segunda-feira, 24 de abril de 2017

Dirigentes do FMI mostram que a política fiscal no Brasil é burra

Texto escrito por José de Souza Castro:

Vivemos num mundo de mudança econômica dramática, constatam Vitor Gaspar e Luc Eyraud num artigo publicado na última quinta-feira (20) pelo Fundo Monetário Internacional que pode ser lido AQUI em inglês. Traduzindo livremente, tento resumir o artigo, que me parece contraditar a política econômica do governo Temer. Os autores não citam o caso do Brasil. Eles devem ter motivos para isso, eu não – e vou colocando minha colher de pau, entre colchetes.

[Vitor Gaspar foi ministro das Finanças de Portugal e desde fevereiro de 2014 dirige o Departamento de Assuntos Orçamentários do FMI. Luc Eyraud é chefe adjunto do Departamento de Assuntos Fiscais da entidade. Sabem do que estão falando].

As condições atuais no mundo requerem novas e mais inovadoras soluções, às quais o FMI chama de “smart fiscal policies”, que são aquelas políticas fiscais inteligentes que facilitam mudanças, utilizam seu potencial de crescimento e protegem as pessoas que mais sofrem.

Ao mesmo tempo, reconhecem os autores, empréstimos excessivos e níveis recordes de dívida pública têm limitado os recursos financeiros disponíveis para o governo. Assim, a política fiscal precisa fazer mais com menos. Por sorte, muitos começam a compreender que o kit de ferramentas fiscais é maior e mais poderoso [do que a equipe econômica do governo Temer imagina].

Cinco princípios orientadores esboçam os contornos dessas políticas fiscais inteligentes que estão descritas no capítulo primeiro do “Fiscal Monitor” de abril de 2017 do FMI. São elas:


1.      A política fiscal deve ser contracíclica.
Em tempos ruins, as taxas de juros são reduzidas e o dispêndio do governo é aumentado para pôr mais dinheiro no bolso das empresas e dos consumidores; nos bons tempos, reduzem-se os gastos e elevam-se as taxas. A política fiscal tem papel maior a ser exercido hoje na estabilização do que no passado, porque os bancos centrais em muitos países desenvolvidos cortaram os juros para bem perto de zero e os limites da política monetária estão sendo testadas.
Em tempos normais, uma política fiscal contracíclica poderia se basear em “estabilizadores automáticos”, ou seja, em gastos e arrecadação que se ajustam aos altos e baixos da economia. O seguro desemprego é um exemplo. Numa recessão econômica, as pessoas que perdem seus empregos são automaticamente elegíveis aos benefícios governamentais. Mas esses estabilizadores podem ser insuficientes em países que estão sofrendo de queda prolongada e cujas taxas de juros não podem baixar ainda mais, como o Japão. Numa situação assim, um estímulo fiscal temporário pode quebrar a espiral de baixo crescimento, baixa inflação e dívida elevada.
No outro lado do espectro, em economias com crescimento econômico fraco, o governo deveria, em geral, retirar o suporte fiscal. Por exemplo, os Estados Unidos, que estão perto do pleno emprego, poderiam começar a reduzir o déficit orçamentário no próximo ano, para pôr a dívida pública, firmemente, numa trajetória descendente.
No entanto, usar a política fiscal para aplainar o ciclo de negócio nem sempre é possível. Alguns países podem ter que focar na redução dos déficits públicos apesar das condições cíclicas. Por exemplo, países exportadores de petróleo, como a Arábia Saudita, foram duramente atingidos por um declínio de mais de 50% no preço do petróleo desde o pico de 2011. Esses países devem reduzir o gasto para alinhá-los com a queda da renda e já começaram a fazer o ajuste. Espera-se que seus déficits coletivos caiam cerca de 150 bilhões de dólares em 2017 e 2018.
[Não é o caso do Brasil, frise-se].

2.      A política fiscal deve almejar um crescimento amigável.
Taxas e gastos públicos podem ser usados para apoiar os três mecanismos de crescimento econômico em longo prazo: capital (tais como máquinas, estradas e computadores), trabalho e produtividade.
Capital. Em muitos países, é o caso de aumentar fortemente o investimento público, dado o baixo custo de financiamento [internacional, claro; aqui é caríssimo, como bem sabe o Itaú] e a importante deficiência em infraestrutura.
Trabalho. Os países deveriam continuar a encorajar a criação de trabalho e a participação no mercado de trabalho. Economias desenvolvidas poderiam reduzir a taxação sobre a folha de pagamento onde ela for alta, fazer uso mais intenso de políticas, como assistência na busca de emprego e treinamento, e adotar medidas seletivas de gastos para grupos vulneráveis, como trabalhadores de baixa habilitação e os mais velhos. Mercados emergentes e economias em desenvolvimento poderiam implementar acesso à rede de saúde e  educação. [Não é o que se faz hoje no Brasil].
Produtividade. Uma série de políticas pode promover a produtividade, incluindo melhorias do sistema de tributação.

3. A política fiscal deve promover a inclusão.
Mais de um bilhão de pessoas saíram da extrema pobreza desde o começo dos anos 1980, a maioria na China e na Índia. Ao mesmo tempo, a desigualdade de renda aumentou dentro de muitos países. Nas economias avançadas, as rendas do topo 1% da população cresceram numa taxa anual quase três vezes mais alta que o da restante população nas últimas três décadas.
Impostos e gastos públicos são meios poderosos de garantir que países compartilhem o dividendo do crescimento com a população. Por exemplo, transferência condicional de dinheiro (tais como a transferência para famílias pobres, fazendo que os benefícios estejam condicionados à frequência das crianças às clínicas de saúde e às escolas) foi usada com sucesso para reduzir a desigualdade num número de países da América Latina. [O Brasil, entre eles, nos governos Lula e Dilma].
A política fiscal deveria também ajudar as pessoas a participar integralmente e se adaptar a uma economia em mudança. Melhor acesso à educação, treinamento e serviços de saúde, bem como ao seguro social, pode facilitar os trabalhadores a recuperar-se da perda de trabalho ou da doença. [Bem ao oposto da “reforma” da Previdência, diga-se].

4. A política fiscal deve estar baseada numa forte capacidade tributária.
Governos precisam ter forte capacidade de tributar, para que possam executar essas políticas. A tributação permite uma fonte estável e ajustável de receita orçamentária que pode ser mobilizada, se necessário. É também elemento central na determinação da capacidade de um país de pagar suas dívidas.
Isso é particularmente importante para países de baixa renda. Verifica-se que quase metade desses países tem um percentual de tributação/PIB abaixo de 15%. E o pagamento de juros frequentemente consome uma grande parcela de sua arrecadação no pagamento de impostos. Em países de baixa arrecadação, construir capacidade de cobrar  impostos [dos ricos, claro] é uma prioridade ao desenvolvimento sustentável.

5. A política fiscal deve ser prudente.
A crise financeira global mostrou que as finanças públicas estão expostas a grandes riscos que são geralmente subestimados. Resgates de bancos falidos e uma profunda recessão econômica levam a dívida pública em economias avançadas a níveis sem precedentes em tempos de paz. [Só a dos Estados Unidos supera US$ 1 trilhão].

Os governos necessitam compreender melhor os riscos a que estão expostos e adotar estratégias para administrá-los. [Leu, Temer?]

(fonte: https://kikacastro.com.br/2017/04/24/politica-fiscal-brasil-burra/#more-13826)

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