sexta-feira, 30 de junho de 2017

Proprietários rurais declaram 15 milhões de hectares em Terras Indígenas e Unidades de Conservação


Onze milhões de hectares em Terras Indígenas. Isto foi o que os proprietários de terra no Brasil informaram possuir, até dezembro, no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Mais precisamente, 11.091.061 hectares. A área equivale ao território da Bulgária. Ou de Cuba.
Quase 4 milhões de hectares em Unidades de Conservação. Também conforme os próprios fazendeiros, ou supostos fazendeiros, nos dados do CAR disponíveis na internet. É um território equivalente ao da Suíça. Ou da Holanda.
A reportagem é publicada por Alceu Luís Castilho e publicada por De Olho nos Ruralistas, 28-06-2017.

Os dados do CAR mostram um país fictício. Em várias camadas. Não somente pela sobreposição com TIs e UCs. Mas porque confirmam o que pesquisadores apontam há tempos: a se levar em conta o que os latifundiários informam ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), precisaríamos de vários Brasis. As contas não fecham.
De Olho nos Ruralistas traz nos próximos dias detalhes sobre esses dados. Por Unidade da Federação e por município. Mostra que as regiões de conflito e de desmatamento estão entre aquelas onde há mais propriedades com sobreposição.
Tome-se o caso de Anapu, no Pará. Foi lá que, em 2005, foi assassinada a missionária estadunidense Dorothy Stang. Ali os proprietários de terra declararam 30.287 hectares em Terras Indígenas. Bem menos que no município vizinho de José Porfírio, com 184.676 hectares – o tamanho das Ilhas Marshall, aquelas que estão sendo engolidas pelo mar.
A história se repete ao longo do Brasil. Principalmente na Amazônia. Os dados do CAR mostram que 76,5% das supostas propriedades rurais com sobreposição em Terras Indígenas ocorrem em apenas três estados: Amazonas, Mato Grosso e Pará. Dois terços em apenas dois deles, Amazonas e Mato Grosso. Confira a tabela organizada pelo observatório:
Somente no Amazonas, portanto, supostos fazendeiros – entre proprietários rurais e supostos proprietários rurais – informaram possuir, em Terras Indígenas, uma área do tamanho da Suíça. No Mato Grosso, um território equivalente à Bélgica. No Pará, uma área comparável à da Jamaica. Ou a de territórios disputadíssimos pelo mundo, como as Ilhas Malvinas – ou o Líbano.
E isto sem falar nas Unidades de Conservação. Ou outros itens, apontados pelo CAR, que mostram ausência de preocupação com o ambiente. Até dezembro, os proprietários de terra informaram possuir 41 milhões de hectares em áreas embargadas. Ou 5% do território brasileiro. Uma área maior que o Japão, quase o tamanho do Iraque.

Sobreposição deve dobrar

Todos os dados acima são uma amostra. Feita a partir da base de dados disponível, divulgada pelo governo federal a partir da declaração de 3,2 milhões de imóveis rurais. Mas os proprietários de terra ainda estão fazendo suas declarações. E, desde dezembro, o número de imóveis em Terras Indígenas mais do que dobrou, conforme divulgou no início do mês o portal G1: agora já são 11.569 propriedades com essa sobreposição específica.
O observatório trabalhou com os dados disponíveis na plataforma digital do CAR. No caso de Terras Indígenas, conforme essa base divulgada em dezembro, eram 5.450 imóveis com sobreposição. Menos que a metade do número atual – a se confirmar a informação do Serviço Florestal Brasileiro ao G1. Ou seja, mantida a proporção, o Brasil pode ter 24 milhões de hectares de “propriedades” em Terras Indígenas. Exatamente o tamanho do Reino Unido.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/569138-proprietarios-rurais-declaram-15-milhoes-de-hectares-em-terras-indigenas-e-unidades-de-conservacao)

Geração canguru, os jovens que escolheram não sair da casa dos pais


Os brasileiros de classe média estão adiando, cada vez mais, a saída da casa dos pais. Embora já tenham algum tipo de renda, hoje um a cada quatro jovens - de 25 a 34 anos - ainda vive com a família. A proporção há 12 anos era menor, um a cada cinco deles morava com os pais. Os motivos que mantêm esses jovens ainda presos ao ninho são vários: mais anos dedicados aos estudos, casamentos mais tardios, o custo alto de vida nas grandes cidades, fatores emocionais e econômicos. O fenômeno em crescimento no país ganhou até apelido, é a chamada "geração canguru".
A reportagem é de Heloísa Mendonça, publicada por El País, 22-06-2017.

