sábado, 29 de abril de 2017

Um Plano Marshall para a terra. Entrevista com Carlo Petrini

Olhemos para a saúde do planeta, mas também para a daqueles que o habitam, parece dizer Carlo Petrini, em uma singular sintonia com o Papa Francisco. Apenas se olharmos para o problema a partir dessa perspectiva é que se poderá ter um olhar mais amplo que permita conectar questões que, na agenda política, estão rigorosamente separadas: as mudanças climáticas, a produção de alimentos e as migrações, por exemplo.

A reportagem é de Angelo Mastandrea, publicada por Il Manifesto, 23-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O idealizador do Slow Food está convencido de que não se pode enfrentar a febre que corre o risco de levar a Terra ao fim da linha pensando apenas em aliviar os sintomas. Na opinião dele, é necessário enfrentar o mal-estar na raiz, combatendo “o insano sistema econômico” que o produz e propondo uma “mudança de paradigma” radical. Socialista e humanitária, se poderia dizer.
Eis a entrevista.
A sua receita teórica para salvar o planeta é composta por dois ingredientes fundamentais: a descolonização do pensamento e a criação de um novo modelo socioeconômico. Essa prática se resolve na proposta de um Plano Marshall para os países mais pobres.

Há dois dias, o nosso primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, disse que é preciso aumentar as ajudas aos países de origem dos migrantes para criar empregos na casa deles. Certo, mas a verdade é que a União Europeia não faz nada. Se realmente quisesse intervir, deveria inventar uma espécie de Plano Marshall, mas ainda mais forte.

Isso significaria abandonar a austeridade, justamente aquilo que a União Europeia não quer.

Seria muito dinheiro, é claro. Em todo o caso, se nada for feito, nós vamos pagar esses custos de qualquer maneira, porque não haverá muros que se sustentarão diante da onda migratória. Essa é a batalha política mais importante na Europa de hoje, a única maneira de enfrentar o avanço dos Salvini e das Le Pen.

Nesse domingo, celebra-se o Dia Mundial da Terra, mas ninguém teve a ideia de ligá-la às migrações, como você faz.

Se não vemos a conexão entre a destruição dos ecossistemas e as migrações, não entendemos nada do que está acontecendo. A maioria das pessoas não fogem por causa das guerras, mas porque as suas perspectivas de vida são nulas. Os jovens africanos veem negado o seu direito à terra, que, antigamente, era costumeiro, porque os novos colonizadores chegam a adquiri-la legalmente, apossando-se dela a preços ridículos, graças aos governos canalhas, filhos da descolonização.

O que você entende por novos colonizadores?

Eu penso nos chineses e nos indianos, que compram milhões de hectares de terra na África para produzir alimentos que não vão para os africanos, ou nos fundos soberanos que fazem o mesmo para produzir biocombustíveis. Isso provoca a perda da biodiversidade e da fertilidade das terras, e as migrações em massa.

Depois, há os velhos colonizadores. Muitos investimentos europeus na África estão ligados à sustentabilidade ambiental.

Esse também é um campo minado. Dou-lhe um exemplo: em Uganda, o governo local disponibilizou à Noruega uma grande superfície de terras para o reflorestamento. Por si só, seria uma coisa boa, exceto que 10 mil pastores ficaram sem trabalho. É preciso aprender a decodificar as novas formas de colonialismo que se escondem por trás desses projetos, que podem ser sustentáveis do ponto de vista ambiental, mas não do social. Especialmente na África, é necessário um processo de descolonização do pensamento, até porque a história começa a nos apresentar a conta. Depois do escravismo, do colonialismo grosseiro e do mascarado dos acordos com os governos pós-coloniais, agora as pessoas começam a se rebelar. Áreas inteiras estão se desertificando por causa das mudanças climáticas, massas de deserdados não podem mais viver nessas terras. Essa situação não se sustenta.

Mas a exploração dos recursos não para.

O comportamento da humanidade nos últimos 50 anos, sem dúvida, foi irresponsável. Basta pensar no que foi feito com os desmatamentos e as extrações de minérios e de petróleo, nas quais os mais penalizados foram as comunidades locais. Se adotarmos esse ponto de vista, ter uma atenção pelos mais fracos nos leva a pensar em uma visão de ecologia integral semelhante à que foi proposta pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si’: é necessário pensar não só na terra, mas também naqueles que a habitam. Existem formas de egoísmo e de insensibilidade que a comunidade internacional tolera há muito tempo, como se os recursos fossem infinitos. O sofrimento dos ecossistemas se soma ao das comunidades.

A sua crítica é radical ao neoliberalismo.

É preciso voltar à fonte desses comportamentos irresponsáveis. Eu acredito que a principal razão é uma lógica econômica perversa, que coloca na frente de tudo o lucro e não olha na cara de ninguém. Trata-se de um hiperliberalismo desenfreado que está destruindo o planeta em benefício de poucos. Por isso, é necessária uma mudança de paradigma. Se não pensarmos na construção de uma economia de comunidade, que olhe para as necessidades em nível local, não sairemos disso.

Depois, há a questão dos alimentos, que você foi um dos primeiros a levantar, com o Slow Food e a Terra Madre.

A questão alimentar é um dos pontos-chave, mas a comunidade internacional nunca a destacou. Fala-se das mudanças climáticas e da perda de fertilidade dos solos e não se põe em discussão a prática mais invasiva, que é a produção de alimentos. Fala-se das toneladas de plástico no mar, mas se cala sobre a pesca de arrasto para a produção de rações animais, que depreda a biodiversidade. Ou os governos começam a refletir sobre essas coisas, ou iremos rumo ao desastre. Infelizmente, as coisas não estão indo nessa direção: Trump não demonstra aquela sensação que uma das potências mundiais que têm mais responsabilidades no desastre ecológico deveria ter. Estamos em uma encruzilhada decisiva.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566920-um-plano-marshall-para-a-terra-entrevista-com-carlo-petrini)

Suicídios adolescentes


"Seja como for, o interesse do adolescente pelo suicídio é intolerável para nós –porque amamos o suicida e porque sua morte sancionaria nosso fracasso: o suicídio de um adolescente é a demonstração cabal de que nosso amor não é (não foi) uma razão suficiente para ele viver", escreve Contardo Calligaris, psicanalista, dramaturgo e escritor italiano radicado no Brasil, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 27-04-2017.
Eis o artigo.

"Você, que é terapeuta de adolescentes, por que não comenta a Baleia Azul?" Recebo essa pergunta a cada dia.
Baleia Azul é um jogo, na internet, que seduziria os adolescentes propondo-lhes desafios arriscados até um final em que, para "ganhar", o jogador deve se matar. Na Rússia, já seriam mais de cem mortos.
Acho bizarro que nenhum repórter consiga se inscrever, jogar e nos contar tudo. A Baleia me parece ser sobretudo um boato.
Que opinião temos dos nossos adolescentes para acreditarmos que eles sejam burros a ponto de se matar para terminar uma gincana? Se imaginamos que eles sejam presas fáceis para a Baleia, é porque nós mesmos talvez sejamos seduzidos pelo jogo: dispostos a qualquer besteira para animar a nossa vida e lhe dar algum sentido.
Junto com a Baleia, um seriado da Netflix, "13 Reasons Why", também preocupa os adultos. Nele, uma menina, para explicar seu suicídio, deixa 13 fitas gravadas, que circulam entre amigos e inimigos.
Quando eu era menino, sonhava estar presente no meu velório, para ver quem choraria e quem dançaria. O seriado, dando crédito a esse sonho (banal), poderia produzir uma epidemia de suicídios?
Reza a lenda que o romance de Goethe "Os Sofrimentos do Jovem Werther" (1774) teria glamorizado o suicídio por amor e produzido suicídios em massa.
Logo o "Werther", que consegue a façanha de ser curto e chato e cujo maior mérito é de ter sido o pretexto para Roland Barthes escrever seus "Fragmentos de um Discurso Amoroso".
Enfim, "O Efeito Werther" é um livro de David Phillips (1982) que trata de verificar se há suicídios induzidos pelos relatos na mídia dos suicídios de pessoas famosas, de Marylin Monroe a Kurt Cobain. Resultado: o efeito, se existe, é mínimo.
Mas, por mínimo que seja, como evitá-lo? Plutarco (46 - 120 d.C.), em "As Virtudes das Mulheres", conta que, em Mileto, por alguma maldição divina, as mulheres foram tomadas pela vontade de se enforcar. Não havia palavras ou lágrimas que adiantassem: elas se matavam. Enfim, alguém propôs que os cadáveres nus das enforcadas fossem expostos na praça. E o que aconteceu?
Num delicioso livrinho, publicado em Paris em 1772 (ensaio sobre o caráter, os costumes e o espírito das mulheres nos diferentes séculos), Antoine Thomas conclui com Plutarco. Essas jovens encaravam a morte, mas nenhuma ousou encarar a vergonha depois da morte: os suicídios pararam.
Quanto às mulheres de Mileto, Thomas explica: elas deviam estar naquela idade em que a natureza, alimentando desejos inquietos e vagos, abala a imaginação e em que a alma, surpreendida por suas novas necessidades, sente que a melancolia será sucessora da calma dos jogos da infância. Difícil descrever melhor a desordem da adolescência.
E talvez haja mesmo, na adolescência, um interesse especial pelo suicídio. Para Durkheim, o suicídio pode ser atribuído a níveis excessivamente baixos ou altos de integração social. Integração baixa demais significa ter a impressão de não pertencer a nada, e integração alta demais significa descobrir que o custo da integração é excessivo: uma domesticação de nosso desejo. É um resumo do drama do adolescente.
Seja como for, o interesse do adolescente pelo suicídio é intolerável para nós –porque amamos o suicida e porque sua morte sancionaria nosso fracasso: o suicídio de um adolescente é a demonstração cabal de que nosso amor não é (não foi) uma razão suficiente para ele viver.
Mas atenção: Plutarco é uma leitura recomendada, porque ele lembra que de nada adiantam os encorajamentos a viver e as manifestações de carinho.
De fato, diante do propósito suicida, não há cura milagrosa, e o primeiro passo é reconhecer o desejo de se matar e levá-lo a sério –porque é um desejo sério, não menos fundamentado do que nossa posição em favor da vida.
Podemos discordar e nos opormos à vontade de se suicidar de alguém que nos importe, mas só seremos escutados se primeiro reconhecermos seu direito de querer morrer.
Nota: logo nesses tempos de inquietudes pela Baleia e pelo seriado "13 Reasons Why", foi ao ar, pela HBO, a primeira história de "Psi" sobre o suicídio assistido de uma adolescente. A história, que resume minha atitude diante de um outro que prezo e que quer morrer, está agora na Net Now.

