dominar a diferença: pensando criticamente nossas relações sociais contemporâneas (143-156)
Antonio Luiz da Silva

resenhas & livros
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Renascimento híbrido: cultura, língua e arquitetura, de Peter Burke (157-159)
Felipe Freitas de Souza

CARVALHO, Alonso Bezerra de. A relação professor e aluno: paixão, ética e amizade na sala de aula. Curitiba/PR: Editora Appris, 2016 (235p.). (160)
REA Editor

Brasil terá até 3,6 milhões de 'novos pobres' em 2017, afirma Banco Mundial

Instituição afirma que crise econômica ameaça redução da pobreza e recomenda aumento do orçamento do Bolsa Família para R$ 30,4 bilhões para conter avanço da miséria.
A reportagem é de Fernando Caulyt e publicada por Deutsche Welle, 13-02-2017.
O número de pessoas vivendo na pobreza no Brasil deverá aumentar entre 2,5 milhões e 3,6 milhões até o fim de 2017, afirmou um estudo inédito do Banco Mundial divulgado nesta segunda-feira (13/02). Segundo o documento, a atual crise econômica representa uma séria ameaça aos avanços na redução da pobreza e da desigualdade, e a rede de proteção social – como o Bolsa Família – tem um papel fundamental para evitar que mais brasileiros entrem na linha da miséria.
De acordo com a instituição, o aumento do número de "novos pobres" vai se dar principalmente em áreas urbanas, e menos em áreas rurais – onde essas taxas já são mais elevadas. O texto diz ainda que as pessoas que cairão abaixo da linha de pobreza, como consequência da crise, provavelmente são adultos jovens, de áreas urbanas, principalmente do Sudeste, brancos, qualificados e que trabalhavam anteriormente no setor de serviços.
Para evitar o aumento da pobreza extrema, o governo federal teria que aumentar o orçamento do Bolsa Família neste ano para 30,4 bilhões de reais, afirma o Banco Mundial. Porém, a própria instituição afirma que o ambiente desafiador de consolidação fiscal no país dificulta o acréscimo do orçamento destinado à rede de proteção social. Em 2017, o orçamento previsto para o programa de transferência de renda é de 29,8 bilhões de reais.
A ampliação do programa foi excepcionalmente rápida, com o número de beneficiários passando de 3,6 milhões em 2003 para 11,1 milhões de famílias em 2006. Em 2014, o programa beneficiava cerca de 56 milhões de pessoas, ou 14 milhões de domicílios, ou seja, um quarto da população do país. O gasto como percentual do Produto Interno Bruto (PIB) cresceu de menos de 0,05% em 2003 para cerca de 0,5% em 2013.

Banco Mundial fez simulações

Em análise de dois cenários – um menos e o outro mais pessimista –, o Banco Mundial diz que o primeiro prevê um aumento em 2017 de 8,7% para 9,8% na proporção de pessoas pobres (considerando uma linha de pobreza de 140 reais), representando um acréscimo de 2,5 milhões de pessoas. No cenário mais pessimista, há um crescimento de 10,3% na proporção de pessoas pobres neste ano, o que representa um acréscimo de 3,6 milhões de pessoas à população que vive na pobreza.
Por meio de simulações, o Banco Mundial analisou a taxa de pobreza extrema no país, calculada em 3,4% em 2015, levando em conta o incremento ou não no Bolsa Família. No cenário menos pessimista, o número de pessoas extremamente pobres crescerá 1,7 milhão – de 6,8 milhões em 2015 para 8,5 milhões em 2017, elevando a proporção de pessoas extremamente pobres de 3,4% em 2015 para 4,2% neste ano. O número de pessoas moderadamente pobres aumentará em 2,5 milhões, de 17,3 milhões em 2015 para 19,8 milhões em 2017.
No segundo cenário – mais pessimista –, a taxa de pobreza extrema continua crescendo, alcançando 4,6% em 2017, representando um crescimento de 2,6 milhões no número de pessoas extremamente pobres entre 2015 e 2017, passando de 6,8 milhões em 2015 para 9,4 milhões em 2017. O número de pessoas moderadamente pobres aumentará em 3,6 milhões entre 2015 e 2017.
Se o governo federal aumentar o orçamento real do Bolsa Família para cobrir os "novos pobres", conforme recomendado pelo Banco Mundial, a taxa de pobreza extrema seria mantida no mesmo patamar de 2015, sendo que, no cenário menos pessimista, a taxa de pobreza extrema aumenta de 3,4% para 3,5% em 2016 e 2017, ao passo que, no panorama mais pessimista, a pobreza extrema cresce para 3,6% em 2017.

13,6 milhões de famílias recebem benefício em fevereiro

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), mais de 13,6 milhões de famílias receberão o benefício em fevereiro, sendo que o valor médio dele é de 179,62 reais. O recurso repassado varia conforme o número de membros da família, a idade de cada um deles e a renda declarada ao Cadastro Único para Programas Sociais do governo.
O programa é direcionado para famílias extremamente pobres – com renda per capita mensal de até 85 reais; e pobres – com renda per capita mensal entre 85,01 reais e 170 reais. O recebimento mensal do benefício pelas famílias está condicionado à frequência escolar e ao uso de serviços de saúde materno-infantil.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564842-brasil-tera-ate-3-6-milhoes-de-novos-pobres-em-2017-afirma-banco-mundial)

Trump e a indignação “populista”

"Os jovens eleitores de Sanders e os revoltados de Trump revelam uma comunidade de princípios em suas divergências: os indivíduos de carne e osso não desfalecem diante dos esforços sistêmicos que pretendem naturalizar os escandalosos desequilíbrios de poder e riqueza. Diante da reação dos perdedores, resta aos intelectuais e jornalistas do establishment prosseguir na tradição de empregar palavras sem conceito e gritar 'Populismo!'", escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, em artigo publicado por CartaCapital, 15-02-2017.
Segundo o economista, "os movimentos de apoio a Sanders e Trump vão sobreviver às eleições de 2016".

Eis o artigo.