Aos 26 anos, o engenheiro carioca Pedro Ronchini faz parte do grupo de jovens financeiramente independentes, mas que não enxergam, ainda, a necessidade de sair de casa. "Tenho uma relação boa com os meus pais e moramos perto de onde trabalho. Quando eu tomar a decisão de sair, vou ter que arcar com todos os custos de moradia. Agora prefiro juntar dinheiro para tomar uma decisão de forma mais tranquila", explica Pedro que, além de trabalhar como consultor de engenharia naval, está terminando um mestrado.
A longo prazo, o engenheiro acredita que o empurrão para sair de casa talvez aconteça quando ele e a namorada decidirem se casar. Eles estão juntos há anos, mas ela, que trabalha como publicitária, também está cômoda na casa dos pais, aproveitando para poupar dinheiro enquanto conquista sua estabilidade profissional. Morar na casa dos pais implica, no entanto, viver sob as regras deles dentro da residência. "Não dá para levar uma galera para lá na hora que eu quiser. Mas obviamente tenho total liberdade do que faço da minha vida, sou um adulto", explica Pedro.
Em função da menor despesa com a moradia, além de poupar, o engenheiro não abre mão de viajar nas férias, muitas vezes para outros países. "Na minha idade meus pais já tinha muito mais responsabilidades, filhos, mais aperto financeiro. As minhas obrigações são menores, por isso, posso ter esse tipo de gasto extra, coisa que meus pais não podiam", conta.
No Brasil, a “geração canguru” é composta majoritariamente por homens (60,2%), segundo o estudo Síntese de Indicadores Sociais (2016) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Grande parte deles vive no Sudeste do país, onde o custo de vida é o mais alto do país. O estudo aponta ainda que os jovens que moram com os pais tendem a ser mais escolarizados do que aqueles com a mesma faixa etária que moram sozinhos. Em 2015, 35,1% dos jovens que moravam com os pais tinham, ao menos, ensino superior incompleto ou nível mais elevado; a média de anos de estudo do grupo foi de 10,7 anos e 13,2% estudavam. Já os que viviam sem a família, em média, tinha 9,8 anos de estudos, 20,7% cursaram ensino superior incompleto ou nível mais elevado e apenas 7,2% ainda estudavam.
Esses dados sugerem que a opção de dar uma "esticada" na casa dos pais pode realmente estar atrelada ao prolongamento dos estudos. No entanto, Cinthia Agostinho, pesquisadora do IBGE, ressalta que não há na pesquisa uma pergunta diretamente relacionada aos motivos da permanência dos jovens na casa dos pais.
Dessa forma, os pesquisadores buscam indiretamente analisar as razões. "Realmente é difícil conciliar trabalho, estudo e, ainda, ter uma casa pra cuidar. Morar com os pais traz facilidades. As prioridades dos jovens também estão mudando. Muitos preferem gastar com viagens do que pagar aluguel, outros investem em bens de consumo. É uma mudança geracional mesmo", explica.
Agostinho destaca ainda que até a década de 90, os brasileiros se casavam cedo, o que mudou nos últimos anos. Antes o casamento era um dos ritos que marcavam a passagem para a vida adulta. "Agora, os jovens buscam realizações em outras áreas e não na formação das famílias logo cedo", diz.
Para a maioria desses jovens, permanecer com a família não significa estar desempregado. Assim como Pedro, cerca de sete em cada dez jovens que viviam com os pais estavam empregados em 2015. O nível de ocupação foi semelhante ao das demais pessoas- entre 25 a 34 anos- que não viviam com os pais (75,1%), o que sugere que a permanência na casa dos pais não esteja diretamente associada com a falta de trabalho.
Na visão das pesquisadoras Barbara Cobo e Ana Lucia Saboia, essa reconfiguração no arranjo familiar recente pode estar baseada em justificativas que envolvem desde questões financeiras às questões psicológicas (como o comodismo e a chamada Síndrome de Peter Pan) ou mesmo a queda de natalidade. No entanto, segundo artigo de autoria das pesquisadores, a questão central sobre a geração canguru é que a opção por continuar morando com os pais é feita voluntariamente, acaba sendo uma escolha.
Aos 32 anos, a bióloga Bárbara Porto conta que, para investir em sua carreira teve que postergar os planos de sair da casa dos pais. Desde que se formou na universidade, ela fez um mestrado e, logo em seguida, começou um doutorado na área, ambos com a ajuda de uma bolsa de estudo. "Mas os valores eram pequenos, não ganhava uma renda muito alta para manter um aluguel. Ou para isso teria que baixar o padrão de vida que tinha com meus pais. Além de não poder juntar dinheiro para investir num futuro melhor. Escolhi ficar com meus pais", conta.
Hoje a bióloga trabalha como professora de Ensino Médio, ministra mini-cursos em algumas universidades e continua estudando para concursos públicos, já que quer investir na carreira acadêmica. Apesar de agora ter melhores condições financeiras para deixar a casa dos pais, resolveu começar a pagar o financiamento de um apartamento. "O prédio ainda está em construção então vou ficando aqui até quando precisar. Tenho uma ótima relação com meus pais e eles mesmo me sugeriram continuar aqui até o apartamento ficar pronto. Me dão muito apoio, porque acreditam que esse investimento é o melhor. Não há nenhuma pressão para sair de casa", conta.
Além de Bárbara, outra irmã, de 31 anos, também mora na casa com a família. "Na época dos meus pais, eles se formavam e iam trabalhar. Hoje a gente se prepara mais, no tempo deles ter um curso superior já era algo fora do padrão. Na minha idade minha mãe já tinha 3 filhos e vivia de aluguel", conta.