(fonte:http://www.ihu.unisinos.br/567065-suicidios-adolescentes)

Assim o Brasil perde a Floresta Amazônica

Grileiros devastam áreas públicas, para que tenham valor comercial. Expulsam agricultores, com milícias privadas. E vendem as “propriedades”, contando com ausência do Estado. No final de março, Temer cortou pela metade fiscalização do Ibama

Reportagem de Mauricio Torres e Sue Branford, na área de expansão da fronteira agrícola, no Pará


Na região onde a fronteira agrícola se expande na Amazônia, fala-se um dialeto específico.  Isso ficou claro quando, durante nossa reportagem, sentamos à mesa com Agamenon da Silva Menezes, presidente do Sindicato Rural dos Produtores de Novo Progresso, em seu escritório, no centro da cidade de mesmo nome, no oeste do Pará. Enquanto o equipamento para filmar a entrevista era montado, um homem entrou agitado na sala e, sem olhar para nós, falou diretamente a ele: “Eles estão tomando conta da área. Precisamos fazer alguma coisa. Já”. Agamenon respondeu em voz baixa: “Vamos fazer, sim. Depois falamos”. Fez um gesto para o homem calar e, bruscamente, nos perguntou: “Vamos começar?”

No desenrolar da entrevista, quando Agamenon descreveu em detalhes as atividades do seu sindicato, foi possível compreender que a expressão “alguma coisa” significava reação violenta. É um código, nada sutil, para se referir a uma ação fora da lei. Também ficou implícito que falavam da ocupação de terra realizada pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Castelo de Sonhos (Altamira-PA) e pelo movimento camponês de luta pela terra do pequeno povoado chamado “KM Mil”, na BR-163. Essa ocupação era justamente o gancho para a entrevista com Agamenon. Dois dias antes, havíamos visitado as 80 famílias acampadas em barracos com as típicas coberturas de plástico preto dos movimentos socioterritoriais.


O acampamento localiza-se a cerca de 15 quilômetros da margem leste da BR 163, na altura do km 1000 da rodovia. Foi instalado em meio à floresta, ao lado de uma grande área desmatada e vazia. Passada a inicial desconfiança do grupo em relação a nossa equipe de reportagem, um colono explicou por que não se instalaram na área já desmatada: “O certo seria entrar em área aberta. Tem muita área aberta e vazia. Mas a gente não consegue entrar em uma fazenda aberta. Eles vão brigar pra não entregar porque é uma terra muito valorosa”.
Mais uma vez, reafirma-se a estranha lógica em que terras desmatadas ilegalmente valem de 20 a 200 vezes mais do que a floresta preservada em toda sua relevância climática e abundância de vida. Essa mecânica de mercado está diretamente ligada ao desmatamento desenfreado que ocorre na região.
A situação do acampamento reflete a dinâmica própria da fronteira. Os assentamentos de colonos jamais são feitos nas muitas áreas desmatadas e ilegalmente apropriadas por grileiros. Os camponeses são sempre empurrados mata adentro, sejam estes assentamentos feitos pelo Estado ou fruto da luta direta pela terra de movimentos sociais. A força política, a violência e a impunidade “sacralizam” as áreas desmatadas ilegalmente pelos grileiros, mesmo que se tratem de terras públicas. Na prática, o Estado não retoma as áreas, e o grileiro, autor do desmate irregular, “ganha” a terra, mostrando que, na região amazônica, esse tipo de crime ambiental e fundiário compensa.
Há outra questão que torna essa dinâmica proveitosa à grilagem. Os colonos que acabam abrindo a fronteira ao derrubar a floresta arcam com o passivo ambiental do desmatamento; assim, o grileiro sai isento das ações de fiscalização do governo. Depois de instalados, os colonos são muitas vezes expropriados pela grilagem e o ciclo se reinicia, empurrando a fronteira floresta adentro. Ainda que os assentamentos estejam longe de ser a principal causa do desmatamento na Amazônia, essa interface involuntária com a grilagem acaba acarretando significativos danos sociais e ambientais.

Esperança e medo

Em um barraco grande do acampamento, uma mulher cozinhava almoço para uma dúzia de pessoas. Fomos convidados e, durante a refeição, o colono Ivanor da Silva Felizardo fez um breve relato da sua vida: “Saí de Sinop [cidade mato-grossense, na BR-163] por falta de expectativa. Não tinha opção de vida. Aqui é mais cru, tem mais possibilidade da gente adquirir uma coisa na vida. A sorte que tive foi conseguir 100 hectares através do sindicato”. O fato de o Sindicato dos Trabalhadores Rurais organizar a ocupação dá segurança. “O sindicato é um órgão legal”, disse Felizardo. “Estamos aqui tem uns 90 dias. Correu tudo bem até o momento.”

Outro colono, que não quis informar o nome, contou a história da ocupação. Segundo ele, há alguns anos, quem ele chama de “legítimo dono” das terras ocupadas foi “tirado na força bruta, na bala” por um tal Tião, o feroz pistoleiro da quadrilha de grilagem de AJ Vilela: “se entrasse aqui na época dele, dificilmente voltava vivo”.
O colono conta que ocorreram muitas mortes mas, depois da prisão de AJ Vilela, o “legítimo dono” reapareceu com a intenção de retomar a terra e propôs compartilhar alguns hectares com o movimento camponês. “Assinamos um contrato, é tudo legalizado. A gente está muito feliz. O trem vai andar”, conclui, otimista, o colono.
Apesar da aparente tranquilidade, o clima de tensão no acampamento é explícito. Há poucas mulheres e crianças presentes e o termo “medo” é usado de forma constante nas conversas dos agricultores.

Ladrão que grila ladrão

Não é à toa que o medo dá o tom da narrativa no local. Nossa apuração indicou que o “legítimo proprietário” não era o único de olhos postos em área tão valorizada e que ficou repentinamente “disponível” em função da prisão dos grileiros que estavam em poder daquelas terras. Sem regulação fundiária, o fator que controla o acesso à terra na região é o uso da força. O proponente do acordo com a ocupação, apesar de identificado pelos colonos como “proprietário”, não deixa de ser também ele um grileiro, já que  toda essa história se desenrola sobre terras públicas, como comprovam estudos fundiários.
O indivíduo apontado como “legítimo proprietário” não quis falar com a reportagem alegando risco de vida. Ele parece ter encontrado um modo inusitado para enfrentar o poder de fogo dos grileiros rivais: usar camponeses sem terra como escudo humano para suas pretensões de retomar as terras originalmente apropriadas por ele. Desta forma, ele se pouparia do enfrentamento direto com as milícias privadas de outros grupos e sairia com poucas perdas concretas. De acordo com as lideranças dos colonos, o pacto com o movimento previa que os colonos ocupariam a terra – assumindo sozinhos todo o risco de sofrer violência – para obter uma parcela da área – justamente o quinhão de floresta que ainda permanece ao fundo do terreno. A porção já desmatada e, por isso mesmo, mais valorizada voltaria ao domínio do “legítimo proprietário”.
Ao observar o ciclo de destruição florestal, violência e pobreza que reflete a história da Amazônia, é tristemente curioso constatar que, segundo estudos, a única verdade neste caso é o direito dos colonos àquela terra, já que a área foi arrecadada pela União justamente para servir a uma reforma agrária jamais implementada.