A crise de 2008 abriu a brecha para o socialismo democrático de Bernie Sanders e o hiperconservadorismo de Donald Trump. Os eleitores foram despertados de seus sonhos para as cruéis realidades da prolongada e reiterada frustração das promessas inscritas no código do liberalismo econômico.
Na posteridade dos anos 1970, crepúsculo da era do capitalismo regulado e solidário do pós-Guerra, reemergiu a Grande Narrativa dos valores da concorrência e do mérito, valores que estimulam os cidadãos a se tornarem “empreendedores de si mesmos”, proprietários do seu “capital humano”.
Essa aspiração legítima bateu de frente com as realidades da exportação de empregos na manufatura globalizada, colidiu com a centralização do controle nas megaempresas “financeirizadas”, trombou com os avanços da Tecnologia da Informação e com o progresso da automação na indústria e nos serviços.
Os choques deflagraram uma forte desvalorização do estoque de capital humano (sic), mesmo aquele cultivado com os empenhos da educação. Os mercados de trabalho estão infestados pelo vírus da precarização e pela continuada perda da segurança outrora proporcionada pelos direitos sociais e econômicos. Só os tolos e os malandros acreditam e divulgam que os Estados Unidos estão em pleno emprego.
A frustração dos perdedores – desempregados ou precarizados – está na raiz do socialismo democrático de Sanders e, do seu contrário, o protecionismo nacionalista e agressivamente xenófobo de Trump. As classes médias, sobretudo nos Estados Unidos, mas também na Europa, ziguezagueiam entre os fetiches do individualismo e as realidades cruéis do declínio social e econômico. A individualização do fracasso já não consegue ocultar o destino comum reservado aos derrotados pela desordem do sistema social.
Os jovens eleitores de Sanders e os revoltados de Trump revelam uma comunidade de princípios em suas divergências: os indivíduos de carne e osso não desfalecem diante dos esforços sistêmicos que pretendem naturalizar os escandalosos desequilíbrios de poder e riqueza. Diante da reação dos perdedores, resta aos intelectuais e jornalistas do establishment prosseguir na tradição de empregar palavras sem conceito e gritar “Populismo!”
Na Crítica da Razão Dialética, Sartre recusa-se a conceber o homem como coisa. A despeito das armadilhas das estruturas socioeconômicas que tentam transformar o cidadão em um serviçal da rotina, dos costumes e do conformismo, o homem da razão dialética caracteriza-se pelo impulso incontido à superação de uma situação que o transformou naquilo que ele é. Está condenado à liberdade.
O indivíduo do iluminista e filósofo moral Adam Smith é definido a partir de sua liberdade exercida mediante a propensão humana natural para a troca. A motivação egoísta do intercâmbio de mercadorias, no entanto, está ancorada na simpatia mútua, na sociabilidade enraizada na inclinação benevolente para com o outro.
Nas trevas da economia vulgar, dogmática, que nos assola com um rosário de banalidades, a versão smithiana do indivíduo socializado cedeu lugar às hipóteses “científicas” que suprimem as diferenças entre os papéis sociais dos indivíduos concretos para aprisioná-los na má abstração do homo economicus, o ser racional e maximizador da utilidade.
A culminância do solipsismo econômico é o “agente representativo” dos novo-clássicos, a turma dos modelos ridículos que reivindicam a estabilidade do capitalismo. Para afirmar essa patranha conceberam um Robinson Crusoé de causar inveja a Daniel Defoe. Este autor foi ultrapassado em sua visão do indivíduo burguês pelos façanhudos agentes portadores de expectativas racionais concebidos por Robert Lucas & Cia.
Na contramão, mas com os mesmos métodos, alguns críticos do capitalismo sucumbem ao determinismo, soterrando a plasticidade desse modo de produção na cova rasa das velhas e encarquilhadas teorias do colapso final. Muitos críticos à esquerda imaginam estar prestando homenagem à boa tradição de seu pensamento, cedendo passo a supostos automatismos e inevitabilidades que estariam implícitos na dinâmica do capitalismo. Karl Marx se contorce na tumba.
Essas manobras ideológicas escondem as possibilidades da ação humana coletiva, oportunidades que emergem das mutações da estrutura socioeconômica e de sua compreensão transformadora pelas camadas sociais empenhadas na luta democrática. Os movimentos de apoio a Sanders e Trump vão sobreviver às eleições de 2016.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/564907-trump-e-a-indignacao-populista)

sábado, 11 de fevereiro de 2017

As cidades e as práticas de cidadania

Por Jaime Pinsky, historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp.
Em algumas décadas o Brasil transformou-se de país rural em país urbano. É verdade que a produção agrícola não diminuiu, pelo contrário, mas a maior parte da população vive agora nas cidades. Cidades grandes tornaram-se gigantescas e cidades médias são hoje cidades grandes. Cerca de 20 municípios possuem mais de 1 milhão de habitantes e acima de 200 contam com mais de 150 mil habitantes! Administrá-los tornou-se tarefa dificílima, mesmo desconsiderando eventuais (e não raros) traços de incompetência e desonestidade por parte de muitos prefeitos e vereadores.
Secretários municipais não ficam próximos dos cidadãos, isto seria impossível em cidades mais populosas. As pessoas, por seu lado, não se sentem donas da cidade. Edifícios com guaritas, vigilantes guardando a entrada de condomínios, muros altos tentando isolar os cidadãos de outros cidadãos, por medo, fazem dos habitantes das cidades prisioneiros que respiram aliviados ao voltar para trás das grades no final do dia, seja para conviver com sua família, seja para simplesmente esparramar-se em uma poltrona para assistir à TV (cada membro da família na sua, se possível), ou ainda para navegar pelas mídias sociais, onde poderá ofender quem quiser sem risco...
As pessoas desenvolveram também o hábito de ir ao shopping. Lá elas até fazem compras, mas utilizam-no mais para passear, ir ao cinema, lanchar, levar os filhotes, encontrar amigos. O shopping é uma instituição curiosamente classista. Depende do bairro em que se instalou a “categoria” das lojas que abriga, o preço do estacionamento, os restaurantes e cinemas e até a música que toca. Esta área, aliás, é interessante: o volume do som de fundo dos shoppings é inversamente proporcional ao poder aquisitivo do público a que se destina. Os de classe A são tranquilos e silentes, os C, muito barulhentos. Com raras exceções, as pessoas encontram centros de venda adequados à sua renda, aspirações, etc. Cada um na sua tribo, como se vivêssemos em uma sociedade estamental. Vivemos?
Rua é um conceito estranho. Quem passa por bairros residenciais sofisticados (como o Jardim Paulista, o Alto de Pinheiros, em São Paulo, vai encontrar vigilantes de quarteirão e empregadas domésticas usufruindo daquela rua agradável, sob a sombra das tipuanas e das sibipirunas (ambas com flores amarelas, se for primavera), enquanto os patrões entram e saem da casa velozmente e nem sabem, por vezes, que aquelas lindas árvores abrigam sabiás, sanhaços e outros belos pássaros. Nem mesmo notam quando o caroço de uma manga vingou e se transformou em uma enorme mangueira, que por conta das chuvas e do calor oferece suas frutas para os passantes, que podem também escolher amoras, mamões e até bananas que não têm vergonha em se oferecer a quem os desejar.
Claro que as ruas das cidades sempre têm os que fazem uso delas, e às vezes, até abusam. São os que emporcalham as paredes pichando qualquer espaço limpo. Não falo dos artistas que, bem ou mal (é questão de gosto apenas) dão cores ao cinza, mas dos porcalhões que dão um ar lúgubre à cidade. Mobilizar os cidadãos para coibir atividades desses indivíduos é importante. Como importante é transformar as pessoas em colaboradoras da cidade, não de um governo deste ou daquele partido. Todas as cidades têm gente com espírito público. Gente que toma para si a responsabilidade de manter um pequeno espaço verde, plantando, podando, aparando a grama, dando um jeito de irrigar o verde no tempo da seca. Que tal potencializar esse comportamento? Há quem se ofereça a apoiar creches, doando alimentos, ou equipamentos. Há editoras que podem dotar bibliotecas de livros, particularmente as infantis.
O cidadão pode e deve zelar para que as leis de cidade limpa sejam cumpridas. Já tem gente tratando de arrancar faixas colocadas ilegalmente, assim como cartazes que sujam os postes. Outros tentam impedir a distribuição de panfletos de propaganda enfiados às dezenas nos para-brisas dos carros estacionados ou entregues em faróis de trânsito. Aos poucos os cidadãos se dão conta do que é cidadania ativa: não simplesmente uma série de direitos civis, políticos e sociais (que são indispensáveis e devem ser preservados e ampliados), mas também um conjunto de obrigações que implicam a busca do bem comum.
Cabe às prefeituras abrir espaço e oferecer condições para que essas práticas cidadãs se espalhem pelas nossas cidades.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