(fonte: http://www.ihu.unisinos.br/568962-geracao-canguru-os-jovens-que-escolheram-nao-sair-da-casa-dos-pais)

Ética na política é manga de colete





Antônio de Paiva Moura


            A simples existência da moral não significa a presença explicita de uma ética, entendida como filosofia moral. A moral independe de uma consciência crítica. Qualquer pessoa responde sem pensar o que é bom, o que é mal, o que é feio e o que é bonito, repetindo o que é ensinado desde a infância. Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos condicionam a respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela com bons, como obrigações e deveres. Somos punidos quando transgredimos e gratificados quando aceitamos. Costume, em grego, é ethos, de onde vem a palavra ética. Em latim é mores, do que deriva a palavra moral, um conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade. Ética é designativa do caráter, índole moral, temperamento, e, portanto, a consciência moral do indivíduo.

            Para Sócrates, sujeito ético moral é somente aquele que sabe o que faz; conhece as causas e os fins de sua ação; o significado de suas intenções e de suas atitudes e, portanto, a essência dos valores morais. O ignorante que não sabe distinguir o bem do mal, não pode ser um sujeito ético. Para esse pensador, moral é razão, raciocínio, reflexão. Em nossa era, quem tratou a moral de forma racional foi Immanuel Kant (1724-1844). Em “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” desenvolve o imperativo categórico, no qual afirma que o ato moral é aquele que se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá em si mesma, resumidas nas seguintes máximas: a) Age como seu tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal da natureza; b) Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio; c) Age como se tua ação devesse servir de lei universal para todos os seres racionais. 

            O imperativo categórico de Kant enuncia a forma geral das atitudes morais, onde ele designa como vontade boa o acordo entre vontade e dever. A vontade boa é a moderação da conduta. Para ele a bondade natural não existe, porque, por natureza, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazer, pelos quais matamos, mentimos, roubamos e por isso, precisamos do dever para que nos tornemos seres morais. Agir por dever é o mesmo que agir em função da lei moral. Antes de agir ou de entrar em qualquer ação, o indivíduo deve se colocar em relação ao outro ou em relação à sociedade. 

            Isso fica entendido em uma frase de Shakespeare: Aprendi que não posso exigir amor de ninguém; posso apenas, dar razão para que gostem de mim. Há 2500 anos disse o pensador chinês Confúcio: Não faças aos outros, o que não queres que faça a ti. Mas, é necessário ficar claro que uma boa ação é boa não porque traz bons resultados ou porque é sábia, mas porque é feita em obediência a esse senso íntimo do dever; não importando que isso resulte em vantagem ou desvantagem para nós. 

            “Quem dá aos pobres empresta a Deus” é um dito popular que nega o senso íntimo do dever porque o bem é praticado como um meio se dar bem com Deus. Quem faz uma doação com esse propósito faz um investimento, um negócio no qual fica com crédito junto a Deus. Para ser um bom senso de dever é necessário que a doação seja feita como um fim; ato empático no qual o doador se coloque no lugar do donatário. 

            O bem praticado pelo político em qualquer regime é imperativo hipotético, porque é condicionado ao recebimento de favores. É um meio de se alcançar vantagens. Por isso não se pode falar em ética na política.  Para Bobbio não há como julgar, em termos de boas ou ruins, as ações políticas por parte daqueles que sofrem seus reflexos. A democracia, que é o melhor sistema político para que haja aproximação do ideal de ética na política, não dá conta de tal meta. Isso porque cada partido e cada classe social só tomam como “bom” o que lhes interessa. Para o partido não existe bem comum e o interesse é que prevalece. 

            Os parlamentares que se manifestaram a favor das reformas sociais em tramitação no congresso nacional, não seguem o critério do “bem de todos”. Privilegiam os que querem maximizar seus lucros e prejudicam os assalariados ativos e inativos. Isso é uma forma de corrupção ideológica e, portanto, moral. Por certo esses parlamentares serão recompensados sem que lhes sejam imputado crime algum.




Nazistas, assassinos da SS e… doutores!

Esqueça os “incultos”. Em estudo monumental, historiador francês Christian Ingrao ressalta o papel decisivo dos intelectuais na elite da tropa de choque nazista

Por Jacinto Antón, no El País

A imagem que se tem popularmente de um oficial da SS é a de um indivíduo cruel, chegando ao sadismo, corrupto, cínico, arrogante, oportunista e não muito culto. Alguém que inspira (além de medo) uma repugnância instantânea e uma tranquilizadora sensação de que é uma criatura muito diferente, um verdadeiro monstro. O historiador francês especializado em nazismo Christian Ingrao (Clermont-Ferrand, 1970) oferece-nos um perfil muito diverso, e inquietante. A ponto de identificar uma alta porcentagem dos comandantes da SS e de seu serviço de segurança, o temido SD, como verdadeiros “intelectuais comprometidos”.