Faroeste na floresta

Na entrevista com Agamenon, foi reafirmada a noção de que “direito” é o que menos importa no mundo violento da fronteira agrícola na Amazônia, onde prevalece a lei do mais forte. Para o ruralista, os colonos são “invasores” que precisam ser desalojados a qualquer custo. De forma bastante transparente e detalhada, Agamenon explicou como emprega milícia privada para os despejos: “Se sair por bem, sai. Se não, sai por mal. Da forma que eles reagirem com a gente, a gente reage contra eles. Se eles vierem de cacete, a gente vai de cacete, se vierem de faca, a gente vai de faca, se vier de cachorro… do jeito que eles reagirem, a gente reage, mas tira a pessoa de lá”.
Foi nesse momento que a tensa e rápida conversa flagrada por nossa equipe entre Agamenon e o outro homem antes da nossa entrevista fez sentido: o código “fazer alguma coisa” significava organizar uma milícia para tirar as famílias da ocupação instalada no Km Mil. Nos sentimos ingênuos diante de tamanha banalização do absurdo, impunidade e violência: a confissão chocante de Agamenon durante a entrevista era, na verdade, sua fala corriqueira, veiculada inclusive na rádio e jornal locais:
“Os ruralistas preparam uma agenda de mobilizações em defesa do direito de propriedade, que eles consideram ameaçado pela ineficácia do governo federal na região. A primeira ação está marcada para os próximos dias onde pretendem fazer a desocupação de uma fazenda invadida ilegalmente nas proximidades do km 1000 (Vila Izol)”.
Em novembro passado, um violento conflito no Km Mil da BR 163 parecia iminente. A equipe de reportagem ainda estava em Novo Progresso quando, dois dias depois de nossa visita à ocupação, um grupo de seis homens atacou o acampamento, atirando e gritando ameaças. Ninguém foi ferido. Os colonos acreditam que a intenção foi só aterrorizá-los. Os pistoleiros partiram prometendo voltar e fazer pior.
O sindicalista Aloisio Sampaio, conhecido como Alenquer, principal liderança da ocupação, adotou estratégias preventivas. Vestindo colete à prova de balas, ele falou sobre as ameaças que recebe: “Eles [os grileiros] querem me matar de qualquer forma… Eles ameaçam em televisão, em rádio, em mercado, em casa. Já convivi com isso. Não tenho medo”. E acrescentou: “Não adianta me matar. Somos vários líderes formados na BR-163. Se me matar, outro toma o meu lugar”.
Em um ato desesperado, Alenquer publicou, em janeiro de 2017, um vídeo na internet em que acusa nominalmente Agamenon Menezes e Neri Prazeres, ex-prefeito de Novo Progresso, de praticarem grilagem e de tê-lo ameaçado de morte. Os dois ruralistas negaram e ameaçaram processá-lo. Após a divulgação do vídeo, os ataques ao acampamento cessaram, pelo menos temporariamente.

A roleta da grilagem

Conflitos por terras são comuns em uma região onde a grilagem é a forma mais fácil e rápida de se ganhar dinheiro. Na tentativa de relativizar a invasão e o espólio de terras públicas, Agamenon argumenta: “todos aqui somos grileiros, não tem nenhum cidadão aqui que não é grileiro, porque nós estamos dentro de terra da União”.
A história não é bem essa.
Segundo o pecuarista Lincoln Queiroz Brasil, que chegou à região na década de 1980 – e que não é grileiro –, a ocupação de Novo Progresso se deu paralelamente à abertura da rodovia BR-163. Famílias de colonos sulistas, geralmente pobres, chegavam e firmavam contratos com o Incra em que se comprometiam a pagar a terra em 10 parcelas anuais. É o caso de Queiroz e de várias outras famílias que ali se instalaram entre meados dos anos 1970 e a segunda metade da década de 1980.
Ou seja, nem todos são grileiros. Porém, Agamenon acerta ao usar a primeira pessoa do plural e se inserir na categoria. “O processo de ocupação de Novo Progresso passa também pela grilagem”, explica Queiroz. A completa ausência do Estado na região consolidou a prática de se apossar de áreas imensas pertencentes à União. São terrenos, às vezes, com dezenas de milhares de hectares – em 2004, Agamenon anunciou-se como “dono” de 70 mil hectares.
Tais pretensões ruralistas não são apenas megalômanas, mas também absolutamente ilegais, já que a Constituição Federal estabelece em 2,5 mil hectares o limite máximo de um imóvel público que pode ser alienado; para se vender áreas maiores a terceiros, é necessária autorização do Congresso Nacional. Para burlar a lei, uma vez que o grileiro invade a terra pública, a área é dividida em vários módulos de tamanho que viabilize a “regularização”; em seguida, o grileiro atribui cada fração de terra a um suposto ocupante diferente, os “laranjas” do esquema.

Com o intuito de atender essa “demanda” da grilagem, existe, em Novo Progresso “o famoso ‘Kit Cidadão’, que você pode obter na cidade com muita facilidade”, explica Queiroz. “Trata-se da documentação completa de uma pessoa com CPF, identidade e título de eleitor para ser usada como laranja ou para, no caso do Ibama fiscalizar o desmatamento, o responsável apresentar essa documentação e a multa ser feita em nome do ‘laranja’” Os donos das identidades usadas no “kit” são sempre pessoas muito humildes que não fazem idéia que seus dados acabam envolvidos no esquema. “Você paga um valor irrisório pela identidade ou, se for amigo do ‘fornecedor’ do kit, pode até ganhar um”, conclui Queiroz.
Ao longo da última década, a grilagem passou a ter o desmatamento como ingrediente central. Queiroz explica o processo que o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) chamou de desmatamento especulativo. “O sujeito pega uma área [de terras públicas] e derruba a mata. Não para produzir algo, mas para vender a terra”, explica Queiroz.
Os compradores dessas terras incluem desde grandes fazendeiros, em sua maioria de Mato Grosso ou Goiás e plenamente conscientes da ilicitude da compra, àqueles que vendem tudo o que têm em outro lugar e entregam seu dinheiro nas mãos dos grileiros na ilusão de adquirir terras lícitas. “A valorização é absurda, a floresta praticamente não tem valor. Quando conseguem desmatar e plantar capim, isso multiplica em 100 ou 200 vezes o preço da área”, segue Queiroz. O Ministério Público Federal apurou que o esquema chega a render R$ 20 milhões por área grilada.
Emblematicamente, explica Queiroz, “os maiores desmatadores da região não têm uma só cabeça de gado”. Estudo recentemente publicado constata que os responsáveis pela derrubada da floresta na área da BR-163 não plantam ou criam animais: o negócio é a  especulação imobiliária com terras públicas invadidas e desmatadas de forma ilegal.
Um caso marcante desse procedimento é o do notório grileiro Ezequiel Castanha, que praticou esse esquema por mais de uma década e chegou ao requinte de oferecer a terceiros o serviço de grilagem. Alguém se apoderava de uma área de floresta e estabelecia uma “parceria” com Castanha, que cuidava da logística: os laranjas em nome de quem se abririam processos e se lavrariam as multas, os peões para conduzir a derrubada e a formação da pastagem, ou seja, serviço completo. Castanha inspirou o nome da ação que o prendeu, a Operação Castanheira, realizada pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Ibama.
Com franco apoio do governo federal em Brasília, o ritmo do desmatamento na região vem crescendo nos três últimos anos. No final de março, o governo Temer anunciou o corte de mais da metade do orçamento anual do Ministério do Meio Ambiente, ao qual estão subordinados Ibama e ICMBio. Ou seja, a fiscalização ambiental, que já não dava conta de deter a perda de florestas, será cortada ao meio. Completando o cenário de desalento, o ritmo frenético de redução de unidades de conservação pelo governo está expondo novas áreas de floresta à mecânica grilagem-desmate na região.
Enquanto a maior parte do Brasil se arrasta na crise política e testemunha atônita a sequência de delações e escândalos de corrupção que atingem o coração do legislativo e do executivo federais, os grileiros do entorno da BR 163 e de toda a fronteira agrícola na Amazônia não têm motivos para reclamar.