França: alguma esperança, numa eleição difícil


Em meio à força da ultra-direita e à divisão dos liberais clássicos, o Partido Socialista rebela-se e surge a hipótese de uma candidatura única de esquerda no pleito presidencial de abril
Por Hugo Albuquerque

A França, um dos dois principais motores da Europa, está às vésperas de nova eleição presidencial, marcadas para 23 de abril e, em caso de segundo turno, 7 de maio. Será a primeira eleição geral europeia de grande porte depois da posse de Donald Trump nos Estados Unidos – e a depender do resultado, verdadeiras placas tectônicas podem se mover. Ela possivelmente ditará o ritmo para duas outras eleições chave para o futuro da União Europeia: na Alemanha, em setembro, e na Itália, em março de 2018.
Graças à sua legislação peculiar e à demora do Partido Socialista para escolher seu candidato, a França só conheceu há poucos dias todos os seus principais postulantes: com a vitória nas primárias socialistas do progressista Benoît Hamon, entrou no páreo o último candidato com chances reais de vencer – ao lado do conservador republicano François Fillon, de Marine Le Pen pela extrema-direita, do neoliberal Emmanuel Macron e do esquerdista Jean-Luc Mélenchon.
Hamon, defensor da legalização da maconha e internacionalista venceu as prévias em uma silenciosa rebelião das bases do partido, semelhante ao que Jeremy Corbyn liderou entre os trabalhistas britânicos e Bernie Sanders tentou entrou os democratas norte-americanos.
As bases socialistas estavam furiosas com os efeitos da linha pragmática e neoliberal adotada nas últimas décadas pelo partido e, em particular, nos últimos anos sob a presidência de François Hollande, que inclusive desistiu de tentar sua reeleição dada sua alta impopularidade e o fracasso de suas políticas. Eleito em 2012 sob a promessa mudar o equilíbrio de forças europeu, terminou por seguir à risca a sua herança maldita: uma linha ultraliberalização interna e apoio incondicional aos Estados Unidos. Patrocinou a lei que flexibilizou os direitos trabalhistas levando a um multitudinário ciclo de manifestações sindicais e da juventude — inclusive o movimento Nuit Debout, no primeiro semestre de 2016.
Hamon, que estava apenas em terceiro lugar nas pesquisas internas no início de janeiro, derrotou em uma virada espetacular tanto Manuel Valls, ex-primeiro ministro de Hollande e candidato oficialista, quanto o moderado Arnaud Montebourg, ambos representantes das alas que vinham se revezando no poder no Partido Socialista nos últimos anos.
Mas nem tudo são flores: Marine Le Pen, candidata da extrema-direita, lidera as pesquisas de primeiro turno desde o começo do ano. Mesmo que as mesmas pesquisas apontem para uma derrota no segundo turno, isso não deixa de ser preocupante.
O Front National, partido de Le Pen, é uma das poucas agremiações que faz política de base e vende um discurso fácil e simplório para os afetados pela crise europeia: a culpa é dos imigrantes e das minorias, assim como da decadente política liberal, a qual deve ser substituída por um capitalismo de Estado autoritário e racista, unindo as maiorias sociais em detrimento das minorias.
Ao contrário de seu pai, o também ultra-direitista mas folclórico Jean Marie, age como inteligência maquiavélica, apoiando-se em trabalhadores brancos falidos e rebaixados socialmente, unindo-se com setores da extrema-direita europeia. Diante de uma população atingida em cheio pela crise econômica e cada vez mais desesperada, o discurso do ultranacionalismo, mesmo que a um custo ético alto, pode prevalecer, como ensinam as vitórias do Brexit e de Trump. As massas estão prontas a renegar o liberalismo, seja por bem ou por mal e Le Pen é esse perigo.
Os conservadores franceses tradicionais, unidos sob a insígnia ecumênica chamada de Les Républicains, escolheram o ex-primeiro ministro François Fillon em detrimento do ex-presidente Nicolas Sarkozy e do ex-ministro Alain Juppé em prévias movimentadas: ganhou Fillon, mesmo que tivesse menos simpatia do eleitorado em geral que Juppé, pois seu discurso, baseado no conservadorismo moral, aparentemente seria o ideal para “neutralizar” Le Pen.
A defesa do thatcherismo por parte de Fillon soa absolutamente anacrônica num momento em que isso o Estado mínimo não agrada a ninguém, nem mesmo aos próprios conservadores britânicos – vide a linha da atual primeira-ministra britânica, Theresa May, que não ousa falar contra o direito dos trabalhadores e busca se afastar do legado de Thatcher. Se de um lado soa falso ao simular o discurso linha-dura de Le Pen, do outro, Fillon parece antipático a um eleitorado realmente tenso com o desfazimento do bem-estar.
O pior, contudo, estaria por vir. Com Fillon ultrapassado por Le Pen no começo do ano e a indicação de Hamon como candidato socialista, começaram a surgir pressões entre acadêmicos, ativistas e artistas para que as esquerdas se unam diante de um programa comum. O apelo é dirigido tanto ao candidato socialista quando a Jean-Luc Mélenchon, que se situa à sua esquerda, e hoje detém 10% das intenções de votos. Uma poderia significar que uma candidatura comum de esquerda no segundo turno, algo impensável há dois meses.
Como se nada pudesse ser pior para Fillon, Emmanuel Macron, ex-ministro das finanças de Hollande, saltou fora do Partido Socialista e agora empreende uma campanha por um bloco político solo, afirmando-se como um “progressista” que não é de esquerda nem de direita, e encarna os valores liberais predominantes na atual União Europeia. Macron, um banqueiro, ex-integrante da ala direita dos socialista e ministro da economia de Hollande, conseguiu rapidamente se desvincular da figura do atual presidente em fim de mandato.
Hoje, Macron é o queridinho da grande imprensa europeia, basta ver a cobertura amplamente favorável que lhe é dada. Em um cenário onde ele e Fillon dividem votos – e juntos somam pouco mais de 40%, como representantes da União Europeia na forma atual – é fácil encontrar quem espere que o eleitorado decida-se entre um ou outro – o que nesse caso desfavorece cada vez mais Fillon.
Coincidência ou não, com a solidificação da campanha de Macron, que ultrapassou passou para o segundo lugar nos últimos dias, e os riscos reais de aliança entre as esquerdas, uma devastadora denúncia contra Fillon e sua mulher estourou, levando inclusive a polícia francesa à Assembleia Nacional. As últimas pesquisas indicam que Fillon, depois do acontecido, registrou nova tendência de queda e os resultados disso ainda são inesperados.
Macron talvez seja a última chance para a União Europeia como a conhecemos. Mas se sua eventual eleição dá sobrevida ao bloco, por outro lado, nada garantiria que sua presidência fosse capaz de superar os dilemas e encruzilhadas que se avizinham.
Os velhos liberais europeus como Fillon e Macron, ao contrário, são a continuidade de um discurso e de uma prática que, apesar de simpatia e politicamente correta, vê a Rússia como uma mera fornecedora de hidrocarbonetos com armas em demasia, que precisa ser dobrada a qualquer custo.
Já Trump está entusiasmado com as forças de direita radical europeia, bem-disposto a fazer acordos com a primeira-ministra britânica Theresa May. O mesmo poderia se repetir com Le Pen, que visitou recentemente sua Trump Tower.
O resultado das eleições ainda é, portanto, absolutamente incerto mas a disputa será uma das mais acirradas da história recente da França. As variáveis da união das esquerdas e do quão a candidatura Fillon irá derreter são, neste início de fevereiro, essenciais para compreender o desdobramento do jogo.

