por
Tatiana Carlotti
Você já reparou que seus amigos de direita desapareceram do seu “feed”
no Facebook? Percebeu como os anúncios do Google resolveram ofertar
justamente aquilo que você pensou em comprar, mas viu o preço e acabou
desistindo?
Pois saiba que seus amigos continuam na ativa,
malhando a esquerda nas redes sociais, mesmo com as revelações sobre o
Aécio Neves. A diferença é que eles não aparecem mais no seu Facebook,
da mesma forma que você não aparece mais no deles.
Trata-se do
princípio de relevância, o mesmo capaz de tornar o Google uma espécie de
Mágico de Oz, capaz de criar um mundo sob medida para você. Antes de
comemorar, vale conhecer o alerta de quem afirma que isso mais asfixia
do que liberta.
É o caso de Eli Pariser, co-fundador da Upworthy e presidente da MoveOn.org, que em entrevista
ao El País
lembrou que “a democracia requer que os cidadãos vejam as coisas a
partir de outros pontos de vista, em vez disso, estamos cada vez mais
fechados em nossas bolhas”.
Bolhas de interesse Pariser
explica que isso acontece porque as empresas de internet filtram o
conteúdo que é apresentado ao usuário, com base no seu comportamento na
rede. Isso faz com que ele tenha acesso apenas a ideias que lhe são
afins, reduzindo a possibilidade dele entrar em contato com o
contraditório.
Em “O Filtro Invisível: o que a Internet está
escondendo de você” (Zahar, 2012) ele analisa como corporações como
Facebook, Amazon e Google se utilizam de algoritmos a partir do
histórico e do perfil dos usuários na internet, ameaçando a liberdade na
rede.
Em sua participação no TED Talks (
confira aqui),
Pariser detalha esse processo, explicando a criação de “filtros-bolha”,
compostos por todos os filtros e algoritmos que geram um universo de
informação sobre cada internauta. Um universo “próprio, pessoal e único”
gerado a partir do que os usuários da internet são e fazem na rede.
Esses
algoritmos criam o conteúdo que será ofertado, diminuindo a
possibilidade de escolha do usuário e restringindo o acesso ao que
extrapola esta bolha de interesses, por exemplo, visões de mundo
desafiadoras que fariam o internauta reavaliar seus pontos de vista.
Pariser
relata, por exemplo, sua surpresa diante do desaparecimento de seus
amigos conservadores no Facebook. O sistema simplesmente percebeu que
ele clicava mais nos links de seus amigos liberais e, sem consultá-lo,
ocultou as postagens dos amigos conservadores em sua rede social.
Em
relação ao Google, o mesmo processo: “não há mais um Google padrão”,
aponta. A partir de dados prévios, a plataforma trará diferentes
resultados de acordo com o internauta que realizar a pesquisa. Segundo
Pariser isso evidencia a “edição algorítmica e invisível” praticada
pelas corporações no ambiente virtual.
A rede passa a “mostrar aquilo que pensa que queremos ver, mas não
necessariamente o que precisamos ver”, avalia. Lembrando que antes o
controle dos fluxos de informação cabia aos editores da mídia, ele
destaca que agora esses editores foram substituídos por algoritmos que
se transformaram em “curadores do mundo”, com poder de decisão sobre o
que será ou não visto pelo usuário.
“Sou um fatalista das
plataformas de Internet como Facebook ou Google. A comunicação de massa
já foi transferida para elas. Isso significa ceder a elas o poder de
distribuição e aceitar que possam decidir o que entra ou não. É um
problema, mas hoje não há alternativa para elas”, denuncia.
Privacidade ameaçada Ao
controle apontado por Pariser somam-se as denúncias gravíssimas de
Edward Snowden, reveladas em 2013, envolvendo as empresas de internet no
esquema de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA)
norte-americana.
Em “Sem Lugar para se Esconder” (Sextante,
2014), o jornalista Glenn Greenwald traz uma farta documentação sobre os
acordos secretos firmados entre NSA e as corporações da internet no
escopo do PRISM, programa que permite a coleta de dados de usuários
diretamente dos servidores dessas empresas.
Em um dos slides
apresentados no livro (na página 117) nove empresas - Microsoft, Yahoo,
Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube, Apple – são citadas como
colaboradoras do programa. Segundo Greenwald, todas negaram ter dado
acesso ilimitado a seus servidores para a NSA. Facebook e Google
afirmaram que “só fornecem informações para as quais a NSA tem mandato”.
Porém,
essas empresas “não negaram ter trabalhado com a NSA para montar um
sistema por meio do qual a agência poderia ter acesso direito aos dados
de seus clientes”, salienta o jornalista. A NSA “alardeou repetidas
vezes os méritos do PRISM por suas capacidades de coleta ímpares,
observando que o programa foi vital para o aumento da vigilância”,
complementa.
Uma vigilância, como indica o slide, capaz de
fornecer à agência, por meio desses servidores, acesso a “e-mail, chat
(vídeo, voice), fotos, dados armazenados, voIP, transferências de
arquivos, videoconferências, notificações de atividade do alvo (logins
etc), detalhes de redes sociais na Internet, solicitações especiais”.
É compreensível, portanto, que Snowden tenha
enfatizado:
“livrem-se de ferramentas como o DropBox e evitem usar o Google e o
Facebook”, em 2014, quando do lançamento de CitizenFour, documentário
dirigido e disponibilizado
na íntegra por Laura Poitras.
Além
da espionagem praticada por governos, a violação da privacidade dos
usuários na rede e a comercialização de seus dados para os mais diversos
fins é outro alerta que vem sendo dado por vários estudiosos. Em seu
artigo “A captura do poder pelo sistema corporativo” (
confira aqui), o economista Ladislau Dowbor menciona a “erosão radical da privacidade” nas últimas décadas.