(fonte: http://outraspalavras.net/brasil/assim-o-brasil-perde-a-floresta-amazonica/)

Temas da semana no Cafe Historia

Conflito Palestino-Israelense: entre historiografia e agendas políticas - Entrevista com Michel Gherman
Em entrevista ao Café, Michel Gherman, professor do Instituto de História da UFRJ, discute como o Oriente Médio, sobretudo o conflito palestino-israelense, tem se equilibrado entre historiografia e agendas políticas. Leia aqui.

 


 

Olimpíada Nacional em História do Brasil - Inscrições!

Inscrições para a nona edição do evento se encerram no dia 28 de abril. Ainda dá tempo. Fale com o seu professor e confira as regras!

A questão da saúde reprodutiva e o feminismo negro no Brasil

Como raça, gênero e saúde reprodutiva estiveram no centro do processo de formação do feminismo negro brasileiro.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Dirigentes do FMI mostram que a política fiscal no Brasil é burra

Texto escrito por José de Souza Castro:

Vivemos num mundo de mudança econômica dramática, constatam Vitor Gaspar e Luc Eyraud num artigo publicado na última quinta-feira (20) pelo Fundo Monetário Internacional que pode ser lido AQUI em inglês. Traduzindo livremente, tento resumir o artigo, que me parece contraditar a política econômica do governo Temer. Os autores não citam o caso do Brasil. Eles devem ter motivos para isso, eu não – e vou colocando minha colher de pau, entre colchetes.

[Vitor Gaspar foi ministro das Finanças de Portugal e desde fevereiro de 2014 dirige o Departamento de Assuntos Orçamentários do FMI. Luc Eyraud é chefe adjunto do Departamento de Assuntos Fiscais da entidade. Sabem do que estão falando].

As condições atuais no mundo requerem novas e mais inovadoras soluções, às quais o FMI chama de “smart fiscal policies”, que são aquelas políticas fiscais inteligentes que facilitam mudanças, utilizam seu potencial de crescimento e protegem as pessoas que mais sofrem.

Ao mesmo tempo, reconhecem os autores, empréstimos excessivos e níveis recordes de dívida pública têm limitado os recursos financeiros disponíveis para o governo. Assim, a política fiscal precisa fazer mais com menos. Por sorte, muitos começam a compreender que o kit de ferramentas fiscais é maior e mais poderoso [do que a equipe econômica do governo Temer imagina].

Cinco princípios orientadores esboçam os contornos dessas políticas fiscais inteligentes que estão descritas no capítulo primeiro do “Fiscal Monitor” de abril de 2017 do FMI. São elas:


1.      A política fiscal deve ser contracíclica.
Em tempos ruins, as taxas de juros são reduzidas e o dispêndio do governo é aumentado para pôr mais dinheiro no bolso das empresas e dos consumidores; nos bons tempos, reduzem-se os gastos e elevam-se as taxas. A política fiscal tem papel maior a ser exercido hoje na estabilização do que no passado, porque os bancos centrais em muitos países desenvolvidos cortaram os juros para bem perto de zero e os limites da política monetária estão sendo testadas.
Em tempos normais, uma política fiscal contracíclica poderia se basear em “estabilizadores automáticos”, ou seja, em gastos e arrecadação que se ajustam aos altos e baixos da economia. O seguro desemprego é um exemplo. Numa recessão econômica, as pessoas que perdem seus empregos são automaticamente elegíveis aos benefícios governamentais. Mas esses estabilizadores podem ser insuficientes em países que estão sofrendo de queda prolongada e cujas taxas de juros não podem baixar ainda mais, como o Japão. Numa situação assim, um estímulo fiscal temporário pode quebrar a espiral de baixo crescimento, baixa inflação e dívida elevada.
No outro lado do espectro, em economias com crescimento econômico fraco, o governo deveria, em geral, retirar o suporte fiscal. Por exemplo, os Estados Unidos, que estão perto do pleno emprego, poderiam começar a reduzir o déficit orçamentário no próximo ano, para pôr a dívida pública, firmemente, numa trajetória descendente.
No entanto, usar a política fiscal para aplainar o ciclo de negócio nem sempre é possível. Alguns países podem ter que focar na redução dos déficits públicos apesar das condições cíclicas. Por exemplo, países exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita, foram duramente atingidos por um declínio de mais de 50% no preço do petróleo desde o pico de 2011. Esses países devem reduzir o gasto para alinhá-los com a queda da renda e já começaram a fazer o ajuste. Espera-se que seus déficits coletivos caiam cerca de 150 bilhões de dólares em 2017 e 2018.
[Não é o caso do Brasil, frise-se].

2.      A política fiscal deve almejar um crescimento amigável.
Taxas e gastos públicos podem ser usados para apoiar os três mecanismos de crescimento econômico em longo prazo: capital (tais como máquinas, estradas e computadores), trabalho e produtividade.
Capital. Em muitos países, é o caso de aumentar fortemente o investimento público, dado o baixo custo de financiamento [internacional, claro; aqui é caríssimo, como bem sabe o Itaú] e a importante deficiência em infraestrutura.
Trabalho. Os países deveriam continuar a encorajar a criação de trabalho e a participação no mercado de trabalho. Economias desenvolvidas poderiam reduzir a taxação sobre a folha de pagamento onde ela for alta, fazer uso mais intenso de políticas, como assistência na busca de emprego e treinamento, e adotar medidas seletivas de gastos para grupos vulneráveis, como trabalhadores de baixa habilitação e os mais velhos. Mercados emergentes e economias em desenvolvimento poderiam implementar acesso à rede de saúde e  educação. [Não é o que se faz hoje no Brasil].
Produtividade. Uma série de políticas pode promover a produtividade, incluindo melhorias do sistema de tributação.

3. A política fiscal deve promover a inclusão.
Mais de um bilhão de pessoas saíram da extrema pobreza desde o começo dos anos 1980, a maioria na China e na Índia. Ao mesmo tempo, a desigualdade de renda aumentou dentro de muitos países. Nas economias avançadas, as rendas do topo 1% da população cresceram numa taxa anual quase três vezes mais alta que o da restante população nas últimas três décadas.
Impostos e gastos públicos são meios poderosos de garantir que países compartilhem o dividendo do crescimento com a população. Por exemplo, transferência condicional de dinheiro (tais como a transferência para famílias pobres, fazendo que os benefícios estejam condicionados à frequência das crianças às clínicas de saúde e às escolas) foi usada com sucesso para reduzir a desigualdade num número de países da América Latina. [O Brasil, entre eles, nos governos Lula e Dilma].
A política fiscal deveria também ajudar as pessoas a participar integralmente e se adaptar a uma economia em mudança. Melhor acesso à educação, treinamento e serviços de saúde, bem como ao seguro social, pode facilitar os trabalhadores a recuperar-se da perda de trabalho ou da doença. [Bem ao oposto da “reforma” da Previdência, diga-se].

4. A política fiscal deve estar baseada numa forte capacidade tributária.
Governos precisam ter forte capacidade de tributar, para que possam executar essas políticas. A tributação permite uma fonte estável e ajustável de receita orçamentária que pode ser mobilizada, se necessário. É também elemento central na determinação da capacidade de um país de pagar suas dívidas.
Isso é particularmente importante para países de baixa renda. Verifica-se que quase metade desses países tem um percentual de tributação/PIB abaixo de 15%. E o pagamento de juros frequentemente consome uma grande parcela de sua arrecadação no pagamento de impostos. Em países de baixa arrecadação, construir capacidade de cobrar  impostos [dos ricos, claro] é uma prioridade ao desenvolvimento sustentável.

5. A política fiscal deve ser prudente.
A crise financeira global mostrou que as finanças públicas estão expostas a grandes riscos que são geralmente subestimados. Resgates de bancos falidos e uma profunda recessão econômica levam a dívida pública em economias avançadas a níveis sem precedentes em tempos de paz. [Só a dos Estados Unidos supera US$ 1 trilhão].

Os governos necessitam compreender melhor os riscos a que estão expostos e adotar estratégias para administrá-los. [Leu, Temer?]