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/franca-alguma-esperanca-numa-eleicao-dificil/)

A 'solução Michel' no STF para estancar a Lava Jato

por Jeferson Miola

O usurpador Michel Temer não indicou um mero juiz para o STF. Pela norma regimental do STF, Alexandre Moraes será, automaticamente, o juiz responsável pela revisão das ações penais da Lava Jato julgadas pelo pleno do Supremo.

As ações julgadas pelo pleno, e não por um das duas turmas do STF, são as que envolvem os presidentes da República, do Senado e da Câmara – os próceres da república que freqüentam as planilhas de propina da Odebrecht com os apelidos “MT”, “Índio” e “Botafogo”.

O currículo profissional e o perfil militante- partidário do tucano Alexandre Moraes causaram balbúrdia. O PSDB será o único partido a ter representação orgânica no STF – não apenas com um, mas com dois do total de onze juízes que integram a Suprema Corte. A retrospectiva indica que o PSDB e seus políticos implicados em corrupção, que contam com a fidelidade partidária e a lealdade funcional de Gilmar Mendes [PSDB/MT], a partir de agora terão em Alexandre Moraes [PSDB/SP] outro militante a seguir a mesma trajetória.

Outra razão para a balbúrdia – e, seguramente, não menos significativa – é que Temer age em benefício próprio para proteger-se a si mesmo e também ao “Índio” e ao “Botafogo”, peças-chave para a aprovação dos projetos anti-populares e anti-nacionais no Congresso.

O mais relevante, entretanto, é que com a indicação do tucano, o bloco golpista avança na “solução Michel”, o acordo PMDB-PSDB para deixar a Lava Jato “delimitada onde está”, conforme comentou o senador Jucá ao operador de propinas na Petrobrás Sérgio Machado.

Deixar a Lava Jato “delimitada onde está”, no vocabulário dos golpistas corruptos, significa enterrar a Operação, porque os objetivos planejados já foram alcançados com o impeachment fraudulento da Presidente Dilma e com a destruição da imagem do Lula e do PT.

Para Temer, campeão em menções nas delações e, por isso, potencial multi-réu no STF, o custo do desgaste pela controvertida indicação será compensado com a “gratidão política” do indicado. A ampliação dos domínios do PSDB nos estamentos judiciais e no aparelho de Estado abre a perspectiva de maior controle da Lava Jato e de um judiciário ainda mais parcial, mais seletivo e mais aparelhado para combater adversários/inimigos políticos.

Além de já contar com o apoio incondicional de Gilmar, aquele que viaja de carona no avião presidencial e que costuma visitá-lo no Palácio aos domingos para organizar as tramóias políticas, Temer passará a ter um segundo defensor declarado no STF.

No regime de exceção, a mídia não só não questiona como naturaliza o fato do réu viajar junto e receber na intimidade o juiz que preside seu julgamento no TSE. Não será diferente desta vez, quando o futuro réu no STF indica como seu principal julgador um aliado político-partidário com o perfil de Alexandre Moraes.

Os golpistas estão dando um passo importante para abortar a Lava Jato. As dezenas de delações ainda guardadas em sigilo pelo procurador-geral Rodrigo Janot atingem gravemente a turba que perpetrou o golpe de Estado, daí a encruzilhada em que se encontram.

O conteúdo das delações e dos processos mantidos em sigilo porque não implicam Lula e o PT, atinge centralmente políticos, dirigentes, empresários, lobistas e diretores de estatais do PSDB, do PMDB e do bloco golpista.

Com o golpe consolidado e o Brasil derretido em profunda depressão, a questão agora, como disse Romero Jucá, é “estancar a sangria” da Lava Jato com a “solução Michel”.

(fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-solucao-Michel-para-estancar-a-Lava-Jato/4/37672)

Livro: euforia e fracasso do Brasil Grande



Na era Lula, quase 50 novas embaixadas foram abertas.
O projeto de poder do presidente no exterior incluiu também empreendedores e aproveitadores na construção civil, no agronegócio e no setor petrolífero. Para tanto, o dinheiro público rolou solto: entre 2003 e 2015, o BNDES liberou US$ 14 bilhões para 575 projetos no exterior, em 11 países da África e América Latina.
Uma década depois da eleição de Lula, as rachaduras causadas por essa euforia desmedida se tornaram evidentes.
O financiamento público a obras de infraestrutura no exterior passou a ser investigado por integrar um esquema de tráfico de influência e pagamento de propina. E o Brasil ainda ganhou fama de imperialista. É essa história de euforia e fracasso que o experiente jornalista Fábio Zanini nos conta.