O termo, que escandalizou o mundo intelectual francês, é arrepiante quando se pensa que esses eram os homens que lideravam as unidades de extermínio. Em seu livro Crer e Destruir: Os intelectuais na máquina de guerra da SS nazista, Ingrao analisa minuciosamente a trajetória e as experiências de oitenta desses indivíduos que eram acadêmicos – juristas, economistas, filólogos, filósofos e historiadores – e ao mesmo tempo criminosos –, derrubando o senso comum de que quanto maior o grau de instrução mais uma pessoa estará imune a ideologias extremistas.
 
Há um forte contraste entre esses personagens e o clichê do oficial da SS: assassinos em massa fardados e com um doutorado no bolso, como descreve o próprio autor. O que fizeram os “intelectuais comprometidos”, teóricos e homens de ação, da SS foi terrível. Ingrao cita o caso do jurista e oficial do SD Bruno Müller, à frente de uma das seções do Einsatzgruppe D, uma das unidades móveis de assassinato no Leste, que na noite de 6 de agosto de 1941 ao transmitir a seus homens a nova ordem de exterminar todos os judeus da cidade de Tighina, na Ucrânia, mandou trazer uma mulher e seu bebê e os matou ele mesmo com sua arma para dar o exemplo de qual seria a tarefa.

“É curioso que Müller e outros como ele, com alto grau de instrução, pudessem se envolver assim na prática genocida”, diz Ingrao. “Mas o nazismo é um sistema de crenças que gera muito fervor, que cristaliza esperanças e que funciona como uma droga cultural na psique dos intelectuais.”

O historiador ressalta que o fato é menos excepcional do que parece. “Na verdade, se examinarmos os massacres da história recente, veremos que há intelectuais envolvidos. Em Ruanda, por exemplo, os teóricos da supremacia hutu, os ideólogos do Hutu Power, eram dez geógrafos da Universidade de Louvain (Bélgica). Quase sempre há intelectuais por trás dos assassinatos em massa”. Mas, não se espera isso dos intelectuais alemães. Ingrao ri amargamente. “De fato eram os grandes representantes da intelectualidade europeia, mas a geração de intelectuais de que tratamos experimentou em sua juventude a radicalização política para a extrema direita com forte ênfase no imaginário biológico e racial que se produziu maciçamente nas universidades alemãs depois da Primeira Guerra Mundial. E aderiram de maneira generalizada ao nazismo a partir de 1925”. A SS, explica, diferentemente das ruidosas SA, oferecia aos intelectuais um destino muito mais elitista.

Mas o nazismo não lhes inspirava repugnância moral? “Infelizmente, a moral é uma construção social e política para esses intelectuais. Já haviam sido marcados pela Primeira Guerra Mundial: embora a maioria fosse muito jovem para o front, o luto pela morte generalizada de familiares e a sensação de que se travava um combate defensivo pela sobrevivência da Alemanha, da civilização contra a barbárie, arraigaram-se neles. A invasão da União Soviética em 1941 significou o retorno a uma guerra total ainda mais radicalizada pelo determinismo racial. O que até então havia sido uma guerra de vingança a partir de 1941 se transformou em uma grande guerra racial, e uma cruzada. Era o embate decisivo contra um inimigo eterno que tinha duas faces: a do judeu bolchevique e a do judeu plutocrata da Bolsa de Londres e Wall Street.

Para os intelectuais da SS, não havia diferença entre a população civil judia que exterminavam à frente dos Einsatzgruppen e os tripulantes dos bombardeiros que lançavam suas bombas sobre a Alemanha. Em sua lógica, parar os bombardeiros implicava em matar os judeus da Ucrânia. Se não o fizessem, seria o fim da Alemanha. Esse imperativo construiu a legitimidade do genocídio. Era ou eles ou nós”.

Assim se explicam casos como o de Müller. “Antes de matar a mulher e a criança falou a seus homens do perigo mortal que a Alemanha enfrentava. Era um teórico da germanização que trabalhava para criar uma nova sociedade, o assassinato era uma de suas responsabilidades para criar a utopia. Curiosamente era preciso matar os judeus para realizar os sonhos nazistas”.

Ingrao diz que os intelectuais da SS não eram oportunistas, mas pessoas ideologicamente muito comprometidas, ativistas com uma visão de mundo que aliava entusiasmo, angústia e pânico e que, paradoxalmente, abominavam a crueldade. “A SS era um assunto de militantes. Pessoas muito convictas do que diziam e faziam, e muito preparadas”. O que é ainda mais preocupante. “É claro. É preciso aceitar a ideia de que o nazismo era atraente e que atraiu como moscas as elites intelectuais do país”.

