sábado, 19 de agosto de 2017

Bloqueio ao Catar e os protagonismos da Arábia Saudita e Estados Unidos

Elcineia Castro

No dia 05 de junho, a CNN noticiou que a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito haviam cortado laços diplomáticos com o Estado do Catar, alegando que esse país  estaria dando suporte ao terrorismo e contribuindo para a instabilidade na região.
O Estado do Catar é uma monarquia tradicional governada por um emir, título equivalente a um príncipe, atualmente Tamim bin Hamad al-Thani, e está. Assim como a maior parte dos Estados na região, o Catar foi protetorado da Grã-Bretanha de 1916 até 1971, quando se tornou independente. Entre 1973 e 1978, como nos principais países árabes produtores de petróleo, o Catar aumentou consideravelmente sua produção de petróleo. No entanto, tal produção é bastante modesta se comparada aos vizinhos do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita, por exemplo. Além disso, o Catar, ao lado da Rússia e Irã, é um dos maiores produtores de gás natural do mundo. Essa combinação de gás e petróleo permite que o Estado catariano tenha uma das maiores rendas per capita do mundo. Além disso, o Catar sempre agiu de forma isolada no âmbito regional e internacional, estabelecendo suas parcerias e projetos, independentes do posicionamento de seu líder regional, a Arábia Saudita.
O estopim dos conflitos que deu origem às sanções começou com uma suposta gravação em que o emir teria afirmado que o Irã é uma potência regional e que sua posição deveria ser levada em consideração no Oriente Médio. De acordo com os Emirados Árabes Unidos, esta fala foi rastreada durante uma call entre líderes e diplomatas do Catar. A Arábia Saudita foi o primeiro país a se manifestar , já que é reconhecidamente rival do Irã. A monarquia saudita alega que o bloqueio ao Catar foi necessário, pois o Irã apoia o terrorismo internacional. De acordo com o jornal Washington Post (16-07-2017), as gravações partiram de e-mail vazados da conta particular do embaixador dos Emirados Árabes Unidos nos Estados Unidos, Youself al-Otaiba. O Catar alega  que os Emirados Árabes plantaram a notícia falsa, que a fala do emir foi fabricada e que o portal e conta do Twitter da agência de notícias do país também tinham sido alvo de ataques cibernéticos realizados por desconhecidos. Mesmo que o Catar tenha negado a veracidade da fala do emir, assim que a notícia se espalhou entre os países do Golfo, houve uma grande revolta entre líderes e ministros destes países, culminando na decisão da Arábia Saudita e seus aliados em romper relações com o país.
Até o presente momento, o bloqueio dos países árabes ao Estado do Catar já dura mais de 60 dias. Assim que o bloqueio aéreo, marítimo e terrestre tomou forma, a Arábia Saudita apresentou, no dia 22 de junho, uma proposta ao Estado do Catar com 13 pontos que deveriam ser cumpridos e adequados à legislação interna do país, sendo que um dos pontos exigia o rompimento das relações entre Catar e Irã e também o fechamento da rede de comunicação Al-Jazeera. Dias depois, o governo do Catar emitiu uma nota negativa aos 13 pontos, alegando que tem o direito de conduzir sua política externa como lhe apraz e de forma autônoma. No ano de 2014, inclusive, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos já tinham retirado seus embaixadores de Doha em função da aproximação com o Irã. Mas agora as medidas tomaram outras proporções, considerando que no Catar a água é escassa e a produção agrícola é mínima, e Arábia Saudita é o principal fornecedor de água e comida para o país. E em função do bloqueio, o governo saudita simplesmente parou de fornecer água e comida ao Catar, todavia vale lembrar que o Irã tem enviado aviões com água e comida diariamente ao Catar a fim de evitar que o país enfrente qualquer tipo de escassez.
Posteriormente, mais países árabes aderiram ao boicote de diversas formas: Mauritânia, as Ilhas Maldivas e Ilha Maurício anunciaram a ruptura dos laços diplomáticos com o governo do Catar, Jordânia e o Djibuti, por sua vez, baixaram o nível das suas missões diplomáticas no Qatar, enquanto o Senegal, o Níger e o Chade retiraram seus embaixadores do país.  A Arábia Saudita exerce grande influência política sobre esses países, por conta da dependência financeira e religiosa estabelecida.  Mas, ao mesmo tempo, países importantes da comunidade internacional como Estados Unidos, Turquia, Rússia, China, Inglaterra, Alemanha e Índia pedem que a frente árabe, liderada pela Arábia Saudita alivie as sanções impostas ao Catar e procurem resolver suas diferenças através do diálogo, já que os mesmos também são grandes parceiros comerciais do país bloqueado.
Do outro lado, temos os Estados Unidos, que tem participado ativamente na região do Golfo, especialmente com o presidente Donald Trump. No dia seguinte ao bloqueio, no início de junho, o presidente norte-americano declarou-se favorável a iniciativa da Arábia Saudita e seus aliados, pois reconhecia que as justificativas de apoio ao terrorismo, financiamento da Irmandade Muçulmana e apoio ao Irã eram pertinentes. Em seguida, o Departamento de Estado emitiu um parecer tentando contornar a situação, afirmando que os países árabes deveriam aliviar as sanções. Já o Departamento de Defesa dos Estados Unidos afirmou que a decisão dos países árabes sobre o Catar pode ter um efeito positivo na luta contra o terrorismo. Vale destacar que, no dia 21 de maio, o presidente Donald Trump fez sua emblemática visita à Arábia Saudita; dando ênfase à questão da segurança, combate ao terrorismo e propondo o isolamento dos outros países árabes ao Irã. E durante a reunião com os líderes do Conselho do Golfo Pérsico, nesta mesma visita, foi adotada uma frente anti-iraniana.