Três poderes que ameaçam a República

por Eloesio Paulo

O leitor fique tranquilo, não falaremos aqui da crise entre os três poderes da República. Dela a imprensa já tratou muito, com o habitual escamoteamento (por exemplo, cadê a autópsia do piloto que matou Teori Zavascki?) do principal, que uma reportagem sobre os remendos da legislação trabalhista proposta por Temer, no Jornal da Band de 22 de dezembro, afirmou por meio da edição de som a imagem, que Paulo Skaf, presidente da FIESP e candidato reincidente ao governo de SP, é a encarnação dessa curiosa entidade chamada “o mercado” – Pato Amarelo, ora pro nobis. Trataremos aqui de três poderes paralelos que ameaçam, a médio prazo, a própria existência da República Federativa do Brasil como um Estado soberano. E vamos do menor para o maior, não sem deixar a ressalva: a primeira versão deste artigo foi escrita bem antes da “crise penitenciária” da virada do ano.

O primeiro dos referidos poderes é um reflexo de vários fenômenos, da crise de identidade da Igreja Católica frente ao mundo pós-moderno à obsolescência de nosso modelo escolar, passando pela celebração irresponsável (e não responsabilizável de modo algum) da imbecilidade pelos grandes veículos de comunicação e pela avalanche tecnológica mais recente, representada pelo acesso quase universal à Internet. Sim, tudo isso, mas principalmente a condição de refém da incultura em que o povo brasileiro foi mantido a partir de 1988, pois a Constituição “cidadã” nada fez para garantir a principal cidadania, que é o exercício consciente e informado de todas as dimensões da vida em sociedade.

Para quem não adivinhou, uma dica: a lembrança de que o pastor evangélico Marcelo Crivella acaba de tomar posse como prefeito da segunda maior cidade brasileira. Não é que o simples fato de pertencer a uma igreja pentecostal seja impeditivo à boa política. É que se trata da igreja Universal, modelo de um sem-número de seitas de nítida inspiração mercantilista, a quais prosperam à custa dos incautos e desesperados que a perversidade social brasileira e a babel informacional pós-moderna multiplicam.

Se fosse fato isolado, nenhum problema. A democracia inclui, como ônus para seus imensos bônus, a possibilidade de serem eleitos eventuais cacarecos e tiriricas. Ocorre que Crivella pode representar o ponto de inflexão de um fenômeno que já se desenha no Congresso há pelo menos duas décadas. Entre nossos deputados e senadores, uma das bancadas que mais crescem, em número e coesão, tem sido a evangélica. E essa bancada está sempre do lado da política mais obscurantista, é só verificar os anais da Câmara e do Senado.

Até aí, poderia replicar o leitor, não vejo maior perigo nos evangélicos que nas bancadas da bala e do boi. Ocorre que estas, embora vinculadas a interesses em geral retrógrados, não parecem ter um projeto claro de poder. Os evangélicos têm, e isso já foi expresso tanto por Crivella quanto por seu guru Edir Macedo, primeiro “bispo” a se autoproclamar (agora virou moda, tem até “bispa”, pois poucos sabem o feminino correto de bispo).

Ninguém ignora o que ocorre onde florescem as teocracias. A própria Igreja Católica, hoje desempoderada a ponto de permitir que padres virem dançarinos na TV ou coisas até piores, teve o poder absoluto por séculos no Ocidente e se tornou o modelo universal, antes de Hitler, Stálin e filhotes, de como uma sociedade moderna não deve ser.

Como este é um artigo catastrofista, não discutiremos o que poderia haver de bom numa república dominada por pessoas que negam a evolução das espécies, que desconhecem as principais descobertas da física moderna, assim como avanços importantes no campo das liberdades individuais como, por exemplo, a contracepção. Além disso, já deve ter ficado claro que o articulista não teria capacidade de enxergar o lado bom de uma teocracia evangélica. O importante é o seguinte: ela existe como possibilidade concreta no horizonte brasileiro.

A segunda ameaça é menos insidiosa e mais barulhenta. Infelizmente temos visto que ela está em processo avançado de estruturação como Estado paralelo e tem plena consciência disso. Falamos do crime organizado.

A propósito, um parêntese: o leitor já pensou que o índice oficial de desemprego pode estar muito errado? No Brasil existem tantos bandidos profissionais – sem falar dos políticos: bandido sem mandato, aquele que, como escreveu o padre Vieira, “furta debaixo do seu risco” – que é bem possível boa parte deles estar sendo contabilizada como desempregados. Seria bom verificar, IBGE!

O contingente assustador de bandidos profissionais se torna mais preocupante por uma razão singela: eles vivem armados e crescentemente têm feito da vida nas grandes cidades (mas não só nelas) uma verdadeira roleta-russa. Ora, nesse caso uma projeção para os próximos 20 anos resulta alarmante; se a bandidagem armada crescer na taxa em que cresceu desde os anos 1980, é perfeitamente possível pensar que podemos ter nesse horizonte uma ditadura do crime organizado. Até os postes da Light, como se dizia antigamente, sabem que a bandidagem se infiltra na Justiça, no comércio e na política. Mas o mais assustador é a inércia do Estado, que, por definição, deveria ter o monopólio do uso de armas. Sem falar no estupor da opinião pública, que, aterrorizada pelo noticiário, não inclui seriamente em suas preocupações a necessidade de uma intervenção pesada do Estado – enquanto isso ainda é possível – para deter a metástase social desse poder paralelo. Essa intervenção teria que deixar de lado os discípulos contemporâneos de Rousseau, as polianas moças e meninas que juram ser a sociedade, como um todo, culpada por todas as perversidades de cada indivíduo se tornar capaz. Delegados de polícia e políticos que se prezam como tais deveriam estudar com afinco o romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, que esclarece muito mais sobre o fenômeno do tráfico do que a coleção de baboseiras teórico-ideológicas sobre as quais está assentada a estupidíssima política de combate às drogas, como tantos tiques nervosos que a sociedade brasileira copia da norte-americana. Copiaremos Trump, também?

Número dois, então: a possibilidade de um Estado abertamente criminoso, mais do que infiltrado por criminosos vivendo em escritórios com ar-condicionado, existe concretamente, a julgar pelo desenvolvimento inercial do fenômeno.

Mas quem será a besta número três, perguntará o assustado leitor diante de tão apocalípticas projeções (veja-se que não são previsões, pois o tempo dos profetas parece ter passado)? Deixemos que os números o digam.


No orçamento da União para 2017, as despesas com educação, tidas por alguns (tucanos à frente, claro) como excessivas, somarão 115 bilhões, de acordo com a proposta enviada pelo governo ao Congresso. As despesas da saúde somarão 85 bilhões. Preste atenção: BILHÕES de reais.

Vamos agora a outra rubrica do orçamento. As despesas com juros e o serviço da dívida federal somarão 1,4 TRILHÃO. Entendeu bem? TRILHÃO. Quer dizer, o dinheiro repassado pelo governo aos rentistas, penosamente acumulado à custa das lamentações do pato da FIESP, será nada menos que sete vezes o valor aplicado em saúde e educação. Quer dizer, o Estado existe para promover o bem de todos, mas a fatia desse bem que toca aos bancos e demais especuladores, aquela gente que só produzia papéis carimbados e agora produz impulsos eletrônicos, está chegando perto da METADE de tudo o que gasta o governo em um ano.