A BASE DE ‘AS BENEVOLENTES’

Ingrao e Littell. Qualquer pessoa que ler Crer e Destruir perceberá os paralelismos com o romance de Jonathan Littell As Benevolentes (2006). Ingrao a descreve como “uma réplica temática em ficção” de seu trabalho, e recorda que este, que foi sua tese, circulou amplamemente antes da publicação de As Benevolentes.
Max verossímil? Max Aue, o protagonista de As Benevolentes guarda muitas semelhanças com os intelectuais do SD de Ingrao. “Exceto na homossexualidade e no incesto. Mas, claro, é uma personagem de novela”. Não é demasiado refinado e esteticista para um SS? “Bem, Heydrich lia muito e tocava violino. E não se esqueça de que Eichmann lia Kant”, responde.
Também outro nazista tomado por Littell, Leon Degrelle (em seu ensaio O Seco e o Úmido) apresenta paralelos com o que foi estudado por Ingrao em seu livro Les Chasseurs Noirs: Oskar Dirlewanger. O primeiro era favorito de Hitler e o segundo, de Himmler.

(fonte: http://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/nazistas-assassinos-da-ss-e-doutores/)

Quem controla o que você vê ou não na internet?


por Tatiana Carlotti

Você já reparou que seus amigos de direita desapareceram do seu “feed” no Facebook? Percebeu como os anúncios do Google resolveram ofertar justamente aquilo que você pensou em comprar, mas viu o preço e acabou desistindo?

Pois saiba que seus amigos continuam na ativa, malhando a esquerda nas redes sociais, mesmo com as revelações sobre o Aécio Neves. A diferença é que eles não aparecem mais no seu Facebook, da mesma forma que você não aparece mais no deles.

Trata-se do princípio de relevância, o mesmo capaz de tornar o Google uma espécie de Mágico de Oz, capaz de criar um mundo sob medida para você. Antes de comemorar, vale conhecer o alerta de quem afirma que isso mais asfixia do que liberta.

É o caso de Eli Pariser, co-fundador da Upworthy e presidente da MoveOn.org, que em entrevista ao El País lembrou que “a democracia requer que os cidadãos vejam as coisas a partir de outros pontos de vista, em vez disso, estamos cada vez mais fechados em nossas bolhas”.

Bolhas de interesse
 
Pariser explica que isso acontece porque as empresas de internet filtram o conteúdo que é apresentado ao usuário, com base no seu comportamento na rede. Isso faz com que ele tenha acesso apenas a ideias que lhe são afins, reduzindo a possibilidade dele entrar em contato com o contraditório.

Em “O Filtro Invisível: o que a Internet está escondendo de você” (Zahar, 2012) ele analisa como corporações como Facebook, Amazon e Google se utilizam de algoritmos a partir do histórico e do perfil dos usuários na internet, ameaçando a liberdade na rede.

Em sua participação no TED Talks (confira aqui), Pariser detalha esse processo, explicando a criação de “filtros-bolha”, compostos por todos os filtros e algoritmos que geram um universo de informação sobre cada internauta. Um universo “próprio, pessoal e único” gerado a partir do que os usuários da internet são e fazem na rede.

Esses algoritmos criam o conteúdo que será ofertado, diminuindo a possibilidade de escolha do usuário e restringindo o acesso ao que extrapola esta bolha de interesses, por exemplo, visões de mundo desafiadoras que fariam o internauta reavaliar seus pontos de vista.

Pariser relata, por exemplo, sua surpresa diante do desaparecimento de seus amigos conservadores no Facebook. O sistema simplesmente percebeu que ele clicava mais nos links de seus amigos liberais e, sem consultá-lo, ocultou as postagens dos amigos conservadores em sua rede social.

Em relação ao Google, o mesmo processo: “não há mais um Google padrão”, aponta. A partir de dados prévios, a plataforma trará diferentes resultados de acordo com o internauta que realizar a pesquisa. Segundo Pariser isso evidencia a “edição algorítmica e invisível” praticada pelas corporações no ambiente virtual.

A rede passa a “mostrar aquilo que pensa que queremos ver, mas não necessariamente o que precisamos ver”, avalia. Lembrando que antes o controle dos fluxos de informação cabia aos editores da mídia, ele destaca que agora esses editores foram substituídos por algoritmos que se transformaram em “curadores do mundo”, com poder de decisão sobre o que será ou não visto pelo usuário.

“Sou um fatalista das plataformas de Internet como Facebook ou Google. A comunicação de massa já foi transferida para elas. Isso significa ceder a elas o poder de distribuição e aceitar que possam decidir o que entra ou não. É um problema, mas hoje não há alternativa para elas”, denuncia.

Privacidade ameaçada
 
Ao controle apontado por Pariser somam-se as denúncias gravíssimas de Edward Snowden, reveladas em 2013, envolvendo as empresas de internet no esquema de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana.

Em “Sem Lugar para se Esconder” (Sextante, 2014), o jornalista Glenn Greenwald traz uma farta documentação sobre os acordos secretos firmados entre NSA e as corporações da internet no escopo do PRISM, programa que permite a coleta de dados de usuários diretamente dos servidores dessas empresas.