Hoje,
alerta, “a vida de todos trafega em meios magnéticos, deixando rastros
de tudo o que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os
medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento”. Empresas
conseguem comprar informações pessoais de clientes e também de seus
funcionários.
“A defesa dos grandes grupos de informação sobre
as pessoas é de que se trata de informações ‘anomizadas’, mas o
cruzamento dos rastros eletrônicos permite individualizar perfeitamente
as pessoas”, analisa Dowbor.
Ele aponta que o acesso a
informações confidenciais das empresas fragiliza grupos econômicos
menores diante dos grupos gigantes que podem, inclusive, ter acesso às
comunicações internas destes grupos.
“Não se trata apenas de
alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas entre
Dilma Rousseff e Ângela Merkel”, mas da violação da privacidade de todos
nós e “com apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de
informações do porte da NSA”.
Disputa pela atenção Donos
de 20% dos investimentos em publicidade no mundo em 2016, com uma
arrecadação apenas em receita publicitária de US$ 79,4 bilhões (Google) e
US$ 26,9 bilhões (Facebook), as duas empresas foram responsáveis por
2/3 do crescimento dos anúncios entre 2012 e 2016, segundo o relatório “
Os 30 Maiores Donos de Mídia no Mundo”.
O
levantamento também mostra que a Internet desbancou a teve e se tornou o
maior meio para o mercado publicitário no mundo. Para entender como
funciona esse mercado na rede, são preciosos os estudos de Tim Wu,
professor da faculdade de Direito da Universidade de Columbia.
Em
“The Attention Merchants” (Alfred A. Konpf, 2016), Tim Wu trabalha o
conceito de mercado da atenção, explicando que nada é de graça na
internet, porque a atenção do internauta se constitui hoje na principal
moeda que circula na rede.
“Quando um serviço on-line é grátis,
você não é o consumidor. É o produto”, alerta Tim Wu, analisando o
comportamento de plataformas como o Google e o Facebook. Ele também
destaca que em um contexto jamais visto de acesso a dados dos
consumidores, em que os algoritmos decidem o que será ou não visto, os
mercadores de atenção se lançaram em um verdadeiro “vale-tudo” em busca
de audiência.
Essas empresas “engolem tudo o que podem aprender
sobre você e tentam transformar isso em dinheiro”, aponta autor. Em meio
à competição, elas inclusive se utilizam de informações apelativas, em
“uma corrida em direção aos mais baixos padrões, apelando para o que se
poderia chamar de instintos básicos do público”.
Tim Wu também é
autor de “Impérios da Comunicação” (Zahar, 2012) que conta a história
da trajetória das tecnologias e dos meios de comunicação, apontando a
existência de um padrão, um ciclo de abertura e de fechamento, a cada
descoberta tecnológica.
Ele mostra este padrão ao longo da
história, trazendo os bastidores da atuação das corporações durante a
descoberta do telefone, do rádio, da televisão, do cinema. Há um período
inicial de abertura, democratização e liberdade nos meios de
comunicação; seguido de um período de refluxo e fechamento, quando os
monopólios do mercado se apropriam desses meios.
Ao longo de
toda obra paira o questionamento sobre o que acontecerá com a Internet,
com um alerta claro sobre os riscos do controle e apropriação do meio
pelas corporações às custas da perda de liberdade por parte dos
usuários.
Nesta terça-feira
(27.06.2017), por exemplo, o Google foi multado pelas autoridades
regulatórias europeias por ter favorecido ilegalmente seu próprio
sistema de comparação de preços (Google Shopping) em seu mecanismo de
buscas. As cifras são astronômicas: € 2,42 bilhões, o equivalente a R$
8,9 bilhões.
Segundo a Comissão Europeia, com essa prática
irregular, a empresa ampliou em 45 vezes no Reino Unido e em 35 vezes na
Alemanha o número de acessos a seus serviços. Às empresas que competiam
com o Google nestes países tiveram uma perda do tráfego de 85% e 92%
respectivamente.
Cifras astronômicas que atestam a dimensão do poder dessas empresas.
Internet e eleições 2018 Os
alertas e questionamentos instigados por Parisier, Snowden, Greenwald,
Dowbor e Tim Wu ganham um peso ainda maior se pensarmos o papel que as
mídias sociais terão nas eleições de 2018.
Dados da
última sondagem
do Ibope, realizada com o público apto a votar nas eleições
presidenciais, apontam que 56% dos entrevistados reconhecem que as
mídias sociais terão influência em suas decisões. Para 36%, elas terão
“muita influência”.
O interessante da pesquisa é que o índice de
relevância das mídias sociais, embora seja o mesmo ao atribuído à mídia
tradicional (35% apontam “muita influência”), cresce cada vez mais no
eleitorado de 16 a 24 anos: 48% deles consideram que as mídias sociais
terão “muita influência” na sua escolha.
Trata-se, portanto, de
uma eleição que se dará em um contexto de forte recrudescimento dessas
bolhas de interesse, em um processo global de ampliação do controle
pelas corporações que detêm acesso a dados de usuários e poder de
decisão sobre o que é destaque ou não nas redes.
Um contexto,
inclusive, de grandes dificuldades e desafios para a Mídia Alternativa
no país. Hoje, a única capaz de irrigar o contraditório na pauta
nacional, lamentavelmente, desidratada pelo discurso hegemônico,
autoritário e golpista dos caudilhos que se arvoram donos da comunicação
brasileira.
(fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Quem-controla-o-que-voce-ve-ou-nao-na-internet-/12/38334=Boletim_Carta_Maior_28062017