Os banqueiros e assemelhados, que no momento são proprietários do Ministério da Fazenda personificado por Henrique Meireles (Serra fica voando em círculos, como se fosse um urubu esperando a presa fechar os olhos), já chegaram a ser mais que um Estado paralelo: são a metade mais um da Brasil Sociedade Anônima, em que os anônimos de verdade terão, no desejo dos moderníssimos Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco, que trabalhar meio século para se aposentar.

Alguém já disse que fundar um banco é muito mais criminoso do que assaltar um. Os pastores comerciantes e políticos, voltando ao que escreveu o Padre Vieira, bem que têm o seu talento; R.R. Soares, por exemplo, é tão impagável quanto Sílvio Santos, esse espantoso artista que faz dinheiro até com a própria senilidade. Produzem sobretudo enganação, mas ainda não obrigam ninguém a segui-los à força. Os chefes do tráfico e das milícias, por sua vez, arriscam-se a cada minuto a ser atravessados por um tiro de fuzil. Em comum, entre eles: seu poder tem crescido como que em progressão aritmética.

Já os banqueiros, pela própria lógica da cobrança de juros, se apropriam em progressão geométrica do que produz o conjunto da sociedade. Quem (e como?) vai impedir esses assaltantes legalizados de mandar no Estado brasileiro ao ponto de escancarar que existimos apenas para que eles fiquem a cada segundo mais ricos?

Não pergunte aos principais veículos de comunicação brasileiros. O principal anunciante de cada um deles costuma ser um grande banco.

* ELOÉSIO PAULO é professor da Universidade Federal de Alfenas (MG) e autor dos livros Os 10 pecados de Paulo Coelho (2007) e Loucura e ideologia em dois romances dos anos 1970 (2014)

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/02/01/tres-poderes-que-ameacam-a-republica/_

Dívida pública, campeã da corrupção

Texto escrito por José de Souza Castro:

Minas Gerais deve ou não à União? A dívida de R$ 65 bilhões, classificada durante o governo Antonio Anastasia, em 2013, como impagável, já não existe? Qual mágica fez sumir todo esse dinheirão e mais alguns bilhões de quebra?

E por que não vi fogos de artifício comemorando a notícia dada há mais de um mês, em entrevista a um jornal mineiro, pelo governador petista Fernando Pimentel? Logo ele, que a mim me parecia, ele sim, ter sumido, fugindo da Polícia Federal e dos que querem cassar o seu mandato – ou pelo menos, mantê-lo acossado e silencioso pelos próximos dois anos.

Quantas dúvidas!



Essa dívida começou quando o tucano Eduardo Azeredo governava Minas e se submeteu às exigências do governo FHC para privatizar todos os bancos estaduais e para pegar um empréstimo com a União, de R$ 18,5 bilhões, para sanear as finanças do Estado. Sobre essa dívida seriam cobrados juros anuais entre 6% e 7,5% ao ano. Negócio de pai para filho…

O pagamento seria feito em 30 anos, e o estoque da dívida, corrigido pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI). Mas esse índice aumentou mais que a inflação, e a dívida, em 2013, já subira para R$ 65 bilhões, apesar de o governo de Minas, ainda tucano, garantir que vinha pagando em dia as parcelas vencidas. Aos governos petistas.

Eu estava distraído. A dívida, cujo valor varia a bel-prazer do secretário da Fazenda entrevistado em qualquer época, já teria sofrido uma redução em abril de 2016, quando o ministro Edson Fachin, do Supremo, concedeu liminar ao governo mineiro. Nesta data, a dívida já estava em R$ 79,8 bilhões!
Fachin, que não fez na época tanto sucesso na imprensa quanto agora, que foi nomeado para comandar a Lava Jato, permitiu, com aquela liminar, que Minas pagasse a dívida sem a incidência de juros sobre juros.
Um refresco e tanto, ao que parece. Veio mais, porém.

Na entrevista do mês passado, Fernando Pimentel, sob novo fogo da imprensa, por ter ido buscar um filho no Lago de Furnas usando um helicóptero oficial – bons tempos quando o governador Aécio Neves usava tal helicóptero sem ser incomodado… –, parecia entusiasmado: “Não temos mais dívida com a União”. Motivo: O STF teria decidido que o governo federal deve ressarcir os Estados pela perda de arrecadação de ICMS em razão da Lei Kandir (do governo FHC), que isentou o imposto sobre produtos exportados, como nosso rico minério de ferro.

Pelos cálculos de Pimentel, durante 20 anos, Minas deixou de arrecadar R$ 92 bilhões. Se não é gogó petista, em vez de devedor, o Estado seria credor da União. Cadê os fogos de artifício dos mineiros?
O silêncio talvez se explique porque essa questão de dívida pública não interesse a ninguém que não seja banqueiro e rentista dos títulos públicos. Um punhado de gente, nenhum leitor deste blog. Por isso, hesitei muito antes de escrever sobre isso.

Animei-me, quando li AQUI artigo de José Carlos de Assis, que conheci quando trabalhei por um mês no Copidesque do “Jornal do Brasil”, no Rio, na década de 1970. No artigo, Assis defende que nenhum Estado ou município deve à União, pois toda a dívida já foi paga.

O autor dessa tese ousada venceu o Prêmio Esso de Jornalismo de 1983 e escreveu livros de sucesso. Entre eles, A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983.
Sim, corrupção existia também nas ditaduras militares. E vinha de muito tempo atrás no Brasil. Pelo menos, desde 1500. É provável, porém, que a dívida pública – uma caixa pretíssima – seja a campeã da corrupção, em qualquer tempo. Essa, ninguém zera.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/02/08/divida-publica-corrupcao/#more-13580)

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Incrível: a Lava Jato copia o Porta dos Fundos

Leitores e leitoras do blog. Nesta matéria são citados dois vídeos que, infelizmente, não consegui trazer pra cá. Portanto, se quiserem assisti-los, cliquem no link ao final quando indico a fonte da matéria, para assistir.

No texto abaixo, Jornal GGN mostra como procuradores devolveram, a Eike Batista, lista contendo doações ao PSDB. Gesto repete programa humorístico que apontou, há meses, partidarismo da operação
Por Cíntia Alves, no GGN

Imagine a seguinte cena: um grande empresário brasileiro lê nos jornais que a Lava Jato chegou ao casal de marqueteiros que fez as campanhas de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e decide, espontaneamente, procurar a força-tarefa para explicar por que fez um repasse à dupla, em conta no exterior, no valor de R$ 5 milhões.