Em um dos slides apresentados no livro (na página 117) nove empresas - Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, PalTalk, AOL, Skype, YouTube, Apple – são citadas como colaboradoras do programa. Segundo Greenwald, todas negaram ter dado acesso ilimitado a seus servidores para a NSA. Facebook e Google afirmaram que “só fornecem informações para as quais a NSA tem mandato”.

Porém, essas empresas “não negaram ter trabalhado com a NSA para montar um sistema por meio do qual a agência poderia ter acesso direito aos dados de seus clientes”, salienta o jornalista. A NSA “alardeou repetidas vezes os méritos do PRISM por suas capacidades de coleta ímpares, observando que o programa foi vital para o aumento da vigilância”, complementa.

Uma vigilância, como indica o slide, capaz de fornecer à agência, por meio desses servidores, acesso a “e-mail, chat (vídeo, voice), fotos, dados armazenados, voIP, transferências de arquivos, videoconferências, notificações de atividade do alvo (logins etc), detalhes de redes sociais na Internet, solicitações especiais”.

É compreensível, portanto, que Snowden tenha enfatizado: “livrem-se de ferramentas como o DropBox e evitem usar o Google e o Facebook”, em 2014, quando do lançamento de CitizenFour, documentário dirigido e disponibilizado na íntegra por Laura Poitras.

Além da espionagem praticada por governos, a violação da privacidade dos usuários na rede e a comercialização de seus dados para os mais diversos fins é outro alerta que vem sendo dado por vários estudiosos. Em seu artigo “A captura do poder pelo sistema corporativo” (confira aqui), o economista Ladislau Dowbor menciona a “erosão radical da privacidade” nas últimas décadas.

Hoje, alerta, “a vida de todos trafega em meios magnéticos, deixando rastros de tudo o que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento”. Empresas conseguem comprar informações pessoais de clientes e também de seus funcionários.

“A defesa dos grandes grupos de informação sobre as pessoas é de que se trata de informações ‘anomizadas’, mas o cruzamento dos rastros eletrônicos permite individualizar perfeitamente as pessoas”, analisa Dowbor.

Ele aponta que o acesso a informações confidenciais das empresas fragiliza grupos econômicos menores diante dos grupos gigantes que podem, inclusive, ter acesso às comunicações internas destes grupos.

“Não se trata apenas de alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas entre Dilma Rousseff e Ângela Merkel”, mas da violação da privacidade de todos nós e “com apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de informações do porte da NSA”.

Disputa pela atenção
 
Donos de 20% dos investimentos em publicidade no mundo em 2016, com uma arrecadação apenas em receita publicitária de US$ 79,4 bilhões (Google) e US$ 26,9 bilhões (Facebook), as duas empresas foram responsáveis por 2/3 do crescimento dos anúncios entre 2012 e 2016, segundo o relatório “Os 30 Maiores Donos de Mídia no Mundo”.

O levantamento também mostra que a Internet desbancou a teve e se tornou o maior meio para o mercado publicitário no mundo. Para entender como funciona esse mercado na rede, são preciosos os estudos de Tim Wu, professor da faculdade de Direito da Universidade de Columbia.

Em “The Attention Merchants” (Alfred A. Konpf, 2016), Tim Wu trabalha o conceito de mercado da atenção, explicando que nada é de graça na internet, porque a atenção do internauta se constitui hoje na principal moeda que circula na rede.

“Quando um serviço on-line é grátis, você não é o consumidor. É o produto”, alerta Tim Wu, analisando o comportamento de plataformas como o Google e o Facebook. Ele também destaca que em um contexto jamais visto de acesso a dados dos consumidores, em que os algoritmos decidem o que será ou não visto, os mercadores de atenção se lançaram em um verdadeiro “vale-tudo” em busca de audiência.

Essas empresas “engolem tudo o que podem aprender sobre você e tentam transformar isso em dinheiro”, aponta autor. Em meio à competição, elas inclusive se utilizam de informações apelativas, em “uma corrida em direção aos mais baixos padrões, apelando para o que se poderia chamar de instintos básicos do público”.

Tim Wu também é autor de “Impérios da Comunicação” (Zahar, 2012) que conta a história da trajetória das tecnologias e dos meios de comunicação, apontando a existência de um padrão, um ciclo de abertura e de fechamento, a cada descoberta tecnológica.

Ele mostra este padrão ao longo da história, trazendo os bastidores da atuação das corporações durante a descoberta do telefone, do rádio, da televisão, do cinema. Há um período inicial de abertura, democratização e liberdade nos meios de comunicação; seguido de um período de refluxo e fechamento, quando os monopólios do mercado se apropriam desses meios.

Ao longo de toda obra paira o questionamento sobre o que acontecerá com a Internet, com um alerta claro sobre os riscos do controle e apropriação do meio pelas corporações às custas da perda de liberdade por parte dos usuários.

Nesta terça-feira (27.06.2017), por exemplo, o Google foi multado pelas autoridades regulatórias europeias por ter favorecido ilegalmente seu próprio sistema de comparação de preços (Google Shopping) em seu mecanismo de buscas. As cifras são astronômicas: € 2,42 bilhões, o equivalente a R$ 8,9 bilhões.

