quinta-feira, 30 de março de 2017

"A renda básica universal seria a maior conquista do capitalismo"

O historiador Rutger Bregman (Westerschouwen, Holanda, 1988) surgiu no debate ideológico em seu país há três anos com a publicação do ensaio Utopia para realistas. O texto foi divulgado inicialmente na Internet, no site The Correspondent. A indústria editorial juntou-se depois ao fenômeno, que agora chega à Espanha pelas mãos da editora Salamandra. Colaborador de jornais como The Washington Post e The Guardian, Bregman acredita ser possível sacudir o capitalismo para acabar com as desigualdades com propostas como a renda básica universal, redução da jornada de trabalho para 15 horas semanais e abertura das fronteiras.
A entrevista é de Lluís Pellicer, publicada por El País, 25-03-2017.
Eis a entrevista.

No sul da Europa, o debate está focado hoje na questão de como continuar financiando o Estado de bem-estar social. Acredita ser viável acrescentar a esse sistema uma renda básica universal?
A renda básica é um complemento das medidas fundamentais que compõem a sociedade de bem-estar. Ela deveria ser somada à saúde e ao ensino público. Mas há coisas que essa renda poderia substituir, em especial os subsídios como o seguro-desemprego, que se tornou um sistema incrivelmente burocrático e paternalista e que não funciona.
Quero uma sociedade na qual todos decidam em que querem trabalhar
Quantas horas o senhor trabalha por semana?
O que é trabalhar? [riso]. Eu trabalho no The Correspondent, um coletivo de jornalistas de investigação, e isso me proporciona um salário básico. E o faço porque acredito nele, não por causa do dinheiro.
Mas quantas horas? É possível dedicar apenas 15 horas por semana a isso?
Talvez eu trabalhe zero hora, pois não considero isso realmente como um trabalho. Ninguém me obriga a fazê-lo. Mas eu gostaria de ver uma sociedade na qual cada um pudesse escolher livremente o trabalho que quer fazer. Eu me considero um felizardo, mas gostaria de viver em uma sociedade na qual todos se sentissem assim.
Os trabalhadores então deixariam de receber quando estivessem desempregados?
A renda básica é o primeiro estágio da distribuição e é incondicional. Todos a receberiam: ricos e pobres.

Como seria o seu financiamento?
Como eu disse, ela substituiria alguns elementos da sociedade de bem-estar. Mas a renda básica é um investimento. Há várias demonstrações científicas provando que a pobreza é algo que sai muito caro: gera mais delinquência, resultados acadêmicos piores, doenças mentais... Seria muito mais econômico erradicar a pobreza do que combater os sintomas que ela causa.
O senhor critica o Estado por ser um “supervisor” e por ser “paternalista”. Mas é preciso controlar de alguma forma como é empregado o dinheiro público, não?
Os pobres são os verdadeiros especialistas em suas próprias vidas. Acredito na liberdade individual, as pessoas sabem o que fazer com suas vidas, mas hoje vivemos em uma sociedade de burocratas e paternalistas. As pesquisas mostram que é melhor dar o dinheiro diretamente a quem precisa dele do que destiná-lo a funcionários públicos e à burocracia. Muitas pessoas se preocupam com a possibilidade de a renda básica ser usada para compra de bebida alcoólica ou drogas, mas já houve experiências no passado cuja conclusão foi de que deram muito certo.
Mas não foi essa a postura demonstrada pelo líder do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, ao dizer, referindo-se aos países do sul da Europa, que não se pode gastar tudo com mulheres e bebidas e depois vir pedir mais dinheiro?
Minha geração está cansada de políticos que afrontam os cidadãos, como Dijsselbloem
Gostaria de pedir desculpas por isso em nome do meu país. A boa notícia é que ele logo mais já não trabalhará mais nesse lugar. Sim, esse é um grande exemplo da falta de confiança que as grandes instituições têm em relação às pessoas comuns. Na verdade, esse dinheiro não foi parar integralmente no bolso dos lixeiros, dos faxineiros ou dos professores, mas sim no dos banqueiros. No meu livro, eu procuro expor uma ideia mais otimista daquilo que podemos conseguir como sociedade. Minha geração está cansada de políticos como Dijsselbloem, que opõem as pessoas umas às outras.
O livro é bastante crítico em relação à esquerda social democrata por causa de seu discurso “perdedor”. Como seria possível renovar esse discurso?
Vivemos em uma sociedade de burocratas e paternalistas
Os sociais-democratas foram totalmente esmagados nas recentes eleições gerais da Holanda. Perderam o rumo de casa e não têm propostas a acrescentar. Dijsselbloem é o maior exemplo de tecnocrata e dessa percepção de que os homens de terno sabem mais do que os outros aquilo que nos convém ou não. E essa concepção levou à irrupção dos populismos de direita. A tecnocracia e o populismo estão convencidos de que só existe uma receita capaz de funcionar, enquanto que para nós o que realmente convém é o pluralismo. O problema da esquerda, hoje, é que ela só sabe ao que se opõe. Permanece com uma visão muito paternalista, de ajudar a quem precisa. Precisamos virar esse discurso ao avesso. Por exemplo, defender a meritocracia. Se a levássemos a sério, muitos professores deveriam ganhar mais e muitos banqueiros deveriam ter um saldo negativo, por destruir a riqueza. Esse é o discurso de que precisamos para combater a desigualdade.
Mas no livro a sua crítica é generalizada. O senhor se queixa de que sua geração é carente de novas ideias...
Mas já há alguns sintomas que alimentam a esperança. Eu escrevi o livro pela primeira vez em holandês em 2014, e naquela época ninguém tinha a menor ideia do que era a renda básica. Agora, somente na Holanda, existem 20 cidades que implementaram programas para aplicá-la. Ela está sendo experimentada na Finlândia e prestes a ser adotada também no Canadá. Isso mostra que se trata de uma ideia que está conquistando o mundo.
O senhor defende uma jornada de trabalho semanal de 15 horas. Essa ideia já foi colocada por John Maynard Keynes, e não parece que tenhamos nos aproximado muito disso. Por que acredita que agora seria possível implementá-la?
Durante décadas muitas pessoas acharam que chegaríamos a jornadas mais curtas. Keynes não foi o único. Nos anos setenta, a maioria dos economistas e sociólogos estavam convencidos disso. Mas nos anos oitenta a coisa mudou, e começamos a trabalhar muito mais. Hoje estamos atolados de trabalho. Há dois motivos para isso. Primeiramente, o consumismo: compramos coisas de que não temos necessidade para impressionar pessoas das quais não gostamos. O problema dessa explicação é que a maior parte das coisas que compramos sem necessidade são produzidas por robôs e no Terceiro Mundo, o que faz com que a maioria de nós trabalhe no setor de serviços. E isso nos leva ao outro motivo, ou seja, que nos últimos 30 anos temos visto um crescimento absurdo do nível de trabalhos lixo.
Em que sentido esses trabalhos são lixo?
Um trabalho lixo é um trabalho considerado inútil pela própria pessoa que o exerce. Muitas vezes são trabalhos bem remunerados, mas que podem consistir em enviar correios eletrônicos ou escrever relatórios que ninguém lerá. Não estou falando de lixeiros, professores ou enfermeiras. E existem funções extremamente úteis que não são remuneradas, como o cuidado com as crianças ou os idosos e o voluntariado. Se todos esses deixassem de trabalhar, aí sim teríamos problemas de verdade.
Qual mecanismo seria usado para determinar os salários?
A renda básica seria fundamental, pois permitiria pela primeira vez na história que as pessoas pudessem recusar trabalhos que não quisessem realmente fazer. Hoje em dia esse é um privilégio ao alcance apenas dos mais ricos, mas, caso se implementasse a renda básica, seria um direito de todos. Hoje se diz às crianças que elas precisam estudar para alguma profissão que lhes dê dinheiro. Com a renda básica, elas poderiam fazer o que bem entendessem na vida.
O senhor diz que haverá menos emprego por causa da tecnologia. Mas, em vez disso, não poderá acontecer de surgirem novos tipos de empregos?
O problema da esquerda é que ela só sabe ao que se opõe
Nós subestimamos a incrível capacidade do capitalismo de gerar novos trabalhos inúteis. Hoje em dia, talvez cerca de 30% dos empregos são inúteis, mas o capitalismo pode elevar essa taxa a 40%, 50% ou 60%. A não ser que se introduza a renda básica ou se redefina o conceito de trabalho.
O senhor poderia ser encaixado na categoria dos que são antissistema, mas no livro há uma defesa do capitalismo, que é visto como um “motor de prosperidade”...
A renda básica universal seria a conquista mais importante do capitalismo. Não é uma ideia absurda. É uma plataforma a partir da qual se pode ir adiante, proporcionando a todos uma ferramenta para se arriscar e empreender. E é nisso que consiste o capitalismo.
Os críticos à ideia da renda básica dizem que essa medida acabaria com o incentivo à busca por trabalho. Qual é sua opinião sobre isso?
Uso três capítulos para mostrar experiências concretas que revelam que, quando recebem dinheiro gratuitamente, as pessoas não o desperdiçam ou gastam com bebida. As pesquisas mostram que todos nós queremos realizar os nossos sonhos. E o grande desperdício dos nossos dias são os milhões de pessoas que estão presas à pobreza ou a um trabalho inútil.
O senhor propõe a abertura de fronteiras em um contexto em que o mundo parece caminhar numa direção contrária a essa. Seria o item mais utópico das suas propostas?
É, sem dúvida, o mais radical. Mas temos provas de que a imigração é uma arma contundente contra a pobreza. Um país com um patriotismo forte deveria se sentir orgulhoso por abrir suas fronteiras a emigrantes e refugiados, pois todos os grandes países da história da humanidade se basearam neles.
Essa ideia exigiria um consenso internacional. Pensando no papel desempenhado pela União Europeia na crise dos refugiados, parece viável chegar a ele?
Tudo deve começar por contar a história de uma forma diferente. É a mesma coisa para a renda básica. Muitas vezes me dizem que as pessoas são contra, mas no século XVII a maioria também era contra a democracia.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566140-a-renda-basica-universal-seria-a-maior-conquista-do-capitalismo)

Desregulamentação ambiental de Trump ameaça acordo de Paris,diz especialista

A adoção de atos de desregulamentação ambiental pelo presidente dos EUA, Donald Trump, "é um sério risco para o fim, na prática, do Acordo de Paris", comentou ao Broadcast o professor Christopher Knittel, diretor do Centro de Pesquisa para Políticas Ambientais e de Energia do Massachusetts Institute of Technology.
"O cumprimento dos compromissos relativos ao Acordo de Paris pelos países signatários é voluntário. Contudo, como os EUA poderão a partir de agora pedir para outras nações com problemas ecológicos, como China e Índia, para adotarem cuidados mais amplos ao meio ambiente?", comentou Knittel.
A reportagem é de Ricardo Leopoldo, publicada por O Estado de S. Paulo, 28-03-2017.