No entanto, as ações dizem mais do que as confusas declarações do presidente Donald Trump ou as ações do Departamento de Defesa tentando contorná-las. Apesar das declarações favoráveis ao boicote, no dia 15 de junho, foi selado um acordo bilionário, referente à venda de caças norte-americanos para o Catar. Na sequência, a Marinha dos Estados Unidos fez diversas operações navais com a Marinha do Catar, em território catariano, já que  lá está a maior base militar norte-americana na região (base aérea e central de comando para operações militares). No dia 11 de julho, foi assinado um memorando de entendimento sobre o Combate ao Financiamento do Terrorismo entre Estados Unidos e Catar. Tais ações confirmam o compromisso dos Estados Unidos com seu aliado militar. O maior interesse norte-americano no Oriente Médio atualmente é extinguir o Estado Islâmico, enquanto a nova frente árabe liderada pela Arábia Saudita estaria preocupada com o Irã e a Irmandade Muçulmana – que ameaçam a hegemonia regional saudita.
O grande inimigo regional dos países do Golfo Pérsico é o Irã. Desde a Revolução Iraniana de 1979, o Irã e a Arábia Saudita se tornaram referência de suas respectivas correntes islâmicas, xiita e sunita. E até hoje os dois países estão empenhados numa disputa político-religiosa pelo domínio geopolítico na região. Logo, a expansão xiita na região, pode se traduzir em poder e influência política sobre os Estados sunitas, que são liderados pela Arábia Saudita. O Catar e o Irã se tornaram aliados, não só para convergir seus interesses energéticos (gás natural), mas também como uma negação à liderança regional da Arábia Saudita, apesar de parecer uma contradição, já que ambos são Estados sunitas, aliados dos Estados Unidos e integram o Conselho de Cooperação do Golfo(CCG).
Essa nova coalização no Oriente Médio liderada pela Arábia Saudita, inspirada e incentivada pelo presidente Donald Trump, durante sua recente visita à Arábia Saudita se traduz nos interesses dos Estados Unidos em posicionar-se nos bastidores como líder dos países sunitas do Oriente Médio. A aparente ambiguidade do presidente Donald Trump, em apoiar o bloqueio e ao mesmo tempo estabelecer novas parcerias com o governo do Catar, demonstra que existem duas causas a serem defendidas fortemente pelo Estado norte-americano: primeiramente, liderar os países que integram o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) através de seu parceiro e líder na região, a Arábia Saudita, formando a frente regional sunita, visando o controle geopolítico da região. E ao mesmo tempo, garantir que os interesses econômicos norte-americanos, representados nos acordos bilionários sobre a venda de armas e caças aos países árabes também estejam devidamente protegidos. Contudo, o presidente Donald Trump, que é imprevisível e costuma criar situações de conflito, parece ter sofrido algum tipo de amnésia quando expressou no Twitter apoio ao boicote feito ao Catar, sobre a alegação de combate ao extremismo e financiamento do terrorismo, ignorando que naquele exato momento, grandes parcerias com o Catar estavam sendo renovadas com o governo norte-americano. Enquanto a Arábia Saudita, se sente ameaçada por  seu rival se relacionar de forma tão próxima com seu vizinho Catar.  A crise entre as monarquias e repúblicas sunitas só demonstra o quanto o discurso de Trump durante sua visita à Arábia Saudita, tornou-se estratégico aos ouvidos dos líderes presentes, especialmente no que se refere à luta contra o terrorismo e a completa adoção do espírito anti-iraniano, mas muito mais como uma justificativa para impedir o avanço do Irã na região, do que pela realidade dos fatos. Exceto pelo Catar, que desde sua independência sempre preferiu caminhar de forma autônoma à monarquia Saud para não se transformar naquilo que mais abomina: ser uma colônia da Arábia Saudita.

(fonte: http://outraspalavras.net/terraemtranse/2017/08/11/bloqueio-ao-catar-e-os-protagonismos-da-arabia-saudita-e-estados-unidos/)

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