Segundo a Comissão Europeia, com essa prática irregular, a empresa ampliou em 45 vezes no Reino Unido e em 35 vezes na Alemanha o número de acessos a seus serviços. Às empresas que competiam com o Google nestes países tiveram uma perda do tráfego de 85% e 92% respectivamente.

Cifras astronômicas que atestam a dimensão do poder dessas empresas.

Internet e eleições 2018
 
Os alertas e questionamentos instigados por Parisier, Snowden, Greenwald, Dowbor e Tim Wu ganham um peso ainda maior se pensarmos o papel que as mídias sociais terão nas eleições de 2018.

Dados da última sondagem do Ibope, realizada com o público apto a votar nas eleições presidenciais, apontam que 56% dos entrevistados reconhecem que as mídias sociais terão influência em suas decisões. Para 36%, elas terão “muita influência”.

O interessante da pesquisa é que o índice de relevância das mídias sociais, embora seja o mesmo ao atribuído à mídia tradicional (35% apontam “muita influência”), cresce cada vez mais no eleitorado de 16 a 24 anos: 48% deles consideram que as mídias sociais terão “muita influência” na sua escolha.

Trata-se, portanto, de uma eleição que se dará em um contexto de forte recrudescimento dessas bolhas de interesse, em um processo global de ampliação do controle pelas corporações que detêm acesso a dados de usuários e poder de decisão sobre o que é destaque ou não nas redes.

Um contexto, inclusive, de grandes dificuldades e desafios para a Mídia Alternativa no país. Hoje, a única capaz de irrigar o contraditório na pauta nacional, lamentavelmente, desidratada pelo discurso hegemônico, autoritário e golpista dos caudilhos que se arvoram donos da comunicação brasileira.

(fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Quem-controla-o-que-voce-ve-ou-nao-na-internet-/12/38334=Boletim_Carta_Maior_28062017

Um homem bomba no comando da Arábia Saudita

Mohammad bin Salman torna-se herdeiro do trono. Despreparado e belicoso, apoiador de terroristas e desprezado pela própria CIA, ele pode desestabilizar o reino e incendiar uma das regiões mais conflagradas do mundo
Por Pepe Escobar

Bem quando comentaristas de geopolítica faziam apostas para uma mudança de regime no Qatar – orquestrada por uma Casa de Saud [da Arábia Saudita] desesperada –, a mudança de regime acabou por acontecer em Riad, orquestrada pelo Príncipe Guerreiro, Destruidor do Iêmen e Bloqueador do Qatar, Mohammad bin Salman (MBS).

Considerando a impenetrabilidade daquela oligarquia familiar do petrodólar do deserto travestida de nação, dar conta desse mais recente Game of Thrones árabe é tarefa de uns poucos estrangeiros com acesso garantido. E também não ajuda que o abundante dinheiro dos lobbies sauditas – e dos Emirados – em Washington reduza virtualmente todos os think-tanks e jornalistas venais à mais abjeta máquina de calúnia e difamação.

Alta fonte no Oriente Médio, próxima da House of Saud, e dissidente de fato do consenso construído em Washington, não poupa palavras: “A CIA está muito insatisfeita com a demissão do [ex-príncipe coroado] Mohammad bin Nayef. Mohammad bin Salman é visto como patrocinador de terroristas. Em abril de 2014,  as famílias reais dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita estiveram à beira de ser derrubadas pelos EUA, por causa do terrorismo. Fez-se então um acordo, pelo qual Nayef assumiria o reino, para pôr fim ao terrorismo.”

Antes do golpe de Riad, uma insistente narrativa percorria seletos círculos geopolíticos no Oriente Médio. Segundo ela, os seviços secretos dos EUA teriam interrompido “indiretamente” outro golpe contra o jovem emir do Qatar, Xeique Tamim al-Thani, orquestrado por Mohammad bin Zayed, príncipe coroado de Abu Dhabi, com a ajuda do exército de mercenários de Eric Prince da Blackwater/Academi, nos Emirados Árabes Unidos. Zayed é nada menos que o mentor de MBS.

Nossa fonte esclarece: “os eventos estão conectados. O príncipe é CIA, mas provavelmente conteve qualquer atentado contra o Qatar. A CIA bloqueou o golpe no Qatar e os sauditas reagiram derrubando o eleito da CIA, Mohammed bin Nayef, que deveria ser o próximo rei. Os sauditas estão assustados. A monarquia está em dificuldades, porque a CIA pode pôr o exército na Arábia contra o rei. MBS fez um movimento defensivo.”

A fonte acrescenta que “MBS está caindo por todos os lados. Iêmen, Síria, Qatar, Iraque, etc. são, todos esses, fracassos de MBS. A China também não está satisfeita com MBS, que está criando problemas também em Xinjiang. A Rússia não pode estar satisfeita com o a evidência de que MBS esteve e continua por trás dos baixos preços do petróleo. Quem são seus aliados? Só tem um, seu próprio pai, que não se pode dizer que seja competente.” O rei Salman está virtualmente incapacitado, vítima de demência.
A fonte é muito clara: “É muito possível que a CIA aja contra a monarquia na Arábia Saudita.” É como dizer que a guerra entre o presidente Trump e setores seletos do Estado profundo nos EUA subiriam a um nível completamente novo.