"Os EUA sinalizam agora para o mundo que não dedicam mais a devida atenção para aquecimento global", destacou o professor do MIT. "Com o fim de regulações e medidas de proteção que levaram tanto tempo para ser adotadas, a economia mundial será afetada no longo prazo, com o aumento do número de enchentes e elevação da temperatura média no ano."

Para o professor Christopher Knittel, no curto prazo os impactos do decreto assinado hoje por Trump trarão poucos efeitos à economia americana. "Muitas empresas já funcionam com energia mais eficiente e tornaram-se mais produtivas com redução de custos de produção, o que não permitirá uma volta para o passado de menor produtividade", apontou. "Além disso, muitos Estados já adotaram regulações específicas que tratam do meio ambiente de forma mais avançada e moderna para suas comunidades e também para o setor corporativo", apontou.

O acadêmico apontou que o presidente Donald Trump desrespeita a população e a comunidade científica ao adotar medidas que terão efeitos ecológicos negativos, com aumento de problemas de saúde da população americana. "Não há dúvida de que a partir de agora deve aumentar o ritmo do aquecimento global o que vai elevar também os estudos de pesquisadores nesta área pelo planeta."

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566253-desregulamentacao-ambiental-de-trump-ameaca-acordo-de-paris-diz-especialista)

Presidente da Andrade Gutierrez cospe no prato em que comeu


Texto escrito por José de Souza Castro:

Em entrevista publicada domingo pela “Folha de S.Paulo“, o presidente da Andrade Gutierrez, Ricardo Sena, cospe no prato em que comeu. Melhor dizendo, cospe em Aécio Neves: “Não tenho o menor apreço”, diz, mas votou nele em 2014: “Votei no Aécio porque eu achava ele menos ruim que a Dilma. Mas sou do Aécio? Sou nada!”.
Esse trecho da entrevista feita pela repórter Renata Agostini foi suprimido pela edição impressa do jornal. O portal parece ter sido menos prudente – ou não deu a devida atenção à pretensa força de Aécio junto aos Frias, donos da Folha/UOL.
O mais interessante é que o próprio presidente do Conselho de Administração do Grupo Andrade Gutierrez, Ricardo Sena, que assumiu o cargo em 2015, depois que seu antecessor foi preso pela Lava Jato, parece também ter-se esquecido de como Aécio foi importante para a empresa, quando governador de Minas. No mínimo, o governador não pôs obstáculo a que a AG comprasse, em 2009, 32,96% do capital votante da estatal mineira adquiridos sem licitação, durante o governo do também tucano Eduardo Azeredo, pelo consórcio formado pelas americanas AES e Mirant e pelo Banco Opportunity. Mais informação sobre isso AQUI e AQUI.
Logo no começo da reportagem, afirma-se que Ricardo Sena não está envolvido nas irregularidades confessadas pela empresa às autoridades, mas “seu nome já apareceu na Lava Jato”. Diz que numa troca de mensagens entre executivos do grupo, ele aparece reclamando da vitória da petista Dilma Rousseff em 2014, quando derrotou o tucano Aécio Neves. Reportagem anterior da “Folha” sobre o tema cita Ricardo Sá – e não Sena.
Um erro. Ricardo Sena não desmentiu, quando Renata Agostini fez a seguinte pergunta: “ O senhor tem birra do PT? O senhor aparece na Lava Lato numa troca de mensagens com outros executivos da Andrade reclamando da vitória de Dilma Rousseff em 2014.” Resposta:
“Meu comentário foi: “vergonha de ser mineiro”. Se eu gosto do PT? Não gosto. Porque não gosto desses esquerdismos populistas, aqui e em lugar nenhum. Não gosto de ninguém que entra por esse lado. Não tenho interesse político, mas acho que não constrói país. Não tenho nada contra a agremiação PT. Não sou partidário. Não gosto é do jeito de pensar. Mas eu tinha mesmo uma birra homérica da Dilma. É só ver ela falar francês. Eleger um troço desse não dá. Eu tinha que ficar com vergonha da minha terra [Minas Gerais]. Aí você vai me perguntar se eu gosto do Aécio [Neves]. Não tenho o menor apreço.”
Comparado com o desrespeito com que o entrevistado tratou a ex-presidente, destacada pela “Folha” no título da reportagem (“Tenho ‘birra homérica’ de Dilma, diz presidente da Andrade Gutierrez”), Ricardo Sena foi até gentil com Aécio Neves…
Não fosse o desejo de ”homenagear” Dilma, outras frases poderiam ter sido escolhidas para o título. Por exemplo:
“Sou da turma dos decepcionados” (ao ser perguntado se gosta do Temer).
“Você ficou pelado no meio da rua. Fomos pegos assim” (ao dizer que o principal erro da Andrade Gutierrez foi não ter percebido que o país havia mudado e continuou assinando contrato, para depois resolver).
“O Brasil está muito confuso” (ao afirmar que a empresa já pagou R$ 300 milhões do acordo de leniência em troca de “absolutamente nada”).
“Pública, pública é zero” (sobre as obras que a AG ainda toca).
“Esses pobres coitados dos estrangeiros vão se danar” (sobre os leilões de aeroportos).
“Trabalhar com o governo é muito perigoso”.
Sem dúvida. Mas foi trabalhando com governos que a Andrade Gutierrez cresceu muito. Desde o início. A empresa foi fundada em 1948 por Flávio Gutierrez e Gabriel Andrade, seu colega no curso de Engenharia da UFMG. Os dois convidaram Roberto Andrade, irmão de Gabriel e formado na mesma escola 10 anos antes. Roberto morava na capital do país, o Rio de Janeiro, onde tinha muitos amigos no meio político. Mais tarde, foi morar em Brasília para fazer o lobby da AG no governo militar.
As primeiras obras da construtora foram contratadas pelo governo. Em 1952, Flávio Gutierrez foi fotografado com o governador Juscelino Kubitschek num trator da empresa. O deputado Maurício Andrade, irmão mais velho de Gabriel, era líder do governo na Assembleia Legislativa e arranjou para que a empresa do irmão fosse contratada para construir o campo de aviação de Bambuí. Com isso, a AG pôde comprar dois caminhões e o segundo trator. O primeiro foi o “Soberano”, cenário da foto de Flávio e JK. Nos governos de JK, em Minas e no Brasil, a empresa ganhou grande impulso.
E a escalada continuou. Já no governo João Goulart, a Andrade Gutierrez fez a terraplanagem para a construção da Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim, planejada ainda no governo JK. Foram terraplanados dois milhões de metros quadrados, movimentando seis milhões de metros cúbicos de terra. Em seguida, foi contratada pela Petrobras para construir a barragem de Ibirité e garantir a água a ser utilizada pela Regap. Foi a primeira de muitas barragens, boa parte dela nos governos militares.
Em 1979, iniciou a construção, no Rio Grande do Norte, da barragem do Açu – a maior da história do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), com 2.553 metros de comprimento e altura de até 41 metros acima do leito do rio Piranhas. Ela estava praticamente pronta, quando em dezembro de 1981 ocorreu escorregamento de aproximadamente 1,5 milhão de metros cúbicos de material do talude de montante. A perícia constatou que a falha era do projeto, não da execução. Depois do projeto refeito, a Andrade Gutierrez reiniciou os trabalhos e a barragem ficou pronta em 1983. Ufa!
Bons tempos. Percalços como este eram pouco noticiados e não sofriam processos do Ministério Público, como neste de 2007, quando sete pessoas morreram no acidente nas obras da Estação Pinheiros da Linha 4-Amarela, em São Paulo.
A AG foi pioneira na construção de linhas de metrô no Brasil. Trabalhou na Linha Norte-Sul do Metrô da capital paulista, o primeiro do país. Em pouco tempo, suas obras se espalhavam por vários Estados. Em 1972, iniciou a construção de uma rodovia asfaltada de 900 quilômetros para ligar Manaus a Porto Velho. E concluiu-a em 1976.
Finda a ditadura, a filha mais velha de Flávio, Ângela Gutierrez, foi nomeada pelo governador Newton Cardoso, do PMDB, secretária de Cultura. Newton era amigo de Tancredo Neves.
Com o pai, Ângela Gutierrez juntou durante anos um acervo de 2.200 peças que doou para o Museu de Artes e Ofícios, inaugurado em dezembro de 2005, no governo Aécio Neves. Está instalado no prédio da antiga estação ferroviária, no Centro de Belo Horizonte, numa área de 9.000 metros quadrados.
Integrante do Conselho de Administração da AG, Ângela estava, em 2013, na lista da Forbes como uma das 21 mulheres bilionárias do Brasil. Sua fortuna era calculada em R$ 2,8 bilhões.
Ao contrário do que sugere a entrevista de Ricardo Sena, os fundadores da Andrade Gutierrez sempre souberam como é bom trabalhar para o governo.
Qualquer governo.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/03/28/andrade-gutierrez/#more-13783)

5 fatores que mostram por que a terceirização é ruim para todos - até para o governo


O texto abaixo foi publicado no jornal A Tribuna, de Vitória. O autor, Luís Eduardo Fontenelle, é juiz do Trabalho em Vitória.