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/04/24/politica-fiscal-brasil-burra/#more-13826)

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A escola contra o corpo

Tentativa de censura a um livro didático, no norte do país, mostra que a ignorância não é apenas uma tragédia nacional, mas um instrumento político usado por milícias de ódio
Por Eliane Brum, no El País

No final de março, um grupo de pais de uma escola pública estadual da cidade de Ji-Paraná, no norte do Brasil, entregou um abaixo-assinado ao Ministério Público de Rondônia. Eles exigiam a retirada da sala de aula de um livro de ciências cujo conteúdo de educação sexual seria “impróprio” para alunos da oitava série do ensino fundamental. O desenho de um pênis ereto, usada pelas autoras da obra didática para explicar o funcionamento do órgão, é um dos principais motivos da tentativa de censura. O pinto duro não deveria estar lá.
Neste pequeno grande acontecimento há muitas tragédias. E todas elas contam de nós. Há quem ache bizarro. Eu só consigo achar triste. Seria mais fácil se este fosse um caso isolado, numa escola pública do interior de Rondônia, no norte do Brasil, lugar distante para a maioria. Seria mais fácil, mas falso. É preciso prestar muita atenção ao que está acontecendo no Brasil: incitados pelos novos inquisidores, cada vez é maior o número de fogueiras onde queimam livros, reputações e, principalmente, direitos.
É na Escola onde tudo se articula.

Esta é a introdução de um portentoso artigo escrito pela Eliane Brum, com ilustrações. Recomendo sua leitura a todos, principalmente aos professores de ensino Fundamental e Médio. Não deixem de ler!

http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=452854

Café da Historia desta semana



Como sabem, o site do Café História tem novidades.
 
Nova História Indígena: o protagonismo dos índios
Desde o final da década de 1970, uma nova compreensão histórica dos povos nativos começou a se consolidar na historiografia. Leia mais sobre a chamada “Nova História Indígena”. Confira nossa nova Bibliografia Comentada aqui
 


 

Dicas e lançamentos de livros

Um dos destaques é “Teoria Social – um guia para entender a sociedade contemporânea”, do sociólogo William Outhwaite, que acaba de chegar ao Brasil pela editora Zahar. Segundo o autor, “se você está interessado em questão políticas ou econômicas, ou sobre cultura, relações de gênero ou étnicas, a teoria social explica as relações entre elas”.

Livro premiado para download

Febre Amarela: premiado livro sobre a história da doença no Brasil disponível para download gratuito. Publicada em 2001 pela Editora Fiocruz, obra organizada pelo pesquisador Jaime Larry Benchimol ajuda a entender a história da doença que voltou a preocupar os brasileiros.

Revista Divulga Escritor 26



Convidamos você a conhecer a 26ª edição da Divulga Escritor: Revista Literária da Lusofonia.

Para baixa-la gratuitamente clique no link abaixo:
https://issuu.com/smc5/docs/26_divulga_escritor_revista_liter__


Em PDF
Recanto das Letras
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5965299

Portal Literário

Boa Leitura!

Chomsky: Es doloroso ver como el Partido de los Trabajadores en Brasil, no podía mantener sus manos fuera de la caja del dinero


En Ecuador, el candidato del partido gobernante, Lenín Moreno, derrotó por escaso margen al ex banquero de derecha Guillermo Laso, en la segunda vuelta electoral realizada el domingo. La elección es vista como un caso excepcional en la actual tendencia en América Latina, donde cada vez más gobierno de derecha han llegado al poder.
Para saber más de la realidad política en Ecuador, Brasil, Venezuela y otros países de América Latina, hablamos con el disidente político, lingüista y escritor reconocido mundialmente, Noam Chomsky.
El reportaje es publicado por Democracy Now, 05-04-2017.

Amy Goodman: Esto es Democracy Now! Ell Informativo de Guerra y Paz. Soy Amy Goodman. Volvemos con el profesor del MIT Noam Chomsky. Juan González y yo hablamos con él este martes.
Juan González: Quería preguntarle sobre América Latina. Hubo un período, de unos 10 años, de enorme progreso social en América Latina con todos estos gobiernos con conciencia social, en el que vimos una reducción de la desigualdad en los ingresos. Además, América Latina es la única parte del mundo donde no hay armas nucleares. Sin embargo, ahora hemos visto en los últimos años, un verdadero retroceso. Algunos de esos gobiernos populares, con la excepción de Ecuador, han sido apartados del poder recientemente, y también se ha agravado la crisis en Venezuela. ¿Cuál es su opinión de lo que ha sucedido, ya que, después de tantas promesas, de repente parece que la región va hacia atrás?
Noam Chomsky: Bueno, hubo logros reales. Pero los gobiernos de izquierda no aprovecharon la oportunidad que tuvieron para crear economías sostenibles, economías viables. Casi todos ellos: Venezuela, Brasil y otros, como Argentina, se basaron en el aumento de los precios de las materias primas, que es un fenómeno temporal. El precio de las materias primas aumentó, principalmente debido al crecimiento de China. Así que hubo un aumento en el precio del petróleo, de la soja, y así sucesivamente. Y en lugar de tratar de desarrollar una economía sostenible con industria, agricultura y cosas así, países como Venezuela, que es potencialmente un país rico en agricultura, no se desarrollaron. Su economía se basa simplemente en las materias primas que pueden exportar. Esto es muy perjudicial, no sólo no es exitoso, sino que se trata de un modelo de desarrollo perjudicial, porque por ejemplo, mientras tú exportas cereales a China, ellos te exportan productos manufacturados, que socavan tu industria manufacturera. Y eso es básicamente lo que está sucediendo.
Además de eso, había una enorme corrupción. Es doloroso ver como el Partido de los Trabajadores en Brasil, el cual llevó a cabo importantes medidas, no podía mantener sus manos fuera de la caja del dinero. Se unieron a la élite extremadamente corrupta, la cual está robando todo el tiempo, y tomaron parte en ello, desacreditándose a sí mismos. Y hubo una reacción a eso. No pienso que estén acabados. Se lograron verdaderos éxitos, y creo que muchos de ellos permanecerán, pero hay una regresión. Van a tener que volver a empezar, esperemos que de una forma más honesta, y tendrán que reconocer, en primer lugar, la necesidad de desarrollar la economía de forma que exista una base sólida, no sólo basándola en las exportaciones de materias primas, y en segundo lugar, que sean lo suficientemente honestos para llevar a cabo programas decentes sin robar al pueblo al mismo tiempo.

Amy Goodman ¿Qué hay de Venezuela?
Noam Chomsky: Venezuela está realmente en una situación desastrosa. La economía depende del petróleo más que nunca en el pasado, es una dependencia muy alta. Y la corrupción, el robo y todo lo demás, ha sido extremos, especialmente tras de la muerte de Chávez. Pero, por ejemplo, si te fijas en el Índice de Desarrollo Humano de la ONU, Venezuela sigue estando por encima de Brasil. Así que hay esperanzas y posibilidades de reconstrucción y desarrollo. Pero la promesa de los años anteriores se ha perdido significativamente.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566730-chomsky-es-doloroso-ver-como-el-partido-de-los-trabajadores-en-brasil-no-podia-mantener-sus-manos-fuera-de-la-caja-del-dinero)

Boaventura: para que o futuro seja de novo possível



E se o divórcio entre Democracia e Revolução estiver na origem dos tempos sombrios que vivemos? E se Democracia e Revolução puderem se amigar de novo?
O artigo é de Boaventura de Sousa Santos, sociólogo, publicado por Outras Palavras, 18-04-2017.
Eis o artigo.