Para mostrar boa-fé, o magnata aproveita a oportunidade para entregar à Lava Jato uma lista de doações que ele fez de maneira “oficial” ou “privada” – sugerindo uso de caixa dois com direito a formulação de contratos de prestação de serviços.

Essas doações, segundo ele, foram feitas “republicanamente”, com valores iguais a vários partidos e candidatos que o empresário sequer chegou a conhecer, como é o caso do senador Cristovam Buarque (PPS). E diz a frase mágica: se teve repasse de R$ 1 milhão ao PT, teve também ao PSDB.

Qual a reação dos procuradores? Descartar a informação porque extrapola o campo de combate contra as gestões petistas e devolver a lista? Pois foi o que aconteceu no caso Eike Batista e Guido Mantega.

Em operação casada, a Lava Jato prendeu e soltou o ex-ministro da Fazenda nesta quinta (22), enquanto o Estadão, simultaneamente, publicou os vídeos da delação de Eike gravados pela própria força-tarefa.
A cena narrada acima acontece por volta dos 5’30’’ do vídeo abaixo, quando os procuradores perguntam se Eike tem alguma observação a fazer logo no começo do depoimento.

“Talvez seja importante relatar aqui… Nós temos a lista de contribuições de campanha?”, pergunta o empresário ao advogado. O documento de cerca de duas páginas é entregue a Eike, que repassa a um membro da Lava Jato.

“Como eu fazia? Eu fazia, muito no espírito democrático – como meus projetos eram grandes, eu estava em todos os estados – (…) eu participei praticamente desde 2006 com o mesmo volume de recursos – um milhão de reais – para PT, PSDB… Isso daqui a gente deixa aqui”, diz Eike, entregando a lista de beneficiados aos procuradores.

Nesse segundo, um procurador diz: “Perfeito, se o senhor quiser a gente pode anexar no seu termo [de delação] depois…”, e segura o documento por alguns minutos, enquanto faz a conversa voltar ao dia em que Eike conversou com Mantega no gabinete do ex-ministro sobre uma doação de R$ 5 milhões para pagar dívidas da campanha de 2010.

Por volta dos 9 minutos e meio de gravação, o procurador devolve a lista com os políticos e partidos que receberam recursos de Eike Batista ao advogado do empresário.

Percebendo o pouco valor dado à lista de Eike, o advogado volta a colocar o assunto em pauta. “Desculpe interromper, mas só para deixar claro: várias dessas pessoas que receberam doações do Eike, ele nunca viu. Ele nunca procurou políticos. Eu posso falar do senador Cristovam Buarque, que o Eike nunca esteve com ele. Ele pode confirmar. Eike fez doações em caráter republicano”, diz o defensor.

O procurador, mais uma vez, corta o assunto e pediu que Eike contasse novamente como Mônica, a esposa de João Santana, buscou sua empresa para fazer o pagamento de R$ 5 milhões numa conta na Suíça.
O depoimento de Eike foi feito em 20 de maio deste ano. O empresário diz que antigamente, quando seu grupo não estava em crise, R$ 5 milhões em doações eram um trocado, mas um trocado que ele não gostava de dar como “simples remessa”. Ele gostava de ter uma contrapartida.

Para quitar a dívida do PT com João Santana, Eike exigiu um serviço do casal. Fez seu corpo jurídico bater um contrato de prestação de serviço. A dupla de marqueteiros entregou uma consultoria valiosa sobre investimentos que poderiam interessar a Eike na Venezuela, onde Santana tem bom trânsito por conta das campanhas que fez na América Latina.

No final do depoimento, por volta dos 25 minutos do segundo vídeo, quando a Lava Jato abre novamente espaço para Eike dizer o que quiser, um advogado volta a destacar a lista das doações eleitorais. “(…) acho que podia esclarecer justamente, para que os senhores tenham uma noção do que que ele fez, das doações que ele fez, não só doações eleitorais. (…) Não são só doações eleitorais, mas doações de cunho privado, entendeu?”

Mais uma vez, o grupo de Eike foi ignorado. A força-tarefa não teve curiosidade em saber se essas doações ocorreram, de fato, por fora e com quais contrapartidas.

O depoimento completo pode ser lido aqui. Nele, Eike diz que Mantega pediu, “se possível”, a colaboração de R$ 5 milhões, mas não fez nenhuma ameaça nem cobrou resultados após a reunião. A iniciativa de cobrar o serviço de João Santana foi do empresário.

A Lava Jato quis saber se Eike detinha contratos com o poder público à época, na tentativa de descobrir se ele se sentiu chantageado. Eike negou chantagens, mas sinalizou negócios com o BNDES.

(fonte: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/incrivel-a-lava-jato-copia-o-porta-dos-fundos/ )

Prisões alternativas: eficientes e desconhecidas


Em 50 presídios brasileiros, que a mídia ignora, detentos cuidam das chaves. Não há armas nem carcereiros. Nunca houve rebeliões. Recuperação chega a 95%
Por Aline Torres, no El País

Imagine uma cadeia sem armas, agentes de segurança, violência ou repressão. Um lugar onde os presos, que não são chamados dessa forma, cuidam das chaves. Imagine um prédio ensolarado, pintado de azul celeste, com uma grande horta ao lado de fora e o vento, que traz consigo o cheiro do alecrim. Imagine todas as pessoas juntas à mesa farta, com pratos, talheres, dignidade. Esse lugar sem registro de rebeliões ou mortes, que mais parece música de John Lennon, já existe no Brasil. São as Apacs (Associações de Proteção e Assistência ao Condenado), ou, como seus criadores preferem ler, Amando ao Próximo Amarás a Cristo.

As Apacs, administradas por associação de voluntários, muitos deles cristãos, podem soar uma utopia no país que iniciou o ano com matanças nos presídios do Norte e Nordeste, mas são consideradas pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o único modelo prisional que deu certo no Brasil, o quarto país com maior população carcerária do mundo. São 50 associações pelo país com resultados semelhantes: custam R$ 800 por preso (contam com voluntários e funcionários), três vezes menos que a média nacional de 2.400 reais, e o índice de recuperação é de 95% contra 25% das cadeias padrões.

Quatro critérios selecionam os prisioneiros. Eles precisam ser condenados, manifestar por escrito que aceitam as normas apaquianas, terem família ou cometido o crime na comarca da associação – para facilitar a assistência jurídica e o envolvimento familiar. Além do critério de antiguidade. São priorizados condenados com penas mais longas, indiferentemente do crime que cometeram, em unidades que também contrastam com o superlotado resto do sistema: as Apacs têm em média 200 detentos. A única Apac que se diferencia é a de Santa Luzia (MG). Localizada na região metropolitana de Belo Horizonte há uma exigência a mais motivada pela longa fila de espera: um ano de bom comportamento.