Sendo um brasileiro que ama seu país, torço para estar muito errado. Mas o projeto de lei da terceirização, aprovado pela Câmara dos Deputados e em vias de sanção presidencial, tem tudo para frustrar aqueles que acreditam na melhoria das relações de trabalho no Brasil.

A experiência mostra que mesmo a terceirização já permitida antes, a da chamada atividade-meio, não ligada aos fins da empresa, está longe de corresponder ao que se divulga.

Primeiro: a rigor, toda terceirização afronta o art. 1º, IV, da Constituição, que consagra o valor social do trabalho. Por “valor social”, entenda-se: respeitar a dignidade da pessoa do trabalhador. Não tratá-lo como coisa ou mercadoria. Por outro lado, o foco da terceirização é contratar somente o esforço braçal ou intelectual, desprezando os atributos pessoais e profissionais do indivíduo prestador. O “avanço” que o governo propaga é, ao contrário, um retrocesso de exatos 101 anos, ao regime da locação de serviços…do Código Civil de 1916!

Segundo: diferentemente do que se alega, a terceirização não cria empregos. O Dieese atesta que, em média, um terceirizado trabalha três horas a mais por semana que os empregados diretamente contratados. As horas extras tendem a suprimir as vagas de emprego.

A Espanha promoveu reforma semelhante em 2012 e até voltou a crescer em 2014, beneficiada por um fator externo: a queda dos preços do petróleo. Mas, após cinco anos da reforma trabalhista, o índice de desemprego continua altíssimo – em torno de 20% -, e entre os jovens permanece em assustadores 40%.
Terceiro: a terceirização reduz salários. Os terceirizados ganham, em média, 30% a menos que os empregados diretos. A terceirização divide a representação sindical, prejudicando a negociação por benefícios e melhores salários.

Quarto: a terceirização prejudica a saúde e a segurança do trabalhador. Nos últimos anos, nada menos que 80% dos acidentes de trabalho no Brasil ocorreram com trabalhadores terceirizados, afetivamente distanciados da empresa tomadora do serviço e tecnicamente despreparados para lidarem com seu processo produtivo.

Caso emblemático, ocorrido no Espírito Santo em 2015, foi o acidente numa plataforma da Petrobras em São Mateus, deixando nove mortos e 26 feridos. Apurou-se à época que a terceirização desenfreada prejudicou a qualidade da manutenção dos equipamentos e do treinamento de pessoal, elevando os riscos no local de trabalho.

Quinto: a terceirização sobrecarrega os serviços e as finanças públicas. A arrecadação cairá, por conta da redução dos salários e da vinculação dos trabalhadores a empresas de menor porte, que pagam menos impostos.

O maior número de acidentes e doenças ocupacionais pressionará o SUS e o INSS, frustrando boa parte do ajuste fiscal e da reforma da Previdência almejados pelo próprio Governo Federal. E a Justiça do Trabalho, à qual já cabe julgar milhares de ações decorrentes de empresas terceirizadas que desaparecem sem pagar salários e verbas rescisórias, se verá ainda mais assoberbada.

Portanto, as desvantagens da terceirização superam largamente os supostos benefícios. Não só não há provas de que torne a atividade econômica mais eficiente, como já se constata seu efeito prejudicial ao trabalhador. Logo, ampliar a terceirização é um grande equívoco, que só fará agravar os problemas já existentes.
(fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/5-fatores-que-mostram-por-que-a-terceirizacao-e-ruim-para-todos-ate-para-o-governo-por-luis-eduardo-fontenelle/)

sábado, 25 de março de 2017

Livro: Um caminho para o Brasil


O que podemos dizer sobre nossas instituições? Como compreender a sua relação com a democracia? Em Um caminho para o Brasil, Raymundo Magliano Filho apresenta respostas para essas perguntas e mostra como uma sociedade civil fortalecida é peça indispensável para pensarmos e propormos um modelo que responda à crise de representatividade em que vivemos. Além de apresentar a fundamental importância das instituições para o progresso do Brasil, o autor contribui para o debate sobre o tipo de país que queremos e sobre as formas de organização que nossas instituições devem ter. 

Raymundo Magliano Filho é graduado em Administração pela Fundação Getulio Vargas. Foi presidente da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) por sete mandatos consecutivos, conselheiro do Instituto Ethos, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e de diversas entidades que atuam em níveis nacionais e internacionais. Autor de vários artigos sobre o mercado de capitais publicados em jornais e revistas, fundou o Instituto Norberto Bobbio, instituição que se dedica a divulgar os conceitos de direitos humanos, democracia e cultura.

Recado para nós: vamos parar de compartilhar notícias falsas?

ANA CLAUDIA VARGAS*

Lembra quando seus antepassados da era anterior à internet/redes sociais compravam jornais nas bancas, diziam que gostavam do cheiro do papel impresso e liam com prazer evidente as notícias ali estampadas? Lembra quando as pessoas diziam ‘eu li no jornal X’ como se isso recobrisse a notícia com um selo de credibilidade ou algo parecido?
Pois hoje isso parece algo longínquo demais, hoje o que torna uma notícia válida é sua capacidade de ser compartilhada o maior número possível de vezes. Hoje é preciso somente que uma ‘notícia’ renda muitos cliques, acessos e compartilhamentos e só.
Se é verdade ou mentira o que a tal ‘notícia’ agrega, se sua elaboração foi feita de forma cuidadosa (este aspecto antes primordial) isto parece ter perdido toda a importância.
E é bom que você saiba: tem muita gente lucrando com sites que publicam ‘notícias’, quer dizer, mentiras, como se fossem ‘verdades’. Talvez você pense, com certa razão: mas que problema há nisso se a imprensa dita séria publica tantas notícias que se revelam ou se revelaram inverdades? Sim, mas tais notícias se foram produzidas por veículos de imprensa que prezam a informação apurada com rigor, poderão ser questionadas por quem quer que seja, e nesse processo, ficarão evidentes aspectos que ainda fazem o jornalismo valer a pena.
Em outras palavras: quando uma notícia pode ser questionada, quando o jornalista que a produziu pode defendê-la e tem argumentos para tal, é sinal de que apurou, pesquisou e agiu de forma profissional.
Outra coisa é o fato de que jornais sérios ou veículos de comunicação sérios não agem de forma leviana. Não, eu não nasci ontem e sei muito bem que jornais ditos sérios também podem agir de forma leviana e/ou manipuladora, mas ainda assim, espera-se (esperamos) que, até certo ponto, o que está noticiado ali, nas folhas, estadões e diários da vida, tenha sido escrito por gente que se preocupa com a informação que entrega ao leitor.
O próspero mercado dos lixos ‘noticiosos’
Mas o discurso acima, que pode parecer dramático demais ou piegas e antiquado, não interessa em nada aos donos dos tais sites que prosperam inventando mentiras, boatos, inverdades e outras ‘notícias’ que muitos de nós já compartilhamos.
Sim, você e eu já devemos ter (em algum momento das recentes e acaloradas discussões politicas, por exemplo) compartilhado matérias dos tais sites[1]* e saiba que este nosso compartilhamento contribuiu para que os donos deles enriquecessem mais um pouquinho.
Recentemente o jornal Folha de S. Paulo fez uma matéria muito necessária sobre estes sites e a mim pareceu terrível (embora nada mais pareça mais tão terrível assim) constatar o quanto é natural e simples e aceitável e normal, este lucrativo mercado de notícias falsas. O quanto o que interessa é somente (e tão somente e unicamente e exclusivamente) que este processo seja lucrativo e só.
Ora, é claro que ninguém abre negócios para vê-los falidos, mas entenda: neste caso, não existe nenhuma preocupação com a construção da notícia, qualquer ‘coisa’ pode se tornar digna de cliques se no centro dela tiver algo digno de cliques e este algo pode ser uma pessoa famosa, um acontecimento que tenha apelo popular (uma morte, um espetáculo, muitas mortes espetaculares, uma subcelebridade ou uma celebridade e etc.).
Comida estragada  notícia deturpada
Tudo isto pode parecer bem confuso porque afinal, os jornais ‘de verdade’ também podem produzir boatos ou divulgar informações inverídicas, como mencionei acima, certo? Então, talvez seja melhor pensarmos assim: você come qualquer porcaria em qualquer lugar? Ou: você acha normal saber que tem gente que revira lixo em busca de comida? Eu nunca acharei isto normal como também não acho normal que exista tanta informação falsa circulando na internet como se fosse verdadeira. Mas o que uma coisa tem a ver com outra? É que para mim as notícias que se inventam ao sabor do número de cliques são exatamente como o lixo que nós geramos (e que antes foi comida fresca e saborosa, ou seja, de verdade) e que, horrivelmente, será vasculhado por pessoas que são como nós, humanamente falando, mas reviram o lixo porque não tem dinheiro para comprar comida que preste.
Ouso pensar até que talvez a internet tenha virado apenas isto para quem a vê como uma fábrica de cliques: uma forma de se lucrar com esta grandiosa máquina que produz informação de forma instantânea e veloz. Só que ao final do processo de fabricação de informações, todo o ‘lixo’ existente ali, ou seja, todos os restos das notícias verdadeiras e apuradas que circularam intensamente, já foi compilado (reciclado?) por estes ‘inventores’ de notícias que garimpam uma frase aqui, outra ali e vão montado suas notícias falsas como se construíssem zumbis ou coisas que me lembram ‘frankesteins’: na verdade, as tais ‘ notícias’ não passam de montagens de palavras ditas em outros contextos ou sequer faladas em contexto nenhum. Mas isso como você já sabe, não importa, e sim que as invenções saídas destas imaginações assustadoramente férteis, angariem mais e mais cliques!
A morte do jornalismo?
E o que se segue depois é que as tais invenções criadas, as tais aberrações espalhafatosas (como aquela que circulou a pouco e que dizia que dona Marisa Letícia estaria bem viva lá na Itália) chamam a atenção das pessoas ingenuamente curiosas (como somos todos nós em certos momentos) e elas clicam, compartilham e daí a ‘notícia’ se espalha de forma absurdamente rápida!
Diante disso, não custa nada ficarmos mais atentos antes de clicarmos e compartilharmos o que temos lido aqui e ali na WEB. Perceba agora a analogia, rasa admito, entre a ‘comida’ (notícia apurada e fresca) e o lixo (notícia fabricada/reciclada/inventada): enquanto veículos sérios realmente  produzem notícias e serão capazes de responderem por elas se questionados, como já dito antes; os tais sites que vivem de regurgitar o que sobrou das notícias velhas, requentadas ou estragadas; deliberadamente ganham dinheiro com o que iria para o lixo, mas o problema é que vendem este lixo como se fosse algo novo, fresco e digno de se ‘saborear’.
Sei o quanto minha ‘tese’ pode parecer louca ou ridícula mas pare para pensar e não perca seu valioso e cada vez mais escasso tempo compartilhando lixos noticiosos. Lembre-se que apesar dos pesares (da manipulação midiática, sobretudo, que muito contribuiu para esse cenário, que esvaziou o jornalismo do sentido e do valor que ele deveria preservar) o bom jornalismo é um dos pilares da democracia. Países com democracias sólidas e respeitáveis se importam tanto com a educação quanto com o trabalho de uma imprensa verdadeiramente comprometida com valores que hoje nos fazem tanta falta (a nós, brasileiros, e ao mundo todo, enfim).
Para terminar: o Brasil oferece um cenário bastante atraente para que os tais sites fabricantes de notícias falsas prosperem, pois nossa suposta democracia está se fragmentando a olhos vistos, como sabemos. Nem bem floresceu e já decaiu…
No meio disso tudo, desse verdadeiro caos oficializado, somente uma imprensa atenta pode ao menos, tentar iluminar os cantos obscuros que vão se revelando entre as sombras dessa fase tenebrosa que vamos (lentamente) atravessando.
Agora imagine que no meio dessa vagarosa e caótica travessia surgissem pessoas que agissem de forma leviana, chantagista, abertamente manipuladora e que ainda (!!) se gabassem de agir dessa forma e que se aproveitassem da situação para lucrar. Pois penso que estes são como aqueles comerciantes que aumentam o preço da água, de forma abusiva, em época de racionamento.
Lembre-se: notícia bem apurada também é item de primeira necessidade, agora, lixo – de qualquer natureza, seja ‘orgânico’ ou noticioso – deve ir para o lixo e ponto.
* ANA CLAUDIA VARGAS é Jornalista, editora do Portal Plena, jornal digital que discute a velhice de forma aberta, ampla e inclusiva.
[1] Estes são, segundo a Folha, alguns dos sites que ‘fabricam’ notícias: Pensa Brasil; Brasil Verde e Amarelo; Jornal do País; Diário do Brasil; Folha Digital; Juntos pelo Brasil; Jornal do País; Você precisa saber, entre outros.
(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/03/22/recado-para-nos-vamos-parar-de-compartilhar-noticias-falsas/)

Atacados, Pataxós ocupam Parque do Descobrimento


Por Bruna Aieta

Os Pataxó, povo originário da região sul da Bahia, mantêm ocupado desde 11 de março o Parque Nacional do Descobrimento, uma área de 22,7 mil hectares cujos biomas e espécies nativas estão ameaçadas por pressão de empresas e descaso de órgãos públicos. A sede do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão do ministério do Meio Ambiente também está ocupada. O ato é de resistência. Os Pataxós querem o reconhecimento e demarcação de seu território e estão ameaçados por reintegrações de posse que podem desalojar centenas de famíliasl..
“Nossos direitos estão sendo violados pelo governo federal, pelo governo estadual e pelo governo municipal. Então estamos aqui esperando o juiz federal, o presidente da Funai, o Ministério Público e a coordenadora da Vigilância Sanitária, a senhora Mônica Marapá”, afirmou uma das lideranças da etnia, Valmir Alicuri.
Além de reivindicar a revisão do processo fundiário, eles chamam atenção para a dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde, de responsabilidade da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), e alegam ameaça à preservação do Parque.
Nele, pela estrada que atravessa a antiga Mata Atlântica, rios, lagos e represas estão secos. No alto, mais adentro, é possível avistar uma passarela de cerca de cem metros, construída com madeira do próprio parque para o evento “Motor Rock” – que não aconteceu ali por causa da ocupação – além de móveis e maquinários. Foram ainda encontrados buracos de mais de 15 metros de profundidade, possível início da atividade de mineração. A última denúncia trata de um incêndio ocorrido semana passada, a cerca de 6km da sede, supostamente provocado para incriminar os ocupantes.
Fotos e vídeos dessas denúncias foram postadas nas redes sociais e entregues a funcionários da Funai que estiveram no portão do Parque no início da semana. Diante da proposta de que desocupem a sede e vão até Porto Seguro para uma possível negociação, as lideranças recusaram-se a sair, afirmaram estar cansados de correr atrás de autoridades e reclamaram do sumiço da Funai nos últimos dez anos.
“Nós vamos esperar eles aqui. Não vamos sair. Porque nós fazemos isso sempre, viajamos pra Brasília e pra Salvador. Quando a gente volta, cadê a palavra? Não tem nada”, afirma Valmir Alicuri.
O Parque Nacional do Descobrimento e o Parque do Monte Pascoal são Unidades de Conservação (UCs) do governo federal, criadas nos anos de 1943 e 2000, respectivamente. São áreas que se sobrepõem às terras indígenas, ou seja, algumas das aldeias ameaçadas estão justamente no entorno e em pequenas partes das reservas. Nasce daí mais um conflito, entre a direção do Parque do Descobrimento e moradores das comunidades.
As denúncias demonstram a urgência de uma gestão compartilhada do parque com os Pataxó. Eles querem de volta ao menos as cinco cadeiras no Conselho Gestor do Parque, retiradas em 2014. Mas a principal demanda é que ele seja transformado em Unidade Extrativista, reconhecendo as práticas de sustentabilidade do Povo Pataxó.
“O povo Pataxó precisa de recursos ambientais como sementes, folhas, cipós e fibras para sua reprodução física e cultural, uma vez que fazem parte do seu artesanato e dos seus rituais tradicionais”, escreveu Paulo de Tássio, do site Racismo Ambiental. “Observa-se a propagação de um racismo ambiental fundamentado num conservacionismo míope do mito da natureza intocável.”

As comunidades querem que pelo menos os carros da Sesai possam passar pela Estrada Real, no caso de ser necessário atendimento médico urgente.“Eles usam esse parque pra fazer passeio turístico, e o índio não pode. Nós que somos filhos da terra, remanescentes. Pra onde vão nossos direitos de patrícios da terra?”, pergunta Buri Pataxó.
Os mais recentes processos de reintegração de posse afetam 520 famílias, 1.600 pessoas que vivem em oito aldeias pelas matas e roças dos municípios de Santa Cruz de Cabrália, Porto Seguro e, mais ao sul, em Prado, nas terras de Coroa Vermelha, Barra Velha, Comexatibá (Cahy-Pequi), Tibá, Alegria Nova, Craveiro, Mucugê e Águas Belas, entre outras. Ao todo são 19 aldeias que abrigam 11 mil pataxós nessa região sul da Bahia. Segundo o Censo, há cerca de um pataxó para cada 5 habitantes da zona rural.
“Não queremos o Brasil só pra nós, queremos a parte que nos cabe, e com toda a justiça!”, brada Buri Pataxó, uma das líderes da etnia. “Nós somos criminalizados, marginalizados. Mas eles não olham o lado humano. O Brasil é um país pluriétnico, mas infelizmente não é aceito como tal. E então nos ameaçam, nos cercam de todas as formas, usam e abusam da autoridade que têm. O índio quer a terra pra sobreviver nela, e com ela. É uma relação de troca. A gente cuida da terra e ela nos dá o alimento, nos acalenta, como mãe. Já eles querem a terra para explorar, para enriquecer e ter altos lucros.”
A ancestralidade desse povo, da família linguística Maxakalí, é anterior ao século XVI e, apesar de terem também, como outras culturas indígenas, o costume de migrar, os registros da época demonstram que a grande maioria de seus antepassados manteve-se na atual Costa do Descobrimento, mesmo após a tomada do território pelos europeus. Antecedem a criação da nação brasileira, mas até hoje são obrigados a comprovar perante a Justiça sua morada e cultura de séculos.
Interesses econômicos
Entre os interessados na área, o mais devastador talvez seja uma empresa do setor imobiliário, Góes Cohabita, que se diz proprietária de diversas áreas e está com pedidos de reintegração de posse. Em 2006 a empresa obteve decisão favorável na Justiça Federal de Eunápolis, e agora exige cumprimento da sentença. Nesse mesmo ano foi interrompido o processo aberto em 1998 pelas comunidades, com apoio da Funai (Fundação Nacional do Índio), que recorre ao Ministério Público Federal (MPF) pela inclusão de novas áreas na demarcação feita anteriormente pela União. Argumentam que há áreas que foram “ignoradas” pelo Estado e apresentam um desenho com limites maiores, abrangendo todas as aldeias.
Mas as lideranças Pataxó acabam de descobrir que há muitos outros interesses na região: ao todo, são 152 contestações, abertas pelo próprio ICMBio, por outras empresas, fazendeiros e até assentados do Incra.
Terra de Comexatibá
A identificação antropológica da presença de Pataxós desde o século XVI na terra de Comexatibá (Cahy-Pequi), por exemplo, foi publicada apenas em 2015. É o primeiro passo para assinatura da carta declaratória, e o território ainda precisa ser homologado, mas já possui consistência legal. Mesmo assim, um ano depois, uma das aldeias foi atacada de surpresa pela Polícia Federal, com a destruição, inclusive, de uma das casas da Escola Estadual Indígena Kijêtxawê Zabelê.
“Por falta de precisão nos autos do processo, o juiz determinou que o autor da ação apresente novas informações, precisando os limites da área a ser reintegrada. Assim, o despejo acabou sendo adiado por até três meses para coleta de subsídios, mas não foi suspenso”, explica o Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Monte Pataxó
Massacres, expulsões e ataques contra indígenas por parte de fazendeiros, grileiros e Estado são fatos que se repetem nos mais de cinco séculos da história brasileira.
Nessa costa do “Descobrimento”, um caso famoso é o Fogo de 51 (1951), quando dezenas de homens foram presos, mulheres estupradas e a Aldeia-Mãe de Barra Velha, incendiada. A ação policial fez os indígenas se dispersarem pela floresta e pela cidade, e só nas duas últimas décadas eles voltaram a construir novas aldeias. Também reconstruíram Barra Velha, agora em seu terceiro centenário.
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Para conhecer mais sobre a história, cultura e luta do Povo Pataxó:
Levantamento Povos Indígenas no Brasil – Pataxós
Aragwaksã: Plano de Gestão Territorial do Povo Pataxó
Publicação Thydewá “Pataxós do Prado”
Publicação Thydewá “Memória – Índios do Nordeste”
Publicação Thydewá “Percursos Cartográficos – Movimentos Índigenas

(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/atacados-pataxos-ocupam-parque-do-descobrimento/)

sexta-feira, 24 de março de 2017

A corrupção e os donos das ruas


ROBERTO BARBATO JR*

No início do século XX, vários foram os autores que, sequiosos de diagnosticar as mazelas da sociedade brasileira, abordaram a temática da tensa relação entre o público e o privado. Em seu célebre ensaio Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda denunciou os vícios que compõem as estruturas públicas brasileiras. O desapego à racionalidade ocidental e a negação da imparcialidade das normas jurídicas foram algumas das características verificadas pelo autor como constitutivas da formação nacional. O destino brasileiro seria marcado indelevelmente por traços personalistas. A preponderância de vontades particulares e a vedação natural a uma ordem impessoal era significativa, a tal ponto de se assinalar a incapacidade de fazer irromper a democracia, “um lamentável mal-entendido” segundo o autor. Em suma, para o sociólogo paulista, o Brasil estava impregnado do sentimento patrimonialista.
Décadas após seu diagnóstico, ressalvadas algumas especificidades, o quadro nacional permanece o mesmo. Além de persistir como elemento basilar da sociedade, o patrimonialismo ensejou a criação de um vasto campo para a emergência da corrupção. Hoje, desperto da letargia que o dominou por séculos, o Brasil se movimenta para impedir o avanço de uma ordem social deletéria e conquistar, ainda que de maneira tímida, a moralidade pública. Não é sem razão que a irrupção da operação Lava-Jato e seus desdobramentos na esfera judicial ganharam aplausos da maioria da população. Anseia-se a punição de seus envolvidos como forma de demonstrar que a nação deseja viver a era da cidadania e da ética. Contudo, tal anseio encontra-se em flagrante contradição com as mais diversas atitudes tomadas pelos próprios brasileiros em seu cotidiano. A gama dessas atitudes engloba os pequenos favores e até mesmo uma ingênua concessão ao domínio do privado sobre o público.
É no dia a dia, nas circunstâncias mais prosaicas, que o cidadão insatisfeito com as práticas da corrupção e do patrimonialismo acaba por reforçá-las. Talvez não tenha consciência disso, mas assim o faz. Exemplo emblemático é o indevido pagamento pelo uso das ruas. Um velho truísmo, conhecido inclusive pelas crianças, assevera que “a rua é pública”. Portanto, para utilizá-la não se exigiria o pagamento de nenhuma taxa ou tributo àqueles que usurparam seu caráter público. Os “olheiros” de carros, “flanelinhas” de outrora, são hoje grandes detentores do patrimônio público no Brasil. Muitos de nós, cidadãos, somente temos a percepção disso ao ouvir a conhecida pergunta: “Tio, posso olhar?” Quando essa indagação nos assalta em plena rua é porque eles já se apropriaram de calçadas, praças e quarteirões inteiros para auferir renda. Recebem valores por um serviço que jamais prestaram ou, o que é pior, cujo objeto da contraprestação financeira é inventado, porque inexistente. Essa situação não seria tão patética se a expropriação do público não contasse com a conivência de algumas autoridades competentes que, indiretamente, também colhem os louros dessa prática não republicana.
As cidades brasileiras – Campinas não é exceção – estão repletas de zonas que quase se converteram em propriedade privada. Aqui marcam-se áreas, como se estivessem delimitando um território particular. Há notícias de que seus “proprietários” resolveram “passar o ponto”, atribuindo a terceiros o “direito” de explorar aquela região. É um acinte a qualquer cidadão.
De outro lado, não se pode desprezar que o domínio do privado sobre o público ocorre também porque a maioria da população concorda com ele. Ao anuir com o uso da rua por expropriadores, pagando o valor pedido – às vezes quase imposto – para o serviço inexistente, cada brasileiro acaba por fomentar a lógica de que o público já se converteu em privado e esse é um fato natural, devendo ser aceito por todos. Afinal, muitos dos olheiros são vistos como pessoas honestas ou, numa expressão apta a justificar toda sorte de condutas espúrias, “homens que poderiam estar roubando”. Sua idoneidade moral ou a isenção de antecedentes criminais não são capazes de elidir a atuação perniciosa que desempenham no bojo da sociedade.
Diante desse cenário, é patente que quando se abre mão de usufruir de bens públicos em sua plenitude, concede-se primazia ao privado como se ela fosse legítima, lícita e normal. A rés pública é preterida e, à sua revelia, interesses individuais são satisfeitos. Em suma, o favorecimento da engrenagem que reproduz a corrupção é evidente.
É então que se pergunta: atribuir ao particular o domínio do público não é o mesmo que concordar com a lógica que alimenta o patrimonialismo e a corrupção? Não é o mesmo que admitir que o dinheiro público pode ser utilizado para a realização de interesses privados? Provavelmente, alguém responderia que a corrupção tem consequências mais nefastas se comparada à apropriação das ruas, já que esta não tem impacto direto sobre a economia do país e não impede a construção de hospitais, escolas e outras instituições públicas aptas a resguardar o direito de todos. Entretanto, não se está a medir o alcance das duas práticas, mas apenas de refletir se ambas derivam da mesma postura.
Sendo afirmativas as respostas, remanesceria a todos a obrigação moral de perpetuar essa consciência e tomar alguma atitude.
* ROBERTO BARBATO JR é Advogado, Professor da METROCAMP/DEVRY e autor de Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico (Millennium Editora). Escreve no blog http://lapisimpreciso.blogspot.com.br. E-mail: rbarbatojr@gmail.com
Artigo originalmente publicado no jornal Correio Popular (Campinas – 16/03/2017)

(fonte: https://espacoacademico.wordpress.com/2017/03/18/a-corrupcao-e-os-donos-das-ruas/)

Mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a recursos hídricos

Um bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água potável. É o que revela um relatório do Conselho Mundial da Água (World Water Council, WWC), por ocasião do Dia Mundial da Água, previsto para esta quarta-feira, 22 de março. As maiores emergências estão na Ásia, África e América do Sul.

A reportagem é publicada por L’Osservatore Romano, 22-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em detalhe, evidenciam os especialistas do WWC, no continente asiático nada menos do que 554 milhões de pessoas, cerca de 12,5% da população local, não tem a possibilidade de beber água limpa. Seguem-se, depois, a África subsaariana, com mais de 319 milhões de pessoas em condições críticas, e a América do Sul, com cerca de 50 milhões na mesma situação.

Entre essas regiões, a Papua Nova Guiné tem a menor disponibilidade (apenas 40% dos habitantes têm acesso a fontes de água potável). Seguem-se a Guiné Equatorial (48%), Angola (49%), Chade e Moçambique (51%), a República Democrática do Congo e Madagascar (52%) e o Afeganistão (55%).

Para o World Water Council, o custo total da insegurança dos recursos hídricos sobre a economia global é estimado em mais de 500 bilhões de dólares por ano. E, se forem adicionados a esse dado o impacto ambiental, o número cresce ainda mais, até chegar a 1% do PIB global.

Nessa segunda-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) também interveio, com um relatório que constata o enorme fosso entre o consumo de água nos países ricos e o dos países pobres. De acordo com os especialistas, nos países ricos, consomem-se cerca de 425 litros de água por pessoa por dia, em comparação com os 10 litros dos países pobres, em relação a uma exigência mínima de 40 litros. O documento também aponta que, muitas vezes, a água, de recurso primário, hoje cada vez mais representa uma ameaça para milhões de pessoas, que sofrem os efeitos extremos das mudanças climáticas (inundações, tufões, chuvas torrenciais, maremotos, mas também seca e fome).

Os observadores lembraram que a prevenção e a segurança oportuna das populações afetadas são essenciais para mitigar o impacto desastroso de tais fenômenos sobre pessoas e economia. No plano humanitário, a falta e a escassez de água potável e de fontes hídricas para o gado e a agricultura está provocando – dizem os analistas da OMS – a pior crise alimentar desde a Segunda Guerra Mundial em quatro países já devastados pelos conflitos armados: Nigéria, Sudão do Sul, Somália e Iêmen, onde 20 milhões de pessoas não têm acesso a alimentos e água.

À água, também está profundamente ligada outro recurso primário: a madeira. Por ocasião do Dia Internacional das Florestas, que se celebra no dia 21 de março, a FAO afirmou que a madeira ainda é a principal fonte de energia para a maioria do gênero humano: 2,4 bilhões de pessoas.

A madeira, como combustível, fornece 40% da energia renovável. Também é fonte de renda, considerando-se que 900 milhões de pessoas trabalham no setor. Além disso – diz a FAO – as plantas também são úteis no ambiente urbano: posicionados adequadamente, podem resfriar o ar entre 2 e 8ºC. O corte ilegal de árvores subtrai pelo menos 10 bilhões de dólares da indústria e dos proprietários florestais no mundo, além de ser responsável por 25% das emissões de gases de efeito estufa.