Quando olhamos para o passado com os olhos do presente, deparamo-nos com cemitérios imensos de futuros abandonados, lutas que abriram novas possibilidades mas foram neutralizadas, silenciadas ou desvirtuadas, futuros assassinados ao nascer ou mesmo antes, contingências que decidiram a opção vencedora depois atribuída ao sentido da história. Nesses cemitérios, os futuros abandonados são também corpos sepultados, muitas vezes corpos que apostaram em futuros errados ou inúteis.
Veneramo-los ou execramo-los consoante o futuro que eles e elas quiseram coincide ou não com o que queremos para nós. Por isso choramos os mortos, mas nunca os mesmos mortos. Para que não se pense que os exemplos recentes se reduzem aos homens-bombas – mártires para uns, terroristas para outros – em 2014 houve duas celebrações do assassinato do Arquiduque de Francisco Fernando e sua esposa em Sarajevo, e que conduziu à I Guerra Mundial. Num bairro da cidade, bósnios croatas e muçulmanos celebraram o monarca e sua esposa, enquanto noutro bairro, bósnios sérvios celebraram Gravilo Princip que os assassinou, e até lhe fizeram uma estátua.
No início do século XXI, a ideia de futuros abandonados parece obsoleta, aliás tanto quanto a própria ideia de futuro. O futuro parece ter estacionado no presente e estar disposto a ficar aqui por tempo indeterminado. A novidade, a surpresa, a indeterminação sucedem-se tão banalmente que tudo o que de bom como de mau estava eventualmente reservado para o futuro está a ocorrer hoje. O futuro antecipou-se a si próprio e caiu no presente. A vertigem do tempo que passa é igual à vertigem do tempo que pára. A banalização da inovação vai de par com a banalização da glória e do horror. Muitas pessoas vivem isto com indiferença. Há muito desistiram de fazer acontecer o mundo e por isso estão resignados a que o mundo lhes aconteça. São os cínicos, profissionais do ceticismo. Há, porém, dois grupos muito diferentes em tamanho e sorte para quem esta desistência não é opção.
O primeiro grupo é constituído pela esmagadora maioria da população mundial. Exponencial desigualdade social, proliferação de fascismos sociais, fome, precariedade, desertificação, expulsão de terras ancestrais cobiçadas por empresas multinacionais, guerras irregulares especializadas em matar populações civis inocentes – tudo isto faz com que uma parte cada vez maior da população do mundo tenha deixado de pensar no futuro para se concentrar em amanhã. Estão vivos hoje, mas não sabem se estarão vivos amanhã; têm comida para dar aos filhos hoje, mas não sabem se têm amanhã; estão empregados hoje, mas não sabem se estarão amanhã. O amanhã imediato é o espelho do futuro em que o futuro não se gosta de ver, pois reflete um futuro medíocre, rasteiro, comezinho. Estas imensas populações pedem tão pouco ao futuro que não estão à altura dele.
O segundo grupo é tão minoritário quanto poderoso. Imagina-se a fazer acontecer o mundo, a definir e controlar o futuro por tempo indeterminado e de maneira exclusiva para que não haja qualquer futuro alternativo. Esse grupo é constituído por dois fundamentalismos. São fundamentalistas porque assentam em verdades absolutas, não admitem dissidência e acreditam que os fins justificam os meios. Os dois fundamentalismos são o neoliberalismo, controlado pelos mercados financeiros, e o Daesh, os jhiadistas radicais que se dizem islâmicos. Sendo muito diferentes e até antagónôcos, partilham importantes características. Assentam ambos em verdades absolutas que não toleram a dissidência política – num caso, a fé científica na prioridade dos interesses dos investidores e na legitimidade da acumulação infinita de riqueza que ela permite; no outro, a fé religiosa na doutrina do califa que promete a libertação da dominação e humilhação ocidentais. Ambos visam garantir o controle do acesso aos recursos naturais mais valorizados. Ambos causam imenso sofrimento injusto com a justificação de que os fins legitimam os meios. Ambos recorrem com parificável sofisticação às novas tecnologias digitais de informação e comunicação para difundir o seu proselitismo. O radicalismo de ambos é do mesmo quilate e o futuro que proclamam é igualmente distópico – um futuro indigno da humanidade.
Será possível um futuro digno entre os dois futuros indignos que acabei de referir: o minimalismo do amanhã e o maximalismo do fundamentalismo? Penso que sim, mas a história dos últimos cem anos obriga-nos a múltiplas cautelas. A situação de que partimos não é brilhante. Começamos o século XX com dois grandes modelos de transformação progressista da sociedade, a revolução e o reformismo, e começamos o século XXI sem nenhum deles. Cabe aqui recordar, de novo, a Revolução Russa, já que foi ela que radicalizou a opção entre os dois modelos e lhe deu consistência política prática. Com a Revolução de Outubro, tornou-se claro para os trabalhadores e camponeses (diríamos hoje, classes populares) que havia duas vias para alcançar um futuro melhor, que se antevia como pós-capitalista, socialista. Ou a revolução, que implicava ruptura institucional (não necessariamente violenta) com os mecanismos da democracia representativa, quebra de procedimentos legais e constitucionais, mudanças bruscas no regime de propriedade e no controle da terra; ou o reformismo, que implicava o respeito pelas instituições democráticas e o avanço gradual nas reivindicações dos trabalhadores à medida que os processos eleitorais lhes fossem sendo mais favoráveis. O objetivo era o mesmo – o socialismo.
Não vou hoje tratar das vicissitudes por que esta opção passou ao longo dos últimos cem anos. Apenas mencionar que depois do fracasso da revolução alemã (1918-1921) foi-se construindo a ideia de que na Europa e nos EUA (o primeiro mundo) o reformismo seria a via preferida, enquanto o terceiro mundo (o mundo socialista soviético foi-se constituindo com o segundo mundo) iria seguir a via revolucionária, como aconteceu na China em 1949, ou alguma combinação entre as duas vias. Entretanto, com a subida de Stalin ao poder, a Revolução Russa transformou-se numa ditadura sanguinária que sacrificou os seus melhores filhos em nome de uma verdade absoluta que se impunha com a máxima violência. Ou seja, a opção revolucionária transformou-se num fundamentalismo radical que precedeu os que mencionei acima. Por sua vez, o terceiro mundo, à medida que se ia libertando do colonialismo, começava a verificar que o reformismo nunca conduziria ao socialismo, mas antes, quando muito, a um capitalismo de rosto humano, como aquele que ia emergindo na Europa depois da II Guerra Mundial. O movimento dos Não-Alinhados (1955-1961) proclamava a sua intenção de recusar tanto o socialismo soviético como o capitalismo ocidental.
Por razões que analisei na minha última coluna, com a queda do muro de Berlim os dois modelos de transformação social ruíram. A revolução transformou-se num fundamentalismo desacreditado e caduco que ruiu sobre os seus próprios fundamentos. Por sua vez, o reformismo democrático foi perdendo o impulso reformista e, com isso, a densidade democrática. O reformismo passou a significar a luta desesperada para não perder os direitos das classes populares (educação e saúde públicas, segurança social, infraestruturas e bens públicos, como a água) conquistados no período anterior. O reformismo foi assim definhando até se transformar num ente esquálido e desfigurado que o fundamentalismo neoliberal reconfigurou por via de um facelift, convertendo-o no único modelo de democracia de exportação, a democracia liberal transformada num instrumento do imperialismo, com direito a intervir em países “inimigos” ou “incivilizados” e a destruí-los em nome de tão cobiçado troféu. Um troféu que, quando entregue, revela a sua verdadeira identidade: uma ruína iluminada a néon, levada na carga dos bombardeiros militares e financeiros (“ajustes estruturais”), estes últimos conduzidos pelos CEOs do Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional.
No estado atual desta jornada, a revolução converteu-se num fundamentalismo semelhante ao maximalismo dos fundamentalismos acuais, enquanto o reformismo se degradou até ser o minimalismo da forma de governo cuja precariedade não lhe permite ver o futuro para além do imediato amanhã. Terão estes dois fracassos históricos causado direta ou indiretamente a opção prisional em que vivemos, entre fundamentalismos distópicos e amanhãs sem depois de amanhã? Mais importante que responder a esta questão, é crucial sabermos como sair daqui, a condição para que o futuro seja outra vez possível. Avanço uma hipótese: se historicamente a revolução e a democracia se opuseram e ambas colapsaram, talvez a solução resida em reinventá-las de modo a que convivam articuladamente. Por outras palavras, democratizar a revolução e revolucionar a democracia.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/566770-boaventura-para-que-o-futuro-seja-de-novo-possivel)

O projeto de Temer não é o nosso. Este é?

Texto escrito por José de Souza Castro:

O manifesto do Projeto Brasil Nação, coordenado pelo professor da Fundação Getúlio Vargas Luiz Carlos Bresser-Pereira, veio a público há cinco dias, com 180 signatários originais. Aos poucos, vai se tornando conhecido, apesar de pouco divulgado pelos grandes meios de comunicação. Não deve cair no vazio. Precisa ser discutido com seriedade, pois aponta caminhos para que o Brasil possa sair da crise sem sacrificar mais ainda a maioria dos brasileiros.
Segundo a revista Carta Capital, ao longo “dos últimos meses, economistas, empresários, advogados, sociólogos, embaixadores, artistas e políticos discutiram a dramática situação do País e propostas para a retomada do crescimento consistente, com inclusão e independência. Das conversas nasceu o manifesto Projeto Brasil Nação”.
Entre os signatários originais, não encontrei nenhum que se identificasse como empresário. São 31 economistas, 25 jornalistas, 10 advogados, 9 sociólogos, 8 cientistas políticos, 5 professores, 5 engenheiros e 5 médicos, entre outras profissões, mas nenhum empresário. Há ainda cinco políticos, incluindo dois deputados (nenhum senador) e um possível candidato a presidente da República pelo PDT, Ciro Gomes.
Cadê os empresários que, segundo a revista de Mino Carta, um dos jornalistas signatários originais, teriam participado das reuniões? Bem, muitos apareceram depois, quando o manifesto foi aberto para as adesões, aqui. Até as 19h30 desta segunda-feira (17), havia 90 empresários signatários. E 207 jornalistas, inclusive eu.
Dou-me ao trabalho de destacar alguns pontos, sabendo das dificuldades que muitos leitores têm para ler manifestos na íntegra.