E para complicar ainda mais o quadro, há o fator Jared da Arábia. Não há o que faça qualquer ator insider sério confirmar qualquer coisa sobre o golpe (abortado) no Qatar. Mas se esse golpe realmente aconteceu e foi abortado, Jared Kushner pode ter recebido informação interna, considerando suas conexões.

Segundo a mesma fonte, “Jared Kushner está essencialmente falido na Quinta Avenida 666, e carece da ajuda financeira dos sauditas. Nessa situação, está fazendo tudo que os sauditas mandam. 666 Fifth está em tão péssima situação financeira, que nem o sogro pode resgatá-lo.”

Operação Húbris do Deserto

Essa complexa sucessão de eventos realmente confirma o famoso memorando de dezembro de 2015 da inteligência alemã (BND) –, segundo o qual a Casa de Saud adotara “uma impulsiva política de intervenção”. O memorando da inteligência alemã detalhava o modo como a Casa de Saud, na Síria, financiara a criação do Exército da Conquista – basicamente a Jabhat al-Nusra, codinome al-Qaeda na Síria ressuscitada – bem como o grupo Ahrar al-Sham, irmão ideológico desses todos. Tradução: a Casa de Saud ajuda, apoia e arma o terrorismo salafista-jihadista. E isso num regime que agora acusa o Qatar de fazer o mesmo (Doha apoiou grupos diferentes).

No Iêmen, a inteligência alemã preocupava-se porque a guerra de MBS contra os houthis e o Exército do Iêmen só interessava à al-Qaeda na Península Arábica. Agora, a guerra de MBS – guerreada com armas norte-americanas e britânicas – também já provocou ser catástrofe humanitária horrenda.

Como é possível que um ignorante arrogante sujo doente de húbris como MBS tenha chegado tão perto de incendiar todo o sudoeste da Ásia [Oriente Médio, na terminologia eurocêntrica]? E não só o sudoeste da Ásia: ondas de desespero começam a chegar aos círculos de investimento ocidentais, ante o risco que de MBS e suas ações de tiroteio ensandecido para todos os lados rapidamente destruam incontáveis poupanças para aposentadoria por todos os lados.

Para compreender é preciso conhecer alguns detalhes. O que se tem hoje é o 3º Reinado saudita – fundado por Ibn Saud em 1902, mantendo sempre a mesma aliança tóxica com os clérigos wahhabistas trogloditas. Ibn Saud governou só Najd no início; depois, em 1913, anexou a Arábia Ocidental xiita (onde está todo o petróleo), e em 1926, Hejaz, na costa do Mar Vermelho. Um reino da Arábia Saudita “unido” só começou a existir em 1932.

Ibn Saudi morreu em 1953. A mais influente de seu harém de esposas foi, pode-se dizer assim, Hassa al-Sudairi. O casal teve sete filhos. O rei Salman (hoje consumido pela demência senil), Nayef e MBS são Sudairis. MBS é o primeiro dos netos de Ibn Saud com real possibilidade de chegar ao trono.

Alguns outros príncipes são mais competentes que MBS. Nayef, serviu durante muito tempo como ministro do Interior, foi o czar saudita do contraterrorismo (o que fez dele queridinho da CIA). Há Mitab bin Abdullah, ministro da Guarda Nacional da Arábia Saudita; o notório príncipe Turki, ex-chefe de inteligência, ex-embaixador nos EUA e ex-melhor amigo de Osama bin Laden; e Khaled bin Faisal, governador de Meca e ex-ministro da Educação.

MBS está apostando tudo na sua “Visão 2030″ – que em teoria poderia empurrar a economia saudita para além da dependência única no petróleo, mas implica uma modernização política virtualmente impossível: afinal de contas, a House of Cards [literalmente: “castelo de cartas”] saudita é não reformável. Considere-se a lista cômica, das 13 “exigências” agora impostas ao Qatar – serviço de MBS – incluindo a belicosa virtual excomunhão do Irã e o fechamento da rede al-Jazeera.

Não é surpresa que praticamente todos os grandes atores geopolíticos estejam trabalhando já em cenários de guerra – embora só a Alemanha tenha exposto oficialmente essas preocupações. O Qatar é observador na OTAN. Doha já decidiu que não se curvará às absurdas “exigências” dos sauditas. O que virá a seguir? MBS – o mais perigoso “líder” de todo o quadro geopolítico hoje – se deixará humilhar? Ou lançará mais uma guerra alucinada, pervertida, que ele jamais vencerá e que, dessa vez, convulsionará todo o planeta?

(fonte: http://outraspalavras.net/destaques/arabia-saudita-um-homem-bomba-no-comando/)