O World Wildlife Fund (WWF), por sua vez, destaca a ligação entre os ambientes florestais e os recursos hídricos do planeta. “Quando destruímos as florestas, atacamos fortemente o seu importante papel no ciclo da água e nos sistemas hidrogeológicos, fortalecemos o porte e a intensidade das inundações, dos desastres hidrogeológicos, dos processos de desertificação e dos períodos com fortes secas”, comenta o WWF em um documento.

“É como uma corrente delicada – continua o WWF – que, se quebrada, produz devastações com um efeito dominó, tanto em escala local, com desastres ambientais, quanto em escala global, através das mudanças climáticas.”

A organização mundial para a conservação da natureza, habitat e espécies ameaçadas lembra ainda como justamente o desmatamento e a degradação dos ambientes florestais são responsáveis globalmente por cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa.

Aproveitando as celebrações dos 60 anos do Tratado de Roma, o WWF promoveu o apelo “A Europa que queremos: justa, sustentável, democrática e inclusiva”, a fim de incidir nos conteúdos da Declaração de Roma, que será lançada pelas instituições europeias e pelos 27 Estados-membros da União Europeia no dia 25 de março.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566002-mais-de-um-bilhao-de-pessoas-nao-tem-acesso-a-recursos-hidricos)

Estudo da Fundação Abrinq mostra que 40% das crianças de 0 a 14 anos no Brasil vivem na pobreza


Cerca de 17 milhões de crianças até 14 anos – o que equivale a 40,2% da população brasileira nessa faixa etária – vivem em domicílios de baixa renda. No Norte e no Nordestes, regiões que apresentam as piores situações, mais da metade das crianças [60,6% e 54%, respectivamente] vivem com renda domiciliar per capita mensal igual ou inferior a meio salário mínimo. Desse total, 5,8 milhões vivem em situação de extrema pobreza, caracterizada quando a renda per capita é inferior a 25% do salário mínimo.
A reportagem é de Elaine Patricia Cruz, publicada por Agência Brasil, 22-03-2017.

Os dados fazem parte do relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, documento que faz um panorama da situação infantil no país , divulgado pela Fundação Abrinq. O estudo foi feito utilizando dados de fontes públicas, entre elas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nesta quarta edição, a publicação reúne 23 indicadores sociais, divididos em temas como trabalho infantil, saneamento básico, mortalidade e educação. A publicação também apresenta uma série de propostas referentes às crianças e que estão em tramitação no Congresso Nacional.
“Nesta edição, além de retratar a situação das crianças no Brasil, também apresentamos a Pauta Prioritária da Infância e Adolescência no Congresso Nacional. O conteúdo revela as principais proposições legislativas em trâmite no Senado e na Câmara dos Deputados, com os respectivos posicionamentos da Fundação Abrinq baseados na efetivação e proteção de direitos da criança e do adolescente no Brasil”, disse Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq.

Violência

Um dos temas abordados no documento é a violência contra as crianças e adolescentes. Segundo o estudo, 10.465 crianças e jovens até 19 anos foram assassinados no Brasil em 2015, o que corresponde a 18,4% dos homicídios cometidos no país nesse ano. Em mais de 80% dos casos, a morte ocorreu por uso de armas de fogo. A Região Nordeste concentra a maior parte desses homicídios (4.564 casos), sendo 3.904 por arma de fogo.
A publicação também mostra que 153 mil denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes chegaram ao Disque 100 em 2015, sendo que em 72,8% das ligações a denúncia se referia a casos de negligência, seguida por relatos de violência psicológica (45,7%), violência física (42,4%) e violência sexual (21,3%).

Trabalho infantil

Com base em dados oficiais, o documento revelou que as condições do trabalho infantil estão mais precárias. Embora tenha diminuído o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil na faixa de 10 a 17 anos [redução de cerca de 659 mil crianças e adolescentes ocupados em 2015 em comparação a 2014], houve aumento de 8,5 mil crianças de 5 a 9 anos ocupadas.
O universo de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que trabalhavam somou 2,67 milhões em 2015. Mais de 60% delas são do Nordeste e do Sudeste, mas a maior concentração ocorre na Região Sul.
O estudo mostrou também dados mais positivos, como a taxa de cobertura em creches do país, que passou de 28,4% em 2014 para 30,4% em 2015 – ainda distante, no entanto, da meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação, de chegar a 50% até 2024. Os dados completos podem ser vistos no site www.observatoriocrianca.org.br.
(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566027-estudo-da-fundacao-abrinq-mostra-que-40-das-criancas-de-0-a-14-anos-no-brasil-vivem-na-pobreza)

Em 30 anos, cerrado brasileiro pode ter maior extinção de plantas da história, diz estudo

Se o índice de desmatamento do cerrado brasileiro se mantiver como é hoje - cerca de 2,5 maior do que na Amazônia -, o mundo pode registrar a maior perda de espécies vegetais da história.
A reportagem é de Camilla Costa, publicada por BBC Brasil, 23-03-2017.

A tese é de um artigo de pesquisadores do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e de outras instituições nacionais e internacionais, divulgado nesta quinta-feira na revista científica Nature.
O cerrado perdeu 46% de sua vegetação nativa, e só cerca de 20% permanece completamente intocado, segundo os pesquisadores. Até 2050, no entanto, pode perder até 34% do que ainda resta.
Isso levaria à extinção 1.140 espécies endêmicas - um número oito vezes maior que o número oficial de plantas extintas em todo o mundo desde o ano de 1500, quando começaram os registros.
"Há 139 espécies de plantas registradas como extintas no mundo todo. Mas claro, sabemos que espécies foram extintas antes mesmo de a gente conhecê-las", disse à BBC Brasil Bernardo Strassburg, coordenador do estudo e secretário-executivo do IIS.
"Mesmo assim, a perda no cerrado seria uma crise sem proporções."
O desmatamento na região, de acordo com os pesquisadores, cresceu em níveis alarmantes "por causa da combinação de agronegócio, obras de infraestrutura, pouca proteção legal e iniciativas de conservação limitadas".
Mesmo assim, Strassburg e sua equipe afirmam que o cenário apocalíptico projetado para 2050 pode ser evitado.

'Hotspot de biodiversidade'

O cerrado brasileiro, segundo o artigo, tem mais de 4,6 mil espécies de plantas e animais que não são encontrados em nenhum outro lugar.
"Essa projeção assustadora que encontramos é uma combinação de dois fatores: o cerrado é um hotspot global de biodiversidade principalmente por causa das plantas, e ele já perdeu metade da sua área", afirma Strassburg.
"A área de desmatamento do cerrado não é maior que a da Amazônia, mas a taxa de desmatamento é."
Para conseguir estimar o número de espécies perdidas pelo desmatamento nos próximos 30 anos com o mesmo ritmo atual, os pesquisadores combinaram os dados mais recentes da Lista Vermelha de Espécies em Extinção (referentes a 2014) com projeções das mudanças no uso do bioma.
Das 1.140 que podem ser perdidas, 657 já são consideradas condenadas à extinção.
"Isso quer dizer que não tem mais cerrado suficiente para tanta espécie. Se o desmatamento parasse hoje e não fizéssemos mais nada para recuperar a região, elas seriam extintas de qualquer jeito", explica.

Seca

Se o aumento recente do desmatamento da Amazônia, segundo os cientistas, influenciou o regime de chuvas no Brasil, contribuindo para a seca dos últimos anos, a perda do cerrado também faz sua parte - mas no solo, e não na atmosfera.
"Tem gente que se refere ao cerrado como uma floresta de cabeça para baixo, porque dizem que as raízes lá são tão mais profundas que na Amazônia e na Mata Atlântica. Isso torna muito grande a capacidade do solo de absorver água, que será armazenada nos lençóis freáticos", diz Strassburg.
Hoje, 43% da água de superfície no Brasil fora da Amazônia está no bioma - o que inclui três dos principais aquíferos do país, que abastecem reservas no Centro-Oeste, no Nordeste e no Sudeste.
"Mas se você troca aquela vegetação por uma plantação de soja, essa capacidade de reter água e alimentar os lençóis freáticos se perde. E vale lembrar que no Brasil crise hídrica é também é crise energética."
O pesquisador alerta ainda para o fato de que o desmatamento projetado para as próximas três décadas emitiria cerca de 8,5 bilhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera.
"Isso é 2,5 vezes mais do que a redução da emissão de gases estufa que o Brasil conseguiu com a queda no desmatamento da Amazônia entre 2003 e 2012", explica.

Como impedir?

O artigo afirma que, restaurando áreas do cerrado que foram menos degradadas e são importantes para a biodiversidade, seria possível reverter até 83% do quadro de extinções previstas.
"Áreas que não foram muito degradadas ou não foram desmatadas há muito tempo conseguem se regenerar, até por causa das raízes profundas e porque têm um banco de sementes. As outras precisam de um esforço maior", afirma Strassburg.
A equipe do IIS, segundo ele, trabalha junto ao Ministério do Meio Ambiente para fazer um mapeamento das áreas que devem ser prioridade em um projeto de recuperação.
Mesmo assim, elas corresponderiam a apenas 3% do total do bioma. Seria o suficiente?
"A outra metade da equação é parar o desmatamento causado pela agropecuária", diz. "As culturas de cana-de-açúcar e de soja vão crescer 15 milhões de hectares nos próximos 30 anos", diz.
Os pesquisadores afirmam, no entanto, que é possível usar áreas já desmatadas e pouco aproveitadas do cerrado para redistribuir este crescimento - evitando, assim, que a expansão da produção agrícola avance para territórios preservados.
Mais de 75% do cerrado já desmatado, segundo Strassburg, é utilizado em pastagem de baixa produtividade. Isso quer dizer que os produtores têm um boi por hectare, quando poderiam ter três.
"Se você colocasse só dois por hectare já liberaria terra suficiente para toda a expansão de soja e de cana, sem precisar fazer mais desmatamento", afirma.
O artigo diz que as políticas públicas necessárias para integrar agricultura e pecuária na região e evitar a perda do bioma já existem, e precisam apenas de integração.
Mas, para Strassburg, isso também dependerá dos produtores."O agronegócio brasileiro está numa encruzilhada no que diz respeito ao cerrado: pode se colocar como responsável pela maior crise de extinção de plantas registrada no mundo ou pode ser líder de em uma produtividade mais sustentável."
"Ele vai ser o grande vilão da história e perder acesso aos mercados globais ou dar lição de sustentabilidade e mostrar que é possível crescer contribuindo para a conservação das espécies?", indaga.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566099-em-30-anos-cerrado-brasileiro-pode-ter-maior-extincao-de-plantas-da-historia-diz-estudo)

Stefan Salej: ‘Do pobre, nobre e podre’

Texto escrito por Stefan Salej*

“A frase de Hamlet, na peça teatral do inglês William Shakespeare de mesmo título, “há algo podre no Reino da Dinamarca”, pode ser mais uma vez repetida para os momentos de hoje no Brasil: há algo de podre neste país. O mais recente escândalo da “carne fraca”, ou seja, carne podre que pobre come, adiciona mais um capítulo à novela de podridão e corrupções que vivemos no país. A cada momento aparece um escândalo, os políticos de todos os partidos ficam mais enlameados, e as condenações cada vez mais longe. Ninguém sabe onde isso vai parar e quando vai parar. E a razão é simples: a podridão é de tal tamanho que o país precisa de um renascimento, surgir das cinzas como Fênix para recomeçar. É uma transição dolorosa na qual a parte mais triste é que, mesmo com um processo como a Lava Jato, em curso há três anos, parece que ninguém se assusta e que não mudam os hábitos, sejam nas empresas, na administração pública ou entre políticos. Se para um respeitado deputado que vira ministro, um simples superintendente do Ministério da Agricultura no seu Estado é chamado de Grande Chefe, então a escala de valores está de cabeça para baixo e quem manda mesmo e vale alguma coisa na hierarquia do poder é o Grande chefe e não o tal do deputado.

A operação da Carne Fraca traz muitas lições. Que há fiscais em todos os níveis honestos, não há dúvida alguma. E que há desonestos contra os quais os empresários não têm força para lutar ou preferem não lutar, não há dúvida também. Não tem um empresário neste país que não foi uma vez na vida, ou mais, ameaçado por um fiscal de qualquer natureza. E quantos os puseram aos tapas para fora, denunciaram, e quais entidades de classe denunciaram essas situações? E quantos que fizeram isso não foram ameaçados, inclusive com suas famílias, suas vidas e suas empresas destruídas? 

Em 2010, o então presidente do sindicato de indústria de carnes de Minas, Cassio Braga, denunciou essas situações. E o mesmo fez na Câmara de Indústria de Alimentação da Fiemg, defendeu posições a favor da indústria e contra esses desmandos que agora apareceram. Mas as entidades empresariais deveriam se posicionar mais firmemente contra esses e outros casos, como o do desastre de Mariana e o escândalo de carne podre em Minas, que está na justiça de Juiz de Fora há dois anos, sem solução.

A passividade ou acomodação vai nos custar caro. A BRF tem como seu Presidente do Conselho Abílio Diniz, e seu membro o ex-ministro Luiz Furlan. Nenhum dos dois veio explicar o que aconteceu. Deixam que as pequenas malandragens prevaleçam ao invés de assumirem perante o público e seus consumidores a responsabilidade. Errar é humano, reconhecer erros e corrigir é a grandeza do homem. Eles a tem? A balela do ministro da agricultura de que ele vai continuar comendo carne brasileira é ridícula, porque o que ele e seus antecessores, entre os quais há mineiros, não fizeram é organizar esse setor e garantir, em primeiro lugar ao próprio brasileiro, e ao mundo, que tudo está em ordem.

Este episódio da Carne Fraca vai custar milhares de empregos, acabou com o mito de que o agronegócio era maravilha, vai afetar todo o setor agrícola e sua posição no mundo. Vai afetar nossas exportações de forma inimaginável. Perdemos a credibilidade, como há quase 90 anos, quando acharam pedras nas sacas de café que exportávamos. Culpar os que mostraram o cancro pelo que aconteceu e está acontecendo ainda em muitos setores é não resolver o problema maior: entre nós ainda os desonestos, com seus métodos de trabalho obscuros, e de conhecimento muitas vezes de todos, prevalecem. E estão acabando com o país, com a passividade e silenciosa conveniência de cada um, mas em especial do próprio empresariado, que aceita esses métodos como facilitadores de negócios. Há algo de podre além da carne.”

* Stefan Salej é ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), consultor internacional, empresário e cientista político.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/03/21/salej-carne-fraca/#more-13717)

Manifesto de bispos mineiros critica projeto de reforma da Previdência

Texto escrito por José de Souza Castro:

Manifesto assinado no dia 20 de março pelo arcebispo metropolitano, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, e por dez bispos da Província Eclesiástica de Belo Horizonte, sobre a reforma da Previdência, não teve acolhida na imprensa, o que é uma pena. Pesquisa feita às 11h de quinta-feira no Google mostrou que nenhum jornal se interessou. Passados três dias, o único na Internet que havia publicado o manifesto, o Conversa Afiada, o fez com um título forçado: “Bispos de BH excomungam reforma da Previdência!”

Não se fala em excomunhão no manifesto, mas são muitas as críticas ao projeto enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Michel Temer, cujo nome não é mencionado. No tempo em que eu trabalhava em jornais, as considerações dos bispos teriam, certamente, sido publicadas com algum destaque.  Quero crer que não o foram por culpa, não dos sempre atentos editores, mas da assessoria de imprensa da Arquidiocese que talvez tenha se limitado a divulgá-lo AQUI. Porém, se é assim, como Paulo Henrique Amorim, que nem mineiro é, soube desse manifesto? Eu soube pelo Conversa Afiada e vou tentar resumir os principais pontos do manifesto.


“A Igreja não substitui e nem se identifica com políticos ou interesses partidários. Contudo, não pode se eximir da sua vocação de ser incansável advogada da justiça e dos pobres (Documento de Aparecida p.278). Em razão disso, nós, bispos da Igreja Católica, na província de Belo Horizonte, somos instados a promover a reflexão sobre a reforma da Previdência (PEC 287/2016), que tramita no Congresso Nacional”, justificam os bispos.

Depois de lembrar que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a Seguridade Social, destinada a garantir saúde, previdência e assistência social, o manifesto reconhece que várias reformas são indispensáveis à democracia brasileira, mas adverte: “Nenhuma reforma, contudo, pode operar em sentido contrário, trazendo o risco de aumentar as desigualdades que historicamente já caracterizam a sociedade brasileira.”

E afirma que é contraditório e perigoso impor reformas constitucionais num momento “de intensa crise de representatividade e de legitimidade das instituições, pela ausência de autoridade moral que agrava a falta de credibilidade dos legisladores e governantes”.

Segundo os bispos, a reforma da Previdência, tal como proposta, “terá impactos para todos os cidadãos brasileiros: tanto para os que vivem neste tempo presente, quanto para as gerações futuras. É indispensável que a sociedade seja ouvida e que se criem mecanismos de participação dos cidadãos nesse processo de reforma previdenciária”.

Portanto, na opinião dos bispos, isso não foi feito, e nem houve transparência das informações veiculadas na imprensa. “É indispensável que se apresentem com clareza todas as fontes de financiamento e o verdadeiro destino dos recursos da Previdência e, de forma mais ampla, da Seguridade Social”, dizem.

A Previdência Social, observam, é uma das políticas sociais de maior abrangência exercidas pelo Estado, sendo arriscado analisá-la apenas sob a ótica de receitas e despesas, esquecendo-se de seu papel essencial na redistribuição de renda. “A Previdência Social representa, para os cidadãos empobrecidos, a única diferença entre o desamparo e uma velhice minimamente segura. Além disso, num País de tão intensas desigualdades regionais, há muitos municípios cuja economia local depende dos recursos dos aposentados.”

É inaceitável, dizem os bispos, “uma reforma que se assenta na redução dos direitos dos mais pobres, assim como é inadmissível estabelecer benefícios abaixo do salário mínimo, com valores insuficientes para garantir as condições básicas de sobrevivência, enquanto certos grupos continuam sendo privilegiados.”

Há uma profunda contradição, continua o manifesto, em um modelo que pretende reduzir os benefícios pagos ao cidadão sem que antes sejam cobrados os débitos dos sonegadores e reavaliadas as isenções, para que estas apenas se justifiquem pelo serviço que prestam aos pobres. Do mesmo modo, é necessário um reordenamento nas finanças e no orçamento públicos, com vistas a impedir que recursos da Seguridade Social sejam utilizados para outros fins.

O documento condena a extinção da diferença entre mulheres e homens em seu acesso, por direito, à Previdência. Sobrecarregam-se as mulheres nas atividades domésticas e nos cuidados familiares, além da disparidade salarial que as atinge com maior força. Com efeito, prossegue, não há justiça em tratar de forma igual situações que são eminentemente desiguais. “Nesse sentido, é inaceitável o estabelecimento de uma idade mínima universal. A idade de 65 anos para se aposentar e o tempo de 49 anos de contribuição para se obter o benefício integral são injustos para os trabalhadores, especialmente os do meio rural e aqueles submetidos a condições penosas e extenuantes. Uma idade mínima elevada sacrifica os pobres, que começam a trabalhar mais cedo e têm uma expectativa de vida menor”, dizem os bispos.

E concluem conclamando “os católicos, todos os cidadãos, mulheres e homens, a se empenharem na luta por uma previdência social que cumpra sua função de proteção social para os mais empobrecidos, conforme assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.