A primeira Apac foi criada há 45 anos em São José dos Campos (SP), pelo advogado e jornalista Mario Otoboni e um grupo de voluntários cristãos. Desde então, as unidades se espalharam por sete Estados brasileiros. Em março, uma nova associação abre em Florianópolis, a centésima do mundo, e sua idealizadora e futura presidente, Leila Pivatto, 67 anos, mostra seu entusiasmo: “Quando condenados, e vale lembrar que 40% dos 600 mil encarcerados no Brasil não são, os presos deveriam perder o direito de ir e vir. Apenas. Mas eles perdem tudo. O contato com as famílias, os direitos à saúde, educação, trabalho e assistência jurídica. Nós entendemos que para matar o criminoso e salvar o homem é preciso cidadania”.

Leila é também voluntária há dez anos da Pastoral Carcerária, um braço assistencial ligado à Igreja Católica, trabalha 12 horas por dia sem ganhar nenhum centavo. Ela e seus colegas pelo país não são os únicos a apostar no modelo. A proposta ganhou a atenção da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia: “As Apacs são a minha aposta. Elas têm dado certo. Basta dizer que a reincidência é de 5%, enquanto nos presídios comuns é de até 75%”, disse a ministra em entrevista ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, em outubro do ano passado.

Oposta às cadeias comuns no cerne, talvez a diferença maior das Apacs seja sua concepção de defesa da justiça restaurativa, não da punitiva. Elas não podem ser criadas pelos governos, só pela organização e boa vontade da sociedade civil, esse é um dos principais obstáculos para expansão do modelo em larga escala.
“Não há solução imediata para as prisões. Todo processo será lento e exigirá consciência da população. Eu acredito que as Apacs sozinhas não irão resolver. É preciso estimular o desencarceramento. Há gente presa por bobagens. A minoria da massa prisional é perigosa, os outros poderia cumprir penas alternativas. E, obviamente, é preciso gerar oportunidade. Antes construirmos escolas do que prisões”, disse Leila.

No caso da unidade de Florianópolis foram seis anos da primeira assembleia até a construção do prédio. O primeiro passo foi a audiência pública na comarca, em seguida a criação jurídica, que não visa nenhum lucro, e visitas à Apac de Itaúna, em Minas Gerais, que existe há 17 anos e é celebrada pela sua excelência _lá fugas são raras: a última demorou dez anos para acontecer.

A primeira Apac de Santa Catarina ficará no Complexo da Agronômica, em Florianópolis, onde cinco unidades já detêm quase 1,6 mil pessoas. A Apac será a sexta. A única semelhança com os vizinhos de muro é o terreno. A casa ampla e solar não foi criada para punir. Ao invés de agentes do Deap (Departamento de Administração Prisional), a organização será responsabilidade dos voluntários, não só da Igreja Católica, mas de diversas áreas. São advogados, médicos, dentistas, psicólogos, professores de música e yoga, confeiteiros, gente que acredita que para resolver a violência das ruas é preciso mudar a realidade do cárcere.

“Aqui os presos usarão suas roupas, serão chamados pelos seus nomes ou como recuperandos. E no lugar da solitária poderão resgatar seu equilíbrio na capela, se quiserem”, diz Leila, enquanto trabalha na finalização do edifício.

A rotina será rígida. São os presos que serão os responsáveis pela segurança e pela limpeza. Às seis da manhã eles levantam, arrumam suas camas (sim, eles têm camas), fazem as orações, tomam café e iniciam as tarefas do dia, que só termina às 22h. É requisito básico que todos trabalhem e estudem. Ao longo desse período também participam de palestras de valorização humana, oficinas, atos religiosos, lazer e descanso.

“As pessoas sempre nos perguntam se é o voluntariado que reduz o preço das Apacs. Digo que sim. Também não há gastos com agentes penitenciários e terceirizações de serviços. Utilizamos a mão de obra dos recuperandos. Mas não podemos esquecer uma questão central. Não há corrupção. O valor pago pelos presos comuns no Brasil é muito questionável. Se eles não recebem assistência jurídica, médica, alimentação adequada para onde vai tanto dinheiro?”, questiona Valdecir Antônio Ferreira, presidente da FEBAC (Federação das Apacs do Brasil).

As leis da Apac

Os mandamentos apaquianos são maiores que os de Moisés. Doze leis procuram reverter o exemplo fracassado das penitenciárias comuns fazendo justamente o contrário – ou na provocação de Leila, “cumprindo a risca a Lei de Execuções Penais”.

As Apacs buscam espiritualidade – independentemente de crença, por isso a cor azul. Fortalecem os elos familiares. São permitidas ligações uma vez por dia, cartas sempre que desejado e as famílias são convidadas para todas as comemorações. Outro estímulo é a empatia. Na crença de que se aprenderem sobre a ajuda mútua é mais difícil prejudicar alguém. O trabalho é importante, não fundamental. No regime fechado é incentivada a recuperação emocional do indivíduo, no semiaberto a profissionalização, e no aberto, a inserção social.

Segundo pesquisas da FEBAC, 98% dos recuperandos, cerca de 3.500 pessoas, vieram de famílias completamente desestruturadas. A maioria vê o pai e a mãe como figuras deturpadas. “Na raiz do crime vamos encontrar sempre a experiência da rejeição”, defende Valdecir. “Essa é uma visão comum para quem trabalha com o sistema prisional. Nós costumamos dizer que os presos que recebem sacolinhas com comidas e produtos de higiene dos seus familiares se recuperam. Na prática, são os que têm cuidado e amor. Tem para quem voltar”, complementa Leila.

Valdecir dedicou 33 anos da sua vida às Apacs. Conta que já recebeu presos de alta periculosidade, integrantes de poderosas facções e os resultados sempre foram positivos. “Fizemos uma pesquisa com mil presos e constatamos que 85% querem mudar de vida. Então, acreditamos que as Apacs poderiam ser reproduzidas para abraçar toda essa massa sedenta por oportunidades. Mas não se cria Apac por decreto. Ela exige que a sociedade civil organizada tome consciência do problema e procura solucioná-lo, além de governantes parceiros que apoiem a ideia de prisões dignas. O que seria preciso? Mudar a nossa cultura”.

Newton Antonio de Almeida, 40 anos, sabe bem de qual cultura fala Valdecir. Preso por tráfico, ele ficou três anos e oito meses no Presídio Masculino de Florianópolis e há dez mudou de vida, quando foi contratado como funcionário da Pastoral Carcerária. “Poucos tiveram minha chance. Não é novidade que as cadeias não ressocializam. Na verdade, tiram o pouco que tu tem. Mas quem se opõe? Bandido bom é pobre morto”, afirma. Para ele, a população não quer Justiça, quer vingança. “Que o preso sofra, passe frio, fome, apanhe. E não percebe que toda essa dor, essa violência irá para ruas. Se essa lógica funcionasse seríamos um país muito pacífico. Você não acha?”

(fonte: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=419274)