“O Brasil vive uma crise sem precedentes”, começa o manifesto. Após descrever alguns sintomas dessa crise, afirma que a desigualdade volta a aumentar, após um período de ascensão dos mais pobres. “A sociedade se divide e se radicaliza, abrindo espaço para o ódio e o preconceito”, registra.
O retrocesso, acrescenta, “tem apoio de uma coalizão de classes financeiro-rentista que estimula o país a incorrer em deficits em conta corrente, facilitando assim, de um lado, a apreciação cambial de longo prazo e a perda de competitividade de nossas empresas, e, de outro, a ocupação de nosso mercado interno pelas multinacionais, os financiamentos externos e o comércio desigual”.

O ataque de que somos vítimas “foi desfechado num momento em que o Brasil se projetava como nação, se unindo a países fora da órbita exclusiva de Washington”. Em que o país “construía projetos com autonomia no campo do petróleo, da defesa, das relações internacionais, realizava políticas de ascensão social, reduzia desigualdades, em que pesem os efeitos danosos da manutenção dos juros altos e do câmbio apreciado”.
“Para o governo”, acrescenta o manifesto, “a causa da grande recessão atual é a irresponsabilidade fiscal; para nós, o que ocorre é uma armadilha de juros altos e de câmbio apreciado que inviabiliza o investimento privado. A política macroeconômica que o governo impõe à nação apenas agravou a recessão. Quanto aos juros altíssimos, alega que são ‘naturais’, decorrendo dos déficits fiscais, quando, na verdade, permaneceram muito altos mesmo no período em que o país atingiu suas metas de superávit primário (1999-2012)”.
Como venho denunciando tais juros altíssimos, não tive dificuldade em assinar embaixo. Mas também porque concordo com o que se segue:
“Buscando reduzir o Estado a qualquer custo, o governo corta gastos e investimentos públicos, esvazia o BNDES, esquarteja a Petrobrás, desnacionaliza serviços públicos, oferece grandes obras públicas apenas a empresas estrangeiras, abandona a política de conteúdo nacional, enfraquece a indústria nacional e os programas de defesa do país, e liberaliza a venda de terras a estrangeiros, inclusive em áreas sensíveis ao interesse nacional. Privatizar e desnacionalizar monopólios serve apenas para aumentar os ganhos de rentistas nacionais e estrangeiros e endividar o país”.

Mas não foi para denunciar o que a maioria já sabe que se redigiu o manifesto. Sua proposta é “o resgate do Brasil, a construção nacional”, até mesmo porque “temos todas as condições para isso”. Ao contrário do “governo reacionário e carente de legitimidade”, que não tem um projeto para o Brasil e nem pode tê-lo, “porque a ideia de construção nacional é inexistente no liberalismo econômico e na financeirização planetária”.
O texto prossegue apontando caminhos, em 547 palavras. Se você se interessou até aqui, não preciso mais resumir. Vou direto aos cinco pontos econômicos do Projeto Brasil Nação:
  1. Regra fiscal que permita a atuação contracíclica do gasto público, e assegure prioridade à educação e à saúde
  2. Taxa básica de juros em nível mais baixo, compatível com o praticado por economias de estatura e grau de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil
  3. Superávit na conta corrente do balanço de pagamentos que é necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva
  4. Retomada do investimento público em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade
  5. Reforma tributária que torne os impostos progressivos
“Esses cinco pontos são metas intermediárias, são políticas que levam ao desenvolvimento econômico com estabilidade de preços, estabilidade financeira e diminuição da desigualdade. São políticas que atendem a todas as classes exceto a dos rentistas”, resume o manifesto do Projeto Brasil Nação.
Espero que ele inspire outros a ajudarem a refundar a nação brasileira. “Não apenas do ponto de vista econômico, mas de forma integral: desenvolvimento político, social, cultural, ambiental; em síntese, desenvolvimento humano.”

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/04/18/manifesto-projeto-brasil-nacao/#more-13805)

sábado, 15 de abril de 2017

As Portas-Giratórias da Política dos Estados Unidos: lucro e guerra perpétuos

Embora a gestão de Donald Trump seja abertamente a favor de estreitar as relações com o setor privado, o uso das portas-giratórias nem de longe é uma prática exclusiva ou invenção de sua administração
Por Paulo Meirelle