Além de Dom Walmor, o manifesto é assinado pelo arcebispo coadjutor eleito de Montes Claros, Dom João Justino de Medeiros Silva, que era bispo na capital, e por cinco bispos e bispos auxiliares de Belo Horizonte: Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, Dom Edson José Oriolo dos Santos, Dom Otacílio Ferreira de Lacerda, Dom Geovane Luís da Silva e Dom Vicente de Paula Ferreira. E pelos bispos diocesanos de Sete Lagoas, Dom Guilherme Porto; de Luz, Dom José Aristeu Vieira; de Divinópolis, Dom José Carlos de Souza Campos; e de Oliveira, Dom Miguel Ângelo Freitas Ribeiro.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/03/24/bispos-criticam-reforma-previdencia/#more-13762)

sábado, 18 de março de 2017

O Brasil e o Mercosul perdidos na Era Trump


Por Adhemar S. Mineiro

SEMINÁRIO:
Impactos da eleição de Trump para a América Latina e o Brasil”
29 de Março (4ª-feira), das 9 às 17h
Alamenda Santos, 85 – São Paulo – Metrô Brigadeiro (mapa)
Inscrições aqui
O período mais recente da conjuntura internacional foi marcado por enormes incertezas estratégicas derivadas da posse do novo governo dos EUA, de Donald Trump. Sem conclusão até agora, pois existe naquele país resistência institucional (Parlamento, Judiciário e outras instituições oficiais, inclusive órgãos de informação e segurança) e nas ruas (mulheres, imigrantes, organizações de solidariedade, e outros setores), o novo governo estadunidense marcou suas ações até aqui pela continuidade de uma estratégia de confrontação iniciada ainda no período pré-eleitoral pelo candidato Trump, causadora de enormes turbulências.

Na área específica de relações comerciais, no primeiro dia útil de governo, o Governo Trump, através de decreto presidencial, retira os EUA da Parceria Trans Pacífico (conhecida pela sigla em inglês TPP). O TPP já estava negociado entre os países participantes e em fase de aprovação no nível nacional de cada um dos países, em geral nos Congressos nacionais. Assim, através dessa medida, os EUA inviabilizam o TPP tal qual negociado. Além disso, o governo Trump anunciou que deverá proceder a uma revisão do NAFTA, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, que envolve EUA, Canadá e México. O acordo em negociação com a União Europeia é colocado em banho-maria pelos dois lados (as negociações de investimento e serviços desse acordo são também complicadas para os europeus, além de terem que administrar o “Brexit” que apareceu pelo meio do caminho) e as negociações plurilaterais de serviços para o TiSA carecem de orientações precisas até aqui.
O início do governo Trump também foi marcado pela abertura de alguns contenciosos com os chineses, no campo comercial e geopolítico (em especial no tema das relações com Taiwan), o que vem diminuindo ao longo dos primeiros meses de governo.
Finalmente, existe um ponto forte de discussão na questão migratória, com a adoção de medidas de endurecimento em relação à migração de latino-americanos e muçulmanos, com questionamentos da sociedade civil, do Judiciário e dos níveis subnacionais. Esse ponto deve se prolongar, sem que um norte conclusivo esteja apontado.
Duas dessas áreas de discussão mais dura incluem o México – migração e revisão do NAFTA, o que azedou ainda mais – junto com a quase folclórica discussão da construção de um muro entre os dois países. Esse fato abriu um espaço para uma aproximação do México em relação aos demais países da América Latina. O movimento a princípio surpreendeu governos conservadores recém chegados ao poder, como o da Argentina ou o do Brasil, que haviam optado por políticas de aproximação com os EUA de forma subordinada. Além disso, articulações como a Aliança do Pacífico, estruturadas para aproximar parceiros latino-americanos dos EUA, ficaram meio sem rumo com a guinada estadunidense.
Do ponto de vista multilateral, a Argentina sediará em dezembro a reunião ministerial da OMC, Organização Mundial do Comércio, que tem como diretor geral o brasileiro Roberto Azevêdo. Será interessante ver como os novos governos conservadores que hegemonizam o Mercosul se relacionarão com uma reunião que poderá estar tensionada pela política comercial dos EUA, que até aqui confronta os paradigmas clássicos do livre comércio e aponta para uma tentativa de dinâmica econômica mais endógena.
Neste quadro geral, a política externa e especialmente comercial do governo Temer no Brasil viu seus horizontes de aproximação comercial e política com os EUA se estreitarem com a opção estadunidense por uma maior autarquização. Isso implica uma revisão dos parâmetros adotados até aqui, com uma possível intensificação de aproximação com a União Europeia (que já vinha sendo buscada) e com a China (que vinha acontecendo sem maior protagonismo do governo brasileiro). Entretanto, esses movimentos vão esbarrar tanto na instabilidade europeia e seus processos eleitorais ao longo do ano (França, Alemanha e possivelmente Itália), quanto na possibilidade de um endurecimento da política dos EUA em relação à China, momento em que eventualmente o Brasil pode ser pressionado a fazer uma opção sobre o tipo de relação com os EUA, o que claramente não é confortável e nem o desejo do atual governo brasileiro.
Assim, não só o governo brasileiro como outros da região encontram-se em face de uma incerteza estratégica crucial. Esta situação pode tanto deixá-los sem rumo, reféns de uma situação desconfortável em relação a qualquer mudança muito complicada, ou exigir um comportamento pragmático de alteração de rumo, que é de difícil avaliação. Estarão eles dispostos a buscar uma estratégia autônoma em relação aos EUA, dada a nova situação?
Aparentemente parcela importante dos setores empresariais que têm no comércio exterior parte (mais) importante de sua dinâmica aponta neste último sentido. Querem buscar novos acordos de comércio com a Ásia e a Europa, aproximar-se de um “TPP sem os EUA” (seja lá o que isso signifique) e manter pragmatismo nos BRICS. Significa uma maior integração produtiva (especialmente nas áreas do agronegócio e de investimentos) com a China, integração orgânica regional, com algum tipo de combinação entre a Aliança para o Pacífico, órfã das mudanças de rumo nos EUA, e o Mercosul, entre outras possibilidades.
A questão parece ser que esse “pragmatismo” está muito afastado dos desejos iniciais de um alinhamento mais próximo com os EUA. Dessa perspectiva, o resultado eleitoral nos EUA ficou longe dos sonhos dos formuladores políticos da região em geral, e do Brasil em particular.
Por isso, avançar nesse debate é muito importante, não só para tentar entender o que vai se passar no Brasil nos próximos meses mas, fundamentalmente, para uma discussão estratégica de rumos que provavelmente estará em discussão no embate eleitoral que se aproxima velozmente, se mantido o calendário político no país. Daí a importância das discussões e dos debates estruturados para o seminário “Impactos da eleição de Trump para a América Latina e o Brasil”, que ocorrerá no próximo 29 de março, em São Paulo.
iEconomista do DIEESE, assessor da SRI/CUT e da REBRIP, e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/o-brasil-e-o-mercosul-perdidos-na-era-trump/)

Migrantes. "Os Estados Unidos estão errados. Mas a Europa não se comporta melhor"


“Já ouvimos gritos de ‘nós em primeiro lugar’ no tempo de Hitler. E embora certamente não possamos prever o futuro, devemos, ao menos, aprender com a história”. Nunca, antes dessa vez, a Anistia Internacional tinha feito declarações tão fortes contra o chefe de uma democracia. Riccardo Noury, porta-voz da organização na Itália, tem uma explicação.
A entrevista é publicada por Avvenire, 14-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.
Do nazismo a Trump, não é uma comparação arriscada?
Tenho a sensação de que o mundo que Trump possa nos deixar, espero que em quatro anos e não em oito, será irreconhecível. Eu acredito e temo que o presidente dos EUA não perceba o impacto que as políticas de demonização poderão ter no país e sobre a segurança mundial.
O que levou vocês a pedir uma reação em massa?
De todos os lugares ao longo desses anos, vem sendo repetido que é necessário transmitir uma mensagem clara: "Não está em curso uma guerra contra o Islã". Mas agora, com Trump, está ocorrendo exatamente o oposto. Além dos graves prejuízos para as pessoas diretamente afetadas por tais medidas, haverá, e já estão ocorrendo, graves repercussões a nível mundial.
De que tipo?
Criou-se um precedente perigoso. Ou seja, alega-se que uma pessoa pode ser considerada uma ameaça terrorista com base em duas características: a nacionalidade e a religião. Tudo isso temperado por uma estranha amnésia.
Qual?
Em primeiro lugar, os EUA, bem antes de Trump, contribuíram para causar, em quase metade dos países proibidos de entrar no país, as condições que causam a premente necessidade de fugir. E depois, há uma espécie de subdiscriminação, uma vez que é aplicada uma seleção entre esses países, deixando de fora algumas nações de onde se originam muitos dos terroristas que atacaram os Estados Unidos, falo da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Paquistão, Afeganistão, só para dar um exemplo.
Que pode levar Donald Trump a uma postura mais comedida? A União Europeia?
O “muro” entre os EUA e o México já existia antes da chegada do Trump e ainda não começou a construção das prometidas barreiras pelo novo presidente, porém a Europa já está levantado seus “muros”, como na Hungria, ou como o acordo com a Turquia para barrar os refugiados e impedi-los de chegar ao velho Continente. Chega-se até ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que concede a cada Estado individualmente a liberdade para escolher as políticas anti-imigratórias que preferir.
Como você interpreta os sinais de Bruxelas?
Cada estado é independente, mas é clara a tentativa de deslocar as fronteiras da Europa mais para o leste (por exemplo, confiando à Turquia a tarefa de agir como uma barreira) e mais ao sul na África, onde países como a Itália são protagonistas, entre outros, de acordos com a Líbia ou Sudão onde, não apenas não são respeitados os direitos humanos dos seus próprios cidadãos, mas, menos ainda, dos estrangeiros.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/565805-migrantes-os-estados-unidos-estao-errados-e-a-europa-nao-se-comporta-melhor)