Imagine um alto-executivo de uma empresa que deixa seu cargo nessa companhia para assumir no governo uma posição em que ele atuará como legislador ou regulador justamente do setor em que seu antigo empregador atua.
Ou o caminho contrário: um funcionário público do alto escalão do governo que migra para o setor privado para trabalhar como executivo, lobista ou consultor de empresas ou grupos que fazem negócios na área em que anteriormente ele era o responsável. Ou mesmo o militar de alta patente que, uma vez aposentado, pula entre grandes corporações e altas funções na burocracia do Estado.
É a esse movimento de alternância entre cargos públicos e privados realizado pelas mesmas pessoas que se dá o nome de portas-giratórias. No cerne desse vai-e-vem reside intrínsecos conflitos de interesses cujas ondas de choque que propaga, dada a importância dos Estados Unidos no cenário internacional, se fazem sentir não apenas na política interna dos Estados Unidos, mas também – ou principalmente – ao redor do globo.
Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, em janeiro de 2017, Donald Trump tem lubrificado e colocado em movimento as engrenagens desse mecanismo ao indicar para o primeiro escalão de sua administração, homens e mulheres que possuem laços estreitos com grandes empresas do setor privado.
Rex Tillerson, indicado por Trump e aprovado pelo Senado para ser Secretário de Estado, por mais de 40 anos fez parte da gigante petrolífera Exxon Mobil. Uma das atribuições de Tillerson será lidar com as sanções impostas à Rússia, que proibiram empresas norte-americanas de fazer negócios em setores estratégicos daquele país. Um desses setores é o de energia, no qual a Exxon Mobil detém contratos bilionários que estão congelados e só poderão ser efetivados se as sanções forem retiradas.
Jim Mattis e John Kelly, respectivamente os secretários dos departamentos de Defesa (DoD, na sigla em inglês) e de Segurança Interna ( DHS), são velhos conhecidos das empresas de defesa e ambos têm afirmado o interesse de trabalhar mais de perto com o setor privado.
Mattis figura como membro do conselho diretor da General Dynamics, empresa fabricante de submarinos, tanques, munições e bombas. Enquanto isso, Kelly possui ligação com uma série de companhias de defesa que possuem contratos com o governo norte-americano. Dentre elas, a DynCorp,  uma das maiores companhias militares privadas do mundo e que hoje possui projetos em uma área que tem sido prioridade para Trump: o controle de imigração.
É, porém, nas posições para as quais não se requer aprovação do Senado para o exercício do cargo que se tem visto o maior movimento das portas-giratórias, com um destaque para os departamentos chefiados por Mattis e Kelly. Ao menos 15 são os apontados para ocupar funções de chefia no DoD e DHS, que trabalharam como consultores na indústria de defesa ou como lobistas de grupos especializados em lobby nesse setor. Entre seus antigos empregadores estão Lockheed Martin, Halliburton, as já mencionadas Boeing e General Dynamics, e empresas e grupos menos conhecidos como CACI Internacional, L1 Identity Solutions e SBD Advisors.
Embora a gestão de Donald Trump seja abertamente a favor de estreitar as relações com o setor privado, o uso das portas-giratórias nem de longe é uma prática exclusiva ou invenção de sua administração.
Seu antecessor, Barack Obama, ainda que em sua primeira campanha presidencial em 2007 tenha prometido frear a influência dos lobistas em Washington e por fim às portas-giratórias na política norte-americana, viu-se incapaz de cumprir sua promessa.
O jornal Politico, em 2014, apontou que, na realidade, a administração Obama contratou mais de 70 lobistas registrados previamente para ocupar cargos no governo durante seus dois mandatos. O período de Obama na Casa Branca foi também aquele em que os Estados Unidos mais exportou armas desde a Segunda Guerra Mundial.
arms market
O gráfico mostra a liderança dos EUA em vendas de armas tanto em valor dos acordos de transferência como em percentual de participação no mercado global, em 2015.
Antes de Obama, George W. Bush também contava com membros de gabinete ligados a empresas privadas de segurança e de reconstrução. Dick Cheney, vice-presidente durante o governo Bush, foi também CEO da companhia Halliburton até o ano 2000, quando abandonou sua posição para concorrer ao lado de Bush. O Financial Times, em 2013, revelou que a Kellog Brown and Root, uma subsidiária da Halliburton, ao longo de uma década de guerra no Iraque colheu 39,5 bilhões de dólares em contratos com o governo.
O complexo militar-industrial e o perpétuo estado de guerra 
De fato, as portas-giratórias, no que diz respeito aos setores de defesa e segurança nacional, têm sido uma constante em governos democratas e republicanos pelo menos ao longo das últimas cinco décadas. Esse fenômeno está profundamente ligado ao desenvolvimento de um complexo militar-industrial nos Estados Unidos durante a primeira metade do século XX, notadamente, fruto do seu envolvimento com as duas guerras mundiais nesse período.
Em janeiro de 1961, em seu discurso de despedida como presidente, Dwight D. Eisenhower apontou sua preocupação em torno da “conjunção de um imenso estabelecimento militar” e “uma permanente indústria de armas de vastas proporções”. Já naquela época, Eisenhower afirmava que a influência “econômica, política, e mesmo espiritual” desse complexo, se fazia sentir “em cada cidade, cada Estado e em cada escritório do governo federal”. O risco era o de que o peso de toda essa influência viesse comprometer as liberdades e os processos democráticos daquele país.
Em outras palavras, o que Eisenhower observava era uma tendência cada vez maior da política externa dos Estados Unidos de ser sequestrada por interesses privados e de um dado setor do governo (o militar), envolvendo o país num perpétuo estado de guerra.
Não por acaso, a segunda metade do século XX, afora a corrida armamentista contra a União Soviética, presenciou uma massiva participação dos Estados Unidos em uma série de conflitos e intervenções militares, como a Guerra do Vietnã, a Guerra do Golfo e as intervenções nos Balcãs.
Desde a virada do milênio, os Estados Unidos iniciaram duas guerras: uma no Afeganistão e outra no Iraque, ambas sem um fim aparentemente claro em vista, apesar de oficialmente as operações terem sido encerradas, respectivamente, em 2014 e 2011.
Houve também a intervenção na Líbia em 2011 e, mais recentemente, a coalizão liderada pelos Estados Unidos para atacar as posições do Estado Islâmico, na Síria e no Iraque, além do envio de armamentos para grupos rebeldes que lutam contra Bashar al-Assad. Ainda, no Iêmen, a força militar dos Estados Unidos se expressa através de sucessivos ataques com drones.
Esse perpétuo estado de guerra prenunciado por Eisenhower significa também, para as companhias de defesa, um perpétuo estado de lucro. Como afirmou a CEO da Lockheed Martin, Marillyn Hewson, a contínua volatilidade no Oriente Médio faz da região uma área de crescimento para a empresa. Essa afirmação descreve, de maneira geral, a situação de todas as empresas envolvidas nas empreitadas militares dos EUA.
Após Donald Trump autorizar na última quinta-feira, 06 de abril, o ataque contra bases militares da Síria em resposta ao uso de armas químicas, na terça-feira, 04 de abril, que o governo norte-americano atribui a Assad, as ações das empresas Raytheon, fabricante dos mísseis Tomahawk disparados pela Marinha norte-americana, chegaram a ter aumento de 3% na sexta-feira, 07 de abril. Após o uso de 59 mísseis desse tipo, a reposição do estoque deve custar ao governo norte-americano quase 100 milhões de dólares. Seguindo a tendência, as ações de Boeing, General Dynamics e Northrop Grumman também apresentaram alta.
Estado, capital e guerra
O famoso sociólogo norte-americano, C. Wright Mills, em sua obra a Elite do Poder, afirmava que “já não existe, de um lado, uma ordem econômica, e do outro, uma ordem política encerrando uma organização militar sem importância para a política e os lucros”. Imbricadas uma na outra, diz Mills, o que existe é “uma economia política ligada, de mil modos, às instituições e decisões militares”.
As portas giratórias são as articulações que mantém unida e funcionando esse grande mecanismo que molda e sustenta a política doméstica e externa dos Estados Unidos.
O alerta de Eisenhower confirmou-se muito mais como uma profecia. E, embora ele temesse o fim da liberdade e do processo democrático nos Estados Unidos, a ameaça do complexo militar-industrial, e das portas-giratórias como suas vias para dentro e para fora do governo, está majoritariamente concentrada longe de sua terra natal. Ela tem se concretizado, nas últimas décadas, no Oriente Médio. Ironicamente, sob a justificativa de levar a liberdade e a democracia à região.
Por fim, cabe um questionamento: de onde emerge essa dinâmica? É um problema jurídico a ser sanado por leis mais assertivas que limitem a influência de grandes corporações na política? Ou seria esse um problema inerente ao capitalismo e, portanto, muito mais antigo e de uma resolução muito mais complexa?
Outro grande sociólogo norte-americano pode nos indicar uma resposta. Charles Tilly afirma que, historicamente, a formação do Estado moderno é indissociável de dois elementos: a concentração de capital e o fazer da guerra. Há que se perguntar, então, se à medida que o primeiro torna-se cada vez maior, também o segundo não se torne cada vez mais frequente.
Para Tilly, contudo, não é que um desses elementos preceda o outro em um tipo de relação de causalidade, mas justamente que capital e guerra estão numa relação inextricável e concomitante desde os primórdios do Estado. Caminham juntos como que por uma fita de Möbius.
As portas-giratórias da política norte-americana evidenciam que, no capitalismo, lucro e guerra são perpetuamente as duas faces de uma mesma moeda.


Paulo Meirelle é graduando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; pesquisador do Programa de Educação Tutorial de Relações Internacionais da PUC-SP; e pesquisador do GECI.

 (fonte: http://outraspalavras.net/terraemtranse/2017/04/13/as-portas-giratorias-da-politica-dos-estados-unidos-lucro-e-guerra-perpetuos/)

Corrupção da Odebrecht e o que falta na lista de Fachin

Texto escrito por José de Souza Castro:

Depois de passar muitas horas, desde a tarde de terça-feira, lendo e ouvindo notícias sobre a já famosa lista de Fachin, eu continuava com a sensação de que estava faltando alguma coisa. Só às quatro da tarde de quarta-feira, li aqui a pergunta que faltava, talvez a mais importante de todas: por que não há nenhum juiz na lista de Fachin?
Ou, conforme o título escolhido por Kiko Nogueira, diretor adjunto do Diário do Centro do Mundo, para seu artigo, aquele em que encontrei aquilo que deveria, eu próprio, estar me perguntando: “A ausência gritante do Judiciário na Lista do Fachin”.
Como jornalista, venho me ocupando da questão do Judiciário brasileiro há muito tempo. Pelo menos, desde meados da década de 1970, quando comecei a juntar material para meu livro “Injustiçados – o caso Portilho”, disponível de graça na biblioteca deste blog.
Por isso, não tenho qualquer dificuldade em compreender o que disse no final do ano passado, conforme Kiko Nogueira, a ex-ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista a Ricardo Boechat: seria impossível levar a sério a delação da Odebrecht, “caso não mencione um magistrado sequer”.
Para Kiko, é difícil que a Odebrecht, que teria corrompido nove ministros de Estado, três governadores, 24 senadores e 37 deputados federais (números inicialmente divulgados) que serão investigados por ordem do ministro Fachin, tenha operado “esse tempo todo sem desembolsar um tostão por, digamos, uma sentença favorável”.
Kiko cita outra entrevista de Eliana Calmon, dessa vez ao jornal “Tribuna da Bahia”, em que ela diz: “Nessa república louca que é o Brasil, temos aí o Executivo e o Legislativo altamente envolvidos nas questões da Odebrecht, de acordo com as delações no âmbito da Operação Lava Jato. Tem-se aí pelo menos uns 30 anos em que a Odebrecht ganha praticamente todas as ações na Justiça.”
É pena que não se possa levar a sério, conforme leu até aqui, essa lista originada das delações de donos e executivos da Odebrecht.
No começo, eu havia me animado ao ver listados por Fachin alguns nomes de políticos que, até então, pareciam blindados pelo Ministério Público e pelo Judiciário, quando estes se ocupavam de investigar e julgar a corrupção no Brasil. Por exemplo: Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves…
Se eu não posso levar a sério tal lista, como encarar as investigações sobre a construção da Cidade Administrativa de Minas Gerais? Além de “elefante branco”, como escrevi em 2009 e reafirmei em 2012, terá sido a maior obra do governo Aécio Neves uma fonte de corrupção, como suspeita Fachin com base nas delações da Odebrecht?
Seria preciso confiar muito em Ministério Público, Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal para esperar que o atual presidente nacional do PSDB seja condenado por uma obra que já custou muito aos contribuintes mineiros. E que deve custar muito mais, dependendo do destino que o governador Fernando Pimentel, outro político na lista de Fachin, pretende dar à Cidade Administrativa.

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/04/12/lista-fachin/